You are on page 1of 39
DF NAscine? nto as fiioric cas gar ae Decca Copyright © Edgar Salvadori de Decca Capa: 123 (antigo 27) Artistas Graficos Revisao: Newton T. L. Sodré Jilio D. Gaspar Agradecimento: O autor tem uma divida de gratidao para com Oswaldo Machado Filho, que participou ati- vamente da pesquisa da qual resultou este livro. editora brasiliense s.a. Tua da consolacdo, 2697 01416 - sao paulo - sp. fone (011) 280-1222 telex: 11 33271 DBLM BR brasiliense INDICE Introdugado ......... Nunca temos tempo para sonhar Uma maquina e fabrica incrivel A fabrica vitoriosa ... Indicagées para leitura INTRODUCAO Dentre todas as utopias criadas a partir do sé- » culo XVI, nenhuma se realizou tao_ >. desgracadamente como a da sociedade do trabalho. fabricas-conventos, fabricas sem salario, que aos nossos olhos adquirem_um_aspecto-caricatural, fo- ram sonhos realizados pelos patrdes e que tornaram possivel esse espetaculo atual da glorificagao do tra- balho. Para se ter uma idéia da forca dessas utopias realizadas impregnando todos os momentos da vida social a partir do século XVIII, basta considerarmos a transformagao positiva do significado verbal da pré- pria palavra trabalho, que até a época Moderna sem- pre foi sindnimo de penalizacio e de cansacos insu- Portaveis, de dor e de esforco extremo, de tal modo que a sua origem s6 poderia estar ligada a um estado extremo de miséria e pobreza. Seja a palavra latina e inglesa Jabor, ou a francesa travail, ou grega ponos Ou a alema Arbeit, todas elas, sem excecdo, assi- nalam a dor e o esforgo inerentes a condicao do homem, e algumas como ponos e Arbeit tém a mes- ma raiz etmoldgica que pobreza (penia e Armut em grego e alemao, respectivamente). Essa transforma¢io moderna do Significado da propria palavra trabalho, em sua nova Positividade, representou também o momento em que, a partir do século XVI, o proprio trabalho ascendeu_da_‘‘mais humildee desprezada posicao ao nivel mais elevado e a mais valorizada das atividades humanas, quando Locke descobriu que o trabalho era a fonte de toda a propriedade. Seguiu seu curso quando Adam Smith afirmou que o trabalho era a fonte de toda a riqueza, e alcangou seu ponto culminante no “sistema de trabalho’ de Marx onde o trabalho passou a ser a fonte de toda a produtividade e expressao da propria humanidade do homem” (Hannah Arendt, La Con- dicién Humana, p. 139). A dimensao (crucial dessa glorificagio do tra- balho encontrou suporte definitivo no surgimento da fabrica mecanizada, que se tornou a expressAo su- Prema dessa utopia realizada, alimentando, inclu- sive, as novas ilusdes de que a partir dela nao h4 limites para a produtividade humana. Essa descoberta delirante da fabrica como Iu- gar, por exceléncia, no qual o trabalho pode se apre- Sentar em toda a sua Positividade nao sé alimentou as projegdes dos apologistas da sociedade burguesa, como também a de seus préprios criticos, na medida em que ela foi entendida como © momento de uma liberacdo sem Precedentes das forcas Produtivas da ee Edgar Salvadori de Dece O Nascimento das Fébricas iedade. Assim, a fabrica ao mesmo tempo que » confirmava a potencialidade criadora_do trabalho conniriy nciava a dimensao ilimitada da produtividade - anu. hug é maquinaria. a". = is movido pela crenga do di Riador do trabalho organizado, a presenga da Pe eiqui a definiu de uma vez por todas a fabrica compo lugar da superagao das barreiras da propria ai 4o humana. “‘A invengdo da maquina a vapor a Sina para trabalhar o algodao”’, escrevia Engels em 1844, ‘‘deu lugar como é sobejamente_ conhecido a uma Revolucdo Industrial, que trans- formou toda a sociedade civil.” Essa ee lizada j4 no pensamento dos homens do século 7 apagou todo o percurso sinuoso da organizacao do trabalho da época Moderna, ao reduzir definitiva- mente a fabrica a um acontecimento tecnolégico. Contudo, os ecos das resisténcias dos homens » pobres a se submeterem aos rigidos padroes do tra- balho organizado sao audiveis desde o século XVIle assinalam a presenga da fabrica a partir de um mar- co distinto daquele definido pelos pensadores do sé- culo XIX. . Aqueles primeiros homens, que se viram cons- trangidos pela pregac’o moral do tempo util e do trabalho edificante, sentiram em todos os momentos de sua vida cotidiana o poder destrutivo desse novo Principio normativo da’ sociedade. Sentiram fa pro- pria pele a transformacao radical do conceito de_ trabalho, uma vez que essa nova positividade exigiu | do homem pobre a sua submissio completa ao man- Edgar Salvadori de do do patrao. a4 Introjetar um relégio moral no coragao de cad; trabalhador foi-a primeira vit6ria da sociedade bur- guesa, e a fabrica apareceu desde logo como um: realidade estarrecedora onde esse tempo itil encon. trou o seu ambiente natural, sem que qualquer modi: ficacao tecnolégica tivesse sido necessaria. Foi através da porta da fabrica que o homem pobre, a partir dt século XVIII, foi introduzido ao mundo burgués, A reflexao que agora propomos visa ultrapass. a imagem cristalizada que 0 pensamento do sécul XIX produziu sobre a fabrica, reduzindo-a a w acontecimento tecnolégico. e Nosso intuito é desfazer o manto da memoria d. ‘ssociedade burguesa e reencontrar a fabrica em todo os lugares e momentos onde esteve presente um ' intencdo de organizar e disciplinar o trabalho atravé: de uma sujeicdo completa da figura do proprio tra balhador. Por isso, os leitores nio devem se sur: preender quando no decorrer do texto encontrare! no engenho de agticar da col6nia o esboco da fabric que iria produzir o futuro operario europeu. NUNCA TEMOS TEMPO PARA SONHAR “Todas as pessoas que se encontram traba- thando nos teares mecénicos estado ali de modo for¢gado, porque nao podem existir de nenhum outro modo; via de regra sdo pessoas cujas familias foram destruidas e seus interésses ar- ruinados... tém a tendéncia de ir como peque- nas col6nias colonizar esses moinhos.”’ Inspetor governamental inglés (1834) — Quando nos defrontamos hoje com a impossibi- oy criar situagdes de conhecimento que inter- aah a invertam a logica de um processo, desig- tivos : » Podemos nos Perguntar sobre os disposi- sie Tegem a ordem de dominio da sociedade. ——— explicitos desde o principio. Estamos fa- Siar no caso, de uma incapacidade imposta ao : » Por ordem de um determinado dominio que 12 Edgar Salvadori de De retira dos homens a propria dimensao do pensar, como algo além do ja dado. Dentro daquilo que nos interessa, determinadas respostas ja sao bastante conhecidas. Por exemplo, quando-falamos da producao de-conhecimentos téc- nicos que nado conseguem se impor socialmente, bus- camos a resposta, via de regra, no nivel do proprio mercado. Assim, uma tecnologia é ineficaz porque nao consegue romper a barreira da concorréncia im- posta por uma ordem implacavel. Nesse sentido, a conclusao é imediata. Nao existem outras tecnologias além daquelas conhecidas, porque 0 proprio mer-— cado se responsabiliza em eliminar as ‘menos efi- cazes”. Contudo, deveriamos ser menos ingénuos em questdes que colocam explicitamente em jogo as re- lacdes de dominagao social. Em outras palavras, as relacgdes de mercado vio bem mais além do que as puras determinagoes econdmicas. O estabelecimento do mercado é também o estabelecimento de um dado registro do real, no qual os homens pensam e agem conforme determinadas regras do jogo. Assim, 0 mercado n&o-sé impde aos homens determinadas | tecnologias| “eficazes”, como também impede que Ihes seja possivel pensar outras tecnologias. Dai falarmos em impoténcia social. Nao é isto um mecanismo regulado por Jeis econdmicas do mer- cado, mas uma esfera de dominio social na qual os homens se véem impossibilitados de pensar além de registros que se impdem 4 vista de todos como uma ordem natural. 