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ALVARO CARLINI CacHIMBo E Maracd: o Catimso pa Missao (1938) CENTENARIO DE NASCIMENTO DE MARIO DE ANDRADE ACERVO HISTORICO DiscoTEcA ONEYDA ALVARENGA CENTRO CULTURAL SAo PAULO 1993 Ua. Sai o Tivo? Nio acredito! Afinal, editar tres por intermiio da initia palin nio 16 tala ‘uo Fe. Esta epopsiaenvolve definiées © recursos _Sgfcativs, com diversas iplicages, tas com: deve ‘ou roa mit pica edit lives? Deve fn por meio de co-edigdes? Qual deve sera tage, a quem se dove doar lias? Doves coloea 0s los i venda, 2 ae rego? |S sei que pesuis como ext, sore to importante ‘spect do flor msl brad, merece nse tl “etpenbo para toms lx pies confome appa en. um excelente momento pars dvlgarmos a Miso de Pesquisas Foleliica,oganicada plo proprio Mévo de Andrade © Onexda Alvarengs em 1938, exjo acervo cencontrase muito bem conservado na Discotses ner Alvareng. (0 Centra Cultural So Paulo, gio da Secretaria Municipal de Catura, por interméato da Diseoteca (Oneyda Alvarena,apresinla est lio come o print de uma sére do publiagbese eventos, que vam, em titima insti, recuperar 0 atraso de mais de meio séeulo, na divulgacao dos resultados da Missio de Pesquisas Folds, Desde que assumimos a diesio deste Centro Cuitaral, em jane de 1983, estabelecemes como p0- ridade homenagear o grande pensador da cultura Dasa da primeira metale deste seul, o ado do Departamento de Cultura da cidade de Sao Paulo, hose ‘Secretaria Municipal de Cultura, enfin, 0 primsiro ‘rane sgtador cultural de Sin Paulo, 0 309, 350 de oss clara ‘Mais ands: a Discoteca Onenda Atareng, erada por Métio de Andrade em 1935, de onde partiu a Miso, e que foi digits por esta brava mulher, que hho the empresta © nome, € a maior discoteca do Bras, com um acer de 70,00 dscns, 40.000 art furaseliosespelalizades, A nossa homenagem n3o termina aqui Pretendenos moderizar & Discoesa Onejda Abarends ‘A meta é em dois anos, invesir em novos eaunamen tos, enriquever 0 acero fonogréfieo, informatzat a Mtn Braurrieser — "Rochedo Siahi", com modi enhida no Rio Grande do Norte, EMB 1.120 — Disco ME 10 — lade ‘Os outros discos da série ME, gavads entre 19961945, correspondem & = ME 1 a 3 — Carlos Gomes — “Sonata para quinteto de cordas — O Burrico de Pau”. Quarteto Haydn do Departament de Cltura de SP. ME I1-ME 18 — Francisco Mignone —“Mlaracatu de Chico Ret, Kurzwellersender Orchester ‘Berl, sb arencia do compositor. “ME 19-ME 22A — Camargo Guarnieri — “Treze CangSes de Amor". Camargo Cuamiert (nano), Cristina Maistany (cant) PME 228 — Camargo Guarnieri — “Cantign de Nina Camargo Guarnie(piano), Eunice de Conte (tino. = ME 23 a ME 25 — Seis Vals para Pano, de autora de Camargo Guarnieri Dinorah de CCanatho, Arthur Pereira, Francisco Mignone, Clorinda Resalo e Souza Lins. Ao piano, Amaldo Este 4 osigdes registradas nesses discos serviriam também de material divulgador da miisica produzida no Brasil em pases do exterior. " Sobre o resgate do folclore musical brasileiro, continuava 0 Deputado Paulo Duarte: “(u) Os registros cientificos do folclore musical brasileiro foram iniciados em maio de 1937. Contam com vinte e oito fonogramas, sendo que a Discoteca principiaré ainda no corrente ano uma viagem de cinco meses ao nordeste, a zona musical folclérica mais importante do pafs, a fim de colher material para o seu arquivo etnogréfico Os fonogramas incluem: uma congada mineira completa, a Danga de Santa Cruz realizada em Itaquaquecetuba em maio de 1937 varias dancas e cantigas mineiras. Suponho nao ser preciso insis- tir sobre a importincia da colheita urgente dessas manifestagdes ‘ue, infelizmente, tendem a desaparecer. (..)” ® Os registros fonogréficos musicais, uma vez coletados por especialistas, seriam “(...) destinados nao sé & documentagdo folelérica como para servir os estudos dos musicistas necessitados de uma fonte segura de expresso da miisica nacional. (..)" " Os registros de miisica folclérica realizados até aquela data foram con- sumados nos Estados de So Paulo e Minas Gerais, Sao eles, mais especifica- mente: Danga de Santa Cruz (em Itaquaquecetuba-SP, a 2 e 3 de maio de 1937, 4 fonogramas ); Congada (em Lambari-MG, 10 fonogramas); Embolada Mineira (em Lambari-MG, 1 fonograma); Cana-Verde (em Lambari- MG, 1 fonograma); Taquaral (em Lambari-MG, 1 fonograma); Modinha (em LambarieMG, 1 fonograma); Catereté (em Lambari-MG, 1 fonograma); Folia de Reis (em Lambari-MG, 9 fonogramas), totalizando os vinte e oito fonogramas anunciados pelo Deputado Paulo Duarte em seu discurso. * Esses fonogramas iniciaram a série F da Discoteca Piblica Municipal, destinada ao registro de folclore musical brasileiro. Os fonogramas acima relacionados correspondem a: F1-F4 — Danca de Santa Cruz; F5-F6 — Congada de Lambari; F7A/B — Embolada, Canaverde, Taquaral, Modinha, Catereté; F7B-F10 — Folia de Reis. 0 intuito de fornecer material musical folcl6rico para o aproveitamento tematico pelos compositores eruditos era uma preocupacdo constante no tra- 11 ~ef. CONTIER, AD. ~ “Bras Nove, Misca, Ngo e Modemidade” — Tese de Line Doctncia, ‘Sho Paulo, PPCLIILUSP, 1988, 12 — “Contra o Vandalsmo e o Extermini." 0 Esta de S, Paulo, 7 de outubro de 1987.1 13 — idem biden, p11. 