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ROGERIO GRECO CURSO DE DIREITO PENAL PARTE GERAL VOLUME I ARTS. 12 A 120 DO CP Revista, ampliada e atualizada até 18 de janeire de 2012 literdi, RJ 2012 Nits © 2012, Editora Impetus Ltda, l Editora Impetus Ltda. ‘ua Alexandre Moura, 51 - Gragoaté ~ Niterdi (CEP: 24210-200 ~ Telefax: (21) 2621-7007 Eprronagéo BuernOwicA: Eorrona IMPETUS Lx ‘Capa: RopRico BRESSANE Revisio pe Ponruauts: TucHa quire DE Pesquisa: Parnicia Costa oe MELO PAULA TAPMLANA PlsHEIRO ‘Teaco Gowss DE CARVALILO Prtro InPREsSAO E ENCADERNAGKO: SERMOGRAF ARTES GRAFICAS LTDA. 791d Greco, Rogério. Curso de Direito Penal / Rogério Greco. 14. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012. 824 p.; 17x 24cm. ISBN: 978-B5-7626-560-3 cpp: 345 ‘T0D0s 0s DIREITOS RESERVADOS prota 2 epost paqunos che, menclonnda-ae font Ava Aosatos autor (Lent 610/199) cerims at 104 Go hs Peeps ln Bata acon cofore Deerto 25 de 20/12/0007, Oatoré2eu profesor rapa ne fag cp gah A Btitor tmpets norma qe gusset vat da pode concrnetn ae const dextrin, concep "Wslépins Se rferéncls a oigialiade tla cra stad otal esponeabilade Ga tutr/aalso ‘wwwimpetus.combr ‘Toda honra e toda gloria sejam dadas ao Principe da Paz - Jesus Cristo. Para minhas meninas ~ Fernanda, Daniela, Emanuela e Rafaella -, razio do meu esforso. Para os meus filhos Jodo e Rogério, cumprimento de uma promessa e prova da abundancia de Deus. O AuTOR rio Greco 6 Procurador de Justis, tendo ingressado no Ministério Piblico de Minas Gerais em 1989. Foi vice-presidente da Associacéo Mineira do Ministério Piblico (biénio 1997-1998) e membro do conselho consultivo daquela entidade de classe (biénfo 2000-2001). membro fundador do Instituto de Ciéncias Penas (ICP) @ da Associagdo Brasileira dos Professores de Ciéncias Penals e membro eleito para 0 Conselho Superior do Ministério Pablico durante 0s anos de 2003, 2006 e 2008; Professor deDireito Penal do Curso de Pés-Graduagio da PUC/BH; Professor do Curso de Pés-Graduagio de Direito Penal da Fundagio Escola Superior do Ministerio Pblico de Minas Gerais; assessor especial do Procurador-Geral de Justca junto 2o Tribunal de Justiga de Minas Geras; Mestre em Ciéncias Penais pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); especilista em Direito Penal (Teoria do Delito) pela Universidade de Salamanca (Espanha); Doutor pela Universidade de Burgos (Espanha); Membro Titular da Banca Examinadora de Direito Penal do ‘XLVIII Concurso para Ingresso no Ministério Piblico de Minas Gerais; palestrante fem congressos ¢ universidades em todo o Pais. & autor das seguintes obras: Dirlto Penal (Belo Horizonte: Cultura); Estrutura Juridica do Crime (Belo Horizonte: Mandamentos); Concurso de Pessqas (Belo Horizonte: Mandamentos); Diretto Penal = Lipdes (Rio de Janeiro: impetus); Curso de Direito Penal - Parte geral e parte especial (Rio de Janeiro: Impetus); Cédigo Penal Comentado ~ Doutrina e jurisprudéncia (Rio de Janeiro: impetus); Arividade Polcial ~ Aspectos Penals, Processuais Penals, ‘Administrativos e Constzucionais (Rio de Janeiro: Impetus); Vade Mecum Penal ¢ Processual Penal (coordenador); Resumes Gréficos de Direito Penal (Rio de Jane Impetus); Direits Humanos, Sistema Prisionale Alterativas a Privagdo de Liberdade (Si Paulo: Saraiva); Virado do Avesso- Um romance histrice-teolégica sobre a vida dio apéstolo Paulo (Rio de Janeiro: Nahgash). £embaixador de Cristo. Fale direto com 0 autor pelo e-mail: rogerio.greco@terra.com.br e pelo site: wwwrogeriogreco.com.br Nota po AuToR inimigo. 0 tamanho e a forca do gigante guerrero, que nunca havia sido derrotado, intimidavam o exército de Israel. Davi, 20 contrario dos demais do seu povo, olhava muito além, pois tinha os olhos voltados para 0 Criador dos céus ¢ da terra, cuja forca 6 inigualavel. Bu n&o sei qual 0 gigante que vocé, amado leltor, ndo esté conseguindo derrotar, Contudo, tal como Davi, ndo fixe os olhos no seu problema. Olhe para elma e veja Aquele que é superior a tudo ea todos. A Biblia nos relata que Davi era um homem segundo o coragdo de Deus. Como homem, mesmo depols de ter sido coroado rei de Israel, Davi errou por diversas vezes. Adulterou, matou inocentes e descumpriu os mandamentos de Deus, Entretanto, Deus conhecia-Ihe o coragao e sabia que, mesmo errando, ele amava a0 seu Criador Todos nés erramos e, muitas vezes, nos sentimos envergonhados de falar com Deus. A mensagem que gostaria de transmitir-Ihe, nesta oportunidade, & que Deus esté esperando voc iniciar a conversa. 0 amor de Deus é tao profundo que Ele entregou seu Gnico Filho para a remissao de nossos pecados. A Palavra de Deus diz que todos pecaram e carecem da sua misericérdia. ‘Talvez voeé esteja pensando agora: “O que esta mensagem esta fazendo em ‘um livro de Direito Penal?" Na verdade, ndo existe lugar melhor para falar de Deus do que em uma obra que culda das mazelas praticadas pelo homem. 0 ser humano é mau. Mata, estupra, rouba, calunia, enfim, pratica toda sorte de iniquidades. Na época do Antigo Testamento, o povo judeu tinha de imolar um cordeiro para a remissio de seus pecados. 0 ritual consistia em pegar um cordeiro sem qualquer defeito e sobre ele impor as mios, como se estivesse transferindo a ele todos os pecados. Em seguida, o cordeiro era morto. Como a rasa humana néo cessava de pecar e o simbolismo do cordeiro Imolado ja nao era suficiente, Deus enviou o seu Filho unigénito, Jesus Cristo, que nunca havia praticado qualquer transgressio, para que fosse 0 seu cordeiro, ou seja, 0 Cordeiro de Deus, e, morrendo por nés naquele madeiro, levasse com Ble todos os nossos pecados e transgressdes. Assim, Jesus Cristo morreu por mim e por voce. Nés, na verdade, é que ‘matamos a Jesus Cristo. Contudo, ele no esta morto, pois que ao terceiro dia ressuscitou e esté vivo entre nés. Por isso, antes mesmo de ler este pequeno livro de Direito Penal, que, diga-se de passagem, no tem a menor condigao de, ‘com suas ligdes académicas, resolver os problemas da humanidade, entregue sua Vida a Jesus e deixe de olhar para seus problemas e suas transgressées como se fossem o seu Golias. Diariamente assistimos aos telejornals, cujos Ancoras, efusivamente, atribuem a chamada “onda de criminalidade” a falta de rigor das leis penais, como se nao houvesse rigor suficiente, A cada dia, nossos congressistas, com finalidades eleitoreiras, criam novas infragdes penais, almejando, com isso, satisfazer os desejos da sociedade, que se deixa enganar pelo discurso repressor do Direito Penal. Nao se iluda, pois o Direito Penal nao é a solugao para qualquer problema, 0 problema esta na natureza do homem, que é ma. Por isso, somente Deus pode resolver todos os problemas da humanidade. Se praticarmos 0 seu mandamento ~ “que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos amel..” (Jodo 13:14) ~ a sociedade ser outra. Nao haverd corrupsio, mortes, injirias, enfim, se seguirmos Suas lig6es, se o homem se voltar para Deus, tiver temor a Ele, todos os problemas sero eliminados. Durante aproximadamente dezessete anos no Ministério Pablico de Minas Gerais, pudemos perceber a diferenca em lidar com presos que conheceram a Palavra de Deus, que tiveram um encontro verdadeiro com Jesus Cristo, nosso Salvador. Nao pensam em rebelar-se; procuram se adaptar &s regras do cércere, ‘emais: servem de conforto aos que ainda se encontram nas trevas. Se vocé, querido leitor, quiser ter esse encontro com Jesus Cristo, faca esta oragio de entrega, com todo o seu coragio, Se ao final concordar com aquilo que foi ldo, diga AMEM, bem forte, com todo 0 seu sentimento. Diga comigo: Senhor Jesus, ew ndo Te vejo, mas creio que Tu és 0 Filho de Deus. Agradeso-Te, Jesus, por ter morrido em meu lugar naquele madeiro, levando Consigo todas as minhas transgressoes. Reconhego, Jesus, que Tu és 0 tinico Senhor e Salvador da mina alma. Escreve meu nome no Livro da Vida e me dé a salvasdo eterna, Amém. ‘Agora que voce entregou sua vida ao REI DOS REIS, antes mesmo de comegar a ler este liv, procure conhecer a Palavra de Deus, que é a Biblia. Quando estiver ansioso, seja estudando, trabalhando ou mesmo com problemas de ‘ordem pessoal, nfo se esquega de que, agora, vocé conhece Alguém @ quem pode confiare confidenciar todas as suas angtstias. Nao se esqueca, também, de que Jesus Cristo levou-as na cruz do calvario. Espero que goste da Ieitura que serd feita a seguir, pois procurel escrever este livro da forma mais didética possivel, buscando auxillar ndo somente 0 profissional do Direito, como também os estudantes e aqueles que desejam prestar concursos piblicos. Que Deus abengoe voc®. Maranatat Rogério Greco Nota DA EDITORA disposi¢o dos operadores juridicos, merecendo destaque na bibliografia patria. Procurador de Justiga. ‘modernos gera confusao e angustia. O ideal é que a informa: suficiente, Parabéns, portanto, ao autor, e os agradecimentos da Editora a/ele e aos leitores. William Douglas Juiz Federal, Mestre em Direito e ‘Membro do Conselho Editorial SUMARIO Capitulo 2 ~ Notas Preliminares .. Introdugao. Finalidade do Direito Penal.. 1 2. 3, Asselegio dos bens juridico-penais 4. Cédigos Penais do Brasil. 5. 6 Direito Penal Objetivo e Direito Penal Subjetivo... Modelo penal garantista de Luigi Ferrajol. 64. Dez axiomas do garantismo penal. 17. Privatizago do Direlto Penal... Capitulo 2 ~ Fontes do Direito Penal 1. Conesito.. 2. Espécies: Capitulo 3 ~ Da Norma Penal. 1. Introdusio.. 2, Teoria de Binding nnn 3. Classificagdo das normas penals. 3.4. Normas penais incriminadoras e normas penals nfo Ineriminadaras. 32, Normas penais em branco (primariamente remetidas).... 321. Ofensa ao prineiplo da legalldade pelas normas penals em branco heterogéness.. 33. Normas penals incompletas ou imperfeitas (secundariamente remetidas)... 4. Anomia e antinomia, 5. Concurso (ou conflito) aparente de normas penais 5A, Principio da especialidade.. 5.2. Principio da subsidiariedade. 53. Prinefpto da consuncéo... 3, Pena de trabalhos forgados.. 5.3.41. Crime progressive e progresslo criminosa.. SA. Principio da alternatividade.. aa 4, Pena de banimento. 5. Penas eruéis Capftulo 4 ~ Interpretasio e Integracio da Lei Penal. Capitulo 14 - Principio da Culpabilidads Introdusso. a 2. Rspécies de interpretagio.. 3. Interpretasio analégica.. 4, Interpretacio conforme a Constituls 58. 6 Capitulo 15 - Principio da Legalidade. 0 Estado de Direito e o principio da legalidad Introducdo ao principio da legalidade penal. Fungbes do prinefpio da legalidade. Legalidade formal e legalidade material Vigéncta e validade da lei... Diividas em matéria de interpretaczo. Analogia.. = 6.41. Juiz como legislador positivo e como legistadar negative ‘Termo inicial de aplicagio da lel penal... Capitulo 5 - Prineipio da Intervengio Minima, Medidas provis6rias regulando matérlas pens Capitulo 6 ~ Principio da Lesividade... Diferenga entre principio da legalidade e principio da reserva legal. Capitulo 7 ~ Principio da Adequagio Social. Capitulo 16 ~ Principio da Extra-atividade da Lei Penal 1. Introdugao.. ‘Tempo do crime.. Extra-atividade da lei penal - Esp Novatio legis in mellius e novatio legis in pejus. 4.1. Aplicagao da novatio legis in pelus nos crimes permanentes e continuados, 108 5. Abolitio eriminis... 5. Bfeitos da abolitio cimins Abolito criminis temporals. 53. Principio da continuldade normativo-tipica.. Capftulo 8 ~ Principio da Fragmentariedade wnsum Capftulo 9 - Principio da Insignifican on 1. Introduga 2: Tipicidade penal... 3. Rejelcdo ao principio da insignificincia... Capitulo 10 ~ Principio da Individualizacao da Pena. 1L. Fases da individualizagio da pena, 2, Individualizacao da pena ea Lei n° 8.072/90 6. Sucessio de leis no tempo. 64. Lelintermedisria.. 62. Sucessto de leis tempordrias ou excepcionais, 7. Combinagao de Lets... | 8. Competéncta para aplicaglo da lex mitior Capitulo 11 ~ Principio da Proporcionalidade 1. Introdusio.. 2. Profbigao de excesso e Proibicio de proteglo deficiente Apuracdo da maior benignidade da ll. Capitulo 12 ~ Principio da Responsabilidade Pessoal... 10. Irretroatividade da lex gravior e medidas de seguranca, 11, Aplicagao da lex mitior durante 0 perfodo de vacatio legis. 12, Vacatio legis indireta... | * 43, Aretroatividade da jurisprudénci Capitulo 13 - Principio da Limitago das Pena: 1. Introdusio.. 2. Penas de morte e de caréter perpétuo. Capitulo 17 - Prineipio da Territoriaiidade,.. 1, Lugar do crime... 2, ‘Territorialidade: Capitulo 18 - Principio da Extraterritorialidade. 127 Capitulo 19 - Disposigdes sobre a Aplicasdo dg Lel Penal munmnnms 134, Bticdcta da sentenca estrangetra. 131 2. Contagem de prazo 132 3, FragSes no computiveis na pena... 133, 4. Legislasio especial . 134 Capftule 20 - Conceito e Evolucao da Teoria do Crime <. seensenn 135 1. Noses fundamentais.. 135 2. Infragio penal... z 136 3. Diferenga entre crime e contravens z 37 4, Iifito penal eilfcito civil. 5. Conceito de crime. 6. Conceito analitice de erime.. 7. Conceito de crime adotado por Damasio, Dotti, Mirabete e Delmant0 wu Capitulo 21 - Conduta .. Capftulo 22 - Tipo Pen, “Conduta.. Conceito de ago ~ Causal, final e social Condutas dolosas e culposas.. Condutas comissivas e omissivaS.nn.n. ‘Auséneia de conduta.. Fases de realizasio da agi... Conceito... ‘Tipicidade penal Adequagio tipica... Fases da evolugio do tipo. ‘Teoria dos elementos negativos do tipo.. Injusto penal (injusto tipieo). ‘Tipo bésico e tipos derivades. ‘Tipos normals e tipos anormals. ‘Tipos fechados e pos abertos. 110, Tipos congruentes e tipos incongruentes.. 111, Tipo simples e tipo misto, 12, Tipo complexo.. 13. Elementares... 114, Elementos que integram o tipo. 15. Elementos especificos dos tipos penals. 16, Fungdes do tip.n Capitulo 23 - Tipo Doloso. 1. Dispositive legal 2. Coneeito de dolo. 3. 0 dolo no Cédigo Penal 4, ‘Teorias do dolo 5, Teorias adotadas pelo Cédigo Penal. 6 7 8 9. Espécies de dolo.. Dolo geral (hipétese de erro sucessivo). Dolo genérico e dolo espectfic.. Dolo normative (dolus mals) nw 10, Dolo subsequente (dolus subsequens). 111, Auséncia de dolo em virtude de erro de tipo. 12, Dolo e crime de perigo. 192 193 193 Capitulo 24 - Tipo Culposo.. 1. Dispositivo legal. 2, Conceito ¢ elementos do delito culposo. Imprudéncia, impericia e negligéncia. Crime culposo e tipo aberto. Culpa consciente e culpa inconsctente... Diferenca entre culpa consciente e dolo eventual. Culpa imprépria. Compensagio e concorréncia de culpas: Excepelonalidade do crime culposo... 10. Culpa presumida... 111, Tentativa nos delitos culposos... Capitulo 25 ~ Relagio de Causalidade Dispositivo legal Relagiode causalidade: Do resultado de que trata o caput de art. 13 do Cédigo Penal.. ‘Teorias sobre a relaglo de causalldade.. Regressao em busca das causas do resultado Processo hipotitico de eliminagio de Thyrén. Ocorréncia do resultado.. Espécies de causas.. 8.1 Causa absolutamente independente... 82. Causa relativamente independente. 9, Omissao como causa do resultado. 10. Crimes omissivos préprios e impréprios.. 11, Relevancia da omissio.. 12, Aposigio de garantidor: 13, Crimes omissives por comissio. 14, Teoria da imputagio objetiva, Capitulo 26 - Consumagio e Tentativa.. Dispositivo legal. Nao punibilidade da cogitasio e dos atos preparatérios. Diferenga entre atos preparatérios e atos de execusio Diivida se o ato é preparatério ou de execusio. ‘Tentativa e adequasio tfpica de subordinacio mediata, Blementos que caracterizam o crime tentado. eexaveene Tentativa perfeita e imperfeita.. 10. Tentativa e contravencio penal ‘LL. Crimes que nao admitem a tentatlva wn. 12. Tentativa e crime complexe. 13. Tentativa branca.. 414, Teorias sobre a puntbilidade do crime tentado... 15. Punigio da tentativa como delite auténomo. 16. Tentativa e aplicagio da pena. 17. Tentativa e dolo eventual. Capftulo 27 ~ Desisténcia Voluntéria e Arrependimento Eflcaz Capitulo 28 - Arrependimento Posterior. Capitulo 29 - Crime Impossivel. ). Diferensa entre arrependimento posterior ¢ arrependimento eficaz... Dispositivo legal. Desisténcia voluntéria.. 24. Introdusio 22. Desisténcta voluntériae politica criminal. 23. Adesistincia deve ser voluntéria,e nfo espontanea, 24. Férmula de Frank.. 25. Responsabilidade do agente somente pelos atos jé praticados... 2.6. Agente que possui um tinico projétil em seu revélver. Arrependimento eficaz. [Natureza juridica da desisténcia voluntiria e do arrependimento eficaz.. Diferenca entre desisténcia voluntéria e arrependimento eflcaz.. ‘Nao impedimento da produgiio do resultado. 273 Dispositivo legal... Natureza juriica Politica criminal... Momentos para a reparaco do dano ou restituigao da cols: InfragBes penais que possibilitam a aplicagio do arrependimento posterior. 274 ‘Ato voluntario do agente, Reparario ou restituledo total, e nfo parcial. ExtensZo da reduso aos coautores. Cooperacdo dolosamente distinta e arrependimento posterior. ASGmula n* S54 do STF... Reparagao do dano apés o recebimento da deniincia, Reparaglo dos danos e a Lei n’ 9.099/95. Arrependimento posterior e crime culposo.. Dispositivo legal Introdugzo. ‘Teorias sobre o crime impossivel ‘Absoluta ineficdcla do melo... 284. Melo relativamente ineficaz.. capi 1 2. 3. 4 5. Capftalo 31 - Erro de Tipo. a Capitulo 32 -Micitude. “Absoluta impropriedade do objeto. CObjeto relativamente impr6prio . O crime impossivel ea Sdmula n° 145 do STF. Diferenca entre erime impossivel e crime putative stulo 30 ~ Agravagio pelo Resultado.. Dispositivo legal. Inovagio das disposisées contidas no art. 19 do Codigo P nal Crimes qualificados pelo resultado. Finalidade do art. 19 do cédigo penal. Critica aos crimes preterdolosos Dispositivo legal. Conceito de erro ¢ sua distingio Brro de tipo. Consequéncias do erro de tipo... rro de tipo essencial e erro acidental... Descriminantes putativas.. 6a. Bfeitos das deseriminantes putative... 6.2. Hlipéteses de erro nas deseriminantes putativas. ‘As descriminantes putativas e as teorias extremada (estrita) e limitada da culpabilidade... _ ‘Teoria da culpabilidade que remete as consequéncias Conceito, Ticitude formal e materi [Ailicitude no conesito analitico de erime: Causas de exclusio da ilicitude... Blementos objetivos e subjetivos nas causas de exclusto da iicitude. CCausas legals de exclusto da ilicitude.. Estado de necessidade.nu 7A. Conceito ~ Blementos... 72, Estado de necessidade justificante e estado de necessidade exculpante 73. Pritica de fato para salvar de perigo atual.. 74, Perigo provocado pelo agente, 75. Evitabilidade do dano... 7.6. Estado de necessidade proprio e de terceirs.. 7.7. Razoabllidade do sacrificio do bem. 7.8. Dever legal de enfrentar 0 perigo.. 79. Estado de necessidade defensivo e agressivo. 7.0. Elemento subjetivo no estado de necessidade 7A. Excess no estado de necessidade... 742. Aberratioe estado de necessidade 73. Estado de necessidade putative... 7A4, Estado de necessidade e dificuldades econémicas.. 7AS. Efeitos civis do estado de necessidade... ‘Bens amparados pela legtima defess Espécies de legitima defesa.. Injusta agressio.. Diferenga entre agressio injusta ¢ provocardo injusta.. 5:1. Provocagio para crlagio de situagio de legitima defesa, 86. Melos necessarios.. 87. — Moderagao no uso dos meios necessérios 88. _Atualldade e iminéneia da agressso. 89. Defosa de direito préprio ou de terceire.. 8.10. Elemento subjetivo na legitima defesa... 8.11. Legitima defesa e agressdo de inlmputivels.. 8.2. Legitima defesa reciproca. = 8.13. Legitima defesa putativa versus legitima defesa auténtica (real) 8.14. Logitima defesa versus estado de necessidade.. 8.35. Excesso na legitima defesd... 8.16. Excesso intensivo e extensivo 355 8.17. Excesso na causa. 385 818. Excess exculpante.. 356 8.19. Legitima defesa sucessiva nn 357 8.20. Logitima defesa e aberratio ictus... B21. Ofendiculos.. e 22. Efeitos civis da legitima defesa. 9. Estrito cumprimento de dever legal 9.4. Conceito e requisites 9.2. Oesvaziamento do estrito cumprimento de dever legal como causa de exclusio da fictude em face da tipicidade conglobante... 10, Exercicio regular de direito 11. Consentimento do ofendido ~ conceito,finalidades ¢ requisites. Capftulo 33 - Culpabilidad 1. Coneeito. 2, Livre-arbitrio e determinismo.. 3, Bolus hlstorica da culpabilidade na teoria do delito 31, Sistema causal-naturalista de Liset Being. 3.2, Teoria normativa ~ Sistema neocléssico ~ Metodologia neokuantista 33. Teoria da ago fina. 34, Teorla social da agio. 3S. Funcionalismo... 4, Culpabilidade de ato e culpabilidade de autor. 5. Elementos da culpabilidade na concepsao finalist, 5.4. Imputabilidade (capacidade de culpabilidade). Sa, Deniincia oferecida em face de um inimputivel ede um semi-imputivel.. S42, Fmosioe paixio 5.3. Eebrlaguez tev 5.2, Potencial consciéncia sobre a lictude do fato. B2k.Tntr0d gS nnenm 5.22. Diferenga entre o desconhecimento da lei ea falta de conseiéncla sobre. licitude do fato.~ = 5.23. Consciéncia real e consciéncia potencial sobre aileitude do fato 524, Espécies de erro sobrea iliciude do fat. 52, _ Erro sobre elementos normativos do tipo. 401 52.6 — Consequénclas do erro de proibicso.. 401 5.27. .. Errode probigioe delite putative - Diferenca.. 402 5.3, Exigibilidade de conduta diversa.. 531. Concsito.. on 5.32. Causas legals do excluszo da culpabilidade por inexigiilidade de outra conduta... 5.23. Inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusto da culpabilidade... = 53.3.1. Objepio de conselé nla enn 534, _Apllcagio, no Jari, das causas exculpantes supralegais.. 6. Coculpabilidade. Capitulo 34 - Concurso de Pessoas.. Introduso.. Requisitos para o concurso de pessoas... ‘Teorlas sobre 0 concurso de pessoas... Autoria i yee 10, 4a. 42. 43. Concelto extensiva de autor. 44, Teoria do dominio do fato, BS. COROT nnn 46. Autoria direta e indireta. 4.7. Autoria mediata e crimes de mio prépria. 427 48, Coautoria e crimes de mio prépria.... ae 429 49. Autor intelectialemn 4410. Autor de determinasio. 4.11. Autoria por conviesio.. 4.12. Coautoria sucessiva. 4.13. Autoria colateral, autoria incerta e autoria desconhecida 4.14. Autoria de escrtério. Participa§Orrnnen 54. Introdusio... 52. Cumplicidade necessérla 5.3. Teorlas sobre a participa(§0 mmm 5.4, InstigagSo a autores e a fatos determinados.. SS. Participacdo punivel - desisténcia voluntaria e arrependimento eficaz do autor. 5.6. _Arrependimento do participe, 5.7. Tentativa de participag won 58. Participarao em cadeta (participagio de participasao)... 59. Participagdo sucessiva, ‘5.0. Participagiio por oiissio. 7 SAL. Impunibilidade da participario... 5.12. Participagao de menor importancia... - 5.13. Participagao em crime menos grave (desvio subjetive de conduta) 448 5.14 Cumplicidade e favorecimento real. Punibilidade no concurso de pesioas un. Circunstancias incomunicéveis... Crimes multitudingrios. Concurso de pessoas em crimes omissivos. 94. Concurso de pessoas em crimes culposos. 102. 102. 103, Crimes omissivos préprios ¢ impréprios ~ Disting 94.2. Coautoria em crimes omissives (préprios e improprios). 94.2. Participagio em crimes omissivos (préprios eimpréprios). Introduszo. Coautoria em delitos eulposos... Participagao em erimes culposos... Capftule 35 ~ Das Penas... Introdugao.. Origem das penas... Finalidades das penas ~ Teorias absolutas e relativas. ‘Teoria adotada pelo art. $9 do Cédigo Penal... Criticas aos critérios de prevencio geral e especial. exaweene Sistemas prisionais... Espécies de penas.. as. a6. a7. 88. 29. a0. eat. a2. a3. a4, eas. 6. a7. a8. 89. 820. 821, Penas restrtivas de direitos. 94. 92. 93. 9. 95, Regimes de cumprimento de pen: Fixago legal do regime iniial de cumprimento de pena A Lei n* 8,072/90 ea imposicao do cumprimento inical da pena ‘em regime fechado nos crimes nela previstos Lei de tortura e regime iniial de cumprimento de pena, Impossibilidade de cumprimento de pena em regime mais gravoso do que 0 determinado na sentenca penal condenatéria... Regras do regime fechado. 87.1. _ Rstabelecimento penal federal de seguranca méxima. Regras do regime semiaberto.. Rogras do regime aberto... ‘Aremisio pelo estdo nos regimes semlabertoeaberto Progressio e regresslo de regime... Rogime especial Direitos do preso.. : B31. Gestantes © mies pres mn ‘Trabalho do preso e remirio da pena, Remicao pelo estudo Supervenigncia de doenca mental... Detrasio.. Pristio especta, Pristo-albengue domi Uso de algemas. Monitoramento eletrénico. Introdusao. Espéctes de penas restrtvas de ret. Requisitos para a substituirao. Duragio das penas restritivas de direltos. Prestagio pecuntéria 95:1. Violéneia domésticae famillar contra a MINCE orn L 2. Concurso material ou real de crimes.. 96. 97. 9.8. 99. 90. 10, Pena de mula 101. 102. 103, 104, 105, 106. 11, Aplicasao da pena.. 11a. 112. 