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AAIVNOVSOO b SYDIDOTOLIN AN W4AWOH O ssnvaig-1agT apnv]) SaSIOW-ANOWNad ZRALVAE OB MPL _ Povos sem escrita recorreria a simbolos conc de valores emotivos. E essa distancia que, desde a perspectiva em que me coloco. A: natureza da emogao musical demonstram o contrdrio, mas resta a evidenciar que 0 mesmo tipo de interpretacio se aplica a fendmenos mais do ambite das investigacdes etnoldgicas, ao ritual? sobretudo, que fui inclusive desa- fiado a conectar principalmente as operaces do intelecto (Beidelman 1966: 402), sob a alegacao de que, como escreve outro autor que compartilha o mesmo ponto de vista,“os simbolos e suas relagdes [.] no constituem ape- has um conjunto de classificagdes cognitivas para ordenar o universo [... Sao também, e talvez principalmente, um conjunto de meios evocadores para suscitar, canalizar e domesticar emogdes poderosas, como a raiva, 0 medo, a ternura e a tristeza. Estao também voltados para um objetivo e pos- suem Por isso um aspecto ‘conativo’. Em suma, a pessoa inteira, e nao ape- as seu espirito [...] ¢ implicada de modo existencial em eventos como a vida e a morte” (V. W. Turner 1969: 42-43). Que seja. Mas uma vez dito isso cumprido um piedoso dever verbal para com a afetividade, nao teremos avangado um passo sequer para explicar de que modo as bizarras ocupagoes, envolvidas nos rituais e as representagdes que lhes sao relacionadas podem produzir tao belo resultado. Os etndlogos que colocam 0 ritual no topo de suas preocupagoes partem de um fato em si incontestavel: como os Ndembu estudados por Turner, cer- tos povos “possuem pouquissimos mitos, e compensam essa situagao com uma profusdo de exegeses adaptadas a casos particulares [...] Nesse caso, nao hd nenhum atalho que permita atingir diretamente a estrutura [...] da teligiao [...] por intermédio dos mitos e de uma cosmogonia. E preciso pro- _ ceder de modo atomizado, por partes” (V. W. Turner 1969: 20). Contudo, a0 ‘ as coisas desse modo, nao se leva em conta 0 fato de a mitolo- aparecer em duas modalidades bem distintas. Pode ser explicita e Tetos ¢ totalmente impregnados dizem, seria impossivel transpor S consideragdes acima acerca da ca do ritual que seguem foram expostas pela primeira vez em ‘de novembro de 1970, na Universidade de Oxford. De todo modo, o préprio fato de o estudo do ritual obrigar a discutir suas relagdes com a ansiedade prova que as consideragoes a seguir requeriam, pre- liminarmente, as que fiz acerca da ansiedade tomada em sua acep¢ao mais geral, sem referéncia as circunstancias particulares em que se produz. Tris consideragées foram, por sua vez, trazidas por uma tentativa de situar em suas relagoes recfprocas a mitologia «a music, €comesare, portanto, por investigar se o ritual também pode ser situado no sistema global que esbocei,_ “Vimos que o mito, para o qual a linguagem articulada serve de suporte, sempre conserva com ela uma conivéncia de que apenas a misica, definida como sistema de sons, consegue se livrar totalmente. Isso vale sobretudo para a musica instrumental, pois 0 canto vocal, que foi certamente a forma primeira da musica, é nesse aspecto comparavel ao mito, j4 que para ele tam- bém a linguagem articulada serve de suporte, embora a funcao significante se encontre num caso deslocada acima do nfvel propriamente linguistico e, no outro, abaixo dele. Desse ponto de vista, pode-se dizer que os campos respectivos da linguagem articulada, do canto vocal e do mito se intersec- cionam. Na zona em que se recobrem, manifesta-se uma afinidade entre eles, atestada pelos casos frequentes em que os mitos sao efetivamente cantados. "Essa afinidade vai-se enfraquecendo progressivamente, para entéo desapa- recer, quando se passa do canto vocal para 0 canto acompanhado por ins- para a musica instrumental pura, que se situa defi- guagem. Do lado do mito e para além mesma pode ser observada partindo da mitologia