7 Portanto, quando nos sentimos incapazes de fa- 2 Nascimento das F&bricas pricar balas, por exemplo, nao significa imediata- mente que ndo tenhamos condigdes de impor téc- nicas de produg&o eficazes para a concorréncia no mercado. Um outro mecanismo antecede essa ilusdo. O que nos é vetado, antes de mais nada, é justa- mente a possibilidade de pensarmos 0 ato mesmo _de poder fabricar balas. Alguma coisa ja se hipostasiou, ) ganhou aparéncia de ‘“‘condigdes objetivas”: ‘o fa- bricar balas j4 encontrou socialmente um determi- nado estatuto e, a nao ser para alguns espiritos recal- citrantes que insistem em fazer festas, balas devem ser reconhecidas como produto da eficiéncia de in- diustrias altamente conceituadas, segundo seus pa- drées de qualidade. / Somos induzidos, entéo, a pensar dentro de uma l6gica definida, que nao é ditada por leis de mercado, mas sim regida por mecanismos sutis de controle social.\Portanto, vejamos bem o que é esse pensar, pois ha nisso tudo um modo de pensar; pré- prio da esfera desse controle. Até agora nos referimos a Possibilidade de emergéncia de saberes que inter- rompiam uma légica de identificacdo social. Isto é, um nao-saber, Porque se situava na esfera daquilo eee. boderis ser pensado._Pensar, portanto, é qd gundo regras ja definidas, e o seu contra- es da sociedade, é justamente a impos- pensar além das regras. oe 20 Falarmos em mercado ou_em divi- questao eo raba Iho nao estamos nos referindo a ——— naior ou menor produtividade do tra- no, sim 4 apropriaga@o mesma dos saberes. 14 _ thes é estranha e antag6nica?) Edgar Salvadori de Di Deve, assim, existir um mecanismo social no qual aquele que detém um saber se torna imprescindivel para a imposigao do préprio processo de trabalho, j que aos outros homens est4 vetada a possibilidad desse saber. » &Evidentemente, a solucdo para este impasse na é reivindicar um direito para todos produzirem ba las, j4 que isto seria uma saida edulcorada para problema. Contudo, até nisso ha uma dose de refle x40. Como restituir aos homens saberes que lhe: foram retirados e que hoje servem para reger um: ordem de dominio politico;técnico, cultural etc., qui ~ Mas nao estamos aqui para oferecer resposta: acabadas. Preocupemo-nos mais em levantar algu- mas questées que permitam pensar a problematic: da tecnologia para além dos estreitos limites impos- tos pela légica da eficacia, da produtividade e d: neutralidade. Pensamos, isto sim, na apreensdo di problema como uma estratégia de controle da socie: dade imposta por uma determinada classe no mo- mento mesmo do seu engendramento e afirmacdo n mundo. / Assim, conceber uma classe de capitalistas e uma sociedade capaz de se engendrar e ser engen- drada por ela supde, de inicio, registros determi- cida por ela mesma, passa pelo imperativo de insti- tuigéo de mecanismos capazes de identifica-la. ——Contudo, tais mecanismos que permitem es: O Nascimento das Fébricas feconhecimento supdem a imposicdo de normas e _yalores préprios de determinados setores da socie- dade e que vao aparecer dotados de universalidade. “Por exemplo, quando pensamos o desenvolvimento da ordem burguesa no seio da sociedade feudal, logo imaginamos a instituig¢do do mercado como esfera universalizante e universalizadora de uma nova or- dem que se impGe. Essa imposi¢aéo de normas e valores por um determinado setor da sociedade pode ser percebida decisivamente quando tomamos a nogao de tempo util, produzida pela ampliagdo da esfera do mercado e que nao sé disciplina a classe burguesa como tam- bém procura se introjetar no Ambito da gente traba- Ihadora. Essa introjecio de um relégio moral no corpo de cada homem demarca decisivamente os dis- positivos criados por uma nova classe em ascensao. Autodisciplina, controle de si mesmo, critica a ocio- -Sidade, so exigéncias imperiosas para 0 comerciante que se envolve na esfera do mercado. “Utilize cada um dos minutos como a coisa mais preciosa. E em- Pregue-os todos no seu dever.” Pregacoes desse tipo ou aquelas em que o tempo se relaciona com o di- nheiro nos mostram todo o artefato moral de uma classe de mercadores que se impde a si mesma os cri- térios de sua identificacao: “Recordai quao recompensadora é a Redengao do Tempo... no mercado, ou no comerciar; na lavoura ou em qualquer ocupacdo remunera- dora; s6 nos resta dizer que o homem se torna Edgar Salvadori de Deg rico quando faz bom uso do seu tempo” (E. P. Thompson, Tiempo, Disciplina de Trabajo y Capitalismo, p. 280). ou entao; “Observai as horas de intercAmbio, atendei aos mercados; ha épocas especiais que serao fayo- raveis para despachar vossos negécios com faci- ‘lidade e fartura;... as épocas de fazer ou receber bens nao duram sempre’”’ (E. P. Thompson, ) p, 281). > %*Contudo, essa autodisciplina de uma classe de} | mercadores que afirma o seu lugar no mundo através da instituicéo do mercado aos poucos transforma-se em um artefato moral que procura prescrever uma nova disciplina para a gente trabalhadora. Nessa medida, o destinatério do discurso moralizante do tempo util deixa de ser exclusivamente 0 mercador e a critica 4 ociosidade procura atingir todas as esferas da sociedade. ‘ “Preguica, silenciosa assassina, nao mais tenha minha mente aprisionada N&o me deixes nenhuma hora mais contigo, sono traidor” (E. P. Thompson, p. 282). “ Essa mudanga de destinatario do discurso mora- lizante do tempo util nos da a medida de como as idéias de uma classe dominante tornaram-se as idéias | O Nascimento das Fabricas g dominantes de toda a sociedade através de um persis- fente e minucioso trabalho de introjecao de novas normas e valores, isto é, pela introje¢ao definitiva da imagem do tempo como moeda no mercado de tra- balho. “Posto que nosso tempo esta reduzido a um Padr4o, e os Metais preciosos do dia acunhados ~ em horas, os industriosos sabem empregar cada parcela de tempo em verdadeiro beneficio de suas diferentes profissdes; e aquele que é pré- digo com suas horas é, na realidade, um perdu- lario. Eu me recordo de uma mulher notavel, que era muito sensivel ao valor intrinseco do tempo. Seu marido fazia sapatos e era um exce- lente artesAo, mas nao se preocupava com a pas- sagem dos minutos. Em vao ela inculcava-lhe que Tempo é dinheiro. Ele tinha muita destreza (habilidade) para compreendé-la, e isto foi sua ruina. Quando estava na taverna com seus ocio- Sos companheiros, se alguém observava que 0 re- légio havia tocado (dado) onze horas, ele dizia, 0 ‘que é isso para nés, companheiros? Se ela lhe mandava um aviso por seu filho de que ja pas- Sava das doze horas do dia, ele respondia, diz- the que fique tranqiila, que as horas nao podem Ser mais. Se havia dado uma hora, ele ainda a Tespondia, peca-lhe que se console, que nao po- de ser menos” (E. P. Thompson, p. 283). _ Entretanto, a instituigdo do mercado também 18 Edgar Salvadori de supoe desde.o principio.a diviséo social do trabalh e portanto a afirmacdo da classe burguesa. O me; cado transforma-se, assim, em uma entidade versal através da qual os homens se reconhecem a proprios € se opdem a qualquer dispositivo ima; nario que coloque a ordem social fora do Ambit desse novo universo,y j Mas tenhamos cuidado com essas reflexées. S esse mercado designa o registro do real, pelo qual 4 sociedade reconhece a si mesma, isto é, torna-se dimens4o normativa a partir da qual os homens pen: sam e agem, nao devemos perder de vista que es: universalizagéo que ocorre no interior do social presenta, fundamentalmente, 0 modo pelo qual idéias de uma classe dominante se tornam idéia dominantes para toda a sociedade. Por isso podem falar de um imagindrio do mundo burgués e, desd ja, descartar a idéia de que, por exemplo, os seto: dominados desta mesma sociedade estejam subme tidos a uma enorme mentira ou a um engano uni versal, isto porque a presenca histdérica das clas: nessa sociedade se da justamente a partir da univer. salizagio desse imagindrio burgués, e, nessa medida. a produg’o mesma das classes esta intimamente li- gada ao modo pelo qual essa sociedade impée 0: registros do imagindrio para o seu préprio reconhe- cimento. Portanto, ha uma /uta ali mesmo onde as clas: se produzem. Isto quer dizer que, se pensarmos ni gestacao da sociedade burguesa, a ordem do mer- cado, dimens4o na qual os homens pensam e agem, ‘Q Nascimento das Fébricas. torna-se também 0 lugar (imagin4rio e real) onde Piatra, a produgao histérica de uma classe de pro- prietarios dos meios de producao, ao mesmo tempo que uma outra classe se constitui como assalariada € despossuida, decorre de um confronto que, no final, faz aparecer para OS sujeitos sociais a imagem de que existe a imperiosidade da figura do capitalista, como elemento indispensavel para o préprio processo de trabalho. Varios autores estudaram esse processo de en- gendramento das relagoes sociais da ordem burgue- sa. Contudo, nem todos pensaram esse processo, justamente, na dimensdo de uma /uta. Stephen Marglin, preocupado com a analise da constituigio do sistema de fabrica, como sistema, por exceléncia, da divisio e do parcelamento do tra- balho, isto é, como Jocus privilegiado do controle social no A4mbito da sociedade burguesa, procura pensar, em seu livro Para que Servem os Patrées) quais os caminhos desenvolvidos por um confronto que produz as classes sociais. Seu ponto de partida é, justamente, o movi- Mento de constituicéo do mercado no interior da ordem feudal e a progressiva constituicio da figura do Negociante como elemento indispensavel para 0 meionamento do préprio processo de produgdo ar- tesanal. Em outras palavras, Marglin esta preocu- Pado em acompanhar o desenvolvimento classico do utting-out system”, primeira configuracao da pro- _ ducao capitalista. Os passos de Marglin sao extre- efetivamente a divisio do social. Em outras 19 Edgar Salvadori de mamente importantes, posto que a interposigao figura do negociante entre o mercado e a produg artesanal, segundo ele, representou 0 momento pel qual se impés a essa produgdo a figura indispensay, do capitalista, criando uma hierarquia social sem qual, desde entaio, o préprio processo de trabalh fica impossibilitado de existir. Isso ocorreu porque produtores diretos, embora dominassem 0 process de trabalho, se viram obrigados a depender da figur, do negociante para que sua producdo se efetivasse uma vez que a eles estava vetado 0 acesso ao me cado, tanto para a obtencgao das matérias-prim indispensaveis para a producdo como para a comer. cializagao de seus produtos. Este autor, enfatizamos mais uma vez, esti preocupado com o estudo das origens do sistema d fabrica, posto que ai encontram-se substantivados 0S varios mecanismos de poder que tornam possivel ao capitalista 0 controle sobre o operario. Por isso mes- mo, seu ponto de partida é o ‘‘putting-out system”, ja que, ai, o papel imprescindivel do capitalista € evidente, embora o trabalhador ainda detenha o do- minio das técnicas de producdo e do processo de} trabalho. Problema bastante importante para a nos- sa discuss4o, pois estamos diante de uma situagao hist6rica na qual o dominio da sociedade, embora esteja delimitado pelo dispositivo do mercado, nao se transformou ainda em dominio técnico. Em outras: palavras, no interior da sociedade do inicio do século XVI, embora seja imprescindivel a figura do capita- lista, seu dominio se realizou numa diregdo que nao Ferreiro forjando metal. (In: Historia General del Tra- bajo.) se resume no controle tecnolégico do processo pro dutivo.{No “‘putting-out system”, o capitalista tem ¢ acesso ao mercado e veta aos trabalhadores esse contato, mas, ainda assim, esses Ultimos ditam | processo de produgdo; Essa divisdo social torna im periosa a figura do capitalista no interior do proce: produtivo, e o trabalhador, distante do mercado tanto para a obtencdo de matéria-prima como ma téria-prima como para a comercializagao de se produtos, detém, nica e exclusivamente, 0 cont do processo de trabalho. Claro esta, nesse caso, que razdo técnica, estando sob 0 dominio de quem part cipa do processo de trabalho, ainda nao represent um instrumento através do qual se possa exercer: controle social. | Entretanto, seguindo as pistas do autor, vale pena indagar por que esses trabalhadores foram reu nidos a partir de um determinado momento nu mesmo local de trabalho, constituindo aquilo qu ficou conhecido como sistema de fabrica. << ‘ye Mais uma vez, Marglin sugere algo muito portante. Para ele, a reunido dos trabalhadores fabrica n&o se deveu a nenhum avanco das técni de produgdo. Pelo contrario, o que estava em « era justamente um alargamento do controle e dc | poder por parte do capitalista sobre 0 conjunto trabalhadores que ainda detinham os conheciment técnicos e impunham a dinamica do processo prod \tiyo. E isso é muito importante, uma vez que do dos trabalhadores estava a resposta ao problem eficacia técnica e da produtividade. Edgar Salvadori der O Nascimento das Fabricas & Ora, transferir esse controle da produga: cue estava nas maos dos trabalhadores para as maos do capitalista nac significou, absolutamente, segundo Marglin, maior eficacia tecnologica nem tampouco uma maior produtividade. O que se verificou, isto sim, foi uma maior hierarquizagao_e disciplina no ‘trabalho e a supressao de um controle determinado: ocontrole tecnico do processo de trabalho e da pro- iyidade ditado pelos préprios trabalhadores. En- fatizamos, mais uma vez, que essa transferéncia, ainda conforme esse autor, nao significou progresso técnico (coisa que muitos afirmam), resumido nos termos de um desenvolvimento tecnolégico que teria posto por terra o ‘‘putting-out system” ante 0 sistema de fabrica. Muito pelo contrério, Marglin nos mostra que nenhuma tecnologia muito avangada determinou areuniado dos trabalhadores no sistema de fabrica, e aponta na direcao de como esse sistema possibilitou a disciplina e a hierarquia na producdo, ja que o “‘put- ting-out system’, baseando-se na dispersdo dos tra- 3 adores domésticos, criava algo muito problema- co para 0 capitalista, isto é, o desvio de parte da Producao, a falsificac4o dos produtos, a utilizagao de ‘Matérias-primas de qualidade inferior aquelas forne- 2 belo capitalista etc. etc.; enfim, varios tipos de _“sabotagem’”. Contudo, quando Marglin fala de sabotagem, ere-se 4 perspectiva dos capitalistas, j4 que do nto de vista dos trabalhadores domésticos do “put- n8-Out system” ela representava uma resisténcia a a do préprio controle do processo de trabalho. Ldagar Salvadori de 4 E, nesse sentido, o sistema de fabrica repr sentou, justamente, a perda desse controle pelos t balhadores domésticos. Na fabrica, a hierarquia, disciplina, a vigilancia e outras formas de cont tornaram-se tangiveis a tal ponto que os trab, dores acabaram por se submeter a um regime trabalho ditado pelas normas dos mestres e coi mestres, 0 que representou, em ultima instancia, dominio do capitalista sobre 0 processo de traba Um outro autor, ‘David Dickson, em seu liv ‘Tecnologia Alternativa; resume muito bem as raz6 que tornaram imperativa a constitui¢éo do sistem de fabrica. Segundo ele, seria possivel enumerar pel menos quatro razdes importantes para o estabele cimento do regime de fabrica. Em primeiro lugar, Além disso, era do interesse desses comerciantes | maximizacao?da produgao através do aumento numero de horas de trabalho e do aumento da velo muito importante era o controle da inovagao te logica para que ela s6 pudesse ser aplicada no sentid de acumulacdo capitalista; e, por ultimo, a fabr criava uma organizacéo da produ¢g&o que torn imprescindivel a figura do empresario capitalista E indiscutivel que sé a concentragao do trab lhador num mesmo local de trabalho poderia pro porcionar todas essas vantagens para 0 empresat’ capitalista. Nesse sentido, a fabrica transformou- O Nascimento das Fabricas no nosso marco organizador desses desejos empre- sariais. Por isso mesmo, embora pudessem ser_en- contradas maquinas nas primeiras fabricas, muito raramente essas maquinas chegaram a se constituir na razdo do surgimento das fabricas. Enfim, o sur- gimento do sistena de fabrica parece ter sido ditado por uma necessidade muito mais organizativa do que técnica, e essa nova organizacao teve como resultado, para o trabalhador, toda uma nova ordem de disci- plina durante todo o transcorrer do processo de tra- balho. 4 Contudo, esse autor nao para ai. Mostra-nos, inclusive, como a partir da constituigado do sistema de fabrica vai se impondo, progressivamente, um deter- minado padrao tecnoldgico, isto é, um padrao qué, acima de tudo, garantia ordem, disciplina e controle de producao por parte do capitalista. Assim, existem dois pontos fundamentais na constituigdo do sistema de fabrica: em primeiro lugar, ele nao decorreu de um grande avanco tecnolégico; em segundo, as téc= nologias empregadas constituiram-se em elementos € CO le € de hierarquia na producio. __ Retomemos David Dickson nos seus argumentos Sobre o surgimento das fabricas téxteis durante o Periodo de Revolucio Industrial. Segundo ele, ‘“‘a rganizacao da industria téxtil baseada no estabele- nto de fabricas nao foi, como deixam supor “suns historiadores, um desenvolvimento direto a Partir de uma base técnica mais eficaz, pelo contra- o mMuitas das m4quinas s6 foram desenvolvidas e a uzidas depois que os teceldes ja haviam sido Edgar Salvadori de] das Fabricas oO Nascimento concentrados nas fabricas”’ (Dickson, p. 58). Ora, se considerarmos o surgimento da f4 mente para que se retardasse 0 surgimento das | bricas, uma vez que a mera concentracao de tra massa de homens reunidos podia representar pa instituigdes de poder da sociedade burguesa. Entretanto, nao foi apenas a industria téxtil i glesa que adotou o regime de fabrica muito m como novo marco de organizacao do trabalho do q por imperiosidade técnica. Para Dickson, tambei no ramo da ceramica podemos encontrar exempl semelhantes de adogio do regime de fabrica. Jan segunda metade do século XVIII, Josiah Wedgw estabelecia uma grande fabrica no Midlandes, podia obter os modelos e as quantidades de necessarios, devido ao rapido crescimento do met cado, era através-de uma divisdo do trabalho cuid dosamente calculada, implicando a separagao de® dos os diferentes processos nos quais se ba f produgdo de ceramica”’. E isto, sem divida,-s0 P ser conseguido através da imposicéode uma 1eM® disciplina fabril. Nas fabricas de Wedgwood fot ¢ As fiandeiras, por Velazques (1599-1660). (In: Historia General del Trabajo.) Edgar Salvadori senvolvido um sistema de fichas, além da cria uma ampla e detalhada série de instrug6es relati a disciplina do trabalhador dentro da fabrica, es lecendo inclusive a categoria especial dos capa responsaveis pela vigilancia do processo de traba \ Assim como os teceldes, os ceramistas nao e vam acostumados com esse novo tipo de discipli Segundo um historiador inglés, ‘“‘os ceramistas viam gozado de uma independéncia durante m tempo para aceitar amavelmente as regras We wood procurava implantar, a pontualidade, a senca constante, as horas prefixadas, as escrupul regras de cuidado e de limpeza, a diminuig desperdicio, a proibigao de bebidas alcodlicas” apesar de todas as resisténcias desse trabalhador te o regime fabril, Wedgwood, aferrado em principios, afirmava, apés 10 anos de existéncia sua fabrica, que havia transformado esses St Thadores lentos e bébados e intteis” em um s fico conjunto de maos”’. é Nas proprias palavras de se materializa como uma nova organiza¢ao balho, sem a necessidade de ocorréncia de q transformacao profunda do aparato tecnoldgico. | tretanto, ainda podemos avancar alguns ¢ mentos a respeito do uso das maquinas du: Revolucdo Industrial. Tanto Dickson como nos fazem supor que as maquinas ¢ adas_ durante os anos cruciais -da-revolugao ind foram apenas.e tao-somente aquelas..que ram o trabalho manual, mas, principal Wedgwood, a fal } . lo t nento das Fabricas que tornaram inevitavel a concentragao das ativi- produtivas sob a forma de fabricas} Dickson afirma, por exemplo, que “um tear holandés que podia tecer de modo simultaneo vinte e quatro tiras estreitas, e uma complexa estrutura manual para a elaboracao do ponto para o tecido de malha para a confeccao de calcas e meias, ambos instrumentos perfeitamente adaptados a industria doméstica, fo- ‘ram abandonados rapidamente dando lugar a ma- las mais amplas, cuja superioridade mecfnica ‘eliminou paulatinamente as formas tradicionais de producao manual” (Dickson, p. 60). E acrescenta, “os exemplos mais importantes destas inovagdes me- canicas foram a estrutura hidraulica de Arkwright (1768), desenhada a fim de utilizar a energia hidrau- lica para a fiacdo de algodao, o tear mecanico de 7 Cartwright (1784), que podia funcionar por meio de todas hidrdulicas, ou de maquinas a vapor, e as Maquinas intermitentes de fiar, de Crompton, desen- 5 Yolvidas em 1779 e capazes de produzir fios fortes e S apropriados para numerosos tipos de elabo- _ -. S comparativamente ampla produgao ai es representou uma rapida superacao - as pequenas correntes de agua que Ree ts moinhos. Em 1875 se realizou o Be went ——_ se adaptar a maquina de Rites cuca. ngdes de proporcionar energia Mentos 1, maquinas. Cada um desses de- oa, . ae no que se refere ao esta- de um i ema fabril, e contribuiu para a isciplinarizacdo geral na forga de = a be | £ i impacto de poderosas forgas, atrativas ou repuls; que o trabalhador ou artesdo inglés se tran em mao-de-obra fabril” (Dickson, p. 60). Por jg mesmo a Revolucao Industrial foi vitoriosa, que representou uma mudanga crucial nao ape mamente ligado 4 afirmagéo de novas relagdes- poder hierarquicas e autoritarias. ae «¢ Alguns historiadores ingleses afirmam primeiras tentativas de instalagao das fabricas, d veu-se muito mais 4 qualidade de diregao de: empresas do que a uma substancial mudanga qualidade do trabalho ou das maquinas. a se Nesse sentido, a despeito de a historiografia dicional sobre a revolugao industrial negligenci dimensdes do fracasso das primeiras experiéncias bris, ainda assim podemos afirmar que a resistent do trabalhador ante os avancos do sistema de foi decisiva durante esse periodo. Afinal, nem os homens se renderam diante das forgas i sistly do novo mundo fabril, e a experiéncia do m ovimen dos quebradores de maquina demonstra uma 1S voca capacidade dos trabalhadores para desene uma luta aberta contra o sistema de fabrica= luta ganhou contornos dramAticos mas, a© tudo, muito difusos, se procurarmos levar em © Q Nascimento das Fabricas as motivacdes que levaram os trabalhadores a des- truir 0 maquinario das instalacdes fabris. Se, de um Jado, esse movimento de resisténcia visava investir contra as novas relacdes hierarquicas e autoritarias jntroduzidas no interior do processo de trabalho fa- pril, e nessa medida a destruigdo das maquinas fun- cionava como mecanismo de pressio contra a nova diregao organizativa das empresas, de outro lado, inumeras atividades de destruigio carregaram impli- citamente uma profunda hostilidade contra as novas maquinas e contra 0 novo marco organizador da produ¢do que essa tecnologia impunha. Nesse caso, “as maquinas ndo sé supunham uma_ameaca com Tespeito aos postos de trabalho, mas contra todo um modo de vida que compreendia a liberdade, a digni- dade e o sentido de parentesco do artesio” (Dickson, p. 61). Os destruidores de maquinas da regiao do re on pies . a 1780 ilustram, inclu- a.de como essa luta era de- ag eo contra a mecaniza¢ao em geral, mas oe od : iss maquinas em Particular. es torna, o> ang maquinas distinguiram entre menos fusos ori a tinham vinte € quatro ou —. _. ee a producdo domés- mais amplos, nan , ; entre aqueles outros Utilizagao aa Fabrica exc. MST aUI Ente para a sua P.62), Ss, que destruiam” (Dickson, Apesar de ¢ adas pel Oda ar de 1829. « esisténcia e das vitérias al- lo pounce e Etcbradores de maquinas ja por volta an¢gos tecnoldgicos adicionais muda- 32 Edgar nto das Fabricas ram de novo a composicao da forea de trab havia crescido uma nova geracfo de ope tumada a disciplina e 4 precisdo de fab: Landes, Unbound Prometheus, p. 317). _— Deveriamos considerar, agora, al toes. Em primeiro lugar, tudo leva a_ fabrica surgiu muito mais por imperativos « cionais capitalistas de trabalho do que por tecnoldgicas. Segundo, a tecnologia teve pi sivo onde e quando a sua utilizagao facilitay gava a concentragio de trabalhadores e€ afirmacdo do sistema de fabrica. Mas introduzir, aqui, uma outra questao, a vacao tecnolégica como resposta contund presario capitalista ante as press6es de tré que ja estavam acostumados com 0 regi Essa nova utilizagdo da_maquinari sava conseguir a docilizagao e a submi: lhador fabril e, nesse sentido, assegura ridade e a continuidade da produgao, mi sentou também um forte obstaculo aos” de resisténcia do trabalhador fabril,. XIX. “As maquinas comecaram a ser nado somente para ajudar a criar um mareo qual se podia impor uma disciplina, ma muito freqiientemente, sua introdugao uma acio consciente por parte dos pat trolar as greves e as outras formas de industrial. Inclusive, a ameaca da mecanl o desemprego implicito que levava cons! qiientemente utilizada pelos patrées para a S & eS Bo o a a 2 6 = ne, 3 = S > o ~ a a o = 3 3 s a s = RS 2 = q iS 5 3 2 $ = ve) S S 2 3 3 4 » sv 3 2 i 3 q 33 34 Edgar Salvade baixos salarios”’ (Dickson, p. 63). E. P. Thompson, em The Making of the Working-class, relata-nos a dificuldade dos em conseguir uma paz industrial até a décac 1830, em virtude da crescente organizag&o do ¢f, Ihador fabril, e indica inclusive que a tnica ] bilidade encontrada pela industria algodoei: garantir uma forca de trabalho estavel e um de trabalhadores habeis e experimentados cao de novas técnicas de organizagao de trabalho superaram as antigas e brutais concepgdes de « plina fabril. Nessa medida, a tecnologia tran mava-se tanto num elemento tatico cotidi lutas entre o capital e 0 trabalho como fazia estratégia global de ampliacgao do controle parte desse mesmo capital, introjetando no p corpo do trabalhador as marcas da nova dis Em 1835, Andrew Ure, um apologista do si fabrica, descrevia em sua obra The Phil Manufactures a maneira pela qual os patroes taram as pressdes dos sindicatos militantes, ¢ lando os trabalhadores nao através da redug salarios, mas sim pela introdugdo de inovagé légicas nas fabricas. As inovagdes introd industria téxtil durante a década de 1830 atin profundamente a organizacao operaria all diminuicgio do nimero total das maquinas ¢ reduzindo drasticamente a autoridade do & dor especializado adulto no interior do proce produga4o. Como afirmou Ure, ‘ao dobrar oF nho de sua maquina de fiar, o proprietario 1eV ento das Fabricas s de se livrar dos fiandeiros indiferentes ou in- “guietos, e de converter-se de novo no dono de sua ica, 0 que nao é uma pequena vantagem”’, mes- mo que isso tenha acarretado tanto um aumento ‘consideravel nos custos de produ¢4o como uma am- pla organizacao espacial do processo de trabalho. Eo “mesmo autor iria, ainda, concluir, ‘‘que este invento Wonfirma a grande doutrina ja exposta, isto é, quan- ido 0 capital consegue que a ciéncia se coloque a seu Servico, a mao-de-obra refrataria aprende a ser sem- pre décil’”’. ) Opréprio Marx em O Capital, embora saudasse @advento do universo fabril como o limiar de uma flova era, nao deixa de ficar profundamente apreen- com relacao a introducio da maquina automa- mO processo de tabalho. Escrevia ele, “a m4- uina possui, como capital e através da instrumen- de dos capitalistas, tanto consciéncia como de- » Por conseguinte esta animada pelo desejo de Bs a0 minimo a resisténcia oferecida pelas natu- om elasticas limitagdes do material humano por co ee - Embors Marx coloque essa abemos muito proprio corpo do trabalhador, — Brien ; em que essas resistencias tiveram tals a My = ares. e diziam respeito muito oy oa ence desse trabalhador a cau, rip ina, a regularidade crono- Media oe ismo do processo de trabalho. Se Petadoxo pensarmos a intro- Otendimen. pe reno fabril capazes de producdo sem se conse- 35 Edgar Sa snto das Fabricas guir ao mesmo tempo um controle interm trabalhador, com 0 intuito de assegurar a yj dessas mesmas maquinas com o maximo dade. Por isso, em 1832, ja vaticinava 0 j Philip Kay, ‘‘a maquina animal — fragil dos casos, sujeita a mil fontes de sofri encontra firmemente encadeada 4 maquing que nao conhece nem o sofrimento nem (Asa Briggs, The Age of Improvement, p. Desde as origens do sistema de fab veram em jogo, portanto, relacdes de p passo a passo, determinaram o préprio producao de saberes técnicos. Em outras luta transcorrida desde a instalagao do system”’ até a consolidag4o do sistema de foi outra coisa a nao ser a institui¢aéo social e do dominio desse social como apropr saberes. Se, do lado do ‘‘putting-out system positivo do mercado fazia com que 0 sab detido pelos trabalhadores domésticos, um momento de sua autonomia quanto do processo de trabalho, na fabrica, a div impondo uma disciplina férrea aos trabal retirava-lhes saberes — dentre eles o teen transferia-os para o mando do capitalista. desse momento, o empresario pode desen — S uma estratégia para que o processo tecnd abe eee enfatizamos que um determinado fugisse mais de seu controle. Por isso me , Boisist, se tornou possivel a partir da consti- ordem social, um conjunto de instituig San de fabrica, cujo fundamento esteve recer para que, principalmente, pudesse rab cP. or controle e disciplina do processo de tida a permanéncia e o controle do ¢aP! f os to da técnica produtiva e, logo em seguida, masse todo 0 registro dos saberes técnicos. ificou, por fim, a cria¢éo de um imaginario éal yoltado para o reconhecimento de uma esfera ‘minada de producao de saberes técnicos total- _mente subtraida e alheia ao controle dos trabalha- dores fabris. i c rey P iferou, um conjunto complexo de instituicdes ca- i "pages de garantir a sua permanéncia e, 0 que é mais “importante, capazes de garantir a continuidade da ) acumulacao capitalista, representada agora pelo am- plo dominio, controle e apropriacdo de saberes téc- ; Aqui, 0 momento em que, para o social, a ica, ou a industria mecanizada, transforma-se, io num passe de magica, na unica medida capaz l@ferir os avancos da sociedade. Assim, esse con- de instituigdes que se desdobrou desde a fa- : até os organismos cientificos, pouco a pouco, oi transformando a producao de saberes técnicos €sfera especializada de controle social, e, pro- vamente, as questdes de eficdcia e produtivi- os Tegras do jogo da acumulacao ca- + Isto €, eficacia e produtividade foram redu- aes Problemas de melhor e mais racional utili- da tecnologia pelos trabalhadores fabris. SSO mesmo, o sistema de fabrica, como 3] A fabrica produziu, ao mesmo tempo em que” ae Edgar Sa : to das Fabricas 39 e de dezenas de milhares de pessoas”. ui, poderemos nos deter no que esta sendo ninado sistema de fabrica e chamar a aten¢cao ‘ofato de que, comumente, as analises voltadas “a essa questao reduzem a fabrica aquilo que ela n de mais imediato, isto é, a sua materialidade. s reducionismo traz como conseqiiéncia um viés fico em que as variaveis em jogo sdo apenas - capazes de medir o desenvolvimento das for- as produtivas ou os progressos técnicos. Qualifi- o lugar privilegiado para a produgao e saberes técnicos, nao tem os seus limites capitalista. Pensemos, por exemplo, o caso dz Soviética, reconhecida por muitos como alte histérica do capitalismo. La também o fabrica ao se implantar, trouxe consigo to qiielas relacionadas 4 disciplina, hierar trole do processo de trabalho, e o saber téc; cado esteve muito longe de ser detido pelos trabalhadores. 4 Enfim, 0 sistema de fabrica introduz que, na maioria das vezes, escamoteia 0 queé nantes que lhe sao inerentes, nao impo ental: o sisterna de fabrica como um universo esse sistema se desenvolva num ambiente c inario e real) onde s49 produzidas as relagdes ou em outro qualquer, pois ele traz em se j is e onde se da uma particular e decisiva apro- as implicages relacionadas A hierarqui igao do saber. Assim, nao estéo em jogo na fa- e controle do processo de trabalho, ao apenas as questées relativas 4 acumulagao do em que se da uma separacao cruci apital, mas também os mecanismos responsaveis saberes téenicos_totalmente-alhe la concentragao do saber e, conseqiientemente, de cipa do processo de trabalho. A esse o social. « riamos as palavras de Lénin anunciando Claro esta que, na perspectiva do trabalhador imediatas do poder dos sovietes”, em 19 €ssa subtracao de saberes (aqui nao est4 em qualquer revolugdo socialista quando o pr apenas o saber técnico) alcanca o limite no tiver resolvido o problema da tomada do p mento em que seu proprio trabalho sé ganha ha uma tarefa essencial que passa inelut nel quando uma nova ordem se impde sobre para primeiro plano: realizar uma estrutu F és da Presen¢a absoluta da tecnologia. Nesse superior 4 do capitalismo, ou seja, aument e, om @neutralidade da tecnologia vai aparecer dutividade do trabalho e (...) organizar ess Bimoteign, POSt® que ela mesma e a sua presenca de modo superior (...) A grande industria 42. m justamente, o fato de que ela repre- que justamente constitui a fonte e a base m ont? rd trabalho acumulado ou morto, mas socialismo, exige uma unidade de vontade patho ; cia que separa o trabalho manual do absoluta, que regula o trabalho comum de ~ > intelectual. Agora, temos condicdes de avaliar tras nogées do tipo eficdcia, produtividac etc., quando elas estao reduzidas a pa avaliar e diagnosticar a realidade social. ’ idéias reforgam uma estratégia que pi junto do social, produzindo uma pern priagao do saber que se impde a todo inquestionavel, dissimulando 0 fato de, aumento das capacidades técnicas no trabalho sem que haja concomitantemenr fundamento das relacdes de poder e de 0 trabalhador. % Enfim, as relagdes sociais, produ: da expansao do mercado capitalista — c fabrica é seu “‘estagio superior” —, tori sivel o desenvolvimento de uma detei logia, isto é, aquela que supde a priagao dos saberes daqueles que parti cesso de trabalho. Nesse sentido, foi fabrica que uma dada tecnologia pode apenas como instrumento para increme tividade do trabalho, mas, muito como instrumento para controlar, di rarquizar esse processo de trabalho. UMA MAQUINA E FABRICA INCRIVEL “Como trato e negocio principal do Brasil é de acucar, em nenhuma outra coisa se ocupam engenhos e habilidades dos homens tanto como inventar artificios com que o facam, e por ventura por isso lhe chamam engenhos.”” Frei Vicente Salvador (1627) até agora, discutimos aquilo que classicamente o1 conhecido como sistema de fabrica. Nessa foi Possivel acompanhar alguns momentos tivos que permitiram o surgimento desse sis- artir da instituicao das proprias relacdes do Tal Procedimento leva-nos a induzir que o abrica, como producao histérica do mer- talista, deu-se Primeiramente na Europa, ’ _- depois se transferir Para as areas da | -©Sse mesmo mercado. Isto supde, necessa- 42 Edgar Sa to das Fabricas riamente, uma relagao de exterioridade e tro do sistema e sua periferia, a tal ponto , mente depois que determinadas formas de py capitalistas amadureceram no centro, se toy sivel a sua transferéncia para a periferi sistema de fabrica, forma de organizacao processo de produgao capitalista, preci (cronologicamente) encontrar o seu ambiei no centro do sistema e somente depois p6 der para o resto do mundo. Por isso mesmo, na analise da histo nada mais corriqueiro do que determinar a g 0 fato de que esse sistema, como universo ima- ‘Ario e real, € como instituigao das proprias rela- { sociais 10 momento de consolidacdo do mercado ista, nao pode se reduzir ao seu aspecto mate- to é, a fabrica como uma realidade tangivel. ; outras palavras, os varios momentos aqui discu- até agora atestam, apenas, uma forma parti- assumida pelo sistema de fabrica no desenvol- nto historico do capitalismo. 0 que gostariamos de chamar a ateng4o é que forma que se desenvolveu a partir do “‘putting- rae 3 tem” nao foi a unica pela qual se tornou industria e do capitalismo, no Brasil, no} aparecer 0 sistema de fabrica, como produ- século XIX, no momento em que 0 pais : $ endramento das relagées sociais e da divisio cionou na orbita do mercado mundial, do trabalho no capitalismo. 0 processo de trabalho tipico do capitali 9 momento histérico do desenvolvimento do monico e central. Entretanto, isto ngs out system’’ na Europa, a partir do século ganos irreparaveis, posto que a existencia areas coloniais a concentragao de trabalha- capitalistas deixa de ser percebida em tituidos de meios de produgao e expropria- formas de organizagao da produgao € ‘qualquer saber técnico apareceu como a orga- que se produzem nas tais zonas perl do trabalho mais eficiente para se levar a tema. Nessa medida, nada mais corridy Anteresses do lucro capitalista, e ali também a encontrarmos analises nas quais © “capi €mpresario se tornou imprescindivel para o sileiro” aparece dotado de qualificativos 40! de producio. Disciplina, ordem, hierar- sado cee dependent desir : s ements sempre presentes durante to- ostariamos, aqui, dé va 3 ©m que se desenvolyeu a producio porque, sem levar em considera¢ao P! © capitalista, na busca de maiores lucros, vit cutidos por nés, elas tomam ° st a — €m elemento central para a organi- como invariante, isto €, como ee 7 Bid @balho. Nao apenas na esfera da circu- daquilo que é conhecido como J S¢ Produzia a acumulacao primitiva do ‘ aten¢ga ba figu an manchesteriano. Ora, chamamos 4 i ta do empresario era indispensAvel; ali Edgar Salvadori de | C Nascimento das Fabricas 45 também onde se instaurava todo um processo de trabalho baseado na escravidao, tal como estava oF ganizado nos engenhos de acticar, a sua figura aus: tera foi imperiosa. i Maria Sylvia de Carvalho Franco, discutindo carater da escravidio na época moderna, nos d elementos para entendermos a consolidacao de umé outra forma assumida pelo sistema de fabrica, alén dos limites das metrépoles européias, isto 6, além di “putting-out system”: er ecaeempeemepeneencnon == — S VCRERIE Progresso técnico houvesse uma terrivel incompa- tibilidade, baseada exclusivamente na incapacidade intelectual do escravo para acompanhar os avancos Enolégicos requeridos pelo sistema de fabricat Con- €m lembrar, recorrendo mais uma vez a Maria Syl- Via de C. Franco, que os vinculos entre Metrépole e Edgar Salvadori de D Colénia (produgao colonial e comércio capitalista} levando a organizagao das grandes propriedades fun. diarias, se deram pela utilizagao do trabalho escrayo ja que nao existia como categoria social o trab lhador despossuido e assalariado em quantidade s ficienté para atender as necessidades requeridas pel; producao colonial, e nao pelas poucas exigéncia tecnolégicas dos engenhos.€ _ : O que vale notar, isto sim, é que o engenho d acucar apresentava uma forma peculiar de orga zacao social do trabalho. O trabalho assalariado considerado trabalho qualificado, técnico e hiera quizado;«o trabalho escravo, ndo-qualificado, roti neiro, meramente quantitativo e nao-hierarquizado No primeiro, a disciplina se impds muito mais e funcao dos quadros de especializa¢ao no trabalho, partir da tecnologia; no segundo, a disciplina s6 pd ser garantida pela aplicagéo de um método de tr balho bastante severo e autoritario, capaz de redi as varias formas de resisténcia ao trabalho ser Feitas essas consideragées, citemos aqui ape: trés momentos do trabalho de Alice P. Canabray: onde o progresso técnico aparece como resposta al imperativos da organizac¢ao disciplinar e hierarqui do trabalho, ao mesmo tempo em que promove acumulacao de capital. \ O primeiro refere-se 4 casa da moenda. Esté segundo a autora, embora de construgdo rudimetl tar, onde predominava a madeira como material ¢ construg¢ao das maquinas simples, representou importante estagio da histéria do desenvolvimen' Q Nascimento das Fabricas Dois moinhos antilhanos Para triturar cana (séc. XVID. cima, por tra¢ao animal; abaixo, hidréulico. (In: Histo- ria General del Trabajo.) 61 62 Edgar Salvadori de D Nascimento das Fébricas 63 qualquer forma, é bom frisar que Os avancos tecno- légicos obedeciam, ao lado dos imperativos da disci- plina e da hierarquia no trabalho, as necessidades da acumulagao de capital, e, por isso mesmo, Os aper- feicoamentos adotados nas Antilhas, por exemplo nao deveriam encontrar, necessariamente, grande correspondéncia nos engenhos de agucar no Brasil: das técnicas. Quanto 4 metalurgia, esta encontray, ai pouca utilizacao, e limitava-se a algumas pecas ¢ superficies submetidas a grande desgaste. Assim, roda de dentes, que era conhecida ha muito tempo e o engatamento das rodas de dentes, em uso ha varios séculos, eram de madeira, o que teria valo rizado sobremaneira o trabalho de carpintaria, mais conhecido como carapina da moenda. “Nas duas grandes Areas de produgao acuca- reira da América, nas Antilhas e no Brasil, a moenda de trés tambores conserva os mesmos elementos fundamentais. Todavia, nas ilhas desde o fim do século XVII, a redugao dos trés tambores a um tipo tnico com as mesmas di- mensées, indica a linha dos aperfeicoamentos nao adotados no Brasil, mais condizentes com © menor custo de feitura e facilidade de subs- tituigdo do que, propriamente, de melhoria de ne na produgao” (Alice P. Canabrava Pp. 70). ; “Na casa da moenda, participamos de um mi do da técnica, ainda em seu esplendor, m; fadado a desaparecer com o desenvolvimento d metalurgia que comecava a avancar no sécul¢ XVII. Por esse motivo, o carpinteiro, ou melhor o carapina da moenda, indispensdvel durant toda a safra, deveria ser um assalariado alta le vada, de $500 por dia de trabalho (cerca 4 60$000 por safra), equivalente 4 de ‘um feitor que as condigdes sociais da época lhe coi riam” (Alice P. Canabrava, p. 68). Contudo, das técnicas empregadas nos enge- nhos, talvez a mais importante tenha sido a utili- a. a ee como forga motriz, nao sé porque et . oo de custo elevado e Testrito aos + ntos de maior vulto € com maiores possi- .. ades de acumular capital, como também pelas asics no Processo de trabalho proporcionadas ira ae — maior necessidade de mao-de- i Pecial izada, maiores dimensdes do engenho @ uma utilizagdo mais racional da energia produ- das técnicas nos engenhos de aciicar foi a introdugé no Brasil, entre 1608 a 1612, da moenda de tambores, pelos espanhdis vindos do Peru. Ao ql parece, pela sua maior eficiéncia, esta meenda a bou substituindo as moendas de dois tambores ho zontais, descritas como sendo as tipicas do sistema, difundidas na América a partir das Antilhas. Edgar Salvadori de, zida, aumento do nimero de escravos em virtude d, necessidades de ampliar a produc4o, o que, pro velmente, deve ter provocado também o parcel; mento das tarefas consideradas qualificadas e d nao-qualificadas etc. Sem duvida, o seu empregi onde quer que tenha se dado, representou um m mento importante para a acumulagao capitalista. consideragdes da autora a esse respeito sAo bastant interessantes: “‘O fato de ter penetrado no Brasil com as capi tanias, indica o indice elevado dos investimet tos que a economia acucareira podia captar. Po esse motivo, o engenho d’agua se tornou simbolo da importancia social e ecénomica d senhor de engenho, consagrada na designaga de engenho real. Sua difus&o teria sido limitad por certo, pelo vulto dos capitais requeride Mas nao seria este 0 tinico fator que explica: uso mais amplo de moendas acionadas pela fo ca animal. Esta devia-se ajustar também a digdes econdmicas e sociais predominantes 0 época colonial, tais como a dificuldade p angariar, formar ou manter a mao-de-obra @ pecializada na feitoria do aparelhamento e | sua manutenca4o. Ao engenho d’agua se cond cionava a grande producdo, estimada em dobri em cotejo com as de moenda a forcga animé implicando, portanto, em quantidade co pondente do aparelhamento destinado ao tral mento do caldo. Deste modo, sao reais m Nascimento das Fébricas apenas em razdéo de ter moenda com roda d’4gua, mas ‘por terem todas as partes de que se compéem e todas as oficinas, perfei- tas, cheias de grande nimero de escravos, com muitos canaviais préprios e outros obri- gados a moenda: e principalmente por terem a realeza de moerem com Agua, a diferenca de outros, que moem com cavyalos e bois e sio menos providos e aparelhados: ou, pelo menos, com menor perfeigao e largueza, das oficinas necessarias € com pouco niimero de escravos, para fazerem, como dizer, o engenho moente e corrente’”’ (Alice P. Canabrava, pp. 68-69). Quanto ao papel do senhor de engenho e a impe- tiosidade do mando capitalista para a organiza¢ao do trabalho na colénia, vamos nos limitar a registrar apenas dois momentos importantes colhidos neste mesmo trabalho, a partir dos relatos de Padre Anto- nil, mesmo porque dispensam maiores comentarios: ““O senhor de engenho é vislumbrado, antes de tudo, em sua opuléncia, em seu prestigioe em sua dignidade. E um homem de cabedal e governo”, ou seja, criatura provida de fartos recursos técnicos e financeiros e com capacidade para administrar. Sdo unanimes todos os autores co- loniais na afirmacao de que somente com gran- des capitais se podia montar e tocar um engenho de agtiicar. Além-da pectinia, o senhor de enge- nho deveria ostentar aquelas qualidades que ex- Edgar Salvadori de pressam ‘capacidade, modo e agéncia (...) boa disposigaéo e governo de tudo’, ou seja, capacidade para administrar. Todavia, possuj cabedal subentende ainda singulares dotes int lectuais e morais, potencialidades que també a experiéncia, a educac4o e o estudo poderia conferir. Deste modo, compreendia-se o home; de empresa sob outras dimensdes, como poente de uma fidalguia de inteligéncia e de éti ca, que completava o homem de agao”’ (Alice P Canabrava, p. 43). Ou ainda, “No conjunto da organizagao do trabalho, o de sempenho do senhor de engenho esta exclus vamente ligado aquelas agdes que dao cunh pessoal as relacdes com os lavradores e que dem a afirmar o seu prestigio em face dele ou a defesa do patriménio, o que também e} pressava prestigio e autoridade, pelas articu lagSes com os organismos de cipula que se fi ziam necessarias. De qualquer forma, em s desempenho, o senhor de engenho agia com p. 63). A FABRICA VITORIOSA “A nova industria fez o poder crescer a um grau notavel.”” J. L. e Barbara Hammond (1917) Agora temos condicdes de fazer uma pergunta | crucial: por que uma determinada forma de expres- sao do sistema de fabrica — aquela que se deu a _ partir da concentragao de trabalhadores despossui- dos e assalariados — se tornou vitoriosa ante a quais- quer outras? Nao ha como deixar de reconhecer que a res- Posta estaria, justamente, no desenvolvimento acele- tado das bases técnicas que organizaram o processo de trabalho. Contudo, mais uma vez, enfatizamos ee tais bases técnicas se tornaram importantes mui- © mais em fung&o das necessidades de disciplina e “ontrole do trabalho do que pela sua eficacia. Isto é, Edgar Salvadori de. dentro da prépria realidade do confronto entre capital e o trabalho, a tecnologia, embora apare como indice de aumento de produtividade e con base material da acumulacdo capitalista, ela re ponde também aos imperativos de disciplinar, ce trolar hierarquicamente e ndo permitir ao trabalh dor o controle do proprio processo de trabalho. Nesse sentido, 0 desenvolvimento das bases te nicas, do ponto de vista do empresario capitalist representou uma estratégia no interior de um co fronto com os trabalhadores livres, despossuidos assalariados, que resistiram permanentemente a a taciio da natureza prépria do sistema de fabrica. P isso mesmo essa estratégia, na qual a tecnologia 1 presentou um dos instrumentos mais eficazes de trole social, nao se reduziu evidentemente aos mites da fabrica. O sistema de fabrica, como universo de relacdes sociais, estendeu-se pelas i in meras instituigdes (publicas e privadas) que nao | permitiram e legitimaram o controle e a discipli fabril, como também abriram caminho para que produzisse uma esfera de conhecimentos tecnolé; cos onde se opera a radical apropriagao do sab Nessa expresséo manchesteriana do sistema fabrica, o capital encontrou definitivamente as bas para a sua expansdo e dominio. No Ambito relagées sociais do capitalismo, a tecnologia, a pal da vitéria do sistema de fabrica, além de ter sentado uma estratégia de controle do capitali: sobre a produgao, tornou-se, pelas préprias det nagdes do mercado, o veiculo pelo qual o capi Nascimento das Fébricas A fabrica: 0 mundo do capital (Iron and Steel Works, Barrow. (In: E. J. Hobsbawn, The Age of Capital, 1848-1875.) 70 Edgar Salvadori de D encontrou possibilidades para a sua producdo. A sim, no interior do proprio mercado capitalista, tecnologia iria aparecer como elemento determina te, uma vez que, constituido esse mercado, a g expansdo passou a se dar a partir da produc4o e consumo crescente de bens de producao (bens ¢ consumo produtivo). Esse €é 0 momento no qual a proprias categorias e instancias do capital aparecen autonomizadas, e a técnica, agora apropriada e de senvolvida pelo capital, passa a determinar de pont a ponta a légica do préprio mercado, impondo um progressiva e crescente divisdo social do traba Por isso mesmo, ao falarmos de tecnologia, na-se dificil isola-la num ponto em que torne possiv avalia-la sob as nogdes de eficacia e produtividad uma vez que, na légica mesmo do mercado capita ta, ela cumpre o seu papel determinante naquilo q se refere 4 acumulacao de capital. Assim, o sistema fabrica manchesteriano, a nosso ver, tornou-se vit rioso porque nele desenvolveram-se as condigd para que a tecnologia pudesse se transformar nw elemento prioritario da acumulacfo capitalista. Ambito desse mesmo mercado capitalista, porta uma determinada expresso do sistema de fabric inevitavelmente, acabou se impondo sobre outr formas de organizacAo social do trabalho, posto ql essa expresso manchesteriana respondia de manel estratégica as préprias necessidades da acumulagé do capital. Nessa medida, o engenho deu lugar usinas de agiicar, para usarmos uma expressao rente que nem sempre consegue apreender a nat lascimento das Fabricas reza dessa transformagao, ja que boa parte da biblio- grafia acaba reduzindo o problema a discussdes do tipo: formas arcaicas e pré-capitalistas de produgao yersus produgao capitalista. Muito pelo contrario, o que esteve em jogo nessa transformacio nao foi a passagem de uma organizagao social do trabalho pré-capitalista para uma organizacao capitalista do trabalho, mas sim o modo pelo qual no interior da organizacAo social capitalista do trabalho, j4 no sé- culo XIX, determinadas formas se impuseram sobre outras — a usina de agticar superou o engenho. Nessa medida, vale ressaltar que em plena se- gunda metade do século XIX, 0 aparecimento tam- bém da indistria téxtil no Brasil respondeu a exigén- cias muito precisas de organizagao social do trabalho no mundo capitalista. Ela representou, aqui no Bra- sil, uma transformagao radical na propria estratégia de organizacao do trabalho levada a cabo pelo man- do capitalista, e superou, a partir de suas bases técni- cas, todas as outras formas de organizacdo do traba- Tho cuja obtencAo do lucro estivesse garantida por me- canismos menos eficientes de controle e disciplina. O cortejo tecnolégico que acompanhou mun- dialmente o setor manufatureiro, no século XIX, excluia do mercado capitalista nao apenas as peque- has iniciativas individuais, como também, tornando imprescindivel a figura do capitalista — e ai estava / €m jogo o papel do grande capital — —, organizava o Processo de trabalho sob a égide de uma disciplina imposta pelo proprio funcionamento do aparato tec- Noldgico. be Nascimento das Fabricas 73 INDICACOES PARA LEITURA Para finalizar esse trabalho gostariamos de xar indicadas as suas principais referéncias. Emb exista uma vasta bibliografia sobre 0 surgimento fabricas, chamamos a atenc4o do leitor para as ob: que direta ou indiretamente serviram de suporte pi esse estudo. Levando-se em conta os objetivos da cole¢ “Tudo é Historia’, procuraremos indicar os auto que tinham desenvolvido estudos de maior densida tedrica, no que se refere 4 problemAtica por n abordada, isto é, a organizagao do processo de balho no capitalismo. Comegariamos, portanto, in cando dois trabalhos de grande alcance historio; fico, que por sinal, nao ganharam ainda a devil repercussao. Primeiramente, 0 artigo de E. P. Thompson = “Time, Work discipline and Industrial Capitalis in Past and Present, n° 38 (dezembro, 1967), que tem desde 1975, uma traducdo em espanhol, no livro do mesmo autor Tradicién, Revuelta y Consciencia de Clase, Barcelona, Grijalbo, 1967. Comecando por analisar 0 aparecimento histérico dos relégios, 0 au- tor nos remete para o problema da origem da no¢gao de tempo util, préprio da sociedade burguesa, pro- pondo-nos, que o surgimento das fabricas esteve li- gado a um aprofundamento maior do controle do tempo de trabalho por parte dos patrées, e a intro- dugao de uma rigida disciplina no processo de tra- balho. Conclui, enfim, que tais estratégias visaram essencialmente adaptar 0 homem pobre as novas necessidades do mundo burgués. Para Thompson, a fabrica antes de ser um acontecimento tecnoldgico é a express4o vitoriosa das estratégias patronais na luta contra os trabalhadores pelo controle do tempo do processo de trabalho na sociedade burguesa. Nessa perspectiva, Thompson discute também a questao técnica, como um momento entre outros de uma luta de classes transcorrida no interior da socie- dade, e a maquina automAtica, aparece em seu ar- tigo, como a materializac4o completa do controle do tempo pelo empresario capitalista. Enfim, 0 texto em questaéo nos alerta para o equivoco de se tentar pensar o acontecimento tecnolégico do mundo mo- derno, dissociado da nogao de tempo util, elaborado ha instituigdo da sociedade burguesa. Uma outra referéncia decisiva para o aprofun- damento das questdes sugeridas nesse livro é 0 artigo ; de Maria Sylvia de Carvalho Franco — “Organi- Edgar Salvadori de D autor nos apresenta também o engenho como um organizagao social do trabalho préprio do mundo burgués. 4 Além dessas referéncias, sao igualmente rele: vantes para o estudo da formagao do sistema de fabrica inglés, os artigos de Stephin Maglin — ‘‘Para que servem os Patrdes? (origens e fungdes das ta- rifas)”, de coletanea organizada por André Gorz Divisdo Social do Trabalho e Modo de Produgao Capitalista, Lisboa, Escorpiao, 1976; e 0 3° capitulo” do livro de David Dickson — Tecnologia Alternativa, Blumes Ediciones, 1978. Embora partindo de refe- réncias tedricas diferentes, ambos os autores criticam as andlises que definem o sistema de fabrica com um acontecimento tecnolégico e estudam as estra- tégias de controle e de disciplina desenvolvidas pelos patrdes para quebrar as resisténcias dos trabalha- dores independentes ao trabalho coletivo das. off cinas. Na linha de obras consideradas classicas, igual- mente importantes: K. Marx — El Capital, Mé xico, Fondo de Cultura, 1978, principalmente 0s capitulos: “A Jornada de Trabalho”, “‘Divisao d trabalho e Manufatura”, ““Maquinaria e Grande In dustria” e “A Acumulacaio Primitiva’; Friedrick Engels — A Situagao da Classe Trabalhadora na Inglaterra, Lisboa, Ed. Presenca, 1975; Paul Man- toux — La Revolucién industrial en el siglo X vil. Madrid, Aguilar, 1962; e dois estudos pouco co! he: cidos do publico brasileiro, J. L. e Barbara Ham- mond — The town labourer, Londres, Longma 1978 e J. L. e Barbara Hammond — The village labourer, Londres, Longman, 1978. Os dois ultimos livros sao reedigbes, ja que apareceram em pitblico pela primeira vez, em 1917 e 1911, respectivamente. Chamamos, por fim, a atencio para uma ques- tao bibliografica muito importante. Os trabalhos ci- tados de E. P. Thompson, Stephin Maglin, David 1 Dickson e Paul Mantoux, sdo referéncias obriga- torias para aqueles que pretendem aprofundar os estudos sobre as resisténcias e as lutas dos traba- Ihadores pobres diante da imposi¢ao do sistema de fabrica. Organizar os trabalhadores nos marcos do processo de producdo fabril do mundo burgués, sob a tutela e o mando do empresfrio capitalista, signi- ficou uma /uta, que nem sempre foi avaliada nas suas reais proporgGes pela historiografia inglesa de cunho marxista. Sobre o Autor Formado em Hist6ria desde 1970, defendeu a sua tese de dout ramento “Dimensdes Hist6ricas do Insucesso Politico” na Faculdade ; Filosofia, Letras e Ciéncias Humanas da USP. Atualmente é chefe d Departamento de Historia da UNICAMP e est integrado no prog de mestrado que desenvolve o projeto: “A formagao do trabalhade assalariado urbano no Brasil’. Participou como coordenador da pes- quisa “‘Indistria e Tecnologia no Brasil", patrocinada pelo Instit Roberto Simonsen e é hoje consultor de pesquisa “‘Hist6ria da Industria no Brasil (1890/1945)" em convénio do Departamento de Hist6ria co FINEP. Escreveu indmeros artigos e publicou, recentemente, o livri 1930 — O Siléncio dos Vencidos (Brasiliense, 1981). ; Caro leitor: com o mesmo titulo como “segunda visdGo” R

You might also like