113. a. Capitulo 36 ~ Concurso de Crimes.. Introdusao. erda de bens e valores. Prestarao de servicos & comunidade ou a entidades publica. Interdicdo temporaria de direitos. 9.8.1. Profbicio do exerciclo de cargo, fungio ou atividade publica, bem como de mandatoeletivo... = 9.8.2. Proibigdo do exercicio de profissio, atividade ou oficio ‘que dependam de habiltagio especial, de cena ou de _autorizapio do Poder PAbIICO 983. Suspensio de autorizagdo ou de habilitarao para dirgir veicuo.. 9.8.4. — Profbigio de frequentar determinados lugares... 9.8. Profbisao de inscrever-se em concurso, avalia¢io ou exame pblices—.542 Limitaeao de fim de semana.. Converstio das penas restrtivas de dreltos. Introdusio, Sistema de dias-maulta. 102.4. Pena de multa na Lei n° 11.343/2006... Aplicasio da pena de multa... Pagamento da pena de multa. xecugio da pena de multa Competéncia para a execugio da pena de multa Introdusao.. Cleulo da pena.. CCircunstancias judicais.. 1134. Culpabilidade.... 1132. Antecedentes.. 1133. Conduta social. 1134, Personalidade do agente. BABS. MottV08 cmon 1236. Cincunstancias 11.37. Consequéncias do crime... 1138. Comportamento da vitima. Circunstincias atenuantes e agravantes. 1144. Clreunstincias agravantes... 142, Clreunstinelas atenuant@s em 1143. Circunstincias atenuantes inominadas. 144, Concurso de circunstancias agravantes e atenuantes manu 58 1145. Tribunal do jeri. = on 582 24, Introdugfo.. 22. Requisitos e consequéncias do concurso material ou real. 23. Concurso material homogéneo e heterogéneo.. 24. Concurso material e penas restritivas de direltos.. Requisitos e consequéncias do concurso formal ou ideal... 33. Concurso formal homogéneo e heterogéne0 wm 34. Concurso formal préprio (perfeito) e impréprio (Imperfeito) 35. Concurso material benético... 36. Dosagem da pena... 4. Grime continuado... Introduglo.~. [Natureza Juridica do crime continuado, Requisitos e consequéncias do crime continuad.. 43.1. Crimes da mesma espécie. = 43.2. Condisbes de tempo, lugar, maneira de execusao ou outras semelhantes ' 433. Os crimes subsequentes devem ser havidos como ‘continuagio do primelro.. 597 44, Crimes dolosos, contra vitimas diferentes, cometidos com violencia ou grave ameaga A pessoa, 45. Crime continuado simples e erime continuado qualificado. 46. — Consequéncias do crime continuado, 4.7. Concurso material benéfic. 48. Dosagem da pena no crime continuado.. 49. Crime continuado e novatia legis in pejus. Aplicasio da pena no concurso de crimes. Multa no concurso de crimes.. Capitulo 37 ~ Dos Crimes Aberrantes. 1. Introdugio.. 2. Erromna execueto (aberratio ictus). 2. Aberratio ictus e dolo event Resultado diverso do pretendide (aberratio criminis ou aberratio dict) emusn61L Concurso material benéfico nas hipéteses de aberratio ictus e aberratio criminis612 5. Aberratio causae. 613 Capitulo 38 - Limite das Penas, 1. Introdugio.. 2. Limite das penas.. 615, 61s 616 a 4 Capitulo 39 - Suspensdo Condicional da Pena.. L 410. Diferenga entre o sursise a suspensio condicional do proceso . Capitulo 40 ~ Livramento Condicional Capftulo 41 ~ Dos Efeitos da Condenas L ‘Tempo sobre o qual deversio ser procedidos os calculos para a concessio dos “beneticios” legals. ‘Condenagio por fato posterior ao iniclo do cumprimento da pena Intredugso. Aplicago do SUS anne Requisitos para a suspensio condicional da pena... Bspéctes de sursis. Revogasiio obrigat6ri Revogasao facultativa Prorrogarso automética do periode de prova Cumprimento das condig6es.. Introdusao. Requisitos do livramento condicional... Condigdes para o cumprimento do livramento.. Procedimento do livramento condicional.. Necessidade de ser ouvido o Conselho Penitenclivio para aconcessio do livramento, Revogagao do livramento condictonal. Extinedo da pena. Livramento condicional e execucao proviséria da sentenea.. Introdusio. Bfeitos genéricos da condenagio... 648 652 656 Efeitos especiticos da condenacao. Efeitos da condenaeao nos crimes contra a propriedade imaterial Efeitos da condenagao no delito de favorecimento da prostituicso ‘ou outra forma de exploraszo sexual de vulnersvel.. 656 657 EBfeltos da condenagéo na le de tortura. Capitulo 42 ~Da Reabilitagio.. 1. Introdugao. Aplicabilidade. Requisitos e competéncia para a anilise do pedido. 2658 5. Ag 6. Decadéncia do direito de quetxa ou de representaco, renincia e perdio do fend nn penal no crime complexo. Capitulo 45 ~ Extingso da Puntbilidade . Recurso do indeferimento do pedido de reabilitarao, peer 1 Inwoducto. Revogaptodareabiltasio, ©. Morte do agent Capitulo 43 - Medidas de Seguranga.... z 3. Anistia, graga e indulto, ee | 4 Rerontindade det que domi conten fats como crninaso ee 5: Procite poems : ae | 6. Remincia ao atretto de qutea ou pero acto nos crimes de apo yvada Inicio do cumprimento da medida de seguranga.. 666 61. — Rentincia ao direito de queixa... Prazo de cumprimento da medida de segurana. 62. Perdiodaotondito Desinternaso ou berasf conden 1. Retratagio do agente nos caso em que lea adm, Reinternacao do agente. ‘Medida de seguranga substitutiva aplicada ao seml-imputivel. 8. Perdio judicial, nos casos previstos em lei. 670 81, Pordao judicial no Cédigo de Transito brasileiro. 82, Perdio judicial ea Let n*9.807/99.. Extingio da punibilidade e medida de seguranca... Direitos do internado. Capitulo 46 - Prescrigao, Intreducio. [Natureza juridica da preseris0. Espécies de prescrisio. 10. Internagio cautelar.. Capitulo 44 - Aco Penal LL Introduce. 2 Condigses da agao 2A, Legitimidade das partes 22: Interesse de agi. 23. Possibilidade juridica do pedido, 24, Justa causa, Prescriedo antes de transitar em fulgado a sentenca. Prescricdio das penas restritivas de direit0$ mwa Prescrigao depois de transitar em julgado a sentenga penal condenatéria, Momento para o reconhecimento da prescrigl0 avn Prescrigio retroativa e superventente (intercorrente ou subsequente) 9. Termo iniclal da prescricdo antes de transitar em julgado a sentence final 10. Termo inicial da presericdo apés a sentenca condenatéria irrecorrivel. 11. Prescricdo da mula... 3. Espécles de ago penal. 3.41. Ago penal de iniciativa pablica, 3.1.4. Apso penal de inciativa piblica incondicionada... 3.1.2. ApS penal de iniciativa piblica condicionada & representacao do ‘ofendido ou de requisido do Ministro da Justiga. 12, Redugao dos prazos prescricionais. 3413. _Princfpios informadores da apo penal de inltativa pled mn 682 | 13. Causas suspensivas da prescriso. 3.2. Ago penal de iniciativa privada. 321. Privada propriamente dita. 3.22. Privada subsididria da piblica... 3.23. Privada personalissima wm 3.24, Prinefpios informadores da aco penal de iniciativa privada— 14, Causas interruptivas da prescrigl wn 14. Recebimento da dentincia ou da queixa. : 44.1. Recebimento da denincia ou quelxa na nova legislac3o processual penal 142. Promincia 143. Decisio confirmatéria da pontine 4, Representacio criminal ou requisigo do Ministro da Justira, re 144, PublicasSo da sentenca ou acérdao condenatbrios recorriveis. 145. Infcio ou continuagio do cumprimento da pena. 4146. Reincidéncia... 147. Bfeitos da interrupeio 15. Prescriso no concurso de crimes... 116, Prescrigo pela pena em perspectiva (Ideal, hipotética ou pela pena virtual). 17, Preserislo e detrardo, 18, Imprescritbilidade. Referencias... indice Remissivo. Carituto 1 Notas PRELIMINARES 1. INTRODUGAO Talver. a primeira indagagdo que venha a mente do leltor quando inicia 0 estudo do Direito Penal seja, a propésito, sua prépria denominagao. Por que Direito Penal e ndo Direito Criminal ou outra denominacao qualquer? © Brasil, desde que se tornou independente, em 1822, somente utilizou a expressio Direito Criminal uma ‘nica vez, em seu Cédigo de 1830 (Cédigo Criminal do Império). Nos demais, passou a adotar a denominacdo Cédigo Penal para 0 conjunto de normas, condensadas num tinico diploma legal, que visam tanto a definir os crimes, proibindo ou impondo condutas, sob a ameaca de sangao para os imputéveis e medida de seguranca para os inimputéveis,” como também a criar normas de aplicagao geral, dirigidas no s6 aos tipos incriminadores nele previstos, como a toda legislacao penal extravagante, desde que esta nao disponha expressamente de modo contrario, conforme determina o art. 12 da Parte Geral do Cédigo Penal (Lei n* 7.209/84), assim redigido: ‘Art. 12. As regras gerais deste Cédigo aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta néo dispuser de modo diverso, Conforme as ligdes de Basileu Garcia, criticava-se a expresso Direito Penal porque esta dava énfase & pena e nio abrangia as medidas de seguranca, que visam néo & punicdo do agente que cometeu um injusto tipico, mas, sim, a0 seu efetivo tratamento. Contudo, noticiava ainda o renomado mestre que alguns sustentavam ser “mais apropriado dizer Direito Criminal, porquanto as mencionadas medidas visam a evitar os crimes e pressupSem, em regra, que o seu destinatério tenha praticado algum"? 20874, com arefoma da pave goral do Cédigo Pan, a mcs de segurange pasaram estas 08 imple (ou aos seminpulives, na hipstee co parigraacnco da 28, nacnsoade ‘ondnado de expec! starr cro eons oat 3 Se GP (GARCIA, Baslou. Insttupsee de dro pent p.7. Rocéso Greco ‘Voume I Nilo Batista, adepto da expresso Direito Penal, justifica sua posigio dizendo: “Em primetro lugar [.J, apenaé condigao de existéncia juridica do crime ~ ainda que ao crime, posteriormente, 0 direito reaja também ou apenas com uma medida de seguranca. Pode-se, portanto, afirmar com Mir Puig que a pena ‘ndo apenas é 0 conceito central de nossa disciplina, mas também que sua presenga é sempre o limite daquilo que a ela pertence. Em segundo lugar, porque as medidas de seguranca constituem juridicamente sangées com caréter retributivo, ¢ portanto ‘com indiscutfvel matiz penal’”* Embora fagamos 0 estudo de um Direito Penal, nao descartamos 0 uso do vocabulo criminal do nosso sistema jurfdico. Por exemplo, 0 local onde tramitam agbes de natureza penal chama-se Vara Criminal; o recurso interposto em virtude de uma decisao proferida por um jufzo monocratico é dirigido e submetido a0 crivo de uma Camara Criminal; o advogado que milita na seara penal é conhecido como advogado criminalista. Apesar da discussio existente, a denominagdo Direito Penal é, ainda, a mais, difundida e utilizada, inclusive pela propria Constituiséo Federal, de 1988, vg., no art. 22, inciso 1. 2. FINALIDADE DO DIREITO PENAL |A finalidade do Direito Penal proteger os bens mais importantes necessérios para a prépria sobrevivéncia da sociedade, ou, nas precisas palavras de Luiz Regis Prado, “o pensamento juridico moderno reconhece que 0 escopo imediato e primordial do Direito Penal radica na protesio de bens juridicos ~ essenciais ao individuo e & comunidade”* Nilo Batista também aduz que “a missio do direlto penal é a protecdo de bens juridicos, através da cominagao, aplicagio e execusio da pena’. A pena, portanto, é simplesmente o instrumento de coereao de que se vale o Direito Penal para a protego dos bens, valores © interesses mais significativos da sociedade. Com o Direito Penal objetiva-se tutelar os bens que, por serem extremamente valiosos, nfo do ponto de vista econémico, mas sim politico, ndo podem ser suficientemente protegidos pelos demals ramos do Direito. Quando dissemos ser politico o critério de selecio dos bens a serem tutelados pelo Direito Penal, é porque a sociedade, dia apés dia, evolui. Bens ‘que em outros tempos eram tides como fundamentals e, por isso, mereciam a » BATISTA, Mio, Inrozueso etc ao roto pena bral 9.48. PRADO, ls Regie. em eco pena Const, p. 4. BATISTA, Nie. Inraaupso crite ao eto penal ras. 118. 2 Nous Preuuananes oe protesao do Direito Penal, hoje, j4 no gozam desse status.* Exemplo disso fot a revogasio dos delitos de sedugao, rapto e adultério, levada a efelto pela Lei n® 11.106, de 28 de margo de 2005. A mulher da década de 1940, perfodo em que foi editado nosso Cédigo Penal, cuja parte especial, com algumas alterases, ainda se encontra em vigor, é completamente diferente daquela que participa da nossa socledade ja no século XI. Hoje, a mulher 6 voltada para o trabalho; divide, efetivamente, os encargos relatives & manutenc3o de seu lar juntamente com 0 marido; atua ativamente na vida politica do Pais, enfim, ha uma diferenca gritante entre a que viveu na década de 1940, e a deste novo século. Conceitos modificam-se durante o passar dos anos. £ por isso que 0 Direito Penal vive, como nao poderia deixar de ser, em constante movimento, tentando adaptar-se as novas realidades sociais. Em virtude dessa constante mutaedo, bens que outrora eram considerados de extrema importancia e, por conseguinte, carecedores da especial atengdo do Direito Penal jé ndo merecem, hoje, ser por ele protegidos. Assim, jd que a finalidade do Direito Penal, como dissemos, é proteger bens essenciais & socledade, quando esta tutela nao mais se faz necesséria, ele deve afastar-se e permitir que os demais ramos do Direito assumam, sem a sua ajuda, esse encargo de proteg@-los. Esse raciocinio a respeito da finalidade protetiva de bens juridicos atribuida ao Direito Penal teve inicio com Birnbaum, em 1834. Antes dele, Feuerbach afirmava que o Direito Penal tinha por fim proteger direitos subjetivos, pols 0 delito significava uma lesdo de um direito subjetivo alheio’. Portanto, desde Birnbaum a doutrina majoritéria tem afirmado ser esta a finalidade do Direito Penal. No entanto, atualmente, parte da doutrina tem contestado esse raciocinio, a exemplo do Prof. Giinther Jakobs, que afirma que o Direito Penal nfo atendeaessa finalidade de protecao de bens jurdicos, pois, quando ¢ aplicado, o bem jurfdico que teria de ser por ele protegido jé fol efetivamente atacado. Para Jakobs, 0 que est em jogo ndo é a protesao de bens juridicos, mas, sim, a garantia de vigéncia da norma, ou seja, 0 agente que praticou uma infraglo penal deverd ser punido para que se afirme que a norma penal por ele infringida est em vigor. Conforme destacado por Guillermo Portilla Contreras, para Jakobs, “o essencial no Direito Penal nao ¢ a proterdo de bens juridicos seno a protecio de normas, dado que os bens se convertem em juridicos no momento em que sdo protegidos normativamente”; e continua dizendo que “o delito j4 nao se caracterizaré pelo conceito de dano social, sendo pelo de Infidelidade ao ordenamento, e a pena Cs assovera Sérgio Sslonéo Shacara, “ao & por outa razbo que, no momento em que vteros do andes modtcages soll, de evaigao supertes ectemos a enfant um Guo problem: uss fons lcs devem sex protagios; quel bens juries nfo als provoam de poles. Em ous pla, eens ane de na va do duas mos qua cminaloacondoae © Que 28 deseitnake”(Aesponsaldede penal ‘ pesaa erica, p13, FERNANDEZ, Gonzalo D. Bin roy sista dl dette». 12. Rocénio Guico Vouwme 1 ‘cumpriré a missio de confirmar 0 mandato jurfdico como critério orientador ‘das relagdes socials’ Apesar da posigo do emérito catedrético da Universidade de Bonn, prevalece aquela a respeito da finalidade protetiva de bens que é atribufda ao Direito Penal. Consequentemente, se o Direito Penal tem por fim proteger bens juridicos, nao pode ocorrer a criagao tipica sem que algum bem esteja sendo por ele tutelado. A SELECAO DOS BENS JURIDICO-PENAIS Sendo a finalidade do Direito Penal a protecio dos bens essenciais a0 convivio em sociedade, deverd o legislador fazer a sua selecio. Embora esse critério de escolhia de bens fundamentais no seja completamente seguro, pois que nele 1A forte conotagio subjetiva, natural da pessoa humana encarregada de levar a efeito tal selego, podemos afirmar que a primeira fonte de pesquisa encontra- se na Constitulcao. 0s valores abrigados pela Constitui¢do, tals como a liberdade, a seguranca, 0 bem-estar social, a igualdade e a justica, sio de tal grandeza que o Direlto Penal nao poderd virar-thes as costas, servindo a Lei Maior de norte ao legislador na selegdo dos bens tidos como fundamentals? ‘A Constituigao exerce, como veremos mals adiante, duplo papel. Se de um lado orienta o legislador, elegendo valores considerados indispensaveis ‘manutengo da sociedade, por outro, segundo a concepeo garantista do Direito Penal, impede que esse mesmo legislador, com uma suposta finalidade protetiva de bens, profba ou imponha determinados comportamentos, violadores de direitos fundamentais atribuidos a toda pessoa humana, também consagrados pela Constituigio. Nesse sentido sio as ligbes de André Copetti, quando assevera: “f nos meandros da Constituicao Federal, documento onde esto plasmados os principios fundamentals de nosso Estado, que deve transitar o legislador penal para definir legislativa- mente os delitos, se ndo quer violar a coeréncia de todo o sis tema politico-juridico, pois ¢ inconcebivel compreender-se 0 T CONTRERAS, Gero Porta. Lainmnats do las cnca cose one! dseono pent aceon cet Insite slic retour elas er uncunaltas yon ans Eco de Habermas sabre seca {Beinrocee pein (rio itncn ae dreco ara en l cao de Se, p10. “Ea Const qe cna opr do Estado, (catclrmere ar ‘Sst o Dato, om sap o Oreo Paral parm da stoi police (Focal, ove exeresa es "eat Ia Constituigo, mes, mais do que isso, dever traduzir os vs gue o cage do Sse fanaa crs como rennin mer da Tare, orl pectic do ornate fe de itowengio pana ecu por sua vez, dota o Sms So pve nas eons sites" (QUEIROZ, Pau do Sota Brot penr nodosa eta p11) 4 Noms PReuananss Curtruto 1 direito penal, manifestagdo estatal mais violenta e repressora do Estado, distanclado dos pressupostos éticos, socials, eco- ndmicos e politicos constituintes de nossa sociedade”.”” 4, CODIGOS PENAIS DO BRASIL Depois da proclamagio da Independéncia, em 1822, e depois de ter-se submetido s Ordenagdes Afonsinas, Manoelinas ¢ Filipinas, 0 Brasil editou, durante sua histéria, os seguintes Cédigos: ~~ Cédigo Criminal do Império do Brasil, aprovado em 16 dezembro de 1830; = Cédigo Penal dos Estados Unidos do Brasil, Decreto n¢ 847, de 11 de outubro de 1890; ~ Consolidago das Leis Penais, aprovada e adotada pelo Decreto n* 22.213, de 14 de dezembro de 1932; ~ Cédigo Penal, Decreto-Lei n* 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - cuja Parte Especial, com algumas alteracdes, encontra-se em vigor até os dias de hoje; ~ C6digo Penal, Decreto-Lei n* 1.004, de 21 de outubro de 1969 - que permaneceu por um perfodo aproximado de nove anos em vacatio legis, tendo sido revogado pela Lei n* 6.578, de 11 de outubro de 1978, sem sequer ter entrado em vigor; ~ Cédigo Penal, Lei n* 7.209, de 11 de julho de 1984 ~ com esta lei foi revogada, tao somente, a Parte Geral do Cédigo Penal de 1940. 0 nosso atual Cédigo Penal é composto por duas partes: geral (arts. 1° 120) especial (arts, 121 a 361), E-a Parte ‘Geral do Cédigo destinada a edigo das normas que vao orientar © intérprete quando da verificagao da ocorréncia, em tese, de determinada infracao penal: Ali encontramos ‘normas destinadas & aplicaso da lei penal, preocupando-se o legislador em esclarecer, vg., quando se considera praticado o delito, ou seja, o tempo do crime; culda de conceitos fandamentais a existéncia do delito, como a conduta do agente (dolosa ou culposa), bem como o nexo de causalidade entre esta ¢ o resultado; elenca causas que excluem o crime, afastando sua ilicitude ou isentando o agente de pena; dita regras que tocam diretamente a execuco da pena infligida ao condenado, bem como a aplicasio de medida de seguranga ao inimputével ou semi-imputvel; enumera causas de extingao da punibilidade; enfim, ocupa-se de regras que sdo aplicadas nao 36 aos crimes previstos no préprio Cédigo Penal, como também & toda legislasao extravagante, isto 6, aquelas normas que no esto contidas no corpo do Cédigo, ‘mas que dispSem também de matérias penais. 10 COPETT, Anat. cit penal sctseo cemacritco de dro, p 197-98, Rogtato Gusco Vous 1 ‘AParte Especial do Cédigo, embora contenha normas de contetido explicativo, éomo, vg., aquela que define 0 conceito de funcionario publico (art. 327), ou ‘mesmo causas que excluam o crime ou isentem o agente de pena, é destinada, precipuamente, a definir os delitos e a cominar as penas. ‘No Cédigo Penal ainda percebemos que, quase sempre ao lado dos artigos, de forma destacada, encontramos determinadas expressdes que se destinam a sua maior inteligibilidade. Vejamos 0 exemplo do art. 18, Antes mesmo de fazermos a sua leitura, podemos perceber que esse artigo culdard de algo que diz respeito anterioridade da lei. E por que chegamos a essa conclusio? Por uma razo muito simples: o préprio legislador preocupou-se em nos informar, por intermédio daquilo que chamamos de indicagdo marginal ou rubrica, que aquele artigo seria destinado a tratar da matéria j4 por ele anunciada. Vejamos outro exemplo: no art. 121, caput, temos a seguinte redago: matar alguém. 0 legislador, neste caso, dou a esse crime 0 nomen furis de homicfdfo, colocando essa expresso em sua rubrica, A indicagao marginal ou rubrica variard de acordo com cada infra¢ao penal ou institute da Parte Geral ou Especial do Cédigo, podendo também ser utilizada na legislagdo extravagante. Curiosamente, nosso Cédigo Penal tinha, em sua Parte Especial, dois delitos diferentes que possuiam a mesma indicacdo marginal. Havia, nos arts. 332 357, a rubrica explorapdo de prestigio. A primeira dizia respeito ao crime praticado por particular contra a administrarao em geral ea segunda importava, especificamente, em crime contra a administragao da justiga. Com a entrada em vigor da Lel n® 9.127/95, que deu nova redacdo ao art. 332 do Cédigo Penal, 6 legislador entendeu por bem modificar a rubrica. Agora, aquele que solicita, exige, cobra ov obtém, para si ou para outrem, vantagem, a pretexto de influir em ato praticado por funciondrio piblico no exercicio da fungao, comete 0 delito de tréfico de influéncia, e nao mais 0 de exploragao de prestigio. 5, DIREITO PENAL OBJETIVO E DIREITO PENAL SUBJETIVO Direito Penal Objetivo € 0 conjunto de normas editadas pelo Estado, definindo crimes e contravensdes, isto é impondo ou proibinde determinadas condutas sob a ameaga de sangao ou medida de seguranca, bem como todas as outras que cuidem de questdes de natureza penal, vg., excluindo o crime, isentando de pena, explicando determinados tipos penais. (© Estado, sempre atento ao principio da legalidade, pilar fundamental de todo 0 Direito Penal, pode, de acordo com sua vontade politica, ditar normas de conduta ou mesmo outras que sirvam para a Interpretario e a aplicasao do Direito Penal. Todas essas normas qué ganham vida no corpo da lei em vigor formam 0 que chamamos de Direito Penal Objetivo. Noms Preunananes Cut 1 Direito Penal Subjetivo, a seu turno, é a possibilidade que tem o Estado de criar e fazer cumprir suas normas, executando as decisdes condenatérias proferidas pelo Poder judiciério. f o préprio fus puntendi.Se determinado agente praticar um fatotipico, antijuridico e culpavel, abre-se ao Estado o dever-poder de iniciar a persecutio criminis in judico, visando aleangar, quando for 0 caso © obedecido o devido processo legal, um decreto condenatério. Mesmo que em determinadas ages penais 0 Estado conceda a suposta vitima a faculdade de ingressar em juizo com uma queixa-crime, permitindo- Ihe, com isso, dar infcio a uma relagio processual penal, caso o querelado vena a ser condenado, o Estado nio transfere ao querelante 0 seu ius puniendi. Ao particular, como se sabe, 6 cabe o chamado (us persequendi ow o ius accusations, ou sefa,o direto de vira juizo e pleitear a condenagao de seu suposto agressor, ras nao o de executar, ele mesmo, a sentenga condenatéria, haja vista ter sido a vinganga privada abolida de nosso ordenamento juridico. 0 chamado ius puniendi, no entanto, nfo se limita execuso da condenasio do agente que praticou, por exemplo, 0 delito. A prépria criagao da infragio penal, atribufda ao legislador, também se amolda a esse conceito, Assim, tanto exerce 0 fus puniendi o Poder Legislativo, quando criaas figuras tipicas, como © Poder Judictério, quando, depois do devido processo legal, condenado 0 agente que violowa norma penal, executa sua deciséo.* Podemos subdividir, ainda, o ius puniendi em: positivo e negativo. Jus puniendi positive seri 0 citado anteriormente, vale dizer, o poder que tem, © Estado nao somente para criar os tipos penais, como também para executar suas decis6es condenatorias. Ius:puntendi em sentido negativo seria, conforme as lig6es de Antonio Cuerda Riezu, "a faculdade de derrogar preceitos penals ou bem restringir o alcance das figuras di "82 atribuirao essa que compete ao Supremo Tribunal Federal, quando declara a inconstituclonalidade de lei penal, produzindo eficécia contra todos futovinclant, conforma detaroina 0 § 20 art. 02 a Consteulete rederal, Assim, concluindo, podemos considerar 0 Direito Penal Objetivo e o Direito Penal Subjetivo como duas faces de uma mesma moeda. Aquele, come conjunto de normas que, de alguma forma, cuida de matéria de natureza penal; este, como © dever-poder que tem 0 Estado de criar os tipos penais, e de exercer 0 seu direito de punir caso as normas por ele editadas venham a ser descumpridas. 7 Pass dro a 57a a re 80011679 (stab do nd) camo sco & e850 era etal Si eee Sd pan, ss at ra es rp Snes pana dacs conta oe So embeded is a0 ra crcl ara ‘proibida em qusiquer caso a pens de mort. * 12 CUEROA FIZ, Aono. iegtry eecho pent. 8 Roctaio Graco Vowne I 6. MODELO PENAL GARANTISTA DE LUIGI FERRAJOLI Conforme as ligdes de Bobbio, “as normas de um ordenamento nao esto todas no mesmo plano, H4 normas superiores e normas inferiores. As inferiores dependem das superiores. Subindo das normas inferiores Aquelas que se encontram mais acima, chega-se a uma norma Suprema, que no depende de nenhuma outra norma superior e sobre a qual repousa a unidade do ordenamento. Essa norma suprema éanorma fundamental. Cada ordenamento possui uma norma fundamental, que dé unidade a todas as outras normas, isto 6, faz das normas espalhadas e de varias proventéncias um conjunto unitdrio que pode ser chamado de ordenamento" E 6 justamente sobre essa hierarquia de normas, existente no chamado Estado Constitucional de Direito, que Lulgi Ferrajoli vai buscar os fundamentos do seu modelo garantista. Num sistema em que hé rigidez constitucional, a Constituigao, de acordo com a visio piramidal proposta por Kelsen, é a "mie" de todas as normas. ‘Todas as normas consideradas inferlores nela vaio buscar sua fonte de validade. Nao podem, portanto, contrarié-la, sob pena de serem expurgadas de nosso ordenamento juridico, em face do vicio de inconstitucionalidade. ‘A Constitulgo nos garante uma série de direitos, tidos como fundamentals, que ndo poderio ser atacados pelas normas que Ihe séo hierarquicamente inferiores, Desa forma, ndo poder o legislador infraconstitucional proibir ou impor determinados comportamentos, sob a ameaca de uma san¢ao penal, se © fundamento de validade de todas as leis, que é a Constituigéo, nao nos impedir de praticar ou, mesmo, néo nos obrigar a fazer aquilo que o legislador nos est impondo, Pelo contrérlo, a Constituico nos protege da arrogancia e da prepoténcia do Estado, garantindo-nos contra qualquer ameaga a nossos direitos fundamentais. Nesse sentido, Ferrajoli aduz que o "garantismo ~ entendido no sentido do Estado Constitucional de Direito, isto 6, aquele conjunto de vinculos e de regras racionais impostos a todos os poderes na tutela dos direitos de todos, representa 0 tinico remédio para os poderes selvagens’, e distingue as garantias em duas grandes classes: “as garantias primérias e as secundérias. As garantias primarias, sio os limites e vinculos normativos - ou seja, as proibigdes e obrigacdes, formais e substanciais ~ impostos, na tutela dos direitos, ao exercicio de qualquer poder. As garantias secundérias so as diversas formas de reparacao ~ a anulabilidade dos atos invélidos e a responsabilidade pelos atos ilicitos ~ subsequentes as violagées das garantias primérias’ {JF BOBBIO,Neraro, Teva aoordonamento rien, p 49. “U4 FERRAJOU, Lig I garanteme ya soe al drschap 122. 8 onsen Notas PRELIMINARES Cuotrvto 1 A magistratura, segundo a concepso-garantista de Ferrajoll, exerce papel fundamental, principalmente no que diz respelto ao critério de interpretagao da lei conforme a Constituigao. 0 Juiz nao é mero aplicador da lei, mero executor da vontade do legislador ordinario. Antes de tudo, é 0 guarditio de nossos direitos fundamentais. Ante a contrariedade da norma com a Constituigao, deveré o magistrado, sempre, optar por esta titima, fonte verdadeira de validade da primeira. Nas palavras de Ferrajoll, sujeisao do juiz a lel jé néo é, como o velho paradigma positivista, sujeigdo a letra da lei, qualquer que fosse seu significado, sendo sujei¢ao a lei enquanto valida, quer dizer, coerente com a Constitulcdo. E no modelo constitucional garantista a validez jé nao ¢ um dogma associado A mera existéncia formal da lei, senéo uma qualidade contingente da mesma ligada a coeréncia de seus significados com a Constituigo, coeréncia mais ou menos opindvel e sempre remetida i valoraeio do juiz. Disso se segue queainterpretacio judicial da lei é também sempre um juizo sobre a lei mesma, que corresponde ao juiz junto com a responsabilidade ‘de eleger os tinicos significados vélidos, ou seja, compativeis ‘com as normas constitucionais substanciais e com os direitos fundamentais estabelecidos pelas mesma: Como bem destacou Salo de Carvalho, “ateoria do garantismo penal, antes de mais nada, se propde a estabelecercritériosde racionalidadeecivilidadeaintervengio penal, deslegitimando qualquer modelo de controle social maniquefsta que coloca a ‘defesa social’ acima dos direitos e garantias individuais. Percebido dessa forma, 0 modelo gerantista permite a, criagao de um Instrumental. prético- tedrico idéneo a tutela dos direitos contra a irracionalidade dos poderes, sejam piiblicos ou privados. Os direitos fundamentais adquirem, pois, status de intangibilidade, estabelecendo o que Elias Diaz e Ferrajoll denominam de esfera do néo-decidivel, nticleo sobre 0 qual sequer a totalidade pode decidir. Em realidade, conforma uma esfera do inegoclavel, cujo sacrificio nao pode ser legitimado sequer sob a justificativa da manutenclo do ‘bem comum’, Os direitos fundamentals direitoshumanosconstitucionalizados = adquirem, portanto, a funcdo de estabelecer 0 objeto e os limites do direito penal nas sociedades democraticas"** up. Dorchaeo gras -La oy del ms dbp. 26 18 CARVALHO, Salo de; CARVALHO, Amin Buano de. Apliaro ca penn © garatemo p17, Rocénio Gusco Youne I 6.1. Deza: ‘A teoria garantista penal, desenvolvida por Ferrajoli,” tem sua base fincada em dez axiomas, ot seja, em dez maximas que dao suporte a todo oseuraciocinio. Sfo eles: mas do garantismo penal. |. Nulla poena sine crimine; Nullum erimen sine lege: . Nulla lex (poenalis) sine necessitate; ‘Nulla necessitas sine injuria; 1 2. 3 4, 5. Nulla injuria sine actione; 6. Nulla actio sine culpa; 7. Nulla culpa sine judicio; 8. Nullum judicium sine accusatione; 9. Nulla accusatio sine probatione; 10, Nulla probatio sine defensione. Por intermédio do primeiro brocardo ~ nulla poena sine crimine -, entende- se que somente seré possivel a aplicacio de pena quando houver, efetivamente, a pratica de determinada infragio penal, que, a seu turno, também devers estar expressamente prevista na lel penal - nullum crimen sine lege. A lei penal somente poderé proibir ou impor comportamentos, sob a ameaga de san¢io, se houver absoluta necessidade de proteger determinados bens, tides como fundamentais ao nosso convivio em sociedade, em atengao ao chamado direito penal minimo - nulla lex (poenalis) sine necessitate. As condutas tipificadas pela lei penal devem, obrigatoriamente, ultrapassar a pessop do agente, isto é, ndo poderdo se restringir & sua esfera pessoal, & sua intimidade, ou ao seu particular modo de ser, somente havendo possibilidade de proibicao de comportamentos quando estes vierem a atingir bens de terceiros ~ nulla necessitas sine injuria -, exteriorizados mediante uma ago ~ nulla injuria sine actione-, sendo que, ainda, somente as ages culpavels poderao ser reprovadas, = nulla actio sine culpa. 0s demais brocardos garantistas erigidos por Ferrajoll apontam para a necessidade de adogéo de um sistema nitidamente acusatério, com a presenca de um julz imparcial e competente para o julgamento da causa ~ nulla culpa sine judicio - que no se confunda com 0 6rgio de acusagao ~ nullum judicium sine ‘accusatione. Fica, ainda, a cargo deste iltimo o énus probatério, que nao poderé ser transferido para o acusado da prética de determinada infragao penal ~ nulla accusatio sine probatione -, devendo ser-lhe assegurada a ampla defesa, com ‘todos os recursos a ela inerentes ~ nulla probatio sine defensione. “T7FERRAIOL Lal Dito aztop. 7475. 10 [Novas Prauimananes Cuotruto 1 7. PRIVATIZACAO DO DIREITO PENAL ‘Temos assistido, ultimamente, & retomada do prestigio da vitima no processo penal. Depois da Segunda Guerra Mundial, com a descoberta das atrocidades do nazismo, surge pela primeira vez 0 termo vitimologia. Conforme esclarece Heitor Piedade Jinior, “o termo ‘vitimologia’, que etimologicamente deriva do latim victima, ae e da raiz grega logos, fol pela primeira vez, segundo se afirma, empregado por Benjamin Mendelson, em 1947, numa conferéncia pronunciada no Hospital do Estado, em Bucareste”* ‘Muitos institutos penais e processuais penais foram criadosmais sob oenfoque dos interesses precipuos da vitima do que, propriamente, do agente que praticou a infracao penal. Sua vontade é levada em considerago, por exemplo, nas ages de iniciativa privada, ou mesmo nas ares de iniciativa publica condicionadas & representacio; no arrependimento posterior, previsto no art. 16 do Cédigo Penal, tem-se em mira a repara¢do dos prejuizos por ela experimentados; a prépria Lel que criou os Juizados Especiais Criminals (9.09/95), em seu art. 62, depois de esclarecer que 0 processo deverd ser orientado pelos critérlos da oralidade, da informalidade, da economia processual e da celeridade, afirma que os seus objetivos serdo, sempre que possivel, a reparacdo dos danos sofrides pela vitima ea aplicagao de pena nao privativa de liberdade ete. Vemos, assim, que a vitima, esquecida que foi durante décadas, comeca a retomar posicao de proeminéncia, sendo seus interesses priorizados pelo Estado. Essainfluénciadavitimano direito eno processo penal fezcomquealguns autores cunhassem a expressao privatizagdo do direito penal, entendendo-a como uma outra via de reagao do Estado. Ulfrid Neumann esclarece que “recentemente, a introdusdo da relaco autor-vitima-reparagio no sistema de sangBes penals nos conduz a um modelo de ‘trés vias’ onde a reparacio surge como uma terceira fungdo da pena conjuntamente com a retribuigdo e a prevencao"” Areferida Let dos Juizados Especiats nos fornece outro exemple queseamolda a0 conceito de privatizacdo do Direito Penal, vale dizer, a composiedo dos danos, zna qual, nas hipéteses de aco penal de iniciativa privada ou de aggo penal de iniciativa pablica condicionada 4 representagio, o acordo homologado acarreta arentincia ao direito de queixa ou representardo, nos termos do pardgrafo tinico do art. 74 da Lei n= 9,099/95, {8 PIEDADETNiOn, Hetor. Viinotoia~ evolu no topo 0 no eapao, p78. E.NELMMING UI, Atos af Goce paral Cen «tec el Sr pan car de spb). 202, u Carituto 2 FONTES DO DireEITO PENAL 1, CONCEITO Fonte, no seu sentido mais amplo, quer dizer lugar de procedéncia, de onde se origina alguma coisa, 0 Direito Penal, como nao poderia deixar de ser, também ‘tem suas fontes. Na precisa ligio de Fontan Balestra, “na ciéncta jurfdica, fala-se em fontes do direito, atribuindo- se A palavra uma dupla significagao: primelramente, devemos entender por ‘fonte’ o ‘sujelto’ que dita ou do qual emanam as normas juridicas; em segundo lugar, o modo ou o meio pelo qual se manifesta a vontade juridica, quer dizer, a forma como 0 Direito Objetivo se cristaliza na vida social. Este duplo significado da lugar distingao entre fontes de produgio & fontes de cognigao ou de conhecimento”?! 2. ESPECIES ~ Partindo da ligio do renomado autor argentino, podemos dividir as fontes do Direito Penal e1 . a) fontes de produsio; 'b) fontes de conhecimento, que podem ser, © Estado, © com este vocabulo no estamos querendo nos referir especificamente aos Estados que compéem a Federagio brasileira, massimaesta ‘iltima, é a nossa tinica fonte de produgdo do Direito Penal. Conforme preceitua © inciso I do art. 22 da Constituicao Federal, compete privativamente & Unido legislar sobre direito penal. Assim, cabe tio somente & Unio, como tinica fonte de produsdo, ditar normas gerais de Direlto Penal, bem como proibir-ou impor determinadas condutas (comissivas ou omissivas), sob a ameaca de sancdo. Quando nossa Carta Maior diz competir privativamente & Unido legislar sobre Direito Penal, quer dizer que somente com a conjugasao da vontade do povo, representado pelos seus deputados, com a vontade dos Estados, representados inda, imediata e mediatas, |BALESTIA, Carce, Derecho pan -lnoducsién y pate genera. 108, Roctnio Gasco Vows I pelos seus senadores, ¢, ainda, com a sancao do Presidente da Repiiblica, é que se pode inovar em matéria penal, criando ou revogando, total ou parcialmente, as leis penais. Embora seja da competéncia privativa da Unido legislar sobre o Direito Penal, como bem destacou Paulo Queiroz, “excepcionalmente os Estados membros podem fazé-lo quanto a questdes especificas (v. g. transito local), desde que haja autorizacao por lei complementar para tanto (CF, art. 22, pardgrafo iinico)."* (0 Estado, jé fol dito, é a Ginica fonte de produgao do Direito Penal. Contudo, para que possa exteriorizar sua vontade, deve valer-se de algum instrumento, (© qual, in casu, é a lel. Deixando transparecer a adosio, por nés, do sistema representativo, diz a nossa Lei Maior, em seu paragrafo tinico do art. 1% Todo 0 poder emana do povo, que 0 exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituigao. Importa salientar que quando a Unido cria tipos penais incriminadores, por exemplo, é como se todo 0 povo brasileiro tivesse anuido para com a inovagio feita ao sistema juridico-penal, ‘em virtude da adosao do aludido sistema representativo. ‘Alei, portanto, seria a tinica fonte de cognicdo ou de conkecimento do Direito Penal no que diz respeito a proibi¢ao ou imposicao de condutas sob a ameaca de pena, atendendo-se, dessa forma, ao princfpio da reserva legal, insculpido no inciso XXXIX do art, 5* da Constitui¢ao Federal, assim redigido: Nao hd crime ‘sem lel anterior que o defina, nem pena sem prévia cominacéo legal. Nossa doutrina, contudo, biparte as fontes de cogniso ou de conhecimento a) imediata e 1b) mediatas. Imediata seria a lei. Para saber se determinada conduta praticada por alguém 6 proibida pelo Direito Penal, devemos recorrer exclusivamente .& lel, pois somente a ela cabe a tarefa, em obediéncia ao prinefpio da legalidade, de proibir comportamentos sob a ameasa de pena. Em virtude disso é que Fontan Balestra coneluii “Em matérla penal, em nosso regime institucional, ndo existe outra fonte do direito a ndo ser a lei. Os costumes, a jurisprudéncia e a doutrina podem ter influéncia mais ou menos direta na sango e modificag4o das leis, mas néo sao fontes do Direito Penal”* Apesar do ponto de vista do conceituado tratadista, podemos comungar com ‘a posigao daqueles que incluem e entendem os costumes e os principios gerais, de direito como espécies de fontes cognitivas mediatas. 1 QUEIROZ, Polo. Oto enal— pare gra p41. '3 FONTAN BALESTRA, Onze. Dereso panal~Inreduccisn y part gone p05 4 Fowsris po Dinsiro PeNat Cartrur0 2 De acordo com Mirabete, “o costume é uma regra de conduta praticada de modo geral, constante e uniforme, com a consciéncia de sua obrigatoriedade'* Servem os costumes para auxiliar o intérprete a traduzir conceitos, tais como 0 de repouso noturno, honra etc, permitindo, assim, um enquadramento correto do fato ao tipo penal, Para que uma conduta se torne um costume e no se confunda com um ‘mero habito, Limonge Franca aponta os seguintes fatores: a) continuidade; »b) uniformidade; ¢} diuturnidade; d) moralidade; ¢) obrigatoriedade* 0s costumes podem ser populares ou clentificos, e a doutrina os classifica, quanto ao alcance, em costumes contra legem (contratios i lei), praeter legem (além da lei) secundum legem (absorvidos pela prépria lel, pasando ao status de fonte priméria). Discute-se, comumente, se os costumes tem o poder de revogar as leis, ou, melhor dizendo, se. pritica reiterada de determinadas condutas teria o condo de afastar a aplicagio da lei penal. 0 jogo do bicho 6 o exemplo clissico daqueles que dofendem a tese dessa possibilidade. Nao obstante algumas posi¢des contrérias, pensamento que prevalece, tanto na doutrina quanto em nossos tribunals, é no sentido da impossibilidade de se atribuir essa forca aos costumes. Isso porque 0 art. 25, caput, da Lel de Introdugao as normas do Direito brasileiro, de forma clara e precisa, preconiza: “Nao se destinando a vigéncia temporérla, a lel terd vigor até que outra a modifique ou revogue.” Nesse sentido sao as licdes de Bobbio, quando aduz que “nos ordenamentos em que o costume é inferior lel, nfo vale o costume ab-rogativo; a lei nfo pode ser revogada por um costume contrério’ Assim, ndo se pode falar em revogarao de leis pelos costumes, mas tio somente por outra lei : Embora nao possam revogar a lei penal, os costumes fazem com que os claboradores da lei repensem na’riecdssidade ou ndo da permanéncia, em nosso ordenamento juridico, de determinado tipo penal incriminador. Da mesma forma que os costumes, o desuso de certa lei penal nio traz a {dela de sua revogaeao, podendo ser ela aplicada a qualquer momento. Quanto aos principlos gerais do Direito, Bobbio preleciona serem eles ‘normas fundamentais ou generalissimas do sistema, as normas mais gerals'.? Frederico Marques, a seu turno, aduz: “No campo da lcitude do ato, hd casos onde sé os principios do direito justificam, de maneira satisfat6ria e cabal, a inaplicabilidade das sanées punitivas. £ 0 que sucede nas hipéteses onde a conduta de determinada pessoa, embora {TWRABETE, Vo Far. Manual de to pana Parte Gea p47. '5 FRANGA, Rubens Linon Inetuivce de crato cl. 14 6 BORBIO, Nobea. Tea co rcenament urn, . 9. 1 BORBIO, Nebero, Teo do ocenamento ute, . 158. 1s Rocfuo Guco Vowme I perfeitamente enquadrada nas definigées legais da lei penal, no pode, ante a conscléncla ética e nas regras do bem cour, ser passivel de punicao.”* Sérgio Sérvulo da Cunha ainda esclarece que “o termo ‘principio’ nao significa (© que esté em primeiro lugar, mas aquilo que ¢ colocado em primeiro lugar, aquilo que se toma como devendo estar em primeiro lugar, aquilo que merece estar em primeiro lugar“? Como adverte Paulo Bonavides, “osprincipiosgeraisde direito passaramaresidirnaConstituicao, expressa ou implicitamente [..]. A constitucionalizagio dos principios seria 0 ‘axioma juspublicistico de nosso tempo’ e que 0s principios constitucionais nada mais so, em seu fundamento te6rico, do que os principios gerais do direito restituidos & sua dimenséo intrinseca de valores superiores"® Carituto 3 Da Norma PENAL 1. INTRODUGAO De acordo com o prinefpio da reserva legal, que sera visto mais detidamente lo préprio, em matéria penal, pelo fato de lidarmos com 0 direito de liberdade dos cidadaos, pode-se fazer tudo aquilo que nao esteja expressamente protbido em lei, uma vez que, segundo o inciso XXXIX do art. 5* da Constituigao, Federal e 0 art. 1° do Cédigo Penal, ndo hd crime sem lei anterior que 0 defina, nem pena sem prévia cominagdo legal. Isso quer dizer que, embora a conduta do agente possa até ser reprovavel, socialmente, se no houver um tipo penal incriminador protbindo-a, ele poderé praticé-la sem que Ihe seja aplicada qualquer sangao de caréter penal. 0 fato de cruzarmos com nossos vizinhos sem cumprimenté-los, ou mesmo de niio cuidarmos de nossa higiene pessoal nao nos levaré a receber uma sanso penal pelo Estado. A sangao que nos é reservada nao é aquela de cunhe penal, mas, sim, de natureza social. A reprovasaio vem da pr6pria sociedade, mas nunca do Direlto Penal. 0 principio da intervencao minima, que limita as atividades do legislador, profbe que o Direito Penal interfira nas relarbes, protegendo bens que nio sejam. vitais e necessérios a manutengdo da sociedade. A lei, portanto, éa bandeira maior do Direito Penal. Sem ela, proibindo ou impondo condutas, tudo é permitide. ‘A proibigao e o mandamento, que vem inseridos na lei, séo reconhecidos como normas penais, espécies do género norma juridica que, na definico de Bobbio," sao aquelas “cuja execugsio ¢ garantida por uma sangio externa. institucionalizads", TEORIA DE BINDING Analisando os tipos penais incriminadores previstos na parte especial do C6digo Penal, podemos perceber que o nosso legislador utiliza um meio peculiar ara fazer chegar até nés a proibieso de determinadas condutas. Pela leitura do art. 121, caput, do Cédigo Penal, podemos verificar que o legislador descreven ‘uma conduta que, se praticada, nos levaré a uma condenago correspondente & ARGUES, Joc Fredoc, Tratado doco pana vl. 178. ® CUNHA Sergio Sérvuo da. O quo ¢um prince: rs____: GRAU Eros Roberto (Coord). Estudos de roto ‘anstuciona am homonager a ase Aono da Sth, p 251 10 BONAVIDES, Pau. Cue deat cansttucena p18 at 9. 7 BOBEIO, Norn, Teoria do ordonamenta ure, p27 16 Roctnio Grsco Vows I _ pena prevista para aquela infrao penal. A redaco do mencionado art. 121 6a ‘seguinte: Matar alguém ~ Pena: reclusdo, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos. Conforme preleciona Luiz Regis Prado, “anorma juridico-penal tem a natureza imperativa e endereca- se a todos os eldaddos genericamente considerados, através de mandados (imperativo positivo) ou proibig6es (imperative negativo) implicit e previamente formulados, visto que 2 lel penal modernamente nio contém ordem direta (vg., nao deixar de; néio matar; nao ofender a integridade corporal), mas sim vedagdo indireta, na qual se descreve o comportamento humano pressuposto da consequéncia juridica’? Essa técnica de redaeao fez com que Binding chegasse & conclusio de que 0 criminoso, na verdade, quando praticava a conduta descrita no niicleo do tipo (que 6 o seu verbo), no infringia a lel ~ pois o seu comportamento se amoldava perfeitamente ao tipo penal incriminador -, mas, sim, a norma penal que se encontrava contida na lei e que dizia ndo matards, como no citado exemplo do art. 121 do Cédigo Penal.’ Norma jurfdlea e lel, conforme destaca Lulz Regis Prado, “so conceitos diversos. Aprimeira vem aser o prius légico da lei, sendo esta o revestimento formal daquela Discordando do raciocinio construfdo por Binding e na esteira de Lutz Regis Prado, assim preleciona Damési ‘Entre let e norma legal, porém, ndo ha esta diferenca encontrada por Binding. Mais correto 6 afirmar que a lel é 2 fonte da norma penal. A norma é contetido da lei penal. Como diz Eduardo Correia, a norma profbe ou impée concretamente a respectiva conduta que descreve. A regra juridica que define um comportamento e determina uma penalidade como consequéncia, esta proibindo a conduta. Assim, o fundamento da lei é um prinefplo de comportamento, uma norma. A lel penal contém uma norma, que é a proibiedo da conduta por ela descrita. Em matar alguém; tal pena, est contida a norma proibitiva ‘nao matards."* T BRADO, La Reals. Curso de coo pena brasoko Parte geal. 90 5 Confom ie Batts, afro, Algae Sika, “am aus obra male inpersnto, Bang doeenveheu com mai ‘mplude sa famosa ea das nomas|.] Ao dt aqules cro probs curandades do arao elo arara ‘gun dole ce checa com als pralgees omariados, mes nao com ae poral Nemes 80, pr owempo a> do Becdioga mas ester nto perience ll peal nam asa ancora la so oxalae se modsio legal so 64 peaks a ‘ona Binding que aque quo ura ou ate soca nova = ‘tha fora dat pana, concn po nd abavée da’ (Dal pene! baal, ¥. 1, p. $2). 4 PRADO, Luz Fei. Curso do cat panal raise ~Pare er, p. 83 5 JESUS, Daméslo Ea. Dirt pnal~ Pat gor, . 13. 18 DANOnMA PENAL Geir 3 Finalizando, a lef, segundo Binding, terla carSter descritive da conduta prol- bida ou imposta, tendo a norma, por sua vez, carater proibitive ou mandamental. 3. CLASSIFICACAO DAS NORMAS PENAIS 3.1. Normaspenaisincriminadoras enormaspenaisnaoineriminadoras. ‘As normas penais existentes no Cédigo nao tém como finalidade Gnica e exclusiva punir aqueles que praticam as condutas descritas nos chamados tipos penais incriminadores. Existem normas que, em vez de conterem proibigdes ou ‘mandamentos os quais, se infringidos, levardo & punigo do agente, possuem um contetido explicativo, ou mesmo tém a finalidade de excluir o crime ou isentar 0 réu de pena. Sao as chamadas normas penais nao incriminadoras. Dessa forma, podemos destacar dois grupos de normas: a) normas penais incriminadoras; ) normas penals ndo incriminadoras. ‘A) As normas penais inerimimadoras é reservada a fungio de definir as InfracGes penais, proibindo ou impondo condutas, sob a ameaga de pena. Ea norma penal por exceléncia, visto que quando se fala em norma penal pensa-se, imediatamente, naquela que profbe ou impde condutas sob a ameaga de sancio. Sio elas, por isso, consideradas normas penais em sentido estrto, proibitivas ou mandamentals. + Preceitos da norma penal incriminadora - Quando analisamos os chamados tipos penais incriminadores, podemos verificar que existem dois preceitos: a) preceito primério; ) preceito secundério, 0 primeiro deles, conhecido como preceito primario (preceptum furis}, 6 0 encarregado de fazer a descrigSo detalhada e perfeita da conduta que se procura proibir ou impor; ao segundo, chamado preceito secundério (sanctia ris), cabe a tarefa de individualizar a pena, cominando-a em abstrato, Assim, no precelto primério do art. 155 do Cédigo Penal, temos a seguinte redagio: Art. 155, Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia mével. Logo em seguida, vem o preceito secundério: Pena - reclusdo, de 1(um) a 4 (quatro) anos, e multa. Entio, aquele que praticar a conduta descrita no precelto primario do art. 155, caput, do Cédigo Penal teré como consequéncia a aplicacso da pena também nele prevista. 8) As normas penais néo incriminadoras, ao contrério, possuem as seguintes finalidades: a) tornar Keitas determinadas condutas; ) afastar a culpabili- 19 Roctsuo Gnsco Vouwme 1 dade do agente, erigindo causas de isen¢o de pena; c) esclarecer determi- nados conceitos; d) fornecer principios gerais para a aplicagao da lei penal Portanto, podem ser as normas penals ndo incriminadoras subdivididas em: a) permissivas; b) explicativas; ¢) complementares. ‘As normas penais permissivas podem ser, ainda: 1. permissivas justificantes, quando tém por finalidade afastar a ilicitude (antijuridicidade) da conduta do agente, como aquelas previstas nos arts. 23, 24°e 25 do Cédigo Penal; 2. permissivas exculpantes, quando se destinam a ellminar a culpabilidade, isentando o agente de pena, como nos casos dos arts. 26, caput, ¢ 28, § 15, do Cédigo Penal. Normas penais explicativas so aquelas que visam esclarecer ou explicitar conceltos, a exemplo daquelas previstas nos arts. 327 e 150, § 4%, do Cédigo Penal. Normas penais complementares so as que fornecem principios gerais para a aplicacao da lei penal, tal como a existente no art. 59 do estatuto repressivo. 2.2. Normas penais em branco (primarlamente remetidas) Normas penais em branco ou primariamente remetidas s40 aquelas em aque hi necessidade de complementarao para que se possa compreender © Ambito de aplicagto de seu precelto primérto. Iso sigalfica que, embora ha uma descrigdo da conduta protbida, essa descrigao requer, obrigatoriamente, um complemento extraido de um outro diploma — leis, decretos, regulamentos ete.~ para que possam, efetiamente, ser entendidos os limites da proibigao oa imposigao fetos pela lel penal, uma ver que, sem esse complemento, torna-se impossivel sua aplicasso. Suponhamos que Joo, armado com umm revélver, aire em Pedro, desejando matirlo, vindo a alcangar o resultado por ele pretendido. Analisando o art. 123, caput, do Cédigo Penal, verficamos que em seu preceito primério esta descrita ts segulate conduta: metar alguém, 0 comportamento de Joo, como se pereebe, amolda-se perfeltamente aquele descrito no art. 123, nfo havendo necessidade de recorrer a qualquer outro diploma legal para compreendé-lo e aplicar, por conseguinte, a san¢ao prevista para o crime por ele cometido. Agora, imaginemos aque Augusto esteja trazendo consigo certa quantidade de maconha, para set uso, quando é surpreendido por alguns policais.O art. 28, da Lel n 11.243, de 23 de agosto de 2006, possui a seguinte redagdo: 20 DA Nossa PENAL Castro 3 Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depésito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorizagéo ou em desacordo com determi- ‘nagao legal ou regulamentar sera submetide as seguin- tes pena: I~ adverténcia sobre os efeitos das drogas; IL- prestagio de servicos A comunidade; II] ~ medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. No caso de Augusto, como podemos concluir que ele praticou a conduta des- crita no art. 28 da Lei n¢ 11.343/2006 se néo est expressamente escrito em seu. texto quais so as drogas ndo autorizadas ou que se encontram em desacordo com determinarao legal ou regulamentar? 0 dlcool e o cigarro, como se sabe, causam dependéncia. Seré que se furmarmos um cigarro ou ingerirmos certa quantidade de bebida alcolica estaremos cometendo a infracio prevista no art. 28 da Lei Antidrogas? A partir do momento que tivermos de nos fazer essa pergunta, ou seja, a partir do instante que necessitarmos buscar um complemento em outro diploma para que possamos saber o exato alcance daquela norma que almejamos interpretar, estaremos diante de uma norma penal em branco. Diz-se em brancoa norma penal porque seu preceito primério nfo € completo. Para que se consiga compreender 0 Ambito de sua aplicasio, é preciso que ele seja complementado por outro diploma, ou, na definicdo de Assis Toledo, normas penais em branco “so aquelas que estabelecem a cominago penal, ou seja, a sanedo penal, mas remetem a complementagao da descrigao da conduta proibida para outras normas legais, regulamentares ou administrativas’.® No caso do art. 28 da Lei n° 11.343/2006, somente apés a leitura da Portar expedida pela Agencia Nacional de Vigilancia Sanitaria (ANVISA),” autarquia sob regime especial vinculada ao Ministério da Satide, é que poderemos saber se esta ou aquela substdncia é tida como entorpecente, para fins de aplicagio do mencionado artigo. Muitas vezes, esse complemento de que necessita a norma penal em branco 6 fornecido por outra lei, ou, como vimos acima, no caso do art. 28 da Lei n® 11.343/2006, por outro diploma que no uma lei em sentido estrito. Por essa azo, a doutrina divide as normas penais em branco em dois grupo: 4) normas penais em branco homogéneas (em sentido amplo ou homélogas);, +b) normas penais em branco heterogéneas (em sentido estrito ou heter6logas). TOLEDO, Francisco de Assis. Pinfpos bisicos de creito pena, p 42. 7 A Ll m 3.78, de 26 dejan do 199, coro Sister Necloal do Vighancla Sanita @ cou Aginda-~ Nacional de Vinca Satara (ANVISA), 2 Roctno Greco Vowne I Diz-se homogénea, em sentido amplo ou hom6loga, a norma penal em branco quando 0 seu complemento é orlundo da mesma fonte legislativa que editou a norma que necessita desse complemento. Assim, no art. 237 do Cédigo Penal, temos a seguinte redagao: ‘Art. 237, Contrair casamento, conhecendo a existéncia de impedimento que Ihe cause a nulidade absoluta: Pena - detensao, de 3 (trés) meses a 1 (um) ano. Para responder pela pratica do aludido delito, é preciso saber quais sao os ypedimentos que levam a decretagao de nulidade absoluta do casamento. E quais séo eles? 0 art, 237 néo esclarece, Temos, portanto, de nos valer do art. 1.521, incisos Ia VII, do Cédigo Civil (Lei n* 10.406/2002) para que areferida norma penal venha a ser complementada e, somente depois disso, concluirmos se a conduta praticada pelo agente é tipica ou nao. Assim, como 0 art. 237 do Cédigo Penal requer um complemento, pois nto basta por si préprio, dizemos queh4umanormapenalembranco. Agora, partindo do principio de que no art. 237 do Cédigo Penal se encontra uma norma penal em branco, devemos, outrossim, formular outra pergunta: Essa norma penal em branco é homog@nea ou heterogénea? Homogénea, porque a fonte de produdo do Cédigo Civil, de onde extraimos o complemento, 6 a mesma que produziu o Cédigo Penal, onde reside a norma penal que necesita ser complementada, ou seja, ambas foram produzidas pelo Congresso Nacional. ‘A norma penal em branco homogénea, também conhecida como homéloga, ainda se divide em: a) homovitelina; e b)heterovitelina. Conforme preleciona 0 Mii. Felix Fischer, em voto proferido no Recurso Ordinario em Habeas Corpus n® 9,834 ~ $0 Paulo (2000/0029128-5) “As normas penais em branco de complementagio homéloga homovitelina sfo aquelas cuja norma complementar ¢ do mesmo ramo do direito que a principal, ou sefa, a lei penal sera complementada por outra lei penal. Exemplo desse tipo 6 o art, 338 do CP (Reingresso de estrangeiro expulso), que & complementado pelo art. 5, § 14, do CP (define a extensao do territério nacional para efeitos penais). ‘As normas penais em branco de complementasio homéloga heterovitelina tém suas respectivas normas complementares oriundas de outro ramo do direito. £ 0 caso, por exemplo, do art. 178 do CP (Emissio irregular de conhecimento de depésito ‘ou warrant), que é complementado pelas normas (comerciais) diseiplinadoras desse titulo de crédito”. 22 DANosMa PENAL Cartruto 3. Diz-se heterogénea, em sentido estrito ou heterdloga, @ norma penal em branco quando 0 seu complemento é orjundo de fonte diversa daquela que a editou. No caso do art. 28 da Lei Antidrogas, por exemplo, estamos diante de uma norma penal em branco heterogénea, uma vez que o complemento necessério a0 referido artigo fol produzido por uma autarquia (ANVISA) vinculada a0 Ministério da Saiide (Poder Executive), que integra 0 Sistema Nacional de Politicas Piblicas sobre Drogas (SISNAD) ~ art. 14, I, do Decreto n* 5.912, de 27 de setembro de 2006 ~, € a Lei n° 11,343/2006 foi editada pelo Congresso Naclonal (Poder Legislativo) Assim, para que possamos saber se uma norma penal em branco é considerada homogénea ou heterogénea, é preciso que conhecamos, sempre, sua fonte de produsio. Se for a mesma, ela seré considerada homogénea; se diversa, sera reconhecida como heterogénea. 3.2.1. Ofensa ao principio da legalidade pelas normas penais em branco heterogéneas Dissemos que as normas penais em branco heterogéneas so aquelas cujos, complementos provém de fonte diversa daquela que editou a norma que necessita ser complementada. A questo que se coloca, agora, é a seguinte: ‘como 0 complemento da norma penal em branco heterogénea pode ser oriundo de outra fonte que nfo a lei em sentido estrito, esta espécie de norma penal ofenderia o principio da legalidade? Entendemos que sim, visto que 0 conteiido da norma penal poder ser modificado sem que haja uma discussie amadurecida da sociedade a seu respeito, como acontece quando os projetos de lei so submetidos & apreciagao de ambas as Casas do Congresso Nacional, sendo levada em consideracao a vontade do povo, representado pelos seus deputados, bem como a dos Estados, representados pelos seus senadores, além do necessario controle pelo Poder Executivo, que exercita o sistema de freios e contrapesos. Imagine-se o que pode acontecer coma selegdo das substancias ou os produtos capazes de causar dependéncia, previstos no art. 28 da Lei n® 11.343/2006. Fard parte desse rol, ou mesmo seré exclufda dele, aquela substancla que assim entender a ciipula de direco da ANVISA, autarquia vinculada ao Ministério da Satide que detém esse poder, conforme se verifica pela alinea a do inciso I do art. 14 do Decreto nt 5.912, de 27 de setembro de 2006, que regulamentou a Lel n* 11.343, de 23 de agosto de 2006, tratando das politicas piblicas sobre drogas e da instituiggo do Sistema Nacional de Politicas Pablicas sobre Drogas (SISNAD), que diz: 23 Rocsno Gnico Vows I Art. 14, Para o cumprimento do disposto neste Decreto, so competéncias especificas dos érgios e entidades, que compéem o SISNAD: 1- do Ministério da Satide: a) publicar listas atualizadas periodicamente das substncias ou produtos capazes de causar dependénci: 0 que na verdade estamos querendo esclarecer 6 que nao haveré, seja na incluso de novas substdncias (criminalizagio), séja mesmo na excluso daquelas j4 existentes (descriminalizacao), qualquer discussao por parte do Poder competente para legislar em matéria penal, que 6 a Unido, nos termos do art. 22, , da Constituigao Federal Merece destaque a lico de Nilo Batista, Zaffaroni, Alagia e Slokar, quando “Nao é simples demonstrar que a lei penal em branco nao configura uma delegasio legislativa constitucionalmente proibida, Argumenta-se que ha delegagao legislativa indevida quando a norma complementar provém de um érgio sem autoridade constitucfonal legiferante penal, ao passo que ‘quando tanto alel penal em branco quanto sua complementagao ‘emergem da fonte geradora constitucionalmente leg{tima nao se faz outra coisa sendo respeitar a distribuicdo da potestade legislativa estabelecida nas normas fundamentais. 0 argumento 6 vilido, mas nio resolve o problema. Quando assim se teorizou, as leis penais em branco eram escassas e insignificantes: hoje, sua presenca é considerdvel e tende a superar as demais leis penais, como fruto de uma banalizarao e administrativizarao da lei penal. A massificaro provoca uma mudanga qualitativa: através das leis penais em branco o legislador penal estd renunciando a sua fungdo programadora de criminalizarao priméria, assim transferida a funcionérios e érgios do poder executive, e incorrendo, 20 mesmo tempo, na abdicagio da cléusula da ultima ratio, prépria do estado de direito"? ‘Tem prevalecido, no entanto, posicao doutrinéria que entende nao haver ofensa ao principio da legalidade quando a norma penal em branco prevé aquilo que se denomina niicleo essencial da conduta, Nesse sentido, sio as ligies de Carbonell Mateu, quando aduz: ‘7 Messe caro COPETT, Ana. Orato pana estedo demoenkco de aaa, p. 10; QUEIROZ, Pato. Dito penal Pare gel p. 15. © BATISTA, Nl; ZAFFARON, Eugenio Rat: ALAGIA, jac; SLOKAR, Aland. Dk ponal rasa v1, 206208. 24 DaNonma PENAL Captrono 3 “A técnica das leis penais em branco pode ser indesejavel, mas ndo se pode Ignorar que 6 absolutamente necessria em nossos dias. A amplitude das regulamentagées juridicas que dizem respeito sobre as mais diversas matérias, sobre as que pode e deve pronunciar-se o Direito Penal, impossibilita manter o grau de exigencia de legalidade que se podia contemplar no século passado ou inclusive a principio do presente. Hoje, cabe dizer que desgracada mas necessariamente, temos de nos conformar com que alei contemple o nécleo essencial da conduta’? 3.3, Normas penais incompletas ou imporfeitas (secundarlamente remetidas) Normas penals incompletas ou imperfeltas (também conhecidas como secundariamente remetidas) so aquelas que, para saber a sanco imposta pela transgresso de seu preceito primério, o legislader nos remete a outro texto de lel. Assim, pela leitura do tipo penal incriminador, verifica-se 0 contetido da proibicao ou do mandamento, mas para saber a consequéncia jurfdica é preciso se deslocar para outro tipo penal. Na defini¢ao de Lutz Regis Prado, “a lel penal estruturalmente incompleta, também conhecida como lei penal imperfeita, 6 aquela em que se encontra prevista tio somente a hipétese fatica (precefto incriminador), sendo que a consequéncia jurfdica localiza-se em outro dispositivo da prépria lei ou em diferente texto legal"* Sao exemplos de normas penais incompletas aquelas previstas na Lei nt 2.89/56, que define e pune o crime degenocidio-O seu art. 15, para melhor visualizagao, vem assim redigido: ‘Art. 1.Quem, com itenso de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal: a) matar membros do grupo; b) Li OLE OL: ) LJ: ‘Seré punido: com as penas do art. 121, § 28, do Cédigo Penal, no caso da letra a 1 AIRTEL, cn Caos Comonat. Dereo peat concep y prince consttucionas, 124 "PRADO, Luz Reps, Cueo do dito peal brasibvo Par grap. 25 Rodinio Grico Vowne I 0 artigo, portanto, nos remete a outro dispositivo penal para que se possa aferir a sanctio iuris, razo pela qual se diz que tal norma penal é incompleta ou imperfeita (ou, ainda, secundariamente remetida, pois a remessa ¢ levada a efeito pelo seu preceito secundério). © art. 304 do Cédigo Penal 6, a0 mesmo tempo, considerado uma norma penal em branco, bem como uma norma incompleta ou imperfeita, pols 0 seu preceito primério remete o intérprete a outros tipos penais a fim de saber quais, sio os papéis falsificados ou alterados a que se refere o mencionado artigo, além de também encaminhar o exegeta a outro tipo penal com o escopo de apurar as penas cominadas em seu preceito secundario. Assim, 6 considerado em branco em seu preceito primério e incompleto em seu preceito secundario. Alguns doutrinadores, a exemplo de Cleber Masson*, embora com a mesma fundamentacdo exposta, denominam de lei penal em branco inversa ou ao avesso, aquilo que, tradicionalmente, 6 conhecida por norma penal incompleta, imperfeita ou secundariamente remetida. 4. ANOMIA E ANTINOMIA AAanomia pode ser concebida de duas formas: em virtude da auséncia de nor- ‘mas, ou, ainda, embora existindo essas normas, a sociedade nao Ihes dé o devido valor, continuando a praticar as condutas por elas proibidas como se tals normas nao existissem, pois confiam na impunidade. Por mais paradoxal que possa pare- cer, aquilo que chamamos de inflacdo legislativa, ou seja, 0 ntimero excessivo de normas, pode nos conduzir sensagio de anomia, Isto é, quanto mals normas, maior a sensasio de auséncia de leis, em face do sentimento de impunidade. Como bem observado por Ralf Dahrendorf, “o camiriho para a anomia seria um caminho ao longo do qual as sangées iriam sendo progressivamente enfraquecidas. Os responsévels deixam de aplicar as saticdes; individuos e ‘grupos sio isentos delas. A impunidade torna-se cotidiana’.” Para René Ariel Dotti, “a primeira das propostas fundamentals para reverter esse quadro de anomia que envolve o sistema criminal consiste na necessidade de se levar a frente um amplo movimento de descriminalizagio e despenalizarao. Somente por esse caminho seré possivel resgatar o prestigio do magistério penal que ficou profundamente abalado nas tltimas décadas diante da massificacso dos processos de incriminago e da consequente ineficdcia das reages penais contra 0 delito’:* MASSON, Gsber. Diet peni— Pare gral p84. DDAHRENDORF, al ees oro, . 50. "BOTH Rane Al. Corso de loko ponal~ Parte gaa, 7-98 26 r [DANonMa PENAL Cavirsto 3 Antinomia, na precisa definigao de Bobbio, 6 aquela “situago que se verifica ‘entre duas normas incompativels, pertencentes ao mesmo ordenamento juridico, e tendo o mesmo Ambito de validade’. Se houver uma relago de contrariedade entre normas existentes num mesmo ordenamento jur{dico, qual delas devera ser aplicada? Se, por exemplo, uma norma proibe determinado comportamento, enquanto outra, existente no mesmo ordenamento jurfdico, determina que se realize aquela conduta proibida pela outra norma, qual das duas devera ser aplicada? Coma finalidade de resolver o problema da antinomia juridica, Bobbio propse a aplicacio dos seguintes critérios: a) o eritério cronol6gico; b) o critério hierdrquico; c) 0 critério da especialidade. Assim, de acordo com o primeiro critério, devemos verificar se houve entre as normas dist&ncia temporal, de ‘modo que a segunda, editada posteriormente, revogue a primeira. Pelo critério hierdrquico e de acordo com um sistema de Constituigio rigida, devemos aplicar a hierarquia das normas, segundo a visio piramidal, tendo a Constituleao no seu vértice, de modo que em qualquer confronto entre, por exemplo, uma lei ordindria e a Constituigo, esta deverd prevalecer. Pode acontecer, contudo, que os dois critérios anteriores nao consigam resolver 0 problema, pois as normas foram editadas simultaneamente, bem como gozam do mesmo status hierdrquico, a exemplo do confronto entre duas leis ordindrias. Nesse caso, poderé ser aplicado, ainda, o critério da especialidade, no qual a lei especial afastaré a aplicasio daquela tida como geral. 0s principios que se propdem a resolver o conflito aparente de normas penais serdo analisados a seguir. 5. CONCURSO (OU CONFLITO) APARENTE DE NORMAS PENAIS Fala-se em concurso aparente de normas quando, para determinado fato, aparentemente, existem duas ou mais normas qué poderdo sobre ele incidir. Como a propria denominagio sugere, o conflito existente entre normas de Direito Penal é meramente aparente. Se é tZo somente aparente, quer dizer que, ‘efetivamente, ndo ha que se falar em conflito quando da aplicarao de uma dessas, normas ao caso concreto. Na precisa conceituagao de Frederico Marques, “o concurso de normas tem lugar sempre que uma conduta delituosa pode enquadrar-se em diversas disposigdes da lei penal. Diz-se, porém, que esse conflito é tio-s6 aparente, porque se duas ou mais disposigBes se mostram aplicavels a um dado caso, s6 uma dessas normas, na realidade, é que o disciplina’.* ‘B08, Norbr. Teor do erdenanents fre, p28 MARQUES, Jost Fredric, Trtado dear penal v.47 oy Roctnio Gnsco Vouuse 1 0 conflito, porque aparente, devera ser resolvido com a anilise dos seguintes prinefpios: a especialidade; da subsidiariedade; ¢) principio da consuncao; 4) principio da alternatividade. 5.1. Principio da especialidade Pelo principio da especialidade, a norma especial afasta a aplicagdo da norma geral. E a regra expressa pelo brocardo lex spectalis derrogat generali. Em determinados tipos penals incriminadores, ha elementos que os tornam especiais em rela¢do a outros, fazendo com que, se houver uma comparaao entre eles, a regra contida no tipo especial se amolde adequadamente ao caso concreto, afastando, desta forma, a aplicagao da norma geral. Na ligdo de Assis Toledo, “hé, pois, em a norma especial um plus, Isto 6, um detalhe a mais que sutilmente a distingue da norma geral’” ‘Como exemplo podemos fazer uma comparago entre os crimes de homicidio. e infanticfdio. Fala-se em homic{dio quando o agente produz a morte de um homem. No infanticidio, embora também ocorra a morte de uma pessoa, determinadas clementares contidas no tipo do art. 123 do Cédigo Penal fazem com que, se presentes, 0 fato delxe de se amoldar ao art. 121 do Cédigo Penal para fazé-lo, com perfeicao, ao tipo do art. 123, que prevé o infanticidio. Se uma Parturiente, a0 dar & luz um filho, sem qualquer perturbaso psiquica originaria de sua especial condigio, desejar, pura e simplesmente, causar-Ihe a morte, respondera pelo'¢rime de liomicidio. Agora, se durante o parto ou logo depois dele, sob a influéncia do estado puerperal, causar a morte do préprio filho, j4 no mais responder pela infraso a titulo de homicidio, mas, sim, por infanticidio, uma vez que as elementares contidas nesta iiltima figura delitiva a tornam especial em relacio 20 homicfdio, 5.2. Principio da subsidiariodade elo prinefpio da subsidiariedade, a norma dita subsidtérla 6 considerada, na ex- pressio de Hungria, como um "soldado de reserva’, isto é, na auséncia ou impossi- bilidade de aplicago da norma principal mais grave, aplica-se a norma subsidiaria menos grave. f a aplicagio do brocardo lex primaria derrogat legi subsidiariae. A subsidiariedade pode ser expressa ou tdcita, Diz-se expressa a subsidiariedade quando a prépria Jel faz a sua ressalva, deixando transparecer seu carter subsidisrio, Assim, nos termos do preceito ~TOLEDG, Fanesca ae Asi. Pnopcs boos de crate pena p81 28 DANORMA PENAL Corrruto 3, secundérlo do art. 132 do Cédigo Penal, somente se aplica a pena prevista para 0 delito de perigo para a vida ou a saiide de outrem se o fato no constituir crime mais grave. Crime de perigo é aquele em que hd uma probabilidade de dano. Se houver 0 dano, que nao foi possivel ser evitado com a punigao do crime de perigo, ndo se fala em cometimento deste tiltimo. Séo também exemplos de subsidiariedade expressa os delitos tipificados nos arts. 238, 239, 249 307, todes do Cédigo Penal Fala-se em subsidiariedade técita ou implicita quando o artigo, embora no se referindo expressamente ao seu cardter subsididrio, somente tera aplicagio nas hipéteses de nfo ocorréncia de um delito mais grave, que, neste caso, afastard a aplicagio da norma subsidiéria. Como exemplo, podemos citar 0 art. 311 do Cédigo de Transito brasileiro, que profbe a conduta de trafegar em velocidade incompativel com a seguranca nas proximidades de escolas, hospitals, estagSes de embarque e desembarque de passageiros, logradouros estreitos, ou onde houver grande movimentago ou concentragao de pessoas, gerando perigo de dano. Se o agente, deixando de observar 0 seu exigido dever de cuidado, imprimindo velocidade excessiva em seu veiculo, préximo a um dos lugares acima referidos, vier a atropelar alguém, causando-Ihe a morte, ndo sera responsabilizado pelo citado art. 311, mas, sim, pelo art. 302 do mesmo Cédigo, que prevé 0 delito de homicidio culposo na diresio de vefculo automotor. O crime de dano afastar, portanto, o crime de perigo. Na ligho de Hungria, “a diferensa que existe entre especialidade e subsidiariedade € que, nesta, ao contrério do que ocorre naquela, os fatos previstos em uma e outra norma néo esto em relacéo de espécie a género, e se a pena do tipo principal (sempre mais rave que a do tipo subsidiério) & excluida por qualquer causa, a pona do tipo subsididrio pode apresentar-se como ‘soldado de reserva’ e aplicar-se pelo residuum’ Na verdade, nao possui utilidade o principio da subsidiariedade, haja vista 4que problemas dessa ordem podem perfeitamente ser resolvidos pelo principio da especialidade. Se uma norma for especial em relaslo a outra, como vimos, ela tera aplicasio ao caso concreto. Se a norma dita subsidiaria fol aplicada, ¢ sinal de que nenhuma outra mais gravosa poderia ter aplicasio. Isso nao detxa de ser especialidade. 5 HUNGRIA, Neon. Comentinios nooo pana, Lp. 198 29 Roatnuo Greco Vowne I 5.8. Principio da consungao Podemos falar em principio da consungdo” nas seguintes hipéteses: 4) quando um crime é meio necessério ou normal fase de preparago ou de execugao de outro crime; 1b) nos casos de antefato e pés-fato impuntveis, Os fatos, segundo Hungria, "ndo se acham em relagao de species a genus, mas de minus a plus, de parte a todo, de meio a fim" Assim, a consumagao absorve a tentativa e esta absorve 0 incriminado ato preparatério; o crime de lesio absorve © correspondente crime de perigo; o homicidio absorve a leso corporal; o furto em casa habitada absorve a violao de domicilio ete. Antefato impunivel seria a situagdo antecedente praticada pelo agente a fim de conseguir levar a efeito o crime por ele pretendido inicialmente e que, sem aquele, ndo seria possivel. Para se praticar um estelionato com cheque que 0 agente encontrou na rua, é preciso que ele cométa um delito de falso, ou seja, é preciso que o agente o preencha e 0 assine. 0 preenchimento e a falsa assinatura aposta ao cheque s4o considerados antefatos impunivels, necessérios para que agente cometa o delito-fim, isto 6, o estelionato, Deixando transparecer a sua posigSo com relarao aos crimes de falso e estellonato, o STJ editou a Stimula n*17, com a seguinte redaco: Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido, © pés-fato impunfvel pode ser considerado um exaurimento do crime principal praticado pelo agente e, portanto, por ele nao pode ser punido. Na igo de Fragoso, “os fatos posteriores que significam um aproveltamento e por Isso ocorrem Fegilarmente depois do fato anterior so por este consumidos. £ o que ocorre nos crimes de intencio, em que aparece especial fim de agit, A venda pelo ladrao da coisa furtada como prépria no constitui estelionato. Se o agente falsifica moeda e depois a introduz em circulagio pratica apenas 0 crime de moeda falsa (art. 289, CP)"?* Com relagdo 8 venda da coisa furtada pelo autor da subtrago, entende Assis Toledo que o agente devers responder pelo estelionato, em concurs material, uma vez que empreendeu “nova lesdo auténoma contra vitima diferente, através de conduta nao compreendida como consequéncia natural e necesséria da primeira’ Entendemos que, no caso em estudo, a melhor posicio é a de 5B "Reontoviaia aia sobo oct da consuno ireverivete a tondénca parece sersuapripia consungto fez atin, eps poo tio occ pon ate pine apie ner, ontompotings atin enve pastes de seston rtoenta« de mio abla da caro a coneunpao {SAWTOS, Juarez Cio co. A medoma tora do eto punival p 48-049), 20 HUNGRIA Nétaon. Comentiros 2 edo peek v.14 Lp. 140 21 FRAGOSO, Helen Cludo. Lips ce rio pant. 860, 22 TOLEDO, Fanceco de Assis, Prncsos aloe de deo pana. 84 30 | i i DaNonma Penat Fragoso. Isso porque, na verdade, 0 autor da subtracio pratica essa conduta, algumas vezes, com a finalidade de transformar o objeto furtado em dinheiro. Nao Ihe interessa, por exemplo, utilizar o televisor ou o aparelho de som mas, sim, a subtra¢do deles, pelo valor que eles representam. Dessa forma, 0 fato de vender a res furtiva a terceiro de boa-fé, como se fosse de sua propriedade, deverd ser considerado mero exaurimento do crime de furto, no podendo o agente, portanto, ser responsabilizado criminalmente por ele. 5.3.1. Crime progressive e progressao criminosa Ha crime progressive quando o agente, a flm de alcangar o resultado pretendido pelo seu dolo, obrigatoriamente, produz outro, antecedente de menor gravidade, sem 0 qual nao atingiria 0 seu fim. A titulo de exemplo, imagine a hipétese em que o agente queira matar alguém. Assim, agindo com animus necandi, ou seja, com dolo de matar, efetua um disparo em diresio A vitima, atingindo-a em uma zona letal. Dessa forma, para que pudesse chegar a0 resultado morte, o agente teve de produzir, em tese, les6es corporais na vitima. ‘Alesio corporal, portanto, encontra-se, obrigatoriamente, no camlnho para que resultado morte venha a ser produzido, sendo, portanto, um minus em relaga0 2 este um iiltimo. Os crimes que ocorrem antes do resultado final pretendido pelo agente sao reconhecidos como crimes de ardo de passagem, que terao de ser levados a efeito a fim de posstbilitar o crime progressive. ‘Na progressio criminosa, ao contrério, o dolo inicial do agente era dirigido a determinado resultado e, durante os atos de execuglo, resolve ir além, e produzir um resultado mais grave. A titulo de exemplo, imagine a hipétese em ‘que o agente, querendo causar les6es corporais na vitima, a agrida, desferindo- Ihes varios socos e durante a execusio do delito de lesio corporal, o agente, ap6s Iniciar as agressOes, resolva maté-la. Nesse caso, tal como no exemplo anterior, também deveré responder por um dnico delito de homictdio doloso, ue absorverd as lesGes corporals sofridas pela vitima. Pode ocorrer também a progressio criminosa na hipétese em que o agente, por exemplo, querendo praticar um crime de roubo, ao ingressar na residéncia da vitima, resolva também estupré-la, Aqui, ao contrério do raciocinio anterior, ddeverd ser responsabilidade, em concurso material, pelas das infragSes penais (roubo e estupro). Assim, concluindo com André Estefam: ‘Nao se deve confundir progressio criminosa em sentido estrito com crime progressive. Naquela, o agente modifica seu intento durante a execugio do fato, isto é, inicia com tum objetivo determinade (por exemplo: decide furtar um objeto encontrado no interior do imével em que ingressou). No crime progressivo, o agente possui, desde 0 principlo, © mesmo escopo e o persegue até o final, ou seja, pretendendo 3t Castros 3 Rocsno Greco Vowume 1 um resultado determinado de maior lesividade (v.g., a morte de alguém), pratica outros fatos de menor intensidade (vg., sucessivas lesbes corporais) para atingi-lo" 5.4, Principio da alternatividade Embora os trés principios sejam os indicados para a solusdo do conflito aparente de normas, vale mencionar, ainda, a existéncia de outro, conhecido ‘como prinefpio da alternatividade. Tal princfpio teré aplicasao quando estivermos diante de crimes tidos como de a¢do miltipla ou de contetido variado, ou seja, crimes plurinucleares, nos quais o tipo penal prevé mais de uma conduta em seus varios niicleos. Exemplo de tais tipos penais é aquele previsto no art. 33 da Lei n® 11.343/2006, assim redigido: Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor a venda, oferecer, ter em depésito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer Arogas, ainda que gratuitamente, sem autorizacao ou em desacordo com determinacao legal ou regulamentar: Pena-reclusio de § (cinco) a15 (quinze) anos e pagamento 10 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. Suponhamos que o agente adquira, tenha em depésito e venda drogas, praticando, dessa forma, trés dentre as condutas previstas pelo mencionado artigo, No caso em tela, nao podera ser punido como se tivesse cometido 0 delito, por exemplo, em concurso material, mas, sim, uma tinica vez, sem que se possa falar ém conéurso de infracdes penais. Nesse sentido, a ligao de Mirabete, quando assevera que “o principio da alternatividade indica que 0 agente 58 seré punido por uma das modalidades inscritas nos chamados crimes de ago miiltipla, embora possa praticar duas ou mais condutas do mesmo tipo penal’. Arigor, o principio da alternatividade ndo diz respeito & hipétese de conflito aparente de normas, uma vez.que, como podemos observar pelo exemplo propos- to, ou seja, pelo delito tipificado no art. 33 da Lef n® 11.343/2006, nao existem duas normas que, supostamente, dispoem sobre o mesmo fato, mas, sim, varios niicleos, constantes do mesmo tipo penal, que poderiam ser imputados ao agente. ‘André. Direito Penal ~ Parte garal, p. 154 28 MIRABETE, Jo Fabbri. Manoa de crio pana! Paro gor. 116 32. tenes Carituto 4 INTERPRETACAO E INTEGRAGAO DA Ler PENAL 1. INTRODUGAO Interpretar é tentar buscar o efetivo alcance da norma. E procurar descobrir aquilo que ela tem a nos dizer com a malor preciso possivel. No escor ensinamento de Hungria, “como toda norma juridica,a norma penal ndo pode prescindirdo processo exegético, tendente a explicar-Ihe o verdadeiro sentido, © justo pensamento, a real vontade, a exata razdo finalistica, quase nunca devidamente expressos com todas as letras’ Durante muito tempo prevaleceu entre nés a méxima in claris cessat interpretatio, querendo significar que quando o texto fosse claro o suficiente nao haveria necessidade de interpretag3o. Contudo, conforme destaca Manoel Messias Pelxinho, “nfo h4 norma suficientemente clara que prescinda da \terpretagao equea conclusdo sobrea clareza de determinado enunclado normative € resultado do proprio processo interpretativo. Assim, para decidir se determinado texto é claro. ou obscuro, bem como para decidir se determinada controvérsia é contemplada ou nao por certa norma, é imprescindivel, evidentemente, uma operagao intelectual. Pois bem, o nome dessa operacao & justamente o que se conhece Por interpretagao"* 2. ESPECIES DE INTERPRETACAO Numa primeira abordagem, poderfamos subdivir a interpretacdo em: 4@) objetiva (voluntas legis); b) subjetiva (voluntas legislatoris). {THUNGRIA, Nilson, coments ao cdo penal vst p82 2 PEIKINO, Manoel Masi. A intrpretagso da consttso 2 0 patie fandamenais p67 Roctxio Grxco Vows I Por melo da chamada interpretasio objetiva busca-se descobrir a suposta vontade da lei; a0 contrérlo, com a interpretasao subjetiva procura-se alcancar ‘a vontade do legislador. Essa distingiio tem sido severamente criticada pela doutrina, principalmente no que diz respelto a voluntas legislatoris. Em acertada critica, assevera Carbonell Mateu: “Se em outros ambitos do ordenamento pode resultar importante a busca da vontade do legislador, da voluntas legislatoris, a dimenséo subjetiva da interpretagao, no Direito Penal, em virtude do prinefpio da legalidade, resulta rechagavel. Néo somente hoje é quimérico falar em vontade do legislador, como se este fora um tinico Individuo, quando 6 processo legislative ou de criagao das normas abarca um enorme ciimulo de vontades [.J; 0 que importa nao é 0 que o legistador queria dizer seno 0 que efetivamente disse ou, inclusive, o que hoje hd de ser entendido como o quealei disse, colocada em confronto com todo o sistema juridico e social"? A interpretagao pode ser distinguida, ainda, quanto ao érgao (sujetto) de que emana, quanto aos meios que sio utilizados para alcangé-la e quanto aos resultados obtidos. A interpretagao, no que diz respeito a0 sujeito que a realiza, pode ser: a) auténtica; b) doutrinarta; ¢) judicial (vinculante e no vinculante). Diz-se auténtica a interpretagao realizada pelo proprio texto legal. Em determinadas situasées, a lei, com a finalidade de espancar quaisquer dividas quanto a-este ou aquele tema, resolve, ela mesma, no sew corpo, fazer a sua interpretagao. A interpretago auténtica ainda pode ser considerada: 4) contextual; b) posterior. Contextual é a interpretagao realizada no mesmo momento em que é editado © diploma legal que se procura interpretar. Como exemplo de interpretacao auténtica contextual podemos citar o art. 327 do Cédigo Penal, que definiu 0 conceito de funcionario piblico no mesmo instante que previa, no corpo do Cédigo, os crimes que, para sua configuracdo, exigiam essa especial qualidade, procurando evitar, dessa forma, outra interpretaco tendente a modificar aquilo que realmente se pretendia alcancar. ‘TWATED doar Carlos Carvonel, Derecho penal ~Coneopeygrnps onstuconses,p. 244 34 Invneneragio E WerzcRagio BALE PENAL Cortruto 4. Posterior 6 a interpretacto realizada pela lei, depois da edisao de um diploma legal anterior. Surge a interpretacéo auténtica posterior para afastar qualquer aavida de interpretagio existente quanto a outro diploma legal j4 editado. Busca-se, com isso, como dizia Hungria," “a dirimir a incerteza ou obscuridade de lei anterior” Chegando-se a conclusio de que interpretagdo auténtica é aquela realizada no corpo da lei editada, poderfamos atribuir essa modalidade de interpretarao a Exposipdo de Motivos do nosso Cédigo? Absolutamente néo. Isso porque, embora seja.a Exposicao de Motivos uma justificativa feita pela comissio encarregada de elaborar 0 projeto, explicando os pontns alterados, bem como a necessidade de ser inovado o nosso ordenamento juridico, e, embora nos auxilie a interpretar © novo texto legal, nao é votada pelo Congresso Nacional e nem sancionada pelo Presidente da Republica. René Ariel Dotti aduz, ainda, que a Exposigdo de Motivos “que pode acompanhar a proposta legislativa néo é objeto de discussdo pela Camara dos Deputados ou Senado Federal, razio pela qual a aprovacio do projeto nao implica, necessariamente, na concordaneia com a natureza e 0s termos da justificativa apresentada’® ‘Assim, no sendo efetivamente uma le, as conclusdes e explicages levadas a feito na Exposigao de Motivos néo podem ser consideradas como interpretagies auténticas, mas, sim, doutrindrias, Interpretagao doutrindria & aquela realizada pelos estudiosos do Direito, 0s quais, comentando sobre a lei que se pretende interpretar, emitem opinioes pessoais. E a chamada communis opinio doctorum. A interpretagio doutrindria, ‘embora seja extremamente importante para que as falhas e os acertos da lel possam ser apontados, nfo é de obediéncia obrigatéria, Interpretacdo Judicial éa realizada pelos aplicadores do Direito, ou seja, pelos Juizes de primeiro grau e magistrados que compéem os tribunals. Por Intermédio de suas decisdes, os magistrados tornam a lel viva, aplicando-a na solucio dos casos concretos que Ihes so apresentados. Deve ser ressaltado, contudo, que somente devemos falar em interpretado judicial ou jurisprudenefal com relagao aquela que é levada a efeito intra-autos, ou seja, sempre no bojo de um processo judicial. Se ministros do STF ou do STJ emitirem suas opines, interpretando a lei penal em palestras, congressos etc, jamals poderemos considerar esse tipo de interpretardo como de natureza judicial. Em suma, somente a interpretarao, para a aplicasdo de uma lei, feita nos autos de um processo é que pode ser considerada judicial. Caso contrério, mesmo que seja procedida pela maior autoridade judiciéria, se for realizada extra-autos, sendo documentada, serd uma interpretasio doutrindria, {THONGAIA Nllion. Camentsie a eo pena 1. 8 5 DOTTL René Ae. Curso de rte poral Parte Gea p. 238. 35 Rostnio Greco Vouume 1 No conceito de interpretagao judicial (ou Jurisprudencial) podemos incluir as, chamadas stimulas, que traduzem as decisées reiteradas de um Tribunal sobre determinado assunto. ‘As stimulas, mesmo que editadas pelos Tribunais Superiores, nao tinham © condao de vincular as atuagées dos juizes monocraticos, tampouco dos integrantes dos demais tribunals. No entanto, depois da edicao da Emenda Constitucional n* 45, de 30 de dezembro de 2004, a situacao foi modificada Hoje, depois da promulgasio da referida emenda, podemos subdividir a interpretago judicial sumular em vinculante e ndo vinculante. O art. 103-A € pardgrafos, acrescentados & Constituigéo Federal por intermédio da Emenda n®45, cuidam da chamada stimula com efeito vinculante, dizendo, verbis: ‘Art. 103-A, 0 Supremo Tribunal Federal podera, de offcio ‘ou por provocacao, mediante decisdo de dois tergos dos seus membros, apés reiteradas decisdes sobre matéria constitucional, aprovar stimula que, a partir de sua publicacSo na imprensa oficial, terd efeito vinculante em relagio aos demais érgaos do Poder Judicidrio © administragio piblica direta ¢ indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder a sua revisio ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. §1¢A stimula terd por objetivo. validade,ainterpretacao, ‘ea eficdcia de normas determinadas, acerca das quals, haja controvérsia atual entre érgios judicldrios ou entre esses e a administrag&o piiblica que acarrete grave Inseguranga juridica e relevante multiplicagao de processos sobre questo idéntica. § 2°Sem prejufzo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovasio, revisio ou cancelamento de stimula poderé ser provocada por aqueles que podem propor a aso, direta de inconstitucionalidade. §3#Do ato administrative ou decisio judicial que contrariar a stimula aplicdvel ou que indevidamente a aplicar, caberd reclamasio ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a, procedente, anulard o ato administrative ou cassaré a de- isto judictal reclamada, e determinaré que outra seja pro- {erida com ou sem a aplicarao da stimula, conforme o caso. De acordo com a determinagao constitucional, somente o Supremo Tribunal Federal é que poder editar stimulas com efeito vinculante. Os demais tribunais «, inclusive, © préprio Supremo Tribunal Federal ainda poderdo continuar a 36 bas [reRrREtAcAo F INTEGRAGKO DA LE PENAL cos produzir suas stimulas que, embora traduzam as conclusées a respeito de suas relteradas decisbes sobre o mesmo fato, no vinculam os juizes de primeiro grau, 0 desembargadores ou mesmo os ministros que, atuando naquela Corte Superior de Justica, a ela no se filiam. Sao as chamadas stimulas persuasivas ou suasorias. Dissertando especificamente sobre a possibilidade de edigdo de simulas nao vinculantes pelo préprio Supremo Tribunal Federal, Gustavo Nogueira elenca alguns argumentos favoraveis, dizendo, com preciso: “Primeiro, porque as simulas jé editadas pelo STF néo receberam automaticamente o efeito vinculante, inclusive enquanto as siimulas nao forem confirmadas por dois tergos dos integrantes do Supremo, ou seja, olto Ministros, nenhuma delas tera efeito vinculante, conforme dispGe 0 art. 8 da EC n® 45/2004. As stimulas que no forem confirmadas continuariio servindo como diretriz para um determinado julgamento, continuardo apenas tendo 0 efeito prético de orientar 0 érgio julgador a adotar aquele posicionamento ja previsto em stimula, nfo cabendo, no entanto, a reclamaro para anular a decisio judicial, muito menos 0 ato administrativo. Segundo, porque existem stimulas do STF que nao tratam de matéria con! nal, € assim ndo poderao ter efeito vinculante, pelo menos legftimo [.-]. ‘Terceiro, porque a stimula pode ser aprovada sem o quérum qualificado previsto no art. 103-A da Constituigo, de oito Ministros. 0 Regimento Interno (do STF) no fol revogado quando exige maioria absoluta para aprovasaoda simula, uma vez que nao é incompativel com o novo Texto Constitucional. A Constituigao exige 0 voto de oito Ministros para aprovacio de sdmula com efeito vinculante, porém nada impede que 0 voto de seis Ministros aprove uma stimula nao vinculante, Se for proposta sua revisao e pelo menos ito Ministros concordarem com uma nova redagdo, passaré entio a ter efelto vinculante”* Quanto aos melos empregados, a interpretagio pode ser’ 4) literal (ou gramatieal); 2) teleolégica; 6) sistémica (ou sistemética); @) histérica. SUBIR, Gistayo Sutana, Do aie vinnie: ma pn bidage om do uso — nt ese corns conn op. 7 Valent slot ft por laos Mesias Paha, gum de ue "os oos rama ies, sto 4 setemaco no coatuen tate eg: Se merrttn Srte = Gas Sve oo aroha esata cae interes orem soa, a reso eas au ream fio Famontosmena cm Ss deagar ne bemenguia sas (4 pre de Conte oc pittpoe aaenssry 37 Rocio Greco Vownme I Interpretagdo literal ou gramatical é aquela em que 0 exegeta se preocupa, simplesmente, em saber o real e efetivo significado das palavras. 0 intérprete, obrigatoriamente, deve buscar o verdadeiro sentido e alcance das palavras para que possa dar infcio ao seu trabalho de exegese. Néo se pode, por exemplo, entender 0 que venha a ser homicidio sem que se conhesa o significado da palavra alguém, contida no art. 121 do Cédigo Penal. Jé na interpretacdo teleolégica o intérprete busca alcancar a finalidade da lei, aquilo ao qual ela se destina regular. “A interpretagao l6gica ou teleol6gica consiste na indagagao da vontade ou inten¢io realmente objetivada na lei e para cuja revelagao 6, muitas vezes, insuficiente a interpretagéo gramatical”* Segundo Jean-Louis Bergel, “o método teleolégico fundamentado na andlise da finalidade da regra, no seu objetivo social, faz seu espirito prevalecer sobre sua letra, ainda {que sacrificando 0 sentido terminolégico das palavras"® Quando, vg. analisamos a Lei n® 8.069/90, que dispée sobre o Estatutd da Crianga e do Adolescente, podemos verificar que o legislador criou uma série de tipos penais incriminadores. ‘Apergunta que se faz, quando se interpreta esses tipos penais, é a seguinte: Com que finalidade o legislador eriou essas novas infragbes penais? Por meio de uma interpretagao teleolégica, conclui-se que essas infrasdes foram criadas com o fim de proteger as criangas e os adolescentes. Da mesma forma deve ser interpretado art, 59 do Cédigo Penal, cujas circunstAnclas judiciais devem ser analisadas com o fim de fixar a pena que seja necesséria e suficiente para a reprovagdo e prevengdo do crime. A interpretagao teleolégica busca, portanto, os fins propostes pela le. Com a interpretagdo sistémica, 0 exegeta analisa o dispositive legal no sistema no qual ele esté contido, e ndo de forma isolada. Interpreta-o com 05 olhos voltados para o todo, e no somente para as partes. Bobbié define a interpretagao sistémica como “aquela forma de interpretagio que tira os argumentos do pressuposto de que as normas de um ordenamento, ou, mais, exatamente, de uma parte do ordenamento (como o Direito Privado, o Direito Penal) constituam uma totalidade ordenada (mesmo que depois se deixe um pouco no vazio o que se deve entender com essa expresso), e, portanto, seja esclarecer uma norma deficiente recorrendo ao chamado ‘espirito do sistema, mesmo indo contra aquilo que resultaria de uma interpretacao meramente literal"* ‘ETHUNGAIA, Néeon, Comentto 2 ego pol. 1 p75. ® BERGEL,Jear-Louls. Toor geal do deta p. 982. 10 BOBBIO, Neer, Tora do ornaments uo, . 78 38 sa ss InTHRpRETAGKO E INTEGRAGAO DA LE PENAL Curtreio 4 ‘A Constituiedo Federal, na alinea d do inciso XXVIII do seu art. 5 dispoe ser recomhecida a instituigo do jiri, com a organizacdo que Ihe der lei, assegurada sua competéncla para julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Suponhamos que alguém, com a finalidade de subtrair cotsa alheia, cause dolosamente a morte da vitima para subtrairlhe o rel6gio de ouro. Nessa hipétese, devera fo agente ser submetido a julgamento pelo jiri, uma vez que, embora com a finalidade de subtragao, tenha causado dolosamente a morte da vitima? Nao, pois se interpretarmos sistemicamente o art. 157, § 3%, do Cédigo Penal, embora tendo a vitima sido morta dolosamente pelo agente, nao podemos submeté-lo a julgamento pelo tribunal popular, uma vez que o art. 157, § 34, est previsto no Capitulo TI, do Titulo II, do Cédigo Penal, que culda dos crimes contra 0 patriménio. Assim, pela interpretacio sistémica, conclui-se que o agente praticou um crime contra 0 patriménio, e ndo contra a vida em primeiro plano, razio pela qual deverd ser julgado pelo juizo singular, e nfo pelo jiri. Por meio da interpretagdo histérica, o intérprete volta ao passado, ao tempo em que foi editado o diploma que se quer interpretar, buscando os fundamentos de sua criacdo, o momento pelo qual atravessava a sociedade etc,, com vista a entender o motivo pelo qual houveanecessidade de modificaso do ordenamento juridico, facilitando, ainda, a interpretacdo de expressées contidas na lel. Quanto aos resultados, a interpretacao pode ser: a) declaratéria; b) extensiva; ¢) restritiva, Na interpretagao declaratéria, o intérprete no amplia nem restringe o seu alcance, mas apenas declara a vontade da lel. Como exémpio, podemos citar 0 art. 141, IIL, do Cédigo Penal, o qual preceitua que as penas cominadas para os crimes de caliinia, difamacdo e injiria seréo aumentadas de um tergo se qualquer dos crimes for praticado na presenca de varias pessoas. Interpretando © termo varias, chegamos & conelusio de que o Cédigo exige, pelo menos, trés pessoas. Isso porque quando a lei se contenta com apenas duas ela o diz expressamente, como no caso do art. 155, § 4, IV, da mesma forma que quando exige um minimo de quatro pessoas, como nos arts. 146, § 1%, e 288, utiliza a expressdo mais de trés pessoas, Assim, a interpretago dada ao inciso III do art. 141 € meramente declarat6ria, pois ndo ampliamos nem restringimos seu aleance, mas simplesmente declaramos seu contetido real. Interpretagao restritiva & aquela em que o intérprete diminui, restringe © alcance da lei, uma vez que esta, a primeira vista, disse mals do que efetivamente pretendia dizer (lex plus dixit quam voluit), buscando, dessa forma, aprender 0 seu verdadeiro sentido. Preconiza o inciso II do art. 28 do Cédigo Penal que a ‘embriague7, voluntaria ou culposa, pelo élcool ou substincia de efeitos andlogos 39 Roctn10 Greco Vouine 1 nao exclui a imputabilidade penal. No caso em exame, embora fazendo mencao a embriaguez voluntaria ou culposa,o artigo nao se referiu a chamada embriaguez atolégica, uma vez que esta tiltima encontra-se abrangida pelo caput do art. 26 do Cédigo Penal, e ndo pelo art. 28. Dessa forma, devemos diminuir 0 alcance da norma contida no inciso II do art, 28 do Cédigo Penal, para dela subtrairmos a sua aplicagao quando for o caso de embriaguez patolégica. Ocorre a interpretacdo extensiva quando, para que se possa conhecer a exata amplitude da lei, o intérprete necesita alargar seu alcance, haja vista ter aquela dito'menos do que efetivamente pretendia (lex minus dixit quam voluit). A titulo de raciocinio, quando a lei proibiu a bigamia, criando, para tanto, o crime previsto no art. 235 do Cédigo Penal, quis, de maneira implicita, também abranger a poligamia; no caso do delito de perigo de contagio venéreo, tipificado no art. 130 do Cédigo Penal, a lel incrimina ndo somente a situacao de perigo 4 qual é exposta a vitima que mantém relaco sexual com alguém que, sabendo-se doente, com ela pratica 0 ato sexual, como 0 préprio dano causado com 0 contégio. Neste tltimo exemplo, hé autores que entendem que, havendo 0 efetivo contagio, odelito deixa de ser aquele tipificado no art, 130 e passa a sero de lesSes corporais,"* ndo sendo 0 caso, portanto, de ser realizada uma interpretagao extensiva.!® 3. INTERPRETACAO ANALOGICA 0 legislador, em determinadas passagens do Cédigo Penal, por nao poder prever todas as situagées que poderiam ocorrer na vida em sociedade e que seriam similares aquelas por ele jé elencadas, permitiu, expressamente, a utilizagao de um recurso, que também amplia.o aleance da norma penal, conhecido como interpretagao anal6gica. Interpretario anal6gica quer dizer que a uma férmula casufstica, que serviré de norte a0 exegeta, segue-se uma férmula genérica Inicialmente, 0 Cédigo, atendendo ao principio da legalidade, detalha todas as situagSes que quer regular e, posteriormente, permite que tudo aquilo que a ¢las seja semelhante possa também ser abrangido pelo mesmo artigo. ‘Tomemos como exemplo o art. 121, § 25 II, do Cédigo Penal, com a seguinte redacao: eseasarde, TELES, Ney Moura. Oreo penal Pata ger. p. 167 12 Anda stele a possbidad da chara ntpretarseprogrecia {adapta ou evade) gue score ‘no momenio em que oniprote procure adap all as necessades An conoepgespresuniedniicards 8s vanetormagtes socal, seca, priaeas ou maria que poseam alan o nace na ahcayao dell ena: Nesee senso, aduz Rober Avena que nrpreagao progressva 6 aquele aus “com o pasear So ompo, Susts-20& realidad soa eas modicagcs palica-socas io se sunadam (AVENA, Norberta,Processo pone ‘squematzao, 89) Os, por examl, quando so Bos ntrprotaro quo aera oper de v(t 123, 5% Inceo 1, CP), dana do pepesshve deervcienia da medina, ou, Shs, Gul seit © soso de ‘expresso "conga mont ar 2€ do CP) am lace das nove deseoberas da pigs. 40 | isleenacamapiineet eens i esa facbeeraticnionnaencne IietERPRETAGKO E INTEORAGAO DA LL PENAL —_______Carimo4__ §25Seohomicidioécometide: SS I fodi MEd III ~ com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum. Quando o legislador fez inserir as express6es ou por outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum, ele quis dizer que qualquer outro meio dissimulado ou que cause excessivo sofrimento & vitima e aquele que possa trazer uma situagdo de perigo a um niimero indeterminado de pessoas, embora nao elencados expressamente por esse inciso, esto também por ele abrangidos e,em virtude disso, qualificam o crime de homicidio. Podemos perceber que a uma formula casuistica - com emprego de veneno, {fogo, explasivo, asfixia, tortura — 0 Cédigo fez seguir uma férmula genérica ~ ou ‘outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum. Percebe-seque, da mesma forma queainterpretago.extensiva,ainterpretaclo analégica amplia 0 contetido da lei penal, com a finalidade de nela abranger hipéteses nao previstas expressamente pelo legislador, mas que por ele foram também desejadas, Podemos, portanto, entender que a interpretacdo extensiva é o género, no qual so espécies a interpretacdo extensiva em sentido estrito e a interpretago analégica. Como, entio, poderemos diferenciar ambas as espécies? Analisando a lef penal. Se, para abranger situag&es no clencadas expressamente no tipo penal, o legislador nos fornecer uria formula casuistica, seguindo-se a ela uma formula genérica, faremos, aqui, uma interpretagio.analégica. Caso contrari ‘embora o legislador nao nos tenha fornecido um padrao a ser seguido, de ampliar 0 alcance do tipo penal para alcancarmos hipéteses ndo previstas expressamente, mas queridas por ele, estaremos diante de uma interpretacao extensiva em sentido estrito. 4, INTERPRETAGAO CONFORME A CONSTITUICAO A interpretagao conforme a Constituigao 6 © método de interpretarao por ‘meio do qual 0 intérprete, de acordo com uma concepeao penal garantista, procuraaferir a validade das normas mediante seu confronto com aConstituigao. FE Na BI, qu da Patra cde Daus, também feos um exe avo de etrectano anagia na cara que Apso Palo soeoveu 803 Gills, no cape 8 verlouce 18-2, quando da: Ore, as obras Ca cane 0 ‘orcas lo: prostaeo, mpuren, neon oat, fellas, izades, pos, cme, Fes, cos, ‘Ereonptes fangs, lela, bebedaee, gtonarns@ clans Semalhendcs a ete, a fepoto dos quai ou vor sar, como foo, vos preven, qua nao erdreo rin ce Dos ce Ques clsas rate (BIBLIA DE ESTUDOS GENERA a Rocio Greco Vou 1 Asnormas infraconstitucionais devem, sempre, ser analisadas e interpretadas -de acordo com os principios informadores da Carta Constitucional, nao podendo, de modo algum, afronté-los, sob pena de ver judicialmente declarada sua invalidade, seja mediante o controle direto de constitucionalidade, exercido pelo Supremo Tribunal Federal, seja pelo controle difuso, atribuido a todos os jufzes que atuam individual (monocréticos) ou coletivamente (colegiados), Mediante uma interpretardo conforme a Constitulcdo, de acordo com a ligao de Manoel Messias Peixinho, “reconhece-se a supremacia da Constitulgdo sobre todo o ordenamento jurfdico, nao s6 estabelecendo uma hierarquia de uma lei superior sobre outra de nfvel inferior, como, também, exercendo uma vigilancia da constitucionalidade das leis” Como bem destacou Paulo de Souza Queiroz, “como guardido da legalidade constitucional, a missio primeira do juiz, em particular do-julz criminal, antes de julgar os fatos, é julgar a prépria lei a ser aplicada, é julgar, enfim, a sua compatibilidade ~ formal e substancial - com a Constituicio, para, se a entender lesiva A Constitulco, interpreté-la conforme a Constitui¢go ou, nfo sendo isso possivel, deixar de aplicé-la, simplesmente, declarando-Ihe a inconstituctonalidade”* Deveré o julgador, a titulo de exemplo, aferir se a norma penal atendeu a0 principio da proporcionalidade fazendo uma comparacio entre ela ¢ os demals tipos penais, a fim de saber se o bem que por ela fora protegido goza da importéncia que motivou a cominarSo da pena nele prevista, ou, ainda, buscar preservar a igualdade de tratamento, conformese verifica pelo julgado da Segunda Camara Criminal do extinto TARS, colacionado por Paulo de Souza Queirez, que, segundo o ilustre Procurador da Repiiblica, “considerou que, embora o art. 34 da Lel n* 9.249/95, ao permitir a extingdo da punibilidade pelo recolhimento do tributo nos crimes contra a Ordem Tributéria e Previdenciaria Social, violasse © principio da igualdade, deveria, no entanto, ter seus efeltos estendidos para as demals hipéteses de crimes sem violencia ou grave ameaga & pessoa’ 5. DUVIDAS EM MATERIA DE INTERPRETAGAO Sera que, mesmo depois de utilizados todos os melos necessérios e adequados a fim de buscar o verdadeiro alcance da lei, se ainda persistir a diivida no Amago do intérprete, poderemos aplicar o principio do in dubio pro reo, ou séja,a duvida em matéria de interpretaso da lei penal deve ser levada em beneficio do agente que supostamente praticou a Infragdo penal? “TF PEDERI, Marcel Mesias. A intrpretaro da conatusoo asprin fundamen p, 108-109. 15 QUEIROZ, Paulo de Souza. Oreo pana nwo erica, p98 18 QUEIROZ, Paulo de Sour. Dro pont -noco crit. 4. 42 IsstenPRETAGKOE INTEGRAGKO DALE FENAL Curtruno 4. Com a finalidade de responder a essa indagaedo, surgiram trés correntes. A primeira delas aduz que, em caso de dtivida de interpretagao, esta deve pesar ‘em prejuizo do agente (in dublo pro societate). Jé a segunda corrente preleciona que a divida de interpretagio teria de ser resolvida pelo julgador, podendo ger contréria ou a favor ao réu. A iiltima corrente, de posicdo mais adequada aos métodos de interpretacdo da lei penal, preconiza que, havendo divida em matéria de interpretagio, deve esta ser resolvida em beneficio do agente (in dubio pro reo). & a posigao defendida por Hungri "No caso de irredutivel divida entre o espfrito e as palavras da lei, & forsa acolher, em direito penal, irrestritamente, © principio do in dubio pro reo (isto &, 0 mesmo critério de solucao nos casos de prova dibia no processo penal). Desde que ndo seja possivel descobrir-se a voluntas legis, deve guiar-se o intérprete pela conhecida maxima: favorablia sunt amplianda, ediasa restringenda. O que vale dizer: a lei penal deve ser interpretada restritivamente quando prejudicial a0 réu, e extensivamente no caso contrario."” 6. ANALOGIA Define-seaanalogia como uma formade autointegrarao danorma, consistente em aplicar a uma hipétese ndo prevista em lel a disposiyao legal relativa a um caso semelhante, atendendo-se, assim, ao brocardo ubi eadem ratio, ubi eadem legis dispositio. Luiz Regis Prado aduz que, “por analogia, costuma-se fazer referéncia a um raciocinio que permite transferir.a solucéo prevista para determinado caso a outro nao regulado expressamente pelo ordenamento juridico, mas que camparte.com o primelro certos caracteres essenclais ou a mesma ou suficiente razdo, isto é, vinculam-se por uma matéria relevante simili ow a part". Aplicando-se a analogia, atende-se, outrossim, ao art. 4# da Lei de Introduso as Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei n* 4657, de 4 de setembro de 11942), que diz: Quando a lel for omissa, 0 julz decidird 0 caso de acordo com a analogia, os costumes e os princ{pios gerais de direito. Com essa férmula, mesmo que para determinado caso nao haja norma expressa regulando-o, o juiz no pode eximir-se de julgé-lo, embora ocorra uma Tacuna na lei. O mesmo no ocorre com o sistema juridico-penal, que se tem por perfeito em suas normas incriminadoras. Tudo aquilo que néo for expressamente proibido é permitide em Direito Penal. As condutas que o legisladar deseja proibir ou impor, sob a ameaca de “T7 HUNGAIA, Noon. Comentiro 2 ego poral tI, 6-88 48 PRADO, Lue Regi. Curso do crotopanal rasa Pats gral, p 7 43 Rogtuio Garco Vounme I sangio, devem vir descritas de forma clara e precisa, de modo que o agente as conhega e as entenda sem maiores dificuldades. 0 campo de abrangéncia do Direito Penal, dado seu cardter fragmentario, 6 muito limitado. Se nio ha previsio expressa da conduta que se quer atribuir ao agente, é sinal de que esta ndo mereceu a aten¢ao do legislador, embora seja parecida com outra jé prevista pela legislarao penal. Quando se inicia o estudo da analogia em Direito Penal, devemos partir da ‘seguinte premissa: 6 terminantemente proibido, em virtude do prinefpio da legalidade, o recurso a analogia quando esta for utilizada de modo a prejudicar © agente, seja ampliando o rol de circunstancias agravantes, seja ampliando © conteiido dos tipos penais incriminadores, a fim de abranger hipéteses nao previstas expressamente pelo legislador etc. Nesse sentido é a lito de Fabricio. Leiria, quando diz: “Em matéria penal, por forga do princfpio de reserva, nao é permitido, por semelhanga, tipificar fatos que se localizam fora do raio de incidéncia da norma, elevando-os a categori de delitos. No que tange as normas incriminadoras, as lacunas, porventura existentes, devem ser consideradas como expresses da vontade negativa da lei. E, por isso, incabivel se torma o processo anal6gico. Nestas hipéteses, portanto, nfo se Promovea integraedo da normaao caso por ela nao abrangido."® Partindo desse raciocinio, podemos fazer a seguinte distingaio entre: @) analogia in bonam partem; +b) analogia in malam partem. Aaplicagio da analogia in bonam partem, além de ser perfeitamente vidvel, é muitas vezes necessdrla para que ao interpretarmos a lei penal nao cheguemos a solugbes absurdas. Se a analogia in malam partem, jé deixamos entrever, é aquela que, de alguma maneira, prejudica o agente, a chamada analogia in bonam partem, ao contrario, 6 aquela que Ihe é benéfica. A titulo de exemplo, imagine-se a hipétese prevista no Inciso I do art. 181 do Cédigo Penal, que diz ser isento de pena quem pratica qualquer dos crimes previstos no Titulo II (Crimes contra 0 patriménio), em prejuizo do cénjuge, durante a constancia da sociedade conjugal. Cuida-se, in casu, da chamada escusa absolutéria ou imunidade penal de carter pessoal, por meio da qual, Por questées de politica criminal, entendeu por bem o legislador em no punir © cénjuge que, por exemplo, viesse a subtrair, sem violéncia ou grave ameaga, ‘um bem pertencente ao outro. SZo situares comuns no dia a dia do casal, como ‘a hipétese em que o marido ou a esposa, sem o consentimento ou a aprovacio “18 LEIRIA, Anno José Fabricio. Teora@ aptcagso del pena 9.71 44 Se a nTARPRETAGKO F INTEGRAGKO DA LI PENAL do outro cOnjuge, dele subtrai certa quantidade de dinheiro. Aqui, de acordo. coma regra constante do art. 181, I, do Cédigo Penal, embora o fato pudesse ser considerado como tipico, ilicito e culpavel, nZo seria punivel. Agora, e se a subtracSo tivesse sido levada a efeito pelo companhelro, que vivia maritalmente com o outro, de acordo com o conceito de unio estavel? Seria razodvel puni-lo, em virtude de nao ter sido mencionado expressamente pelo citado art. 181, I, do Cédigo Penal? A resposta s6 pode ser negativa, pois tal como ocorre com o cOnjuge, por questdes de politica criminal, nao se justificari sua punigo que, caso viesse a ocorrer, certamente atingiria a relaso do casal Nesse caso, podemos aplicar o raciocinio relativo & analogia in bonam partem. Nao obstante a possibilidade de utilizarmos a analogia com a finalidade de beneficiarde qualquer modo oagente, devemos observar aescorreltalligdo de Assis Toledo, quando diz que "é preciso notar, porém, que a analogia pressup6e falha, omissao da lel, ndo tendo aplicagio quando estiver claro no texto legal que a mens legis quer excluir de certa regulamentagio determinados casos semelhantes’** ‘Aanalogia in malam partem, na definigao de Vicente Cernicchiaro ede Roberto Lyra Filho, “significa a aplicagao de uma norma que define o ilicito penal, sansao, ou consagre occidentalia delicti (qualificadora, causa especial de aumento de pena e agravante) a uma hip6tese no contemplada, mas que se assemelha a0 caso tipico. Evidentemente, porque prejudica e contrasta o princfpio da reserva legal, € inadmissivel’** 6.1, Juiz como legislador positive e como legisiador negativo Vimos.que é possivel 0 recurso & chamada analogia in bonam partem, uma vez detectada a hipétese de lacuna, falha, omissio legal. Assim, para que seja preservado © principio da isonamla, deveré o Julgador aplicar ao caso concreto, para o qual nao existe regulamentapao legal, a norma relativa a hipdtese que Ihe soja similar. Atuando dessa maneira, ou seja, ampliando o alcance da lei a outras situag6es que nao foram objeto de regulamentaco expressa, estard o julgador (aqui entendidos os juizos monocriticas e colegiados), funclonando como um legislador positivo. Ao contrario, quando reconhece a inconstitucionalidade de determinado diploma penal, seja por meio do controle concentrado, exercido pelo Supremo ‘Tribunal Federal, seja por meio do controle difuso, inerente a todo julgador, estard exercendo as funces de um legislador negativo, impedindo, outrossim, a aplicagdio da lel 20 caso concreto. {ip TOLEDO, Francisco a Ael.Prnfplos bata de creo pana. 27. 21 LYRA FILHO, Robed; CERNICHIARO, Lu Verte, Compendia roto penal ~ Pat gral 85. Curtruro 4 Carituto 5 PRINCIPIO DA INTERVENGCAO MiNIMA © Direito Penal sé deve preocupar-se com a proteso dos bens mais Importantes ¢ necessérios a vida em socledade. Olegistador, pormeiodeumcritério politico, quevariadeacordocomomomento fem que vive a sociedade, sempre que entender que os outros ramos do direlto se revelem incapazes de proteger devidamente aqueles bens mais importantes para ‘a sociedade, seleciona, escolhe as condutas, positivas ou negativas, que deverao ‘merecer a atengao do Direito Penal. Percebe-se, assim, um prinefpio limitador do poder punitivo do Estado, conforme preleciona Mufioz Conde: "O poder punitivo do Estado deve estar regido e limitado pelo principio da interven¢o minima. Com isto, quero dizer que © Direito Penal somente deve intervir nos casos de ataques muito graves aos bens juridicos mais importantes. As perturbagdes mais leves do ordenamento jurfdico so objeto de outros ramos dé Direito."* 0 principio da intervengao 1a, ou ultima ratio, é 0 responsdvel nio 86 pela indicagao dos bens de malor relevo que merecem a especial atencdo do Direito Penal? mas se presta, também, a fazer com que ocorra a chamada descriminalizagdo. Se é com base neste principio que os bens sio selecionados Para permanecer sob a tutela do Direito Penal, porque considerados como os de maior importancia, também ser com fundamento nele que olegislador, atento as ‘mutagdes da sociedade, que com a sua evolugdo detxa de dar importéncia a hens, que, no passado, eram da maior relevancia, fard retirar do nosso ordenamento jurfdico-penal certos tipos ineriminadores, 0 Direito Penal deve, portanto, interferir 0 menos possivel na vida em socledade, devendo ser solicitado somente quando os demais ramos do Direito, comprovadamente, nio forem capazes de proteger aqueles bens considerados da maior importancia. Nesse sentido é a ligdo de Cezar Roberto Bitencourt: 7 WUROZ CONE, Francie, Invedsotn a reco pena 59-00 2 Jost Sinz Canter Caparéspolocona qua “o seo priv coment dove ocaparso da agresstes me Frisoravot aoe bens rice mas ranecondenen, pau ae mas audios congas (La ‘odaliguai en fo celts mprdantes ana ogo Rogtno Graco Vows I “0 principio da intervengio mfnima, também, conhecido ‘como uleima ratio, orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalizagao de uma conduta 86 se legitima se constituir meio necessério para a protegao de determinado bem juridico. Se outras formas de sangdes ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalizagao sera inadequada e desnecessérla, Se para o restabelecimento da ordem juridica violada forem suficientes medidas civis ou administrativas, sio estas que devem ser empregadas e nao as penais. Por isso, 0 Direito Penal deve ser a ultima ratio, isto 6, deve atuar somente quando os demais ramos do direito revelarem-se incapazes de dar a tutela devida a bens relevantes na vida do individuo e da prépria sociedade.”* Ressaltando 0 cardter subsididrio do Direito Penal, Roxin assevera: "A protesdo de bens juridicos nao se realiza s6 mediante © Direito Penal, sendo que nessa misso cooperam todo 0 instrumental do ordenamento juridico. 0 Direito penal é, inclusive, a iltima dentre todas as medidas protetoras que devem ser consideradas, quer dizer que somente se pode intervir quando falhem outros melos de solugao social do problema ~ como a ago civil, os regulamentos de policia, as, sangSes nfo penais etc. Por isso se denomina a pena. como a ‘ultima ratio da politica social’ e se define sua miso como protesdo subsididria de bens juridicos."* Discute-se hoje em dia, por exemplo, a respelto da necessidade de se punir penalmente aquele que emite cheque sem suficiente proviséo de fundos. Sera que medidas civis ou administrativas, tals como execusdo da quantia nao paga 0 impedimento, por um longo prazo, para que o emitente do cheque possa, novamente, voltar a ser correntista de algum banco rifo sao suficientes para inibir as ages dos maus pagadores? Esse raciocinio, felto com base no principio da intervengo m{nima, levaré o legislador a refletir e a sopesar a eficiéncia da aplicagdo de outras medidas para inibir a mencionada conduta, e, se entender que sio suficientes, ndo mais haverd necessidade de intervencao do Direlto Penal, cuja aplicagio se mostrou desnecesséria, Da mesma forma, também é objeto de discussao, com base no princfpio da intervenséo minima, a manutenco das contravengBes penais em nosso ordenamento jurfdico, Se levarmos em conta que, de acordo com a conceprao Aicotdmica das infragées penais, ou seja, fazendo-se a diviséo entre, de um “cezar Rober, Updos de dao penal Pane erp. 32 44 ROXIN, Glaus. Derecho pena 1p 85. 48 sia suai sbi ce aaa besa PrINctot0 DA INTERVENGKO MINIALA evo. lado, 0s crimes/delitos e, do outro, as contravengées penais, considerando-se que a estas iiltimas é destinada a protegao dos bens que nao gozam da mesma importancia do que aqueles protegidos pelos crimes/delitos. De acordo com 0 critério proposto pelo principio da intervencao minima, o Direito Penal deveria afastar as chamadas contravencdes penais, permitindo que a protegio dos bens por elas realizada fosse destinada aos outros ramos do ordenamento juridico® Por intermédio da Lei n* 11.106, de 28 de margo de 2005, foram abolidos de nosso ordenamento juridico-penal alguns tipos penais incriminadores, cujos bens, nos dias de hoje, podem ser perfeitamente protegidos pelos demais ramos do ordenamento jurfdico, como acontece, por exemplo, com o adultério. Nesse caso, o cOnjuge trafdo, se for do seu interesse, poder ingressar no jutzo civil com uma ago de indenizarao, a fim de que veja reparado o prejufzo moral por ele experimentado, ndo havendo necessidade, outrossim, da intervencdo do Direito Penal. ‘As vertentes do principio da intervengio minima so, portanto, como que duas faces de uma mesma moeda, De um lado, orientando o legislador na selecéo dos bens mais importantes ¢ necessérios ao convivio em sociedade; de outro, também servindo de norte ao legislador para retirar a protesio do Direito Penal sobre aqueles bens que, no passado, gozavam de especial importancia, mas que hoje, com_a evolugao da sociedade, jd podem ser satisfatoriamente protegidos pelos demais ramos do ordenamento juridico, Desse modo, podemos concluir com André Copetti, quando assevera: "Sendo 0 direito penal o mais violento instrumento normative de regulagéo social, particularmente por atingir, pela aplicasao das penas privativas de Iiberdade, o direito de ir & vir dos cidadaos, deve ser ele minimamente utilizado. Numa perspectiva politico-jurfdica, deve-se dar preferéneia a todos 0s modos extrapenais de solucdo de conflites. A repressio penal deve ser o iiltimo instrumento utilizado, quando jé nao houver mais alternativas dispontveis"* 5 Lug Feral com meeatia,assevr: “Um redimensionamerto do dreto pans! devera ser proce, 0 Ianc, da despenaajeo de todas aa contravergies, compress aqusce puree Got soy aso tomo de odes os dete purios com milla mesio Ze en atomaiva Avecuslo [of © fo deo legaar ter detomindo qualita cots Conds ooo snes corravanpies, de agua ana les ceepart Punic ~ soa meu &scloaradade do a~ com ara srgios ia 6 sufconto prs ests ee le ‘St in cans mon mes ass cin cen on foe eur aes al mino em dvi, um primero ets pragma de ceepenatzapc” (oto asap. 67) Neste ‘Speco con dertica esquora mri pis, Sosrmein enna tos rads, ade Sra ne eatin ona iat, eos 0 err oge occa ty So aia do tear lo una ‘npez? nos pos pens, revegae odo ales cjos bens ees prov ela passa A pteto plo cera race co ronarars use, som aceesiada de ioreno cl os Duta Peel {Sr ma, vl GRECO Rog. ets Pumano, star pons atorabes pvp eerie S COPETM, André. Ort pena stad democriteo de cto, 87 49 Carituto 6 PRINCiPIO DA LESIVIDADE Os principios da intervensao minima e da lesividade sfio como duas faces de uma mesma moeda. Se, de um lado, a intervencao mfnima somente permite a interferéneia do Direito Penal quando estivermos diante de ataques a bens juridicos importantes, o principio da lesividade nos esclareceré, limitando ainda mais 0 poder do legislador, quals so as condutas que poderdo ser incriminadas pela lel penal. Na verdade, nos orientaré no sentido de saber quais so as condutas que ndo poderdo sofrer os rigores da lei penal. Nesse sentido, afirma Sarrule: "As proibicbes penals somente se justificam quando se refe- rema condutas que afetem gravemente a direitos de terceiros; como consequéncia, ndo podem ser concebidas como respos tas puramente éticas aos problemas que se apresentam sendo como mecanismos de uso inevitavel para que sejam assegura- dos os pactos que sustentam 0 ordenamento normative, quan- do ndo existe outro modo de resolver o conflito’? 0 princfpio da lesividade, cuja origem se atribui ao perfodo iluminista, que por intermédio do movimento dg secularizacio procurou desfazer a confusao que havia entre o direito e a moral, possui, no escélio de Nilo Batista,? quatro principais funsdes, a saber: 4a) proibir a incriminagio de uma atitude interna; +) proibira incriminago de uma conduta que no exceda 0 Ambito do préprio auto ¢) proibir a incriminagao de simples estados ou condigSes existenclais; d) proibir a incriminagéo de condutas desviadas que nao afetem qualquer bem jurfdico. A primeira das vertentes do principio da lesividade pode ser expressa pelo brocardo latino cogitationis poenam nemo patitur, ou seja, ninguém pode ser Punido por aquilo que pensa ou mesmo por seus sentimentos pessoais, Nao 1 SARRULE, GotarEnito. La ris cd nga del btma puto penal Abaonisme oueticacn, 2 BATISTA Mio tres rca ao cet panel baste. 92.94 Rosine Greco Vounel h4 como, por exemplo, punir a ira do agente ou mesmo a sua piedade. Se tais sentimentos nao forem exterlorizados e no produzirem lesdo a bens de terceiros, jamais 0 homem poder ser punido por aquilo que traz no intimo do seu ser. Seria a maior de todas as punigées. 0 Direito Penal também no poder punir aquelas condutas que néo sejam lesivas a bens de terceiros, pois ndo excedem ao Ambito do proprio autor, a exemplo do que ocorre com a autolesio ou mesmo com a tentativa de suicidio. No Brasil, discutia-se a validade do art. 16 da Lei n* 6.368/76, que proibia o uso de substdncla entorpecente. Nilo Batista posicionava-se no sentido de que o art. 16 da mencionada legislacio “incrimina 0 uso de drogas, em franca oposigo 20 principio da lesividade e as mais atuais recomendagoes politico-criminais’? Mesmo apés a edigao da Lei n* 11.343, de 23 de agosto de 2006, a discussio ainda persiste. Isso porque o atual art. 28 da referida lei ainda incrimina a conduta de consumir drogas. 0 que houve, na verdade, foi uma despenalizagéo‘, melhor dizendo, uma medida tio somente descarcerizadora, haja vista que 0 novo tipo penal nao prevé qualquer pena que importe em privacao de liberdade do usudrio, sendo, inclusive, proibida sua prisdo em flagrante, conforme se dessume da redagdo constante do § 2° do art. 48 da Lei Antidrogas. Amoldam-se também sob essa perspectiva todos os atos preparatérios que antecedem a execurao de determinada infracao penal, ou mesmo, como destacou Nilo Batista,’ a hipétese de crime impossivel, pois aqui, como se percebe, nao existe possibilidade de lesio ao bem juridico em face da absoluta ineficécia do meio utilizado, bem como a absoluta impropriedade do objeto. Atercelra funcio do principio da lesividade 6 a de impedir que o agente seja punido por aquilo que ele 6, eno pelo que fez. Busca-se; assim, impedir que seja erigido um auténtico direito penal do autor. Zaffaronl, categoricamente, afirma: BATISTA, Nia inrodigo oes so aot panal reir. S258. {A Turma, restr questo de order n arti do quo © at. 28 da Ll 11.24/2006 (Nova Le Téxc28) ‘so ipl abot crs co dete do pons de drapes por consumo peso, eto provstongart 10 ds Lai FF 630976, jug prejudoado ecireo exons en qu © n=tlo Palco do Estado do Po de Jana ‘egave a eoralnea dos heados eapesis pate pocosear © ugar conduta eapiada moat 16.68 Lt (Sakarre Concder so qo condita ant Sears hess ao conta seco cme 20 ade dl ova, {ence coord, lo sen, uma despenstzngo, ofa ouractefetoa marcar cota a exclu de panes pvavas {i Toodade como sungto ping! ou eubatva da nado pena. Aasiouse, trim, o entender de ft da doutina de uo 0 iat, agora, conatursoda tage penal sul gone pols sla posed scart Peas consequences ts como a fapssbikado do a Conds sar engusaraa come so ifacinal, | que 80 nin cane nam contaversdo pon © Stoudade na dno de seu rope uo. Ader, jslu-s0 © Srjumorte de queef. 30 DLS S14 (Lider no CSig0 Penal o& La do Carvaengs Pera) ‘Sora Se nu a nove lel easao cro som a inpip de ona de reluso ou de Getango, Un ver aU ste Gopostve apenas exlabelso otro para dato oo etme econravenpo,o que no meds cu (Soscndra sopoverionts adlasse ou roqasoe gfale a cforanapto ou ecofeese para dteminad ‘ait pana divers Gn povag ou esq aber, Ars anda, qo, enbora stems de Nova ei da ‘Touede no sjam inequiczom nda se poder pals dx prmsa do mero equlvoco na cocengso das ibe (SF, bolt vtomave 6, RE 400105 TD cronemme Cortruro 6 "Seja qual for a perspectiva a partir de que se queira fundamentar o direito penal de autor (culpabilidade de autor ou periculosidade), 0 certo 6 que um direito que reconheca, ‘mas que também respelte, a autonomnia moral da pessoa jamals pode penalizar 0 ‘ser’ de uma pessoa, mas somente o seu agin, Jf que o direito é uma ordem reguladora de conduta humana’ Finalmente, com a adordo do principio da lesividade busca-se, também, afastar 4a incidéncia de aplicagao da lei penal aquelas condutas que, embora desviadas, ni afetam qualquer bem juridico de tereetros? Por condutas desviadas podemos entender aquelas que 2 sociedade trata com certo desprezo, ou mesmo repulsa, mas que, embora reprovadas sob 0 aspecto moral, nfo repercutem diretamente sobre qualquer bem de terceiros Nao se pode punir alguém pelo simples fato de nao gostar de tomar banho regularmente, por tatuar o proprio Corpo ou por se entregar, desde que maior e capaz,a praticas sexuais anormais. Fnfim, muftas condutas que agridem 0 senso comum da sociedade, desde que no lesivas a terceiros, nfo poderdo ser proibidas ou impostas pelo Direito Penal. Coneluindo, todas.as vertentes acima traduzem, na verdade,aimpossibilidade de atuagio do Direito Penal caso um bem juridico relevante de terceira pessoa nao esteja sendo efetivamente atacado. Aquilo que for da esfera prépria do agente deverd ser respeitado pela sociedade e, principalmente, pelo Estado, em face da arguisao da necessaria tolerdncia que deve existir no meio social, indispensavel ao convivio entre pessoas que, naturalmente, sio diferentes. De acordo com as precisas ligBes de Mariano Silvestroni, “a tolerdncia 6 consequéncia da intangibilidade do ser humanoe desualliberdade.Politicamente significa que as pessoas ttm direito de ser, pensar, expressar-see atuarlivremente sem que sejam submetidas a restrigdes ou sangdes que se fundem no mero fato do que se é se pensa, se expressa ou se faz, salvo, nestes dois ttimos casos, que com isso se afeteo direito de outro"* &-ZAFFARON, Eugenio Rad. Manuel de derecho pal -Pats gana 7% 1 Flot sia, com presto qe"e Geto panalnsc ose atrta dor aera (oma detrina) ms, sm, somonta de inpecocomatinonta de ogSesdanaans atone” (Doo ota. 175), 8 Jonge Figuskedo Dias ¢ Manuel da Costa Andrade proloconam xssvamerie morales. Omer valoparauscondtse qo reload = Seeder reer ia Sion slazan capes ras eopsahns, eet eats ota tombs tomen deri a cosace stmndgana p27 oma me ® SILVESTRONI, Mariano, Teors Conttictoal el dot, p58. 53 CarituLo 7 PRINC{PIO DA ADEQUAGAO SOCIAL Na precisa ligo de Luiz Regis Prado, “a teoria da adequacao social, concebida por Hans Welzel, sig- nifica que apesar de uma conduta se subsumir ao modelo legal no ser considerada tipica se for socialmente adequada ou reconhecida, isto 6 se estiver de acordo coma ordem social da vida historicamente condicionada"? A vida em sociedade nos imp@e riscos que no podem ser punidos pelo Direito Penal, uma vez. que essa sociedade com eles precisa conviver da forma mais harménica possivel 0 transito nas grandes cidades, o transporte aéreo ¢ a existincia de usinas at6- micas so exemplos de qudo perigosa pode tornar-se a convivéncia social. Mas, con- quanto sejam perigosas, sio consideradas socialmente adequadas, ¢, por esta razio, fica afastada a interferéncia do Direito Penal sobre elas. No escélio de Assis Toledo, “se 0 tipo delitive é um modelo de conduta proibida, no ¢ possivel interpreti-lo, em certas situag6es aparentes, como se estivesse também alcangando condutas Icitas, isto é, socialmente aceitas ¢ adequada: Welzel, fazendo uma anilise entre 0 tipo e a adequaso social, diz: “Na fungSo dos tipos de apresentar o ‘modelo’ de conduta proibida se pe de manifesto que as formas de conduta selecionadas por eles tm, por uma parte, um carter social, quer dizer, séo referentes & vida social; ainda, por outra parte, sao precisamente inadequadas a uma vida social ordenada. Nos tipos, encontra-se patente a natureza social e ao mesmo tempo histérica do Direito Penal: indicam as formas de conduta que se separaram gravemente dos mandamentos histéricos da vida social” {TPRADO, uz Rosi. Curso do arato pnalbrasoto— Pate gra 3. 1 TOLEDO, Francisco de Asis, Prine sca co cto penal. 13. 8 WELZEL, Hana. Derecho pona alan 6. Roctn10 Greco Youn 1 0 princfpio da adequago social, na verdade, possul dupla fungio. Uma delas, jé destacada acima, é a de restringir 0 ambito de abrangéncia do tipo penal, limitando a sua interpretario, e dele excluindo as condutas consideradas soclalmente adequadas e aceltas pela sociedade+ A sua segunda fungi é dirigida ao legislador em duas vertentes. A primeira delas orienta o legislador quando da selecdo das condutas que desoja proibir ou impor, coma finalidade de proteger os bens considerados mais importantes. Se a conduta que est na mira do legislador for considerada socialmente adequada, no poder ele reprimi Ja valendo-se do Direito Penal. Tal principio serve-Ihe, portanto, como norte. A segunda vertente destina-se a fazer com que o legislador repense os tipos penais eretire do ordenamento juridico a proterao sobre aqueles bens cujas condutas ja se adaptaram perfeitamente a evolucio da sociedade. Assim, da mesma forma que © principio da intervenedo m{nima, o principio da adequagdo social, nesta iltima fungao, destina-se precipuamente ao legislador, orientando-o na escolha de condutas a serem proibidas ou impostas, bem corio na revogagao de tipos penals. Embora sirva de norte para o legislador, que devera ter a sensibilidade de distinguir as condutas consideradas socialmente adequadas daquelas que esto a merecer a reprimenda do Direito Penal, o principio da adequa¢do social, por si ‘56, ndo tem o condao de revogar tipos penais incriminadores. Mesmo que sejam constantes as praticas de algumas infrarSes penais, cujas condutas incriminadas a sociedade ja no mais considera perniciosas, no cabe, aqui, a alegagio, pelo agente, de que o fato que pratica se encontra, agora, adequado socialmente. Uma lei somente pode ser revogada por outra, conforme determina o caput do art. 2° da Lel de Introduce ao Cédigo Civil. Nossos tribun: , especificamente no que diz respeito a contravenc3o penal do “jogo do bicho’, tem rejeitado a tese de que as condutas daqueles que se veem envolvidos com a aludida contravencio, por exemplo, sejam soclalmente adequadas, e que, portanto, sobre elas néo mais deveriam incidir os rigores da Tet penal, assim se manifestando: “Penal. Contravenco do ‘jogo do bicho. Acordio absolutério fundado na perda de eficdcia da norma contravencional’ (‘a conduta embora punfvel deixa de sé-lo socialmente’). Decisio que nega vigencla ao art. 58, § 1%, °b, do Decreto-Lel nm 6.259/44. Reconhece-se, em doutrina, que 0 costume, sempre que beneficie 0 cidadio, é fonte do Direito Penal. Nao obstante, para nascimento do direito consuetudinario, sio exigiveis certos requisitos essenciais crtcs do Ls Greso quando aduz uo, por sua inprecto, a teva da adoquapio soil 6 precominantamonis recusada pla coutna. Ho ce roauada a uh cio de Irpreapsa” as Somortares dos toos deve ser concrotzaas do tal anaie quo ne sbfarjam sos ociimanasdequadas” (nvecugde. ir ROX, Claus: Funcanatsmoe inpulpo cj no dele poral 2°55). 36 Prascftio DA ADEQUAGKO SOCIAL (reconhecimento geral e vontade geral de que @ norma costumeira atue como direito vigente), nao identificavels com a mera tolerancia ou omissio de algumas autoridades. ‘A circunstancia de 0 préprio Estado explorar jogos de azar no altera esse entendimento porque, no caso em exame, o que se pune 6 uma certa modalidade de jogo: a clandestina, proibida endo fiscalizada’ (STJ, REsp. 54716/PR, REsp. 1994/0029499-9, Rel. Min. Assis Toledo, 5°, DJ 28/14/1994, p. 32.634). “contravengio penal. Art. 58, § 1%, Decreto-Lei n*6.259/44. Jogo do bbicho, Norma penal em vigor Preserigso. Extinggo da punibilidade. I ~ Dispositive legal, desde que nio seja temporério, s6 perde vigéncia se advier outra lei que a modifique ou revogue, art. 2° do Decreto-Lei n* 4657/42, Il- A tolerdncia ou a omissio de algumas autoridades em reprimir contravenco penal néo tem o condo de ab-rogar ou derrogar norma legal II - Acérdéo absolut6rio, fundado em perda de eficécia da norma contravencional, nega a vigéncia de dispositivo legal. I~ Recurso conhecido e provido para restabelecer a sentenga de primeiro grau, mas declarar extinta a punibilidade pela prescricao” (REsp. 23221/SP, REsp. 1992/0013775-0, Rel. Min. Pedro Acioli, 6°, DJ2/5/1994, p. 10.024). Castres 7. No que diz respeito a chamada venda de produtos piratas, jé decidiu o STF: A‘Turma indeferiu habeas corpusem quea Defensoria Péblica do Estado de So Paulo requeria, com base no principio da adequacao social, a declaracao de atipicidade ga conduta imputada a condenado como incurso nas penas do art. 184, § 2°, do CP (‘Art 184. Violar direitos de autor e os que Ihe so conexos [.]. § 28 Na mesma pena do § 1® incorre ‘quem, como intuito delucro direto ou indireto, distribui, vende, expée a venda,aluga, introduz no Pafs, adquire, oculta, tem em dep6sito, original ou cépia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violasao do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cépia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorizago dos titulares dos direitos ou de quem os represente). Sustentava-se que a referida conduta seria socialmente adequada, haja vista que a coletividade nfo recriminaria o vendedor de CDs e DVDs reproduzidos sem a autoriza¢o do titular do direito autoral, mas, ao contrério, estimularia a sua pritica em virtude dos altos precos desses produtos, Insuscetiveis de serem adquiridos por grande parte da populacio. 97 Roctnio Grrco 58 Asseverou-se que o fato de a sociedade tolerar a pritica do delito em questiio nao implicaria dizer que o comportamento do paciente poderia ser considerado licito, Sallentou-se, ademals, que a violagdo de direlto autoral e a comercializacao de produtos ‘piratas’ sempre fora objeto de fiscalizagiio e repressio. Afirmou-se que a conduta descrita nos autos causaria enormes prejutzos ao Fisco pela burla do pagamento de impostos, & ind\istria fonogréfica e aos comerciantes regularmente estabelecidos. Rejeitou-se, por fim, o pedido formulado na tribuna de que fosse, entao, aplicado na espécie o principio da insignificancia — j4 que o paciente fora surpreendido na posse de 180 CDs ‘piratas’ - 20 fundamento de que o jufzo sentenciante também denegara 0 plelto ‘tendo em conta a reincidéncia do paciente em relagao ao mesmo delito (STE, Boletim informative n® 583, HC 98898/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 20/4/2010). Vowme 1 Carituto 8 PRINCIPIO DA FRAGMENTARIEDADE Como corelario dos princfpios da intervencio m{nima, da lesividade e da adequaso social temos o principio da fragmentariedade do Direito Penal. 0 ca- réter fragmentario do Direito Penal significa, em sintese, que, uma vez escolhi- dos aqueles bens fundamentais, comprovada a lesividade e a inadequacao das condutas que os ofendem, esses bens passardo a fazer parte de uma pequena parcela que é protegida pelo Direito Penal, originando-se, assim, a sua natureza fragmentiria. Na ligdo de Mufioz Conde, “nem todas as ages que atacam bens juridicos so proibidas pelo Direito Penal, nem tampouco todos os bens juridicos séo protegidosporele. 0 Direito Penal, repito mais uma vez, selimita somentea castigar as agbes mais graves contra os bens juridicos mals importantes, daf seu carter ‘fragmentirio, pois que de toda a gama de asties prolbidas e bens juridicos protegidos pelo ordenarento juridico, o Direito Penal s6 se ocupa de uma parte, fragmentos, se bem que da maior importancia’? 0 ordenamento jurfaico se préocupa com uma infinidade de bens e interesses particulares e coletivas. Como ramos desse ordenamento juridico temos 0 Direito Penal, o Direito Civil, 0 Direito Administrative, o Direito Tributarlo etc. Contudo, nese ordenamento juridico, ao Direito Penal cabe a menor parcela no que diz respeito & protecio desses bens. Ressalte-se, portanto, sua natureza fragmentéria, isto é nem tudo The Interessa, mas to somente uma pequena parte, uma limitada parcela de hens que estiio sob a sua protecdo, mas que, sem divida, pelo menos em tese, so os mais importantes e necessérios ao convivio em sociedade. 9 rgmentaradade 6 uma da caraterssoa de pnspo da rtrvengo mina, nents com a subsidodade, Para nis, a tagnntaradade ¢ uma consacuinda da edoqao dos bee pia (etorvengto minima, skins sdequagto soda, © nso somerte Sem eae (o da nisengae mina) Uinrodugsoetioa ao crt nal base. 85). ‘2 MURGZ CONDE, Francie. Intedueién al derecho penal p. 71-72. Rogtnio Greco. ‘Ainda segundo Mufioz Conde, “este cardter fragmentério do direito penal aparece sob uma triplice forma nas atuais legislagSes penais: em primeiro lugar, defendendo o bem juridico somente contra ataques de especial gravidade, exigindo determinadas intengdes e tendéncias, excluindo a punibilidade da comissio Imprudente em alguns casos etc.; em segundo lugar, tipificando somente uma parte do que nos demais ramos do ordenamento juridico se estima como antijuridico; e, por Gitimo, detxando, em princfpio, sem castigo as acbes meramente imorais, como a homossexualidade e a mentira’? A fragmentarledade 6, como j4 fol dito, uma consequéncia da adogio dos princfpios da intervencao minima, da lesividade e da adequardo social, que serviram para orlentar o legislador no processo de criagio dos tipos penais. Depois da escolha das condutas que sero reprimidas, a fim de proteger os bens mais importantes e necessérios a0 convivio em sociedade, uma vez criado 0 tipo penal, aquele bem por ele protegido passara a fazer parte do pequeno mundo do Direito Penal. A fragmentariedade, portanto, 6a concretizagio da adosio dos ‘mencionados principios, analisados no plano abstrato anteriormente & cria¢o da figura tipica’. {3 MUNOZ CONDE, Franco, inococtn a derecho pant 72 44 Noh oo ubestiner a aturera suber, tgmantra do Dvoto Pana, qu e6 dave ser elonedo quando ‘8 outs ramos do det no aja slr prea pote dos bens ess envcvdos (STF, IHC eBt24/ ‘RG. Rem bane ComentarseT. OMOZO08, B/T/e005. 60 vous ee us Lasse | Carituto 9 PRINCIPIO DA INSIGNIFICANCIA 1. INTRODUGAO ‘Tivemos a oportunidade de dizer que o principio da intervencio mfnima, como limitador do poder punitivo do Estado, faz com que o legislador selecione, para fins de protesdo pelo Direlto Penal, os bens mais importantes existentes em nossa sociedade. Além disso, ainda no seu critério de selecio, ele devers observar aquelas condutas que se consideram socialmente adequadas, para delas também manter afastado o Direito Penal. Assim, uma vez escolhidos os bens a serem tutelados, estes integrardo uma pequena parcela que Ird merecer a atengao do Direito Penal, em virtude de seu carter fragmentario. Ultrapassados todos esses principios, o legislador, finalmente, poder proibir determinadas condutas (positivas ou negativas) sob 2 ameaga de sanco. Entdo, por exemplo, o legislador, entendendo que a integridade fisica das pessoas, por ser extremamente relevante, deveria merecer a protesio do Direito Penal, criou 0 delito de lesdes corporais, dizendo, no art. 129, caput, do Cédigo Penal, que aquele‘que ofender a integridade corporal ou a satide de outrem recebera uma’ pena de detengao, que variard entre um minimo de trés meses a um ano. Mas nao parou por ai. Entendeu tambfém o legislador que tinha que coibir as leses corporais causadas também de forma culposa e, assim, fez inserir um pardgrafo (68) ao art. 129 do Cédigo Penal, determinando, dessa forma, que se a lesao for culposa o agente poder ser condenado a uma pena de dois meses a um ano de detensao, 0 legislador, como se percebe, preocupou-se com a integridade corporal das pessoas da forma mais abrangente possivel, punindo nao sé aqueles que a ofendessem dolosamente, como também de forma culposa. Até aqui nao existe novidade alguma. Obedecido o procedimento legislative previsto na Constituicdo Federal, o legislador, sempre com sua ateng3o voltada aos prinefpios mencionados, poderé criar tipos penais incriminadores. A titulo de ilustrasio, sera que o legislador, ao criar o tipo de lesdes corporais culposas, isto é, aquelas em que o agente, nao observando 0 seu exigivel dever de cuidado, ofende a integridade corporal ou a saiide de outrem, agindo com negligéncia, imprudéncia ou impericia, quis se referir, __Rosinio Greco Vouome 1 Indistintamente, 2 qualquer resultado culposo 2 que se tenha dado causa? Vejamos. Joao, querendo retirar rapidamente o carro da garagem, pois jé estava atrasado para um compromisso, deixando de observar o seu exigivel dever de cuidado, néo verificou pelo espelho retrovisor se havia algum pedestre passando atrés do seu automével e, afoitamente, engatou uma marcha a rée pisou no acelerador, quando, de repente, percebeu que alguém, naquele exato instante, atravessava a porta de sua garagem, vindo, em razdo de sua conduta culposa, encostar 0 seu veiculo na perna daquele transeunte, causando-Ihe um pequeno arranhao com pouco mais de 2 centimetros de extensio, que chegou a sangrar levemente, ‘A primelra pergunta que nos vem a mente 6 a seguinte: Seré que Jodo ofendeu culposamente a integridade fisica daquela pessoa, devendo, portanto, responder pelo fato praticado nos termos do art. 303 do Cédigo de Transito brasileiro, que prevé expressamente tal infracao penal? Para que possamos chegar a uma resposta & preciso que, inicialmente, antecipando 0 estudo que ser4 feito mais adiante, tenhamos conhecimento do conceito de crime. 0 crime, para aqueles que adotam o seu conceito analitico, é ‘composto pelo fato tipico, pela ilicitude e pela culpabilidade. Para que se possa falar em fato tipico é preciso, ainda, que reconheramos a presenca dos seguintes elementos: 4@) conduta (dolosa ou culposa - comissiva ou omissiva): b) resultado; €) nexo de causalidade (entre a conduta ¢ o resultado); @) tipicidade (formal e conglobante), Voltemos, enttio, & anilisé do problema. Foi Joo que, culposamente (uma vez que [4 afirmamos que ele deixara de observar seu dever de culdado), causou (nexo de causalidade), na direcao de seu vefculo automotor, o resultado (arranhao na perna) sofrido pela vitima? A resposta, da maneira como fol colocado o problema, s6 pode ser afirmativa. Com {ss0, conclufmos que Joo, por intermédio de sua conduta culposa, deu causa ao resultado lesio sofrido pela vitima. Mas isso no 6 suficiente para que possamos dizer que ocorreu um fato tipico. Resta-nos, ainda, uma pergunta, a saber: a conduta praticada pelo agente é tipica? Para que possamos responder a esta iiltima indagagio preciso que tenhamos ultrapassado aquelas trés etapas anteriores, isto é, devemos afirmar ‘que o agente praticou uma conduta culposa e que houve nexo de causalidade entre a conduta e 0 resultado sofrido pela vitima. Chegando-se a essa conclusio, partiremos para a verifica¢do do iiltimo elemento contido no fato tipico, isto 6, a tipicidade. o Prancftio Da IsstanticANelA Cavtroro 9 2. TIPICIDADE PENAL Attipicidade penal, necessaria & caracterizagao do fato tipico, biparte-se em: @) formal e b) conglobante. Tipicidade formal é a adequagto perfeita da conduta do agente a0 modelo abstrato (tipo) previsto na lei penal. No caso em exame, haveria a chamada tipicidade formal, uma vez que o legislador fez previsio expressa para o delito delesio corporal de natureza culposa cometido na diregao de veiculo automotor. Contudo, ser que poderfamos falar em tipicidade conglobante? Para que se possa concluir pela tipicidade conglobante, preciso verificar dols aspectos fundamentals: a) se a conduta do agente é antinormativa; b) se 0 fato é materialmente tipico. 0 estudo do principio da insignificAncia reside nesta segunda vertente da tipicidade conglobante, ou seja, na chamada tipicidade material. Além da necessidade de existir um modelo abstrato que preveja com perfeleso a conduta praticada pelo agente, é preciso que, para que ocorra essa adequaco, isto é, para que a conduta do agente se amolde com perfeico ao tipo penal, seja levada em consideragao a relevancia do bem que est sendo objeto de proteso. Quando o legislador penal chamou a si a responsabilidade de tutelar determinados bens ~ por exemplo, a integridade corporal ¢ 0 patriménio~, ndo quis abarcar toda e qualquer lesio corporal sofrida pela vitima ou mesmo todo e qualquer tipo de patriménio, ndo importando o seu valor, No caso em estudo, quando o legislador, querendo evitar que as pessoas culposamente causassem lesGes umas nas outras, criou 0 delito de lesdes ‘corpordis de natureza culposa, atento ao principio da intervengio minima, néo quis se referir a toda e qualquer lesZo, pois, como bem frisou Mauricio Anténio Ribeiro Lopes “aorealizar o trabalho dereda¢io do ipo penal, olegislador apenas, ‘tem em mente os prejuizos relevantes que o comportamento incriminado possa ‘causar 4 ordem Jurfdica e social” © bem juridicamente protegido pelo Direito Penal deve, portanto, ser relevante, ficando afastados aqueles considerados inexpressivos. Para que possamos responder a tiltima pergunta do exemplo citado, ou seja, se haveria tipicidade material, integrante do conceito de tipicidade conglobante, no fato de o agente ter causado uma lesdo culposa de apenas 2 centimetros na perna de um transeunte, devemos formular outra: Serd que o legislador, quando fezeditar o tipo do art. 303 do Cédigo de Transito brasileiro, pensou em abranger lesdes como aquelas mencionadas no exemplo? A rresposta s6 pode ser negativa. TPES, Maiti Artois Ribs, Tea easter eo crt peat p. $24 63 a Voue 1 Prnscinio DA InsianaFicaNca Gurtruro 9 No caso em exame, faltaria a chamada tipicidade material, excluindo-se, dessa forma, a tipicidade conglobante e, por conseguinte, a tipicidade penal. A tipicidade penal seria a resultante, portanto, da conjugagao da tipicidade formal com a tipicidade conglobante (antinormatividade + atividades nao fomentadas + tipicidade material). Elaborando um raciocinio légico, chegarfamos a seguinte conclusio: se nfo ha tipicidade material, ndo h4 tipicidade conglobante: por conseguinte, se nio h4 tipicidade penal, ndo havera fato tipico; e, como consequéncia légica, se nao ha o fato tipico, ndo havera crime. ‘Alguns podertio dizer que é muito subjetivo o critério para que se possa concluir se 0 bem atacado é insignificante ou nio. E realmente o é. Teremos, outrossim, de lidar ainda com o conceito de razoabilidade para podermos chegar f conclusdo de que aquele bem no mereceu a proterao do Direito Penal, posto que inexpressivo? ‘Temos de formular uma outra pergunta: Seré que o legislador, ao criaro delito de furto, quis proteger todo ¢ qualquer tipo de patriménio, ou se preocupou somente com aqueles que, efetivamente, tivessem alguma Importancia? Como resposta a essa pergunta, trazemos & colaglo os ensinamentos de Carlos Vico Maas: “Ao realizar o trabalho de redaso do tipo penal, olegislador ape- nas tem em mente os prejulzos relevantes que o comportamen- to incriminado possa causar & ordem juridica e social. Todavia, no dispde de meios para evitar que também Sejam alcancados 5 casos leves. 0 principio da insignificdncia surge justamente para evitar situagGes dessa espécie, atuando como instrumento de interpretacio restritiva do tipo penal, com o significado sis- temético politico-criminal da expressio da regra constitucional do nullum crimen sine lege, que nada mais faz do que revelar a natureza subsididria e fragmentéria do direlto penal.”™ 0 principio da insignificancia, defendido por Claus Roxin, tem por finalidade ilar © intérprete quando da andlise do tipo penal, para fazer excluir do ambito de incidéncia da lei aquelas situagBes consideradas como de bagatela Conforme preleciona Assis Toledo, 3. REJEIGAO AO PRINCIPIO DA INSIGNIFICANCIA Existe, permissa venta, uma corrente mais radical da doutrina que entende que todo e qualquer bem merece a protecdo do Direito Penal, desde que haja previsio legal para tanto, nfo se cogitando, em qualquer caso, do seu real valor. Pensamentos assim nos levariam a situagdes absurdas. Vamos raciocinar ‘com outro exemplo. Dois jovens namorados, Pedro e Jilia, ambos com 18 anos de idade, resolvem ir ao cinema. Estudantes, somente possuem 0 dinheiro exato para o ingresso na sesso. Ao passarem por uma loja de doces, Pedro, delicadamente, retira um caramelo de leite delxado a exposisdo do publico, desembrulha-o e o leva & boca. filia, romanticamente, como se fosse dar um. befjo em Pedro, parte o caramelo que a esperava entre os labios do namorado. Quando ambos ja esto prestes a entrar no cinema, els que surge, esbaforido, 0 seguranca da loja de doces, que oshavia perseguido até o cinema, eos prende por terem praticado o delito de furto, uma vez que se deliciaram, mas nao pagaram 0 caramelo de leite pertencente a empresa comercial. Para os mais radicais, Pedro eJilia responderiam, vejam s6, por um crime de furto, Mas ndo somente por um simples crime de furto,e sim por um furto qualificado pelo concurso de pessoas, cuja pena m{nima é de dois anos, nos termos do art. 155, § 4, 1V, do Cédigo Penal, haja vista que, com unidade de designio e unidos pelo liame subjetivo, subtrairam e dividiram, amorosamente, ainda no interior da loja de doces, 0 caramelo por eles consumido. “segundo o principio da insignificdncia, que se revela por inteiro pela sua prépria denominagao, o direito penal, por sua natureza fragmentéria, s6 val aonde seja necessério para a protesio do bem juridico. Nao deve ocupar-se de bagatelas'* Na verdade, como dissemos, no deixa de ser subjetivo 0 raciocinto relativo a insignificancia. Obviamente que nem todos os tipos penais permitem a aplicacao 40 princfpio, a exemplo do que ocorre com o delito de homicfdio, No entanto, exis- tem infragées penais em que a sua aplicagao afastaré a injustica do caso conereto, pois a condenardo do agente, simplesmente pela adequago formal do seu com- portamento a determinado tipo penal, importard em gritante aberragao. Assim, nossos Tribunals Superiores tém entendide pela possibilidade de sua aplicagao nos delitos patrimoniais cometides sem violéncia, conforme se verifica na leitura da ementa abalxo transcrita: “Princfpio da Insignificancia ~ Identificaco dos vetores cuja presen- ga legitima o reconhecimento desse postulado de politica criminal - Consequente descaracterizagao da tipicidade penal em seu aspecto material ~ Delito de furto qualificado, em sua modalidade tentada ~ ‘res furtiva’ no valor ({nfimo) de R$ 32,80 (equivalente a 7,9% do saldrio minimo atualmente em vigor) ~ Doutrina - Consideracdes 7 Conforms dbsevado par Lue Fv Gomes, ko oe dove cote insignileancla com s infepobagaelsr Jnpréaa Ese roo nasce elevate para Dl penal as depas valle que a nna do quaker puna no cas erecentase coma iments Geenecencufa (inci dt deenecesosade da pens canugado com pert cine da Ironia penal do fa) No cata laglstado ha vos excnglos dss: no cme de pull ‘poss ga rparajuo dee danos anos ca sores iracorvlexingusapunlldade. so 6, a map tora. ‘Se bagel (em curio moxspa} «a pana desraseueata” (GOMES, Luz Flavio. Deito de Bagatel,riai ‘Se nepfescleo pros reneta penal do fata 1 ay. 2008, Disponivel em: haneti.comb Pubs Hontartle pip Soneanod 068 eeStoeRpSmode-pan Aosceo on 8 20. 2011). 64 3 VIGO MANS, Caos. 0 pnpo danse como extents de tia rodeo pana 58. 44 TOLEDO, Francisco de Asi. Phas Basooe do arate penal. 18, Rocio Grico 66 ‘em torno da jurisprudéncia do STF ~ Pedido deferido. 0 principio da insignificdncia qualifica-se como fator de descaracterizagao ma- terial da tipicidade penal. ~ 0 principio da insignificancia ~ que deve ser analisado em conexao com os postulados da fragmentarledade e da intervenso minima do Estado em matéria penal ~ tem o sentido de excluir ou de afastar a prépria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu carter material. Doutrina. Tal postulado - que considera necesséria, na aferigdo do relevo material da tipicidade penal, a presenga de certos vetores, tais como (a) a minima ofensivi dade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da aso, (c) 0 reduzidissimo grau de reprovabilidade do comportamen- to e (d) a inexpressividade da lesio Juridica provocada - apoiou-se, em seu processo de formularo tedrica, no reconhecimento de que © cardter subsididrio do sistema penal reclama e imp3e, em funcio dos préprios abjetivos por ele visados, a intervencao minima do Poder Piblico, 0 postulado da insignificincia e a funao do direito penal: “de minimis, non curat praetor”. - 0 sistema juridico ha de considerar a relevantissima circunstancia de que a privagao da Ii- berdade e a restrigdo de direitos do individuo somente se justificam quando estritamente necessarias & propria protecao das pessoas, da sociedade e de outros bens juridicos que lhes sejam essenciais, no- tadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de signifi cativa lesividade, - 0 direito penal nao se deve ocupar de condutas, que produzam resultado, cujo desvalor ~ por ndo importar em leséo significativa a bens juridicos relevantes ~ no represente, por isso ‘mesmo, prejuizo importante, seja ao titular do bem juridico tute- lado, seja & integridade da propria ordem social” (HC 96823 / RS 2* Rel. Min, Celso de Mello, julgamento: 16/12/2008, publicado no DJe-064 de 03/04/2009). Nos crimes patrimoniais violentos, no entanto, existe resisténcia com relaga0, a aplicasao do principio, conforme se verifica nos fundamentos do acérdio do Superior Tribunal de Justiga a segui “Em crimes praticados mediante violéncia ou grave ameaga a vitima, como ocorre no roubo, nfo hé falar em aplicagao do principio da insignificdncia, nao obstante o infimo valor da colsa subtraida. Precedentes do STJ e do STF" (HC 100.528/SC, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5*T, julgado em 10/06/2008, Dje 04/08/2008). “A jurisprudéncia desta Corte tem proclamado a inaplicabilidade do principio da insignificancia ao crime de roubo, ‘pois se tratando de delito complexo, em que ha ofensa a bens juridicos diversos (0 patriménio e a integridade da pessoa), 6 inviével a afirmagao do ! Vows 1 Pruvctt1o DA INstoNInCaNCIA cut desinteresse estatal & sua repressdo” (HC n° 117.436/PE, Relatora a Desembargadora convocada Jane Silva, DJe de 02/03/2009) (ST], HC37521/SP, Rel. Min. Paulo Gallotti, 6*T, DJe 03/08/2009). Contudo, Marchi Junior, analisando a possi da insignificdncia ao roubo, aduz: “Como o principio da bagatela afasta a tipicidade do crime de furto, deve também afastar a tipicidade do crime de roubo, ainda que praticado com violencia ou grave ameaga a pessoa. Portanto, se 0 roubo, delito complexo, cija objetividade Juridica é a protecdo do patriménio e da liberdade individual ou da integridade fisica do ofendido, ndo pode subsistir som que ocorra lesdo significativa a ambos os bens jurfdicos protegidos. Se a lesdo a liberdade individual for insignificante, a hipétese serd de furto; ao contrério, se a lesdo patrimonial for insignificante, subsistiré o crime contra a pessoa (ameaca, eso corporal, constrangimento ilegal etc)" Da mesma forma, existia controvérsia sobre a sua aplicasio na revogada Lei 1 6.368/76, sendo que a posirao majoritéria da jurisprudéncia era no sentido de nao permitir o seu raciocinio quando se tratasse da infracdo penal tipificada noart. 12 do referido diploma legal. Entretanto, havia divisao de entendimentos ‘quando estvamos diante da infragao penal de uso de substAncias entorpecentes, conforme se verifica nas ementas adiante colacionadas: idade de aplicagao do principio “Volume de maconha infimo, que no permite sequer a confecgo de um ‘fininho, 0 fato assume contornos de crime de bagatela” (T]RS ~ AC 686040469 - Rel. Nélson Lulz Péperi ~ R/TJRS 121/122).* “Imaplicdvel 0 Principio da Insignificancia ao délfto ‘de sisé de entorpecentes, endo em vista tratar-se de crime de perigo presumido ou abstrato, sendo totalmehte irrelevante a quantidade de’ droga apreendida em poder do agente. Precedentes do STJ"(RHC 15422/R} = Recurso Ordinério em Habeas Corpus 2003/0224006-7 ~ 5* Turma ~ Rel, Min, Laurita Vaz, publicado no DJ de 14/8/2005, p. 472). “Tréfico de Entorpecentes. Pequena Quantidade. Principio da Insignificdncia, Inaplicabilidade. Perigo Abstrato. 0 delito de tréfico de entorpecente é de perigo abstrato para a satide piblica, fazendo- se Irrelevante que seja pequena a quantidade de entorpecente (Precedentes)" (STJ, HC 79661/RS, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, 6*T, DJe 04/08/2008). “0 principio da insignificdncia nfo incide apenas nos delitos rateriais ou de resultado, mas também nos delitos de perigo ou de mera conduta, inclusive naqueles em que o bem juridico atingido 6 ST WARCATIONIOR, antinio de Padova. Sle do Ista de Cincae Pena, 13, p12, 8 Anud VICO MARAS, Cares. O pif ca slgnfcaneia como exces ea tptsds no cot paral. 67 Rost co Vowne I difuso ou coletivo. Dessa forma, em tese, é possivel a aplicagio deste princfpio aos crimes de drogas” (TJRS, AC 70031081110, Rel. Des. Odone Sanguiné, DJ 18/08/2009), “Quantidade insignificante. Auséncia de perigo a saiide publica, Criminalidade de bagatela admitida, Apelo defensive parcialmente provido. Unanime” (TJRS, AC 70019551548, Rel. Des. Lufs Gonzaga da Silva Moura, DJ 30/10/2007). “Posse para uso préprio de infima quantidade de maconha (0,450g) & fato insignificante, por ausente perigo a satide piiblica. Criminalidade debagatelaadmitida, Absolvi¢ao proclamada" (T)RS,AC70014495311, Rel. Des. Lufs Gonzaga da Silva Moura, Dj 17/07/2007). Concluindo, entendemos que a aplicacao do principio da insignificancia ndo poderd ocorrer em toda e qualquer infracio penal. Contudo, existem aquelas em que a radicalizago no sentido de nio se aplicar © principio em estudo nos conduzira a conclusbes absurdas, punindo-se, por intermédio do ramo mais violento do ordenamento jurfdico, condutas que nfo deviam merecer a atengio do Direlto Penal em virtude da sua Inexpressividade, razao pela qual ‘so reconhecidas como de bagatela. 68 Carituto 10 PRINCIPIO DA INDIVIDUALIZAGAO DA PENA 1. FASES DA INDIVIDUALIZAGAO DA PENA ‘AConstituigdo Federal, em seu art. inciso XLVI, preconiz: XLVI ~ a lel regularé a individualizago da penat e adotaré, entre outras, as seguintes: a) privagdo ou restrigao da liberdade; b) perda de bens; ©) mutta; 4d) prestagio social alternativa; €) suspensio ou interdigo de direitos. Interpretando 0 texto constitucional, podemos concluir que o primeiro momento da chamada individualigagio da pena ocorre com a selegao felta pelo legislador, quando escolhe para fazer parte do pequeno ambito de abrangéncia do Direito Penal aquelas condutas, positivas ou negativas, que atacam nossos bens mais importantes. Destarte, uma vez feita essa selecao, o legislador valora ‘as conduutas, cominando-lhes penas que variam de acordo com a importancia do bem a ser tutelado. A protesio a vida, por exemplo, deve ser feita com uma ameaga de pena mais, severa do que aquela prevista para resguardar o patriménio; um delito praticado titulo de dolo terd sua pena maior do que aquele praticado culposamente; um crime consumado deve ser punido mais rigorosamente do que o tentado etc. Aeesta fase seletiva, realizada pelos tipos penais no plano abstrato, chamamos de cominagdo. £ a fase na qual cabe ao legislador, de acordo com um critério {Preiodona Batol que “oso roto penal mademe 6 osetaso no senso da hsclzago das meddes eras, parquanio e petande que 0 walarente pens! sia fosimerta voiago parm caratraions pessols Co gens a tm de que possa coreepondor ace tina que ce prtendo lager com a pena ou com ao esis de ‘Sepuanga (Dale pana p. 338). Rocin1o Greco Vouwne I politico, valorar os bens que estdo sendo objeto de protecio pelo Direito Penal, individualizando as penas de cada infracao penal de acordo com a sua importincia e gravidade. ‘Uma vez em vigor a lel penal, proibindo ou impondo condutas sob a ameaga de sango, que varia de acordo coma relevancia do bem, se o agente, ainda assim insistir em cometer a infra¢o penal, deverd por ela responder. Se o agente, vg. optou por matar ao invés de ferir, a ele serd aplicada a pena correspondente 20 crime de homicidto. Tendo 0 julgador chegado & conclusdo de que o fato praticado é tipico, ilfcito e culpavel, diré qual a infrago penal praticada pelo agente e comecard, agora, a individualizar a pena a ele correspondente. Inicialmente, fixard a pena- base de acordo com o critérlo trifisico determinado pelo art. 68 do Cédigo Penal, atendendo as chamadas circunstncias judiciais; em seguida, levara em considerarao as circunsténcias atenuantes e agravantes; por iltimo, as causas de diminuisio e de aumento de pena. Esta é a fase da chamada aplicagdo da pena, a qual compete, como deixamos antever, ao julgador, ou seja, ao aplicador da lei. A individualizasao sai do plano abstrato (cominaco/ legislador) e passa para o plano conereto (aplicasio /julgador). Nesse sentido é a orientac&o do Superior Tribunal de Justiga, conforme se extrai do seguinte julgado: “Ao individualizar a pena, 0 juiz sentenciante deveré obedecer © sopesar os critérios do art. 59, as circunstancias agravantes © atenuantes e, por fim, as causas de aumento e diminulcdo de pena, para ao final impor ao condenado, de forma justa e fundamentada, a quantidade de pena que o fato est a merecer” (ST), HC48122/SP; HC 2005/0156373-8, Rel. Min, Laurita Vaz, 5*T, DJ 12/6/2006, p. 511). Finalizando, também ocorre a individualizagéo na fase da execurdo penal, conforme determina o art. 5* da Lei n* 7.210/84 (Lei de Execusao Penal), assim redigido: Os condenados serdo classificados, segundo os seus antecedentes personalidade, para orientar a individualizagdo da execuedo penal. Mirabete, analisando 0 problema da individualizagéo no momento da execugo da pena aplicada ao condenado, preleciona: "Com os estudos referentes A matéria, chegou-se paulatina- mente ao ponto de vista de que a execugo penal ndo pode ser igual para todos os presos ~ justamente porque nem to- dos so iguais, mas sumamente diferentes - e que tampouco a execugao pode ser homogénea durante todo o perfodo de seu cumprimento. Nao ha mais diivida de que nem todo preso deve ser submetido ao mesmo programa de execuso e que, durante a fase executéria da pena, se exige um ajustamento | roxinopewompoumsions rma —______Gurimo. 10._ desse programa conforme a reardo observada no condenado, 86 assim se podendo falar em verdadeira individualizagao no momento executive. Individualizar a pena, na execusio, con- siste em dar a cada preso as oportunidades e os elementos necessarios para lograr a sua reinsergo social, posto que é pessoa, ser distinto, A individualizagao, portanto, deve aflo- rar técnica e clentifica, nunca improvisada, iniciando-se com a indispensdvel classificacio dos condenados a fim de serem destinados aos programas de execucdo mais adequados, con- forme as condi¢Ses pessoais de cada um. 2. INDIVIDUALIZAGAO DA PENA E A LEI N®8.072/90 Com 0 advento da Lei n* 8.072/90, foi travada discussio no sentido de que 0 § 18 do art. 2* do aludido diploma legal estaria violando o principio da individualizagio da pena, uma vez que impunha o total cumprimento da pena em regime fechado, quando houvesse o cometimento dos crimes por ela elencados como hediondos, a pritica de tortura, o trfico ilfeto de entorpecentes e drogas Chamado a resolver a questo, mediante a manifestacio de seu Plendrio, assim se posicionou o STF: “Crime hediondo ~ [..] ~ Caracterizagao ~ Regime prisional - Crimes hediondos - Cumprimento da pena em regime fechado ~ Art. 2%, § 15, da Lei n* 8.072/90. Alegaco de ofensa ao art. 5¢, XLVI, da Constituisao. Inconstitucionalidade no caracterizada. Indivi- dualizacao da pena, Regulamentagio deferida, pela propria norma constitucional, ao legislador ordinario. A lei ordinaria compete fixar os pardmetros dentro dos quals 0 julgador poderd efetivar ou a concreséo ou a individualizacdo da pena. Se 0 legislador ordinario disp0s, no uso da prerrogativa que Ihe foi deferida pela norma constitucional, que nos crimes hediondos © cumprimento da pena ser no regime fechado, significa que nao quis ele deixar, em relarao aos crimes dessa natureza, qualquer discricionariedade ao Julz na fixa¢o do regime prisional” (STF - Plendrio ~ Rel. Min. Paulo Brossard, DJU de 23/4/1993, p. 6.922). J4 naquela época, 0 STJ, tendo A frente © Ministro Vicente Cernicchiaro, discordando do entendimento a que havia chegado nossa Corte Malor, assim se posicionon quanto a essa matéria 2 MIRABETE, Jo Fabbri. Exccupso pena p. 6061 Rogtnio Greco. Voune I “Responsabilidade penal - Crimes hediondos ~ Tréfico ilicito de entorpecentes - Regime fechado. A Constitulgdo da Repiiblica consagra o Prinefplo da Individualizarao da Pena. Compreende trés fases: cominagSo, aplicago ¢ execugdo. Individualizar é ajustar a pena cominada, considerando os dados objetivos e subjetivos da infracao penal, no momento da aplicagio e da execucZo. Impossivel, por isso, a legislacao ordindria impor (desconsiderando os dados objetivos e subjetivos) regime tinico, inflexivel” (ST] ~ 6* T. ~ Rel. Min, Vicente Cernicchiaro, DJU de 7/6/1993, p. 11.276). Com o passar dos anos, alguns ministros, que se posicionavam favoravelmente ao reconhecimento da constitucionalidade do mencionado pardgrafo, foram sendo substituidos no Supremo Tribunal Federal. Isso resultouna modificagao de posigao de nossa Suprema Corte quanto ao tema, sendo que, em 23 de fevereiro de 2006, no julgamento do HC 82959/SP, tendo como Relator 0 Min. Marco ‘Aurélio de Melo, fol declarada incidenter tantum a inconstitucionalidade do § 1* do art, 28 da Lei n* 8.072/90, conforme se pode verificar no artigo constante do boletim informativo do STF n* 418, que diz: “em conclusio de julgamento, o Tribunal, por maioria, deferiu pedide de habeas corpus e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do § 1* do art. 2* da Lei n*8.072/90, que veda a possibilidade de progressio do regime de cumprimento da pena nos crimes hediondos definidos no art. 1¢ do mesmo diploma legal =v Informativos 315, 334 ¢ 372. Inicialmente, o Tribunal resolve restringir a andlise da matéria & progressdo de regime, tendo em conta 0 pedido formulado. Quanto a esse ponto, entendeu-se que a vedagao de progressdo de regime prevista na norma impugnada afronta o direito a individualizagio da pena (CF, art. 5¢, LXVI), j4 que, a0 ndo permitir que se considerem as particularidades de cada pessoa,asua capacidade dereintegrasio sociale osesforcosaplicados com vista @ ressoclalizagio, acaba tornando inécua a garantia constitucional. Ressaltou-se, também, que o dispositive impugnado apresenta incoeréncia, porquanto impede a progressividade, mas admite o livramento condicional apés 0 cumprimento de dois tergos da pena (Lei n* 8,072/90, art. 58). Vencidos os Ministros Carlos YVelloso, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie, Celso de Mello e Nelson Jobim, que indeferiam a ordem, mantendo a orientagao até entéo fixada pela Corte no sentido da constitucionalidade da norma atacada. O Tribunal, por unanimidade, explicitou que a declaraséo incidental-de Inconstitucionalidade do preceito legal em questio ndo gerard consequéncias jur{dicas com relago 3s penas jé extintas nesta data; uma vez que a decisio-plendria envolve, unicamente, | PiNcit1o DA INDIIDUALIZAGAO DA PENA. Coir 10. © afastamento do bice representado pela norma ora declarada inconstitucional, sem prejuizo da apreciagio, caso a caso, pelo magistrado competente, dos demals requisites pertinentes a0 reconhecimento da possibilidade de progressao.” A partir daquela decisdo, o Supremo Tribunal Federal passou a se posicionar nesse sentido, conforme se verifica nas decisbes que se seguiram ao referido julgamento: ‘Crime hediondo. Tréfico de Entorpecentes. Progresso no regime prisional. Possibilidade em face do precedente do plendrio (HC 82.959). Julgado em 23.02.2006, que reconheceu, Incidentalmente, a inconstitucionalidade do § 1 do art. 2* da Le n® 8.072/90. 0 provimento do recurso, todavia, é parcial, cabendo 0 julz da execugao examinar os demais requisitos para a progressio no regime menos rigoroso, procedendo, se entender necessério, © exame criminolégico. RHC provido parcialmente” (RHC 86951/ RJ ~ Recurso em habeas corpus; 2* Turma ~ Rel. Min. Ellen Gracie ~ Julgamento em 7/03/2006, publicado no Dj 24/03/2006.) Hoje, apés a edicdo da Lel n* 11.464, de 28 de marco de 2007, a discussao perdeu o sentido, uma vez que mencionado diploma legal, modificando a Lei n# 8.072/90, passou a determinar que a pena para os chamados crimes hediondos e afins seria cumprida inicialmente em regime fechado (§ 1" do art, 24), permitindo, ainda, a progressdo de regime apés 0 cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se 0 apenado for primério, e de 3/5 (trés quintos), se reincidente (§ 28 do art. 24). No que dizrespetto aos fatos praticados anteriormente a entrada em vigor da Lei n* 11.464/2007, 0 Supremo Tribunal Federal editou a Siimula Vinculante 1n* 26, publicada no Dye de 23 de dezembro de 2009, que di ‘Stimuta Vinculante n* 26. Para efeito de progressdo de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, 0 Jutzo da execugdo observard a inconstitucionalidade do art. 2° da Lei n* 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prefutzo de avaliar se 0 condenado preenche, ou ndo, os requisites objetivos ¢ subjetivos do beneficto, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realizagao de exame criminolégico. B

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