explicita, que repre- pleno sentido do termo uma literatura, para a mitologia implicit mmentos do discurso tornam-se solidarios de comportamentos Ee nao linguisticos ¢, finalmente, puro, limite, Poderia ser concebido como tendo perdido quak a es —_ a de palavras sagradas — fader ue ientes de uma lingua arcaica que ni i eae os frm las desprovidas de significado intrinsewn como oan a : » ~ —. » Bestos corporais e objetos diversamente ede ; lados. Nesse ponto, o ritual, como a miisica do outro la do ca passa definitivamente Para fora da linguagem, e se qui a sua natureza distintiva, é evidente dea forma OEE 3 mente diante dessa for - oa mi estados intermedidrios, que devemos nos colocar. oe Como seré entao defini i a a paca Daa pa qualquer glosa ou exegese permitida ou requerida: ee atividade, que concernem no ao ritual em si, mas a mitologia im cha. Em tais condi¢des, nao € com a mitologia que o ritual deverd ser cape para perceber suas propriedades distintivas, mesmo porque a comparacao seria bastante dificil para os gestos (que nao estao totalmente ausentes no caso do mito mas que, como mostramos na pagina 625, nele desempenham uma fungao metonimica em vez de metaférica, como no caso do ritual) e totalmente impossivel para os objetos. Em compensagao, na vida cotidiana, os trés tipos de atividade estao igualmente representados, de modo que 0 problema posto pela natureza do ritual equivaleria a perguntar-se: primeiro, por que, com vistas & obtengao dos resultados que o ritual almeja, é preciso proferir palavras, realizar gestos e manipular objetos; segundo, em que tais operagoes, tais como sao executadas no curso dos ritos, diferem das opera- goes andlogas que a vida cotidiana também enseja. Em outros termos, sem indagar quanto ao contetido, que conduziria inevitavelmente & mitologia — gerando assinva ilusao de que se define o rito quando, na verdade, fala-se do mito de acompanhamento —, serao feitas trés perguntas, das quais depende qualquer interpretacao teérica do ritual: no curso dos ritos, qual é 0 modo especifico de se falar? como se gesticula? e quais critérios particulares presi- dem a selecao dos objetos rituais ea sua manipulagao? No que diz respeito aos gestos € objetos, todos os observadores notaram, com razao, que o ritual Ihes atribui uma furrgao que se acrescenta.a sev. ‘uso ratico e as vezes o suplanta. Gestos ¢ objetos intervém in loco verbiysubs- deles conota de modo global um sistema de ‘condensa de forma concreta teriam sido discursivos. O -otidiana, Vee Para o ritual em estad tituem as palavras. Cada um ideias e representagées. Ao utilizé-las o ritual € unitria procedimentos que, de outro modo, = sula os objetos como na vida ¢ ritual nao realiza os gestos nem manip" Finale | 647 surpreende, portanto, que 0 procedi cepgao das menores unidades distintivas, ime i ento ey fracionamento, unido a per- i tenha sic Wee ara o discurso material gravado na pelicala, prs sy ys ansporado ea dee ) para ser aplicado a uma forma " nte das que conhecem tradicionalmente, Simultaneamente a essas sutil i sas sutilezas que ressaltam as fz i is Pe ir ens 3 as fases mais sutis de P Ss ntos cujo desenrolar, infinitamente detalhado, estica-se até ganhar proporgées aber impressé eels es Pr pare antes, dando a impresséo de uma “marcha lenta” vet i @ estagnacao € 0 imobilismo, observa-se um outro proce- at n4O Menos notavel. Ao custo de um consideravel dispéndio verbal, : ritual se entrega a um exagero de repeti¢des: a mesma férmula ou formu- las aparentadas pela sintaxe ou assonancia retornam a intervalos regulares, valendo apenas as duizias, por assim dizer. A mesma formula deve ser conse- cutivamente repetida muitas vezes, ou ento uma frase na qual se concentra pouca significacao é presa e como que dissimulada entre dois amontoados de f6rmulas idénticas e vazias de sentido. Os rituais iroqueses e fox apresen- tam exemplos impressionantes de tais repeticdes: trés vezes, trés vezes, uma vez, trés vezes, cinco vezes, trés vezes, duas vezes, onze vezes, trés vezes, tres para formulas consecutivas. Durante veres, quatro vezes, uma ver, trés vezes, uma tinica fase do ritual, a mesma formula pode ser repetida em porgdes sucessivas de dez, doze, vinte e até 25 unidades (Michelson 1928: 96-1155 1932: 72-73, 149-67). : nd ‘ Na aparéncia, os procedimentos de fracionamento ¢ repeti¢ao se opoem. Num caso, trata-se de introduzir diferencas, por menores que sejam. no seio ao contrério, trata- de operagdes que poderiam parecer idénticas. No outro, ent se de reproduzir um mesmo enunciado ao infinito. Na realidade, o p' a 1 se reduz ao segundo, que constitui de certo modo seu limite. am infinitesimais tendem a se confundir numa quase- rar aqui a imagem evocada acima do filme mento em unidades tao pequenas cerniveis e parecem repetir-se, de procediment: Diferengas que se torn: identidade, e voltamos a encont : citiematografico, que decompée o movin que os clichés consecutivos se tornam indist Finale | 649 \ Ry do ritual, aos procedimentos comple: bias ementares de fracis a Os eee te fracionamento e Tepeticao? célebres aenate de Georges Dumézil consagrados & religiao ea arcaica inam a questdo, e permitem propor uma resposta. O autor dis- tingue os deuses romanos em duas categori sa use categorias. De um lado, um pequen miimero de divindades maiores, formand: sceu dinate indo uma triade de oposigdes distinti- cada qual encarregada de um aspecto da ord i : . specto da ordem do mundo, um conjunto funcional cuja relacao com outros conjuntos funcionais reconstitui con tura global do universo e da sociedade. Do outro, uma pleéiade de ivindh de “ees muiltiplas quanto as fases especificas do ritual a que podem ser ae » bem ‘como As sucessivas etapas, minuciosamente distintas umas outras, de determinadas formas da vida pratica, como 0s periodos ¢ ope- agdes da agricultura e da criagao de animais, com seus ritos associados,e tal vez também as viscissitudes do parto (Dumézil 1966: 365-85; 1969: 253-304). Observacées da mesma ordem poderiam facilmente ser feitas a respeito de cultos do México antigo ou de varias regides do sudeste asidtico e da Africa. Bem, apenas as divindades maiores podem ser diretamente relacionadas aos mitos.O que significa, entdo, a oposicao entre uns poucos deuses maiores, cada qual correspondendo a um grande recorte do universo e da sociedade, e deuses menores suficientemente numerosos para que se possa atribuir acada um deles a responsabilidade particular por um aspecto concreto da existéncia pratica? Na verdade, essas categorias procedem de movimentos de pensamento exercidos em diregdes complementares. A fluidez do vivido tende constante- mente a escapar das malhas da rede que o pensamento mitico langou sobre ela, para reter apenas og aspectos mais contrastados. Fracionando opera- ges que detalha ao infinito-e que repete incansavelmente, o ritual se dedica a uma remendagem minuciosa, tapa os intersticios ¢ nutre assim a ilusdo de que é possivel remontar a contrassenso do mito, refazer continuidade a partir de descontinuidade. Seu cuidado manfaco em localizar por fracio- namento e multiplicar por repeticao as minimas unidades constitutivas do vivido traduz uma necessidade lancinante de garantia contra todo corte ou Sindee mesmo continuo em grandes unidades dstntvas entre as quais ns \ ito nao reforga e sim inverte 0 procedimento do pensamento mitico, que interrupgao eventual que possa ‘comprometer seu desenrolar. Ness sentido, titui um afastamento. Em suma, a oposi¢ao entre rito e mito é a oposi¢ao entre vir € ritual representa um abastardamento do pensamento, qui servidoes da vida. Reduz, ou antes tenta em vao reduzir, as exigéncias do pensamento a um valor-limite, que nunca consegue atingir, ou o préprio pensamento seria abolido. Essa tentativa arrebatada, sempre fadada ao fra- casso, de restabelecer a continuidade de um vivido desmantelado sob efeito do esquematismo pelo qual a especulagao mitica o substituiu constitui a essén- cia do ritual e da conta das caracteristicas distintivas que lhe foram reconhe- cidas nas andlises acima. e pensar, que se sujeita as Portanto, é sobre o esquematismo primeiro do pensamento mitico que con- vém nos debrucarmos. Um esquematismo em si bastante complexo. O pensamento mitico é por esséncia transformador. Cada mito, assim “que nasce, modifica-se ao mudar de narrador, seja dentro do grupo tribal ou se propagando entre um povo e outro. Alguns elementos caem, outros tomam seus lugares, sequéncias séo invertidas, a estrutura distorcida passa por uma série de estados cujas sucessivas alteragdes preservam, entretanto, ‘o carter de grupo. Teoricamente pelo menos, tais transformagées poderiam ser em ntimero ilimitado, embora saibamos que os mitos também morrem (Lévi-Strauss 1971b); e, nesse caso, deve ser possivel, sem renegar nenhum dos principios da andlise estrutural, perceber as vezes, nos proprios mitos, © germe de sua deterioragdo (oma: 103-18). Contudo, de um ponto de vista puramente teérico, nao seria possivel tirar da nogao de transformagao, con- siderada em abstrato, qualquer princfpio do qual resultasse que os estados do grupo sao necessariamente em ntimero finito. Uma figura topolégica se presta a deformacoes tao mintisculas quanto a imagina¢ao possa conceber e, entre duas distor¢des tomadas como limites, pode-se inserir uma série ili- mitada de estados intermedirios, que fazem parte integrante de um tinico mesmo grupo de transformagaq Se entre uma variante e outra do mesmo mito sempre aparecem diferengas, expressdveis néo na forma de acrés- cimos ou decréscimos minimos, mas de relagdes bem claramente demar- cadas como contrariedade, contradi¢ao, inversao ou simetria, é porque-o aspecto “transformacional” nao é tudo. Um outro princ{pio deve intervir, para que apenas alguns estados do mito sejam atualizados entre os possi- veis e que apenas determinadas janelas, mas nao todas, sejam abertas numa grade cujo numero de casas nao admite no entanto nenhum limite teérico. Esse constrangimento suplementar resulta do fato de o espirito, trabalhando Finale | 651 x inconscientemente a matéria mitica, s6 dispor de procedimentos men- tais de um certo tipo: para evitar destruir a armacao ldgica que suporta os mitose aniquild-los em vez de transformé-los, s6 pode fazer nele mudancas discretas, no sentido matemiatico do termo, que é 0 oposto de seu sentido moral, pois o préprio de uma mhudanga discreta é manifestar-se sem discri- ¢a0.{Além disso, cada mudanga descontinua impée a reorganizacao do con- junto, pois nenhuma delas ocorre isoladamente, mas sempre em correlacao com outras. Nesse sentido, pode-se dizer que a andlise mitica é simétrica e inversa a andlise estatistica. Substitui rigor quantitativo por rigor qualitativo, mas ambas s6 podem pretender ao rigor porque dispoem de uma multiplici- dade de casos que manifestam a mesma tendéncia a se organizarem espon- taneamente no espaco € no tempo. O exposto ajuda a compreender por que as especulagdes de Diirer em seus Livros... dos retratos dos corpos humanos e as de Goethe na Metamorfose das plantas, retomadas e generalizadas por D’Arcy Wentworth Thompson, que hes deu um estatuto cientifico, mantém hoje seu alcance. O bidlogo escocés mostrou que, fazendo variar os parametros de um espaco de coor- denadas, pode-se passar, por uma série de transi¢des continuas, de uma forma viva a outra, e deduzir, gracas a uma fungao algébrica, os contornos sensiveis — gostariamos de dizer o grafismo insubstitufvel e 0 estilo — que permitem distinguir pela forma, & primeira olhadela, dois ou mais tipos de folhas, conchas ou ossos, até animais inteiros, contanto que os seres compa- rados pertengam a mesma classe botanica ou zoologica (fig. 39). Com certeza, e a objecdo vem naturalmente ao espirito, as diferengas especificas ou genéricas atuais nao resultam de cortes idealmente operados num continuo virtual, contrariamente ao que os préprios mitos imaginam (ce: 73-78, 321-23, 363-64), mas estao diretamente ligadas as descontinui- dades do cédigo genético, que, como a linguagem, procede por combina- go e oposicao distintiva de um pequeno ntimero de elementos. D’arcy Wentworth Thompson nao deixou de considerar essa evidéncia, cujo prin- cfpio ja era perceptivel, se nao na época de Goethe (mas Rousseau jando tinha definido a botanica como estudo “de combinagoes e relagoes”?), pelo menos na época em que ele mesmo escrevia: “Quer nossas classificagdes sejam de ordem matematica, fisica ou biol6gica, um ‘prinefpio de descont nuidade’ é inerente a elas; e a infinitude das formas possiveis, sempre limi- tada, pode ser ainda mais reduzida e fazer surgir outras descontinuidades, se impusermos condigées suplementares, tal como a de que os parame- tros variem por numeros inteiros ou, como dizem 0s fisicos, por quanta (Thompson 1952, 11:1094). 652 | Finale a direita e de cima para baixo: Polyprion, Orthagoriscus, Argyropelecus h Thompson as, Da esquerda pars capros, Diodon, (Cf. DArcy Wentwort! [39] Transformacdes zool6gic: Pseudopriacanthus altus, Scorpzena sp. Antogonia Offers Sternoptyx diaphana, Scarus sp. Pomacanthus 1952, 1:1062-64) ‘nao faziam senao generalizar processos de engendramento desvelados a ele quando se exerce, e que so em ambos os 7 jue oO da mesma Tia eet vidal e outro se interpdem, ja no nfvel da visao, para nos limitarmos a aspecto, proced analiticos que antecipam a atividade cerebral operam na prépri retina. Voltaremos a iso (infra, pp. 668) mas convém desde jd que 0 olho nao fotografa simplesmente os objetos visiveis, codifica suas relagdes e transmite ao cérebro menos imagens figu- retas, 0 olho ou o cérebro reconstroem um objeto que jamai ‘propriamente; Isso certa- mente vale sobretudo para 6 olho de certos vertebrados desprovidos de cér- tex, como as ras, mas mesmo nos gatos e nos primatas, em que essa fungao analitica passa principalmente para o cértex, as células do cérebro apenas retomam por conta prépria operacdes cuja sede original é 0 érgao senstvel.. Dito de outro modo, as operagées da sensibilidade j4 tem um aspecto e os dados externos, de ordem geoldgica, botanica, zoolégica ‘nunca sao intuitivamente apreendidos em si mesmos, mas na forma texto, elaborado pela a¢ao conjunta dos érgaos dos sentidos e do 0, Tal elaboragao se faz simultaneamente em duas diregdes por decomposi¢ao progressiva do sintagma e por generaliza- do paradigma. Uma corresponde ao eixo que poderfamos gestds € simbolo a Sc portanto, ¢e sua origem comum, para manter entre eles ligacdes diagonais. Praticamente sempre, os mitos findado dos ee sidade de reter, etomar e reunir esses impulsos divergentes. Conta-se que, para obter um ritual, foi preciso que um humano abjurasse as distingdes claras ie Precisas em vigor na cultura e na sociedade e que, misturado com os animais € tornado igual a eles, voltasse ao estado de natureza, marcado pela promiscuidade dos sexos e pela confusao entre os graus de paren- tesco — uma desordem que, contrariamente ao que atesta a experiéncia pra- tica, engendra imediatamente regras em beneficio de um escolhido, e para a edificagdo dos seus (Boas 1917: 40-43; Teit 1912b: 259), ou seja, o inverso do caminho interminavel e sem safda ao longo do qual o ritual se esforca. E assim, enquanto o mito volta decididamente as costas para o continuo, para recortar e desarticular 0 mundo por meio de distin¢Ges, contrastes e opo- sig6es, o rito segue um movimento no sentido inverso: partindo das unidades discretas que lhe so impostas pela conceitualizacao prévia do real, ele corre atrds do continuo e tenta alcangé-lo, apesar de a ruptura inicial operada pelo pensamento mitico tornar a tarefa para sempre impossfvel. Dai a mistura tao caracteristica, feita ao mesmo tempo de obstin: i \cia, que explica _ © fato de o ritual sempre possuir um lado fnaniaco e desesperadg’Daf tam- ‘bém, em compensacao (e isso certamente exp exposto, os homens, que deveriam ter aprendido com 0 fracasso ou com a ineficécia, a funcdo que se poderia chamar de “senatorial” da em sua esséncia irracional, ao inverso do pen- samento mitico, e contudo indis| vel, porque introduz em coda empreen- dimento de alguma seriedade lemento de lentidao e reflexdo, pausas € etapas intermedidrias, e desse modo tempera até mesmo a guerra. ae Contrariamente ao que imagina um naturalismo 0 rit zi provém, portanto, de um reacdo espontnea ao vivido. Volta-se para eles jamais renunciaram a ele), magia, esse jogo complicado e Finale | 655 €08 estados de ansiedade que o geram ou que ele gera — que o acompa- ham portanto, qualquer que seja 0 caso — nao exprimem, supondo que aitinn, entre o homem e 0 mundo, mas o inverso, ou seja; rado pelo temor de que a partir de uma visio esquematica € conceitualizada do mundo; que € unr dado-imediato—| da incon: ‘a, 0 homem nao consiga reencontrar 0 cam 0 vivic Quan lizam gorias por meio das quais o homem percebe a realidade, os axiomas subjacentes a estrutura social e as leis da ordem moral ou natural” nao est4 fundamentalmente equivocado, no sentido d = que o rito efetiva- mente se refere a tais categorias, leis ou axiomas.|Mas 0 rito ndo as cria, antes se esforca, senao por renegé-las, pelo menos por obliterar tempora- riamente as distinges e oposigdes que decretam, fazendo aparecer entre elas toda sorte de ambiguidades, compromissos e passagens. Assim, pude mostrar algures (Lévi-Strauss 1962b: 294-302) que um ritual como 0 sacri- ficio est4 em oposi¢ao diametral para com o totemismo enquanto sistema de pensamento, apesar de ambos se dirigirem & mesma matéria empirica, animais e vegetais, num caso fadados 4 destruigo material pura e simples ou ao consumo alimentar, e no outro promovidos a um emprego intelec- tual do qual pode resultar a proibi¢ao ou limitagao, por diversas restricées, de seu consumo alimentar. No caso particular do ritual, como no caso mais geral considerado a pagina 634| 0 aspecto afetivo nao € um dado primeiro.|O homem nao sente, nao pode sentir ansiedade diante de situacdes simplesmente vividas, a néo ser quando a situacao vivida é de origem fisiolégica e corresponde a um desarranjo interno e organico. Se nao, no caso do ritual com toda a certeza, a ansiedade acompanhante remete a uma ordem completamente outra, que fo é existencial mas, digamos, epistemolégica\ A ansiedade estd ligadarao temor de que os recortes operados no real pelo pensamento discreto, com vistas 4 sua conceitualizacdo, nao permitam mais recuperar a contin dade do real, como vimos acima (p. 650). Trata-se portanto de uma ansie- dade que, longe de mover-se, como creem os funcionalistas, do vivido para 0 pensado, procede exatamente ém sentido inverso e resulta do fato de que 0 pensado, pela simples razao de ser pensado, cava um afastamento crescente entre 0 intelecto e a vida/O ritual nao € uma reagao a vida, é uma reagao ao Ase 0 pensamento faz dela. Nao responde diretamente nem ao mundo nem a experiéncia do mundo, responde ao modo como o homem pensa o mundo. Definitivamente, o que o ritual tenta superar nao é a resisténcia do mundo ao homem, e sim a resisténcia ao homem, de seu pensamento. 656 | Finale eo ara conectar e unific is campos semanti- i ens angie econ visceras, epi morfologicas opdem ao relaxamento et espas- ae iisculos pelo riso, se nos apresentou ci ie resultante de uma frustracao da fungao simbdin ea nao pode prescindir. Porém, dada ou violent: o mundo vivido. interpGe-se necessariamente entre Consequentemente, nao se ignoram o i Bp ise — once dl 0 neon kae possivel compreendé-los —, o pensamento nao pein ne ae do mundo mas, ao contrario, posterior e subordinado a essa aj ene cado desde o instante em que o espirito capta a antinomia ieee a ae humana entre duas sujeicées inelutaveis,a do viver e a do pensar. es E verdade que sao observados nos animais estados talvez compariveis a angustia, e que a experiencia interna nos revela nela algo de bestial de nenhuma outra ocorréncia da condigao humana, nos reli aponto ser mais capaz do que a angistia de, aquém gar & experiencia vivida de nossa natureza animal de origem. Ora, a fungao simbédlica nao é essencialmente humana? Btologia animal e sensacio intima, uma por fora ¢ a outre POF dentro, arrui- nariam as interpretagoes intelectualistas. Mas quem nao vé que, a0 contrario, esse duplo testemunho as reforga? F possivel imaginar que os animais vivem num contraste de estados que os faz passar sem transi¢ao do gozo beato de existir, em que todos os tensore: provocadas por um rufdo, um 5 se relaxam, para stibitas crises de ansiedade ‘odor ou uma forma, de um segundo para 0 vito, e pode-se observér1osretesando 09 NETVOs © 0$ rmiisculos para o salto ou 0 vo. Nao seria porque neles reina uma desproporcio infinitamente maior do que no homem entre vmeios corporais potentes ¢ eficazes € UMS fun¢gao gimbdlica certamente, nao ausente, mas pelo menos rudimentar, € por isso exposta a frustrag que a vida selvagem Ihe impo® pardvela que nds podemos $° ia irfupeao de bandidos na case n que desencadeia no mesmo tipo de conjuntura, acarreta no homem um estado uma torrente de possibilidades ‘o que pode acontecer e uma revista precip! yes mais graves € frequentes diante dos problemas e que portanto atingem uma amplitude com- sntir quando um rufdo noturno nos faz crer isolada em que estamos dormindo? Mas 0 animal uma respost@ pronta, global de inibigio- ‘Numa fracao de segundo» aflitivas, representagoes antecipadas de! tudo itada dos recursos concebiveis nos Finale | 657 acasalamento ou 0 encontro de congéneres do mesmo Sexo, comportamentos que, por sua complicagao, mimticia e hieratismo mereceram o nome de“ritu- alizagao”. Apesar das aparéncias, essas caracteristicas colocam-nos nas ante podas do ritual, pois demonstram que tais comportamentos sio mecanismos previamiente montadds, inertes e latentes até que um estimulo de determinado tipo venha a se manifestar e os desencadeie automaticamente. 5 i Notado, e com razo, que a ritualizacao “tem por efeito afiar as mensa- gens e reduzi-las a um cédigo descont{nuo” (Bronowski 1967: 377). O termo “itualizag4o” é, portanto, impréprio; pois entre os homens, de onde é tomado de empréstimo, o ritual cumpre a fungao inversa, consistindo em recons- truir o continuo por opera¢ées praticas a partir do descontinuo especulativo que fornece a base de safda. Entre esse descontinuo da inteligéncia e 0 dos comportamentos instintivos, a diferen¢a reside na riqueza do primeiro ena pobreza do segundo, j4 que a complexidade das operacées intelectuais com que 0 primeiro opera sé tem contrapartida, nos animais, na complexidade de comportamentos reais inscritos no organismo, em vez de produzidos na forma de ideias pelo entendimento. E certo que se pode legitimamente buscar a explicacao para algo do homem em geral inspirando-se em observagées de mamiferos, insetos ou passaros. De fato, o afastamento entre os animais e o homem é tal que torna negligencidveis os afastamentos (aos quais ¢ incomensurdvel) entre os homens. Em compensagao, e pela mesma razao, seria radicalmente impos- sivel explicar os afastamentos diferenciais entre grupos de homens, como ‘0s supostos primitivos e civilizados ou varias sociedades ditas primitivas, comparando costumes préprios a determinado grupo com comportamen- tos animais genéricos ou especificos. Se buscamos um campo em que a com= parago apresenta alguma yerossimilhanga entre 0 que, por falta de tern melhor, chamarei de sentimentos respectivos dos humanos e dos animais, € numa outra dire¢ao que convém olhar. : Um homem habituado a dirigir um automével dispoe, para governar ~ essa poténcia suplementar de um sistema nervoso adaptado a0 comando

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