14 — Cada fonograma correspond a uma fava de disco, e pode contr ras melodia reistradas fine terupiamente, 35 —ALVARENGA, 0. — opt 1942, ppl0-11, 18 balho e no pensamento gle Mario de Andrade. A inexisténcia de documen- taco musical publicada em forma de coleténea, fruto da imegularidade de expedigdes de caréter etnogrdfico para a coleta de material folclérico brasileiro, que possibilitara o aproveitamento artistico, além da realizagao de estudos comparativos com rigor cientifico, levou Mario de Andrade a apre- sentar na segunda parte do Ensaio sobre a Musica Brasileira (1928) um conjunto de 122 melodias de varias regides do Brasil, coletado em parte dire- tamente da fonte popular. Poi no Ensaio sobre a Mdsica Brasileira, considerada a primeira obra que direcionou os estudos de folclore musical em uma orientaco cientifica, que Mério de Andrade sistematizou seu projeto para a nacionalizagao da mési- ca brasileira, Esse projeto de nacionalizacio, fundamentado na mésica pura em oposi¢do & misica descrtiva ou programatica do século XIX, na técnica contrapontistica de composicio e, em especial, no aproveitamento de temas do folclore musical, foi apresentado no Ensaio sobre a Mtisica Brasileira onde Mério de Andrade estudou também algumas das constancias ritmicas, tonais- harménicas e formais de cantos folcléricos por ele recolhidos. * Annecessidade e “(..) @ émportincia da colheita urgente dessas mani- festagées populares que, infelizmente, tendem a desaparecer(..)", apon- tadas no discurso de Paulo Duarte & Assembléia Legislativa, refletem uma questo problemética que ganha proporgdes nas primeiras décadas do século XX: a dualidade erescente entre a misica folclérica rural, anénima, funcional, espontinea, salvaguarda dos valores ocultos e puros da nacionalidade brasileira vista como um todo homogéneo versus misica popular urbana emer- gente nos grandes centros como Sao Paulo ¢ Rio de Janeiro, “influéncia deletéria” " no dizer de Mario de Andrade, fruto das camadas subalternas influenciadas pelos imigrantes, impura, desorganizadora da visdo centralizada e tinica da cultura nacional, preconizada pelos modernistas da década de 20. Essa miisica popular brasileira, subsidiéria da can¢o e das dancas de sala européias, como 0 schottisch, a polca, a mazurca, comecou a fixar seus elementos préprios por volta de 1870. Sua evolucao, primeiramente nas formas da modinha e lundu, e posteriormente com a seresta e 0 choro, exe~ cutados pelos pianeiros e chordes do Rio de Janeiro (Chiquinha Gonzaga, ‘Sétiro Bilhar, Anacleto de Medeiros, entre varios outros), acabou por influen- ciar compositores com formaco erudita como Alexandre Levy, Ernesto Nazareth, Heitor Villa-Lobos, provocando uma dicotomia na questio nacional, desde entéo apoiada ma producio musical folclérica e rural. A situagio recrudesceu na medida em que o desenvolvimento dos meios de comunicagao de massa, em particular o ridio, em franca fase de implemen- 15 —cf CONTIER, A.D. op. cit 1988 17 —ANDRADE, N. de—op.ct 1972 18 —CONTIER, AD. opt 1988. 16 taco no Brasil, avancou, modificando e influen dos grandes centros urbanos, ® ‘Com formaco em mtisica completada no Consenat6rio Dramético e Musical de Sao Paulo, ministrando posteriormente aulas de Histéria da ‘Misica e piano nesta mesma instituico, Mario de Andrade j& havia, em anos imediatamente apés a realizacio da Semana de Arte Moderna, realizado vi gens de cunho etnogréfico por regides afastadas dos grandes centros urbanos como Rio de Janeiro e So Paulo. Assim, data de 1924, a visita de Mirio de Andrade a Minas Gerais, realizada conjuntamente por um grupo modernista de Sao Paulo (Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Paulo Duarte, entre outros), acompanhado do poeta francés Blaise Cendrars. Essa viagem, denominada pelo grupo de Viagem da Descoberta do Brasil, acom- panhou em Minas Gerais um momento tradicionalmente importante na regio: a quaresma e a Semana Santa, ” Modificando 0 projeto nacionalista modernista esbocado durante a Semana de 1922, que a principio teve énfase no dado estético e que progres- sivamente adquiriu um teor ideolégico *, a Viagem da Descoberta do Brasil nao resultou em uma coleta de documentos musicais. As observagdes rea- lizadas por Mario de Andrade foram aproveitadas em seu ciclo poético Clan do Jaboti, de 1924, em que 0 autor estlizou as solucdes técnico-iterarias populares, dedicando esses poemas a Carlos Drumond de Andrade, Manuel Bandeira, entre outros: indo a populagao habitante “| Enganada pelo escuro Camalalé fala pro homem: Ariti, me dé uma fruta Que eu estou com foe. ~Ah, Estava com fome... 0 homem rindo secundou: -Zuimaaliiti se engana, Pensa que sou arti? Eu sou Pai-do-Mato. Era 0 Pai-do-Mato.” * illa.Lobos, 0 Choro e os Cros’, Musica SIA Cultura Nuscal, So Paulo, 20 —ef LOPEZ, TPA. in ANDRADE, M. de — “0 Turis Aprendis” — exabeecimento de testo, introdug3oe notas de Telé Porto Ancona Lopez. Sio Paulo, Ed. Duas Claes, 1976. 21 ~ CONTIBR, AD. opt 1988, 22 — ANDRADE, M, de “Poesias Completss", Cicuo do Lio, 1976. 165-167. YW Foi também por essa época que Mario de Andrade iniciou seu trabalho de coleta de documentaco musical folclérica, ampliando suas leituras especificas sobre esta area. Entendendo as regides Norte e Nordeste do Brasil como ricos reposit6rios de tradigao e cultura popular, Mario de Andrade planeja, em 1926, uma viagem etnografica para coletas de docu- mentos musicais. Seria a segunda Viagem da Descoberta do Brasil, a ser realizada pelo mesmo grupo que empreendeu a visita a Minas Gerais, com excegio do poeta Blaise Cendrars, e com uma postura de distanciamento favoravel a uma pesquisa mais sistemética. Por varios motivos, esta viagem foi adiada para o ano seguinte, 1927, com o roteiro agora se estendendo para a regio Amazénica, numa época do ano importante, pois Mario de Andrade e o grupo ld chegariam em meados de julho, periodo em que se realizam as principais dancas draméticas desta regiao, ‘A viagem & Amazénia acabou nao se transformando no que foi planeja- do, O grupo que acompanharia este trajeto, entre eles Paulo Duarte, ficou reduzido & presenca de Dona Olivia Guedes Penteado, mecenas das artes em So Paulo, e por sua sobrinha. Mario de Andrade nao péde desenvolver a contento seu projeto etnogrifico devido a este fato. Ficou atrelado, na maio- ria das vezes, a recepcGes oficias e as relages de respeito e cordialidade que envolviam homem e mulher: * “17 de julho — Vida de bordo. Amanhecemos em Trés Casas, mas nao desci, por ter safdo da cabina (sic), depois da partida do ote. (...) Estou meio amolado... Paradinhas sem descer. Com mil bombas! de-repente pus reparos que nesta historia de viagem com mulher, afinal as coisas mais titeis que eu poderia ver, nao vejo, nesta pajeacdo sem conta...Por exemplo, ainda nio visitei, de-fato, um seringal! (...)"* Realizada no perfodo de maio a agosto de 1927, essa viagem foi marca- da pela preocupacio etnografica, mostrando a Mario de Andrade a necessi- dade de colocar em andamento uma pesquisa mais sistematica nesta regio que se oferecia rica em tradic&o musical folclérica. Voltando a Séo Paulo, Mario de Andrade publicou suas notas de pesquisa e observacdes no recém- criado Diario Nacional, érgao do também recente Partido Democratico, sob o titulo de O Turista Aprendiz. ‘A viagem de maior interesse etnografico musical foi aquela realizada ao nordeste durante o perfodo de dezembro de 1928 a fevereiro de 1929. Desta vez sozinho, na qualidade de correspondente do Diario Nacional, Mario de Andrade visitou Pernambuco, Rio Grande do Norte e Parafba. Convivendo com seus amigos nordestinos (Camara Cascudo, Ascenso Ferreira, Ademar Vidal), Mario de Andrade trabalhou sobretudo na Paraiba e Rio Grande do 23 — ef. LOPEZ, TPA op ct 1976. 24 — idem idem, 1976 25 — idem ibidem, 1976. 8 Norte, recolhendo grande documentacao musical de cantadores convocados pelos amigos folcloristas. Assistiu ensaios e representagies de dancas draméti- cas, estucdou a religiosidade e a mtisica de feiticaria do Catimbé, passou o car- naval no Recife, conheceu 0 coqueito Chico Ant6nio ficando impressionado por sua capacidade de improvisagio. Além da pesquisa musical, registrou em seu diario de viagem seu interesse pela arquitetura, suas preocupacdes pelas condigdes de vida e trabalho do homem nordestino. (0s resultados etnogréficos musicais desta viagem de Mario de Andrade no foram publicados de imediato. Aproveitando muitos elementos dessa pesquisa em suas conferéncias, artigos e ensaios, a inteng’o de Mario de Andrade era a edicZo total dos dados numa obra de estudo e divulgacZo que se denominaria Na Pancada do Ganzé, numa referéncia a este instrumento de percussao extremamente popularizado na regiao do Nordeste brasileiro. ‘Trabalhando intensamente desde seu retorno em 1929 até 1933 na ordenacio dos resultados das pesquisas, com cerca de 900 melodias de ma- nifestagdes musicais populares e, munindo-se de leitura sistematica para estudé-los, Mario de Andrade nao chegou a publicar 0 Na Pancada do Ganzi. Falecendo antes da conclusio dos originais, esta obra foi organizada e publicada, ainda que em partes, por sua amiga e colaboradora Onevda Alvarenga: Miisica de Peiticaria no Brasil, Os Cocos, Dancas Dramaticas do Brasil (3 vol.), As Melodias do Boi e Outras Pecas. projeto de Na Pancada do Ganzé, se editadlo em um tinico volume, conforme os planos originais de Mario de Andrade, constituiria a maior coletinea de miisica folclérica brasileira até entao reunida. *” Este perfodo também marcou uma intensa atividade de Mario de Andrade, editando diversas obras no campo musical. Em 1929, publicou a coletinea Modinhas Impetiais; em 1931, elaborou, juntamente com Luciano Gallet e Anténio de $4 Pereira, a proposta de reestruturacao de Instituto Nacional de Mésica; em 1932, publicou a segunda edicdo do Compéndio de Histéria da Musica; em 1934, editou uma série de artigos seus, redigidos para a imprensa, reunidos sob o titulo Mitsica, doce Musica; em 1935, jé proximo de assumir a direcao do Departamento de Cultura, um estudo sobre Reis de Congo foi publicado no Boletin Latino Americano de Musica, coor denado pelo musicélogo Curt Lang Ciente que a questo da nacionalizacdo da misica brasileira nao se restringia somente neste aspecto etnogréfico, e que, pelo contrario, o aban- dono deste era reflexo de dificuldades em planos bem mais abrangentes (politico-ideolégicos, tais como a falta de uma politica oficial de apoio & pesquisa e as artes; a0 congelamento da estética do Romantismo aos pro- blemas decorrentes desse fator — a pianolatria, o desinteresse geral da bur- suesia pela temética nacional, a questo do ensino musical), * Mario de 26 — cf LOPEZ, TP.A.-op. cit 1976. 27 — ALVARENGS, 0. in ANDRADE, M. de ~ “Os Cocos” — Preficio,intreducio enotas de Oneyda ‘Alvareng, Séo Paul, Ed. Duns Cidade, 1984, 28 — cf CONTIER, AD. op. ct. 1988. st Andrade depositard suas energias no projeto de criacio do Departamento de Cultura de Sao Paulo. Em 1936, ja entao empossado no cargo de Diretor do Departamento de Cultura, Mario de Andrade manifestar-se-ia através de artigo para imprensa, lamentando-se sobre a precéria situagao da etnografia cientifica no Brasil, 0 que prejudicava os estudos especificos do folclore brasileiro, fundamental na construgo do conceito de brasilidade segundo os pressupostos modernistas: “(.) Faz-se necessério e cada vez mais que conhecamos 0 Brasil. Que sobretudo conhecamos a gente do Brasil. E entio, si recomemos aos livros dos que colheram as tradicées orais, e os costumes da nossa gente, desespera a falta de valor cientifico dessas colheitas. Sao descricdes imperfeitissimas, incompletas, a que muitas vezes fal- tam dados absolulamente essenciais. Séo selvas de quadrinhas bem vestidas, numa lingua muito correta, em que é manifesta a colabo- racdo do recolhedor. Sao miisicas reduzidas a ritmos simpl6rios, nao se sabe como recolhidas, a maior parte das vezes guardadas na meméria, e nao colhidas ditetamente do cantador popular © que vale tudo isso? Além de ser pouco em comparacéo com a riqueza absurda dos nossos costumes € do nosso folelore, além de ser pouco, vale pouco. E uma documentacao mal colhida, anticien- tifica, deficiente. H4 momentos em que o estudioso do assunto desanima ante esse montio de livros mal feitos e tem a impressao desesperada de que tudo deve ser repudiado, e nada pode servir como documentacio. ( A Etnografia brasileira vai mal. Faz-se necessario que ela tome imediatamente uma orientaco pritica haseada em normas se~ veramente cientificas. Nés nao precisamos de te6ricos, os tebricos virdo a seu tempo. Nés precisamos de mocos pesquisadores, que vio & casa do povo recolher com seriedade e de maneira completa 10 que esse povo guarda e rapidamente esquece, desnorteado pelo progresso invasor,(..)” \Varias foram as iniciativas do Departamento de Cultura no sentido de minimizar e tenlar solucionar esta situacdo dos estudos etnogrétficos no Brasil descrita por Mario de Andrade, Além da criacdo da Discoteca Publica Municipal, em 1935, e da realizacdo do I Congreso da Lingua Nacional Cantada, em 1937, trés outras atividades de importancia para o incremento do acervo documental destinado aos artistas ¢ estudiosos, e na orientacéo cientifica desta investigacio, ocorreram, sempre patrocinadas pelo Departamento de Cultura, em particular, pela Divisio de Expansao Cultural: 29 —"A Situagio Etnogytica do Bra”, Jornal Sintese, Belo Horizonte, n 1, outubro de 1985. 20 a fundacSo da Sociedade de Etnografia ¢ Folclore, em 1936; 0 envio do com- positor Camargo Guarnieri ao II Congresso Afobrasileiro, ocorrido em Salvador (BA), em 1937; e a realizacio da Missao de Pesquisas Folcléricas (MPF), expedicao de carater etnografico que percorreu as regides Norte ¢ Nordeste do Brasil no primeiro semestre de 1938. Uma das intengdes da Sociedade de Etnografia e Folclore, criada em 4 de novembro de 1936, fruto final de curso ministrado pela Sra. Dina Lévi- Strauss, antropéloga e esposa do também antropélogo Claude Lévi-Strauss, era exalamente fornecer uma orientacZo metodoldgica e cientifica aos estu- dos especfficas da érea no Brasil.” curso ministrado pela Sra. Dina Lévi-Strauss, patrocinado pelo Departamento de Cultura, foi estruturado em 21 aulas, sendo a tematica abordada subdividida em Antropologia Fisica e Folclore (Definicao, Cultura Espiritual — misica, danca, dramas, contos, provérbios — e Cultura Material = arquitetura, objetos). Desse curso participaram, entre varios outros, Luiz, Saia, responsdvel pela Missdo de Pesquisas Folcléricas que realizar-se-ia em 1938; e Oneyda Alvarenga, chefe da ja constituida Discoteca Publica Municipal. Ao término do curso, por sugestao de Mario de Andrade, foi cria- daa Sociedade de Etnografia e Folclore. * Em 2 de abril de 1937, em uma de suas reunides, foram discutidos aprovados os Estatutos da Sociedade, sendo eleita sua primeira Diretoria composta por, entre outros, Mario de Andrade (Presidente) e Dina Lévi Strauss (Primeira-Secretéria). Entre os sdcios fundadores encontram-se Claude Lévi-Strauss, Eméni Bruno, Mario de Andrade, Luiz. Saia, Camargo Guarnieri, Oneyda’Alvarenga, Plinio Ayrosa, Rubens Borba de Moraes, ‘Sérgio Millet. * Os dados obtidos com o primeiro trabalho de pesquisa realizado pela Sociedade de Etnografia e Folclore foram utilizados para a elaboragio de cartas geogrificas posteriormente enviadas ao Congresso Internacional de Folclore, ocorrido em Paris, em 25 de junho de 1937. Essa pesquisa teve como objetivo a verificaco das proibicées alimentares, das dancas populares e dos métodos de cura observados no Estado de Sio Paulo. Para sua exe- cucdo, foi enviado um questiondrio sobre os trés assuntos as instituicdes pablicas de todo estado e aos especialistas na érea do folclore. Mario de Andrade, na apresentacao deste questionario afirmava ser “(...) inuitil enca- recer a necessidade desta colaboracio ao Congreso Internacional de Folclore. (..)", ¢ continuava: “(..) So Paulo e o Brasil serdo assim repre- sentados dignamente pelas cartas geogrdficas paulistas, realizadas com ‘30 — Boletim da Sociedade de Etnograiae Folelore, Revita do Arquivo Municipal de SS0 Paulo, Departamento de Cultura, Anon. 1 1997 S31 — A documeniagio da Sociedade de Btnogafia¢ Folelore incusive 0 esumo das aulas do curso ministrado por Dina LéviStauss, se enconirano Contr Cultural So Paulo, aria TX, esta. tinhos 32.50, da Discotea Oneyda Aarne, 132 — “Esautos da Sociedade de Etnograi Folciore" — Revista do Arcuivo Municipal, Departamento de Cultura, So Paulo, n°49, 1987 a @ cooperacéo fraternal e altamente culta de todos. (...)” *. Cabe notar que, ainda em 1936, 0 Departamento de Cultura ja havia participado do Congresso Internacional de Folclore anterior, enviando relat6rios € mapas ‘geogréficos de manifestagdes populares observadas no Estado de Sao Paulo, sendo apresentados por Nicanor Miranda (Chefe da Diviséo de Parques Infantis), e que foram “..) alvas de expressivas felicitagoes por parte dos organizadores do Congresso realizado em Paris As atividades da Sociedade de Etnografia e Folclore reduziram-se ao minimo com a safda de Mério de Andrade da direcio do Departamento de Cultura em 1938. Apesar de ter sido extinta em 1941, quando era seu diretor Nicanor Miranda, a Sociedade de Etnografia ¢ Polclore promoveu, durante (0s anos de maior atividade, intimeras reunides abertas a0 piblico, em que eram apresentadas comunicagdes cientfficas sobre as atividades de pesquisa em folclore realizadas pelos seus sécios. Além disso, editou um Boletim, pu- blicado pela Revista do Arquivo Municipal, que informava as atividades ilti- mas da Sociedade e que contava com uma série de instrucées metodolégicas e sistematizantes para a coleta de dados folcl6ricos, efetuada pelos seus colaboradores voluntérios espalhados pelo Estado de So Paulo. ® No entanto, a instituicao responsivel pela coleta, estudo e divulgacio da parte musical era a Discoteca Publica, ligada & Divisio de Expansao Cultural, dirigida por Oneyda Alvarenga. Além das atividades j& men- cionadas, como o registro dos discos que compoem as séries do Arquivo da Palavra (AP), Musica Erudita Paulista (ME) e as primeiras gravagdes de folelore, a Discoteca também manteve um acervo de documentos musicais coletados por estudiosos e grafados, sem o registro mecénico, diretamente da fonte popular. Esses documentos, como jé afirmara 0 Deputado Paulo Duarte em seu discurso & Assembléia Legislativa de Sio Paulo, seriam uti- lizados para “(...) servir os estudos dos musicistas necessitados de uma fonte segura de expressdo da muisica nacional. (..)” *. Para suprir parte deste acervo da Discoteca Ptiblica Municipal foi enviado a Salvador (BA), em 1937, o compositor Camargo Guarnieri ‘Camargo Guarnieri, juntamente com o pianista Fructuoso Viana, acom- panhou as atividades do Il Congresso Afrobrasileiro, reunido na Bahia em janeiro de 1937. 0 resultado da viagem foi expressivo: além de registrar dangas e grafar em notaco musical cantos varios, Camargo Guarnieri trouxe consigo uma importante colec&o com cerca de 200 melodias de candomblés baianos. Paralelamente a isso, Camargo Guarnieri fotografou o samba, a capoeira e os préprios candombiés pesquisados. A colegio de melodias ¢ dados complementares recolhida por Camargo Guarnieri fi incorporada a0 133 — Questiondro da Sociedade de Exowafae Folclore, apresentado por Mésio de Andrade, datado de de abil de 1987 etm da Sociedade de Btnogafia eFoelore, Ano Ln. 3, 1937 am etados no toa sete Boletins da Sociedade de Enograa Foor, datadosde- outubro, ‘povembro edezembro de 1997; janeiro, fevereroe marco de 1998; janeiro de 1699, ‘36 — "Conta o Vandalism eo Extermina."O Estado de S. Pao, 7 de outubro de 1937.1. a Bo 2 acervo folclérico de registros nao mecnicos (anotacao musical direta) da Discoteca Péblica Municipal. No entanto, a necessidade de suprir o acervo de registros musicais efetuados por meias mecénicos (registros fonogréficos), principalmente das regides do norte e nordeste brasileiros, consideradas as regides mais ricas em tradigbes folcl6rico- musicais do Pais, levou a Discoteca Péblica Municipal, a patrocinar no ano de 1938, a realizacdo da Misso de Pesquisas Folcléricas (MPF), enviada a essas regides com o objetivo de documentar em discos o maior nimero possivel de mani- festagdes musicais, além de coletar dados complementares &s gravagbes efetuadas. B A Misso de Pesquisas Folcléricas “Gund Vamu dancé minha gente Com toda sastisfacao Pra mandé nossa cantiga Lé pra civilizagao. So Paulo vae uvi Coisa qui nunca uviu 0 céco da nossa terra Qui daqui nunca saiu, (.) Seus dotd, homé do Sul Nosso adeus vamu the dé E leve nossa cantiga LA pro vosso lug.” No discurso & Assembléia Legislativa, em outubro de 1937, o Deputado Paulo Duarte jé anunciava a realizagio da Missio de Pesquisas Folcldricas (MPF): “(.) sendo que a Discoteca principiara ainda no corrente ano uma viagem de cinco meses ao Nordeste, a zona musical mais importante do pais, a fim de colher material para seu fim etnogré- fico. (..)”* A realizacao da MPF, segundo 0 Deputado Paulo Duarte, atenderia “(o) indiretamente ao apelo lancado pelo Congreso Internacional das Artes Populares, reunido em Praga (1936), sob os ausptcios do Instituto Internacional de Cooperacéo Intelectual (...)”. Na seqiiéncia de seu discur- so, Paulo Duarte justificava: “(..) A maioria dos cantos ¢ melodias populares esto prestes a desaparecer. Sua conservacio é de uma grande importancia para a ciéncia e para a Arte. O Congresso (Internacional das Artes Populares) recomendou o seu registro fonogréfico no mais curto razo possivel. As notagées, por mais perfeitas que sejam, no substituirao o registro fonogritico, (.)" ® 837 — Textos originas da Misséo de Pesquisas Foleévcas (MPF) — Letra de um ceo caetado em ‘Tseaatu, Pemambuco, em 10 de margo de 1938, no gravado, nots de La Sin. Teno 1d Pasta 2 das transerigdesrealizadas por Oneyda Aharengs,armirio IX, escaninho 15, da Discotecs ‘Oneyda Aharenga do Centro Cufural So Paul (DOAICCSP), £38 ~ “Contra o Vandalisno © 0 Extermiio” 0 Estado de S. Paulo, 7 de outubro de 1987, . 11 39 — idem idem, p.11 ‘Apesar de anunciada para aquele ano de 1937, a MPF somente foi rea- lizada no primeiro semestre de 1938. As mudancas politicas ocorridas em rnovembro de 1937, com a decretaco do Estado Novo de Geto Vangas — ue colaborariam indiretamente para o afastamento de Mario de Andrade da diregao do Departamento de Cultura — provocaram um adiamento no in dda expedicio. Afinal, com verba ja reservada pela CAmara Municipal, os inte- grantes da MPF partem com destino ao Recife (PE) em fevereiro de 1938, para somente retornarem em julho desse mesmo ano. Para a realizac3o da MPR, Mério de Andrade redigiu diversas cartas de recomendacao destinadas aos seus amigos folcloristas (Camara Cascudo, Ademar Vidal, Ascenso Ferreira, entre outros), que foram entregues aos compo- nentes desta expedicao com intuito de facilitar a pesquisa e a coleta musical de rmanifestagdes fole6ricas j& conhecidas desses estudiosos. Além disso, Mario de ‘Andrade colaborou na eiaboracao do roteiro da viagem, na escolha dos mem- bros da equipe e no estabelecimento dos métodos para coleta. Em uma de suas cartas de recomendacio, datada de 21 de janeiro de 1938, sem destinatario definido, Mario de Andrade assinalou os objetivos fais da tealizagio da MPF: ata Toda a documentacao recolhida pela Missio, sera publicada para estudo e uso nacional. 0 Departamento de Cultura solicita de quantos brasileiros este documento lerem, a assisténcia, 0 conse~ Iho, e a acolhida jamais recusada pela generosidade nacional, certo de que sera por todos reconhecida a benemeréncia do tra- balho que se propés e que esta Missio realiza. Mario de Andrade. Diretor” ® No entanto, o vasto documental coletado por esta expedicao per- manece, ainda hoje, praticamente inédito. A situacao pouco fayoravel enfrentada pela Discoteca Pablica Municipal apds a saida de Mario de Andrade da direc3o do Departamento de Cultura, fez com que apenas uma parte nfima do acervo fosse publicada, ainda assim, somente oito anos apés 0 término da MPF, a partir de 1946, com os dois volumes da colecio do Arquivo Folclérico * e as publicagdes que subsidiariam as audicies dos dis- cos coletados por esta expedicao, a colecao Registros Sonoros de Folclore ‘Musical Brasileiro (RSFMB), com 5 volumes. * ‘A Missdo de Pesquisas Folel6ricas percorreu de fevereiro a julho de 1938, seis estados brasileiros (Pernambuco, Paraiba, Ceara, Piaul, Maranhlo “40 — Documentos orginal da MPF — “Carta de Recomendac.", Doc. n.o 128, rméio IX esani sho, da DOAICCS, 41 — ALVARENGA, O. org) — “Arquivo Follrico." @ vol: Melodias Regiradas Por Mies Nio- ‘Mecdnieos, 1946; CalogoTstado do Museu Pocirco da Dscoteca Pblica Municipal, 1950), ‘So Paulo, Discoteca Publi Municipal 42 —ALVARENGA, 0. (erg) — “Registos Sonoros do Folclore Musial Brasit.*(S vol: Xan, 4948, Tanborde-Mina ¢ Tamborde Crioulo, 1948; Catimbé, 1949; abussue, 1950; Cheganga de Maries, 1950), Sio Palo, Discotca Pblia Municipal. 26 ‘Membros de MPF: (da es, para di.) Martin Braurusieser, Luiz Sai, Benedlito Pacheco e Ant6nio ‘Ladeira, Teatro Santa Isabel, Recife (PE, marc de 1988. e Pard) com a incumbéncia de registrar em discos 0 folclore musical dessas regides, além de coletar informes complementares &s gravacies realizadas. A sistematizagio dos dados e divulgaco dos materiais coletados ficaram sob responsabilidade de Oneyda Alvarenga, chefe da Discoteca Publica Municipal, a quem os quatro integrantes da MPF respondiam diretamente. Os quatro integrantes da MPF foram indicados por Mario de Andrade. Eram eles: Luiz. Saia, Chefe da expedico, engenheiro e arquiteto, sécio da Sociedade de Etnografia e Folclore e pesquisador da Divisio de Documentacao Hist6rica e social; Martin Braunwieser, mtsico, maestro-assis- tente do Coral Paulistano e posteriormente maestro do Coral Popular (1937) do Departamento de Cultura, técnico em musicologia folclérica da Discoteca Piiblica, fundador e diretor musical da Sociedade Bach de Sao Paulo (1935- 1977); Benedito Pacheco, técnico do Departamento de Cultura e conhecedor da maquina de gravacdo Presto Recorder utilizada na expedi¢ao; ¢ Antonio Ladeira, auxiliar geral e assistente-técnico de gravacio. ‘Munidos da melhor tecnologia que a época dispunha, os quatro inte- grantes da MPF, prepararam-se para gravar, fotografar, cinematografar, reco- Iher e descrever 2 maior quantidade de manifestagdes populares que encon- trassem nas regides brasileiras percorridas. a material empregado para a realizaco desta expediao foi bastante volumoso: seis malas e trés bats que abrigavam gravador Presto Recorder, amplificador, 50 caixas de agulhas para reproduc’o, microfones com cabos e tripé, 237 discos virgens de 16, 14 e 12 polegadas, motor-gerador de eletrict- dade (110 volts), pré-amplificador, blocos de papel para pesquisa, aspirador de p6, esquemas graficos de funcionamento do gravador e gerador, fones de owvido, pick-up para o gravador, 17 saffras para gravacao, 108 filmes para fotografias, 15 filmes cinematograficos, cimera fotografica Rolleiflex com estojo,fltros e lentes, aparelho cinematogréfico Kodak com filtos e lentes, além de 4 pastas de couro para transporte dos discos. © Antes da partida, os responsdveis pela viagem da Missa de Pesquisas Folelricas — Luiz Saia como chefe da expedicio e porta-voz autorizado do Departamento de Cultura; e Martin Braunwieser, encarregado dos servicos musicais — receberam orientacdo para o procedimento metodoldgico de coleta folelérica de Mario de Andrade, através de textos selecionados sobre 0 assunto e de notas redigidas por ele mesmo. Além disso, esses dois inte- grantes da MPF, assinaram uma declaracdo afirmando reconhecer que toda a documentacao colhida na viagem pertencia 4 Discoteca Publica Municipal, se comprometendo a nao revelar o material recolhido sem a autorizacao expressa do Diretor do Departamento de Cultura. * Com todos os detalhes acertados, os integrantes da MPF partiram do porto de Santos (SP) com destino ao Recife (PE), a bordo do Itapagé, embarcagao da Companhia de Navegacao Costeira, em 6 de fevereiro de 1938. No dia seguinte, o Itapagé aportou no Rio de Janeiro, tendo Luiz Saia obtido outras cartas de recomendacio cedidas pelos escritores Arthur Ramos e Jorge de Lima, amigos de Mario de Andrade. Além disso, Luiz Saia tratou de divulgar a viagem da expedicao, concedendo entrevista ao Diario Carioca, onde reafirmou os objetivos da Missio de Pesquisas Folcléric ey 0 objetivo principal da Missio é a pesquisa do folclore musical. Para esse fim a Missao est4 devidamente equipada. Dispomos de uum aparelho de gravagao dos mais aperfeigoados ¢ modemos, ¢ de uma maquina cinematogréfica para a flmagem de dancas etc. Contudo, o nosso campo de aco nao se restringe ao folclore musical. Estende-se, também, a colheita de material relativo a costumes, arquitetura, enfim, a todas as modalidades da técnica popular. (..) Vamos trabalhar intensamente, certos de que esta- mos servindo causa da cultura nacional. (.." © 43 — Documentos origins da MPF — “Papéis Diversos.", Doc. n.o 6, armirlo IX, escaninho 2, DOAICCSP. ‘44 — Documentos origins da MPF — “Termos de Compromise”, Doc. 08 5 « 6, de 28.12.1957, mdrio IX, escannho 8, DOAICCSP. 45 — "Uma Grande Obra em Favor da Cultura Nacional.” Dirio Carioca, 8 de feverero de 1938, Hemeroteca Doc. 0 9x, DOAICCSE. 28 Na realidade, essa entrevista concedida ao Didrio Carioca nao foi rea- lizada pessoalmente com Luiz Saia, mas sim redigida por Antonio Bento de Aradjo Lima, residente na cidade do Rio de Janeiro, com dados fornecidos pelo Chefe da MP: Em correspondéncia enviada a Mario de Andrade, escrita abordo do Itapagé quando este estava a caminho de Vitoria (ES), datada de 9 de fevereiro de 1938, Luiz Saia se escusa pelos pequenos erros de informagao que a matéria jomalistica contém: “(..) Na entrevista que o Anténio Bento publicou no Carioca de 8.2.38 — 3? feira, safram alguns trechos que talvez possam parecer a voce, ndo digo a alguém daf, coisa minha. Tem um trecho dizendo que eu sou o pesquisador principal do Departamento (de Cultura) e da Sociedade (de Etnografia e Folelore). Isso por exemplo é coisa exclusiva do Antinio Bento. (... Eu nao tenho culpa delas. Dei os dados ao Anténio Bento e cle desenvolveu a redaco da entrevista a sua maneira. (.)” * A MPF aportou no Recife (PE) em 13 de fevereiro — depois de escalas realizadas no Rio de Janeiro (R), em Vit6ria (ES), Salvador (BA) € Maceid (CE) — tendo permanecido no estado do Peambuco até o dia 26 de marco de 1938, quando entao, viajou para Joao Pessoa, Paraiba. ‘A permanéncia da MPF no estado de Pemambuco contou com algumas diiculdades resultantes da delicada situacdo politica local, fruto da decretacao do Estado Novo, em novembro de 1937. O interventor do estado de Pernambuco, o secretério da Fazenda, Agamenon Magalhies, limitou a area de transito da MPP aos culos de sua influéncia, negando-se a dar apoio material a expedicao caso esta entrasse em contato com os opositores do Estado Novo, entre eles Gilberto Freyre. Além disso, a influéncia politica da Igreja, apoiada na Constituigio de 1934, que oficalizou o catolicismo como religiao no Brasil, decretou a persegui¢a0 policial de cultos afro-brasileiros e de feiticaria, como 0 Xango e o Catimbé, efetuando o fechamento de varios cents e terreinos, e if cultando sobremaneira os trabalhos de coleta da MPF. Em outra correspondén- cia enviada a Mario de Andrade, através de amigo para evitar a censura imposta aos correios, Luiz Saia relatou ao Diretor do Departamento de Cultura seu rela cionamento com o mundo oficial da cidade do Recife: “(..) Aqui no Recife foi absolutamente necessério entrar em contato com 0 mundo oficial. © Agamenon (Magalhées) me tratou muito bem, porém parece que a politica dele € deixar 0 bareo ser levado pela corrente que escolheu para as Secretarias. Ele é mais ou ‘menos um ponto morto que muito dificilmente podera resolver ‘qualquer coisa diretamente a favor ou contra o nosso trabalho. Dos Documentos originals da MPF — “Correspndincias.", Doc. no 31, de 09.02.1998, armirto IX, sscaninho 7, DOAICCSP, 2 secretirios 0 que esti mais em contato com a batina é 0 Manuel Lumambo com sua turma ultra direita da revista Fronteiras ”. Com a carta do Jorge de Lima * conversei com este tiltimo elemento do governo. Imediatamente ele me deu a entender que, si a Missio nao quisesse ser embaracada no seu trabalho aqui no estado do Pernambuco, eu deveria me afastar 0 mais possivel do Gilberto Freyre ou qualquer outro elemento que nao fosse da turma de Fronteiras. Qualquer desobediéncia da minha parte em relacio a este pedido, prejudicaria completamente o trabalho da Missio, pois os padres esto dando as cartas. Ora, esta turma catdlica ¢ ariana e erradissima. Por imposicao dela foram fechados os xangOs apreendido todo material das secGes. E verdade que estou vendo se consigo umas boas gracas para o Ascenso (Ferreira) encaminhar pelo menos a colheita das linhas melédicas destes xangés. Para conceder isso, tenho a impresso que a turma oficial esta fazendo absurdos de concessao. (..)"* No entanto, favorecendo-se da influéncia e das repercussbes nacionais e intemacionais que os trabalhos do Departamento de Cultura vinham obtendo, além do renome e prestigio de seu Diretor, a MPF, mediante ordem especial expedida pelo delegado de policia da capital pernambucana, reali- zou, em 26 de fevereiro de 1938, a gravaio do Xang6 de Idida Ferreira (Guida Mulatinho), no Teatro Santa Isabel, cedido pelo seu responsdvel Samuel Campello. ® Além disso, durante o perfodo em que permaneceu no estado de Pernambuco, de 18 de fevereiro a 26 de margo, a MPF visitou sete municipios realizando gravacdes e coletas de Bumba-Meu-Boi, canto de Carregadores de piano, além da danga dos fndios Pancarus, o Praia, na Vila do Brejo dos Padres, municipio de Tacaratu, distante cerca de 500 kilome- ‘tos do Recife, em pleno sertao pernambucano. No estado da Paraiba, com uma compreensio melhor por parte das autoridades e com uma situaco politica local mais favorével, fruto em certa medida da etema concorréncia entre esses dois estados (PE e PB), as atividades ‘da MPF se estenderam por um periodo mais longo, sendo as coletas folléricas realizadas de maneira mais proffcua. Durante o periodo de 26 de marco a 30 de ‘maio, a MPF realizou duas viagens ao interior da Parafba — & zona do Sertio e 3. zona do Brejo — além de coletas préximas & capital litordnea. No total, os integrantes da MPF visitaram cerca de 30 localidades desse estado brasileiro. 47 —Ainda em feereito, os integrantes da MPF concederam uma entrevista 2 revista Froneiras (CHemeroteca sobre a MPF." Doc. no 35s) Em um outro echo deste mesmo document, Lila Sala afma que Marvel Lumambo “pedi uma entrevista para a reacioniia revista dele. (.) Segundo ele, eta enrevisia fo uma atte “politica. 48 — Documentos originals de MPF — “Cartas de Recomendar.” Docs. nos 1 24, de 7 de fever ‘de 1938, arnirio IX, escaninho 7, DOAICCSP. 49 — Documentos originals da MPP —“Correspondéncias", Does. 34, de 16.02.1938, armério TX, ‘excaitho 7, DOAICCSP. 50 —Xangb: sas FM 1 a FM 14, Rejstros Sonoras de Folclore Musical Brasiio vol. 1, 198, 30 os i Membros de MPF a caminko do Brejo dos Padres, municipio ce Tacaratu (PE) —marco 1838 — ‘fotografia tirada por Martin Brouraveser Logo apés ao retorno da primeira viagem ao interior do estado da Paraiba, em 25 de abril de 1938, Luiz Saia comentou, em entrevista concedida & imprensa da capital, a compreensio e 0 apoio por parte das autoridades locais: 1) Acabamos de chegar do serto paraibano e trazemos dele uma profunda impressao, um entusiasmo aumentado pela gente nordestina, ¢ um sincero reconhecimento &s autoridades das cidades visitadas, que dispensaram aos componentes da nossa MissZo, a mais carinhosa acolhida. Quero mesmo frisar, antes do mais, um ponto importante: é a compreensao € 0 espirito de colaboracio que estamos encontrando nas autoridades paraibanas, pois dai vem predominantemente 0 éxito que vimos obtendo em nossos trabalhos. (.."" 51 —“Obteve Pleno Bxto no Interior Paaibano a Missio Foleliia da Municpalade de So Paulo A Unido, 27.08.1998, Hemeroteca Dec. n.0 45x. DOAICCSP. 31 0 entusiasmo justificava-se pelos mimeros. A quantidade de melodias e manifestagées musicais documentadas nos discos, filmes e fotografias, durante toda a estadia da MPF no estado da Paratha, supera a marca de 760, envolvendo cantos de pedintes, aboios, cécos, catimbés, cabocolinhos, Reis de Congo, entre varias outras. A partir de 31 de maio, a MPF desloca-se em diregao aos estados do Norte, com o intuito de registrar as festas juninas tradicionais na regiao, Por esta época, em Sio Paulo, Mario de Andrade foi afastado da iregio do Departamento de Cultura, mantendo no entanto, a chefia da Divisdo de Expansao Cultural por mais um breve perfodo, Com as mudangas politicas ocorridas com a instauracao do Estado Novo em novembro de 1937, e com a nova orientacio administrativa imprimida pelo ento prefeito Prestes Maia, a continuidade da MPF passou a ser questionada, devido aos gastos que este empreendimento implicava, Mario de Andrade, na qualidade de chefe da Divisio de Expansdo Cultural, encaminhou entao oficio a0 novo diretor do Departamento de Cultura, Francisco Pati, justifiaando que as ver- bas maiores destinadas para a realizagdo da expedicao ja haviam sido reser- vadas no exