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UNIVERSIDADE DO PORTO OTS OMENS ON RCO Toor ete DOS DESCOBRIMENTOS PORTUGUESE CONGRESSO INTERNACIONAL BARTOLOMEU DIAS E A SUA EPOCA Par ay Deny ESPIRITUALIDADE Poy pa ACer Ce) or SOT L) Algumas hipéteses de investigagio quantitativa acerca da Bibliografia Cronolégica da Literatura de Espiritualidade em Portugal (1501-1700) 1N0 CARNEIRO DE SOUSA I A recente e oportuna publicagso de uma Bibliografia Cronolégica da Literatura de Espiritualidade em Portugal (1501-1700), trabalho de inves: tigagdo em que tivemos ensejo de colaborar no ambito mais vasto de ppesquisas que o Instituto de Cultura Portuguesa da Faculdade de Letras {da Universidade do Porto tem vindo a dedicar sistematicamente ao estudo dda histéria da cultura e da espiritualidade portuguesas dos séculos XV a XVI, poderd talvez potenciar a reabertura e o alargamenta do labor heuristico e erudite no dominio ainda to inexplorado como desconhecido do mundo compésito do nosso passado espiritual e devacional...Algumas breves notas de investigacto, sugeridas ao longo da colaboracio que prestdinos & edigSo da referida Bibliografia, constituem o fundamental desta comunicagio, visando abrir algumas pistas de leitura e interpretagso para a amplitude e variedade de dados e publicagées fornecidos por este Jovem guia bibliogréfico das literaturas de espiritualidade portuguesas?. 1 BibigratisCronoligica de Literatura de Bsprituaiade em Portugal 150-1700 (de out Adsisno de Preites Carvalo), Porto, Faculdade de Letras do Portotnsitute de Cultura Portugues, 98, 2 Prefers rpregns, via vzes, a longo desta comunleasS, aterm literatures de ‘spiralidadee nao o mest conceit n0 snguar para pocusarmcr expla com clrees fue os refrimos sum amplo conjunta de txto elgino histricos que inclu ebres de ‘irtaldade, mar tomb usu nla venadas ono gues Iii es us eo Carneiro de Sous ‘Tratase, no essencial, de apresentar um pequeno conjunto de interrogagoes ¢ andlises de matiz quase exclusivamente quantitativo e serial que, 20 Cruvarem se com tentativas de debuxar uma primeira projecqdo cartogréfica Gos elementos mais genéricos veiculados pela Bibliografia, permita quer prefigurar os veios e pistas mais pertinentes para a renovacio das investi agdes no dominio da historia ¢ da literatura de espiritualidade quer ainda wSetengao, mais concrela, dos principals vectores ¢ ucavs que tendem ‘Grganizar a cronologia e as diferentes dimensbes espaciais do largo e variado Conspecto de informagées que esta recente publicagéo oferece a investigactio Cspecializada e interessada no desenvolvimento dos estudos destes temarios. Procura-se, assim, proceder a alguns estudos estatisticos e gréficos, absolu tamente primarios e propedéuticos: partindo-se da distribuigso cronol6gica “anual des obras inventariadas pela nossa pesquisa bibliogréfica, tenta-se conseguir, de seguida, disciplinar as linhas de forga axiais que ajudam a pereeber a estruturagao ¢ difuséo epocal das responsabilidades autorais, ‘bem assim como o contributo também quantitative da inteligencia © dos esforgos das diferentes ordens e institutos religiosos, para, finalmente, se fapresentar uma prinicia impresséo global sobre os espagos mais gerais fem que se move e vivifica a literatura de espiritualidade multiplicada pelos prelos dos séculos XVI e XVIL Podenise encarar as linkas que se vo seguir como uma espécie de prologo a uma futura pesquisa interessada na interpretagio historica ¢ Cultural do movimento de impressdo de literaturas de espiritualidade em Portugal, nos séculos XVI e XVII, uma espécie também de quadros ilustrados que procurat, como o8 diversos indices fornecidos pela Biblio. sgrajia, ajudar 0 leitor a wilizare a servir-se desta pesquisa bibliografica, Eijo tnteresse maior parece talvez residir em ser um guia imprescindivel ¢ multiplicador dos estudos e investigagées da historia da espiritualidade em Portugal exclsivamentedependentes da ascétca da mistin f dals ramos que, radicionalente 6 ‘Shrosenum a ondar (ea esgoad) a spiitalidade. Fl als, um entendientoamplo dn elo ‘Becpruaidadecomprecndend odevoconaleawadindoolitirgic, obegiogrlio ea relgi- 0 Distribuigdo cronolégica anual Observanda numa primeira nipida verificagto geral a disposicso gréfica apresentada na figura 1, organizada, para facilitar uma leitura ritmada e estruturance, em quatro perfodos de cinquenta anos, constata-se imediatamente que a8 1877 edig6es datadas indexadas pela Bibliografia apresentam, afinal, uma distribuigao sem grandes irregularidades e sobres saltos: se néo atendermos mesmo a precaridade da disposicio editorial ao longo das cinco primeiras décadas, confrontamos uma movimentagao relat vamente calma, plena de simetrias, sem grandes vagas ¢ refluxos significa tivos, antes aparentando uma consolidasio secular que, uma vez adquirida, parece terse mantido praticamente constante. Contudo, os comegos, 0 parte editorial deste tipo de lteraturas afigura-se, de facto, extremamente modesto fe, até, difiel e demorado, devendo-se relevar que s6 muito tardiamente, precisamente a partir de 1536, se comeca a publicar ininterruptamente todos (0s anos, ao mesmo tempo que apenas depois de 1548 se torna possivel detectar uma lenta subida e multiplicagao das obras em circulacto, ‘movimento finalmente consolidado, jé com clareza, nos anos sessenta do século de Quinhentos — periodo que se afigura representar o verdadeiro nascimento e cauclonamento pablicos das diversas correntes e intereses que enformam a variedade da nossa literatura de espiritualidade. Na verdade, é possivelmente nesta época que se parece comecar a desenhar a estruturagéo dos ritmos, direcgses e também, talvez, a estabilizar os proprios publicos especificos das obras de espiritualidade impressas em Portugal, situagio que obriga imediatamente a rememorar 0 aprofunda ‘mento geral da Contra-Reforma catdlica, o qual se concretiza no nosso pais, através, nomeadamente, da recep¢do das propostas © conclusées dos ‘esforgos tridentinos, mais claramente percebidos e aplicados nos anos terminais da década de sessenta do século XVI. Este aumento de publi ‘cages, provavelmente coligado também a um incremento de interesses culturais e de oportunidades de leitura que importaria investigar, nao exclu, porém, alguns refluxos editoriais, importantes em termos quantitativos, os uals apontam, a semelhanga dos recuos observiveis no final dos anos oitenta e primeiros anos da década seguinte do século XVI, para a prioridade de uma investigacio que, sem poder prescindir das indicagbes e do auxilio. das pesquisas estruturantes seculares, devera situar-se preferencialmente Ino Carneio de Souse ne. DAMM KuNeNSMU RNAP A ZVEMMENasanuas Ly sy crm ‘Twnxv YoIooTONOW ovsinansisia *t rata fa) uy em micro‘escalas cronolégicas teméticas passiveis de conseguirem controlar ¢ interpretar pequenos periados editoriais, enquanto permite Podesse consulta, para ama prielealmpressfo gral pertinent, 2 conhecida obra js lissca, mas sna asim prestando servigos de grande stilidade, de MARTIN, H.J.— Livre owsowrs e sot Paris ae XVID stl, 2 ol, Pars, 1969, yrtcularmente vo pp. 7688 (Cao e pretends comparar estes dads com autos espacospenisslares veo, por exemple, fo recente estado de BERGER, Philippe ~ Libro y lectare wx Iz Valencia del Renacintant 2 ols, Valenela 1987, male conetetamente val Ip 897, quaden & i 10 Cami Seuss logo, neste campo, um certo periodo de optimismo no labor dos nossos prelos que se parece alcangar & volta de 1615-1635, mas mais sentida e Cxpressivamente de 1620 a 1630, década em que a melhor média de obras, impressas parece apelar, largamente, para um provavel bem conseguido ‘casamento geral entre a cultura barroca e procura e leitura de textos, e espiritualidade, uma motivagdo que os prelos portugueses tornariam hovamente extremamente viva na década de seteata do século XVI ‘Mas, mesmo no interior destas zonas de optimismo e expansao da impressio de obras de espiritualidade, no ocorrem periodos marcados por nimeros clevados de estampagens, devendo-se reter, a este propésito, que sao signi- ficativamente apenas sete os anos que conseguem ultrapassar as vinte publi cages: 1591, 1616, 1617, 1621, 1642, 1674 e 1676. Procurando debuxar algumas breves consideragtes conclusivas, parece ter de se sublinhar que, em termos plurisseculares, este inventério da produgio bibliogréfica de espiritualidade dos séculos XVI e XVI em Portugal denuncia uma larga e demorada génese pautada por dificuldades ce escolhos varios que apenas parece terem sido definitivamente ultrapas sados a partir dos anos de 1580, altura em que se comega a ritmar ea impor tuma longa estabilidade que, pelo menos no que tange a anélise gréfica © serial, consegue multiplicar a oferta e pluralidade editoriais, enformando lum movimento geral possivelmente estruturante e normative, provide ainda de algumas largas simetrias evidentes...,pistas que se afiguram certamente interessar para o estudo ¢ interpretacdo da cronologia cm qualquer programa que queira investigar a historia da literatura portuguesa de espir tualidade de 1501 a 1700, 1m Autores ¢ tradutores: perfis estatisticos Comecemos por esclarecer, nesta secgio, que das 1613 obras inventa riadas pela Bibliografia, 198 (12,27 96) apresentam-se, ainda que sob diversas formas, como publicagées anénimas, nla querendo esta situacdo significar que, continuamente, em cada 100 edigbes se depare com daze obras comple- tamente anénimas ou de autoria duvidosa e dificil de estabelecer... Aprofur. dando estes dados, constata-se rapidamente que a esmagadora maioria estas publicacdes, mais de 3/4, precisamente 152 (76,769), se concentra Aleumas hipétses de tvestigngso quantitative) ut a0 longo do século' XVI, verificando-se que a partir de 1601 este tipo de volumes anénimos cai rapidamente para 46, comprovando, afinal, um ‘movimento geral conhecido das literaturas eurapeias do Renascimento € do Barroco no sentido do aprofundamento da interacsdo entre a respansa- bilidade autoral eo sentido da produséo literaria. Podemo-nos, contudo, interrogar acerca do género de edigées que sio, neste dominio especifico da literatura portuguesa, mercadas aluda pur vasias faves de sonivinal, O niicleo mais denso e numeroso de textos anénimos & constituido pelas Regras e Constituigdes religiosas — 46 (23,24%) —, mas, em rigor, alguns destes titulos nfo sdo de autoria desconhecida, apesar de se imprimirem como tal, encontrando-se vinculados frequentemente a0 labor do fundador dda Ordem ou do Instituto que procuram disciplinar: 32 destas obras foram, publicadas durante o século XVI e as restantes 14 na centdria seguinte Os Oficios fornecem 25 (12,629) destes textos anénimos, tendo todos sido publicados durante 0 periodo quinhentista. Quanto aos temérios e géneros restantes apresentam jé um peso na distribuigio geral das obras andnimas abaizo dos 10%. Realcese mesmo assim 19 obras de Literatura Espiritual', 14 editadas no século XVI e 5 no século XVI; 18 textos Canénicos, 15 pertencendo a Quinhentos e 3 a Seiscentos; 1S Missais, 14 da época de Quinhentos ¢ 1 do século seguinte; também 15 Hagiografias, apenas, surpreendentemente, $ do século XVI e 10 da centéria seguinte — luma das duas éreas temticas em que o nimero de obras andnimas aumenta no século XVI; 12 Confessionévios todos publicados no século de Qui hentos; 11 Brevidrios, sendo apenas um publicado no periodo seiscentista; I Tratados estampados 4 no século XVI e 7 no século XVI, a outra area ‘em que se regista uma inversso da tendéncia secular habitual, mas desta ‘vez gragas inteiramente 4 publicago de um tipo de obras que a época quinhentista, apesar de conhecer, nfo editara— as Artes de Bem Morrer, ‘contam-se ainda 7 Rois de Obras Proibidas, seis do século XVI; 3 Catecismos todos publicados em Quinhentos; 2 Crénicas editadas em cada uin dos séculos ¢, finalmente, um Livro de Horas, impresso no século XVI, um género de luxo que, como é sabido, no conquistou, devido a disfungées e particularidades varias, os favores do livro impresso, Foi possivel, de seguida, identificar no conjunto das obras e edigdes ‘nfo anénimas um total de 647 autores ¢ 18 tradutores que sfo os respon: séveis principais pela composigl0, produgio e, mesmo, sucesso da literatura 4+ Neste cat, ullan eta expresitono seid exlsiv de obras liters de asttca ma v0 Carsire de Sousa _ de espititualidade em Portugal nos séculos XVI © XVIL. Nimeros que ‘demonstram, imediatamente, uma conexSo estreita e decisiva entre este tipo especifico de literaturas e as competéncias particulares da difusao autoral, bem ainda como o relevo, conquanto a umn nivel quantitativo mais modesto, ‘mas mesmo assim impressivo, do trabalho de tradusdo de obras nacionais, fe estrangeiras, particularmente, monumentais ¢ prestigiadas... Deve-se, contudo, sublinhar que us fayores © a adeséo editorials, ligados evidente ‘mente & procura e multiplicacdo das leituras e dos piblicos, dirige-se maiori- tariamente para as obtas dignificadas pela responsabilidade de autores concretos individuais e, em menor nimero, para as tradugdes: nfo ocorre ‘apenas que existe uma relagio de um tradutor para scis autores, mas s80 também estes que asseguram ¢ escoram a estabilidade e qualidade da difusio © dos sucessos das literaturas de espiritualidade em Portugal ‘No entanto, esta aparente diferenciacio entre autores ¢ tradutores é prova velmente mais aparente do que real, porquanto se torna possivel verifiear {que as duas categorias se distribuem simetricamente por origens ¢ nacio- nalidades idéntieas, da mesma forma que multos autores siio a0 mesmo tempo tradutores, registando-se ainda que alguns no defxaram de trihar, primeiramente, os caminhos da tradugdo para, mais tarde, construirem uma carreira literdria propria, Neste conjunto de 647 autores recenseados pela Bibliografia, a esma- sgadora maloria &, como néo poderia deixar de ser, de nacionalidade port ‘guesa: 483 (74,6596) diferentes nomes denunciam que a literatura de espiti- tualidade que circulava, ao longo de Quinhentos e Seiscentos, pelos diferentes cespagos cultivados nacionais ressaltava do esforco de quase meio milhar de estudiosos portugueses, dos intelectuais de nomeada aos simples religiosos ‘quase desconhecidos, assegurando praticamente trés quartos do material literdrio espiritual oferecide ao publico leitor. Afigura-se, porém, relevante {que 112 (17,31 9%) autores sejam de nacionalidade espanhola, enguanto um terceiro grupo autoral é constituido também significativamente por 32 (4.9496) autores de nacionalidade italiana — revelacdes quantitativamente interessantes que parece apelarem para o reconhecimento de um largo tridngulo de intereambios culturais unindo as duas peninsulas ibérica e itdlica, interrelagées intensas e densas que a nossa cultura historiografica, demasiadamente marcada, desde o século XIX, pelo peso talvex excessive de leituras einfluéneias francesas, tem esquecido ou, mesmo, subavaliado, ‘quando, pelo menos nestas reas especificas do nosso passade literario religioso, a transitividade entre Portugal, Espanha e Itélis, 0 didlogo compésito ¢ forte entre os niveis culturais mais elevados das duas pent sulas parece ter sido uma realidade profunda e de tal forma intensa que deve Algumas hipétzes de tvestigngto qua fa) 3 ter deixedo' marcas na sensibilidade ¢ cultura religiosas portuguesas de Quinhentos e Seiscentos... Também no que concerne aos tradutores se ddenuneia praticamente a mesma simetria: num total de 108, 80 (74,07 %) sao ortugueses, 18 (17,35 %) so espanhois, enquanto os restantes partilham diversas nacionalidades, Nesta érea de trabalho, o que nos interessa principalmente prefigurar sfoas pistas eapazes de esclarecer ae grandes linkas de forga que orienta uantitativamente as referencias autorais. Por outras palavras, é precisa: mente a seriagdo dos autores mais difundides que poderé apresentar mais interesse de pesquisa, & pela sua importéncia na projeccéo de tendéncias ce preferéncias de leitura,jé pela individualizagéo, igualmente, de wn campo do literario epocal que parece progressivamente cada ver mais dependente do autor e cujo desenvolvimento, apesar de se apolar em contextos gerais e ritmos estruturantes, nfo prescinde do singular, do original, quer dizer, do texto e da sua responsabilizacéo, da forga de nome e do impacto do sucesso, Assim, selecciondmos para esta seriacio concreta um total de 450 €edigées, correspondendo a 24% do total geral de publicagdes registadas na Bibliografia,utlizando como eritério de importancia autoral a detecgao de todos os autores com mais de dez edicdes catalogadas, uma fronteira que, apesar de meramente numérica, se mostra, no cOmputo geral da estrutura editorial da literatura portuguesa de espiritualidade dos séculos XVIe XVII, ‘um patamar adequado para perspectivar quer o limiar do sucesso e de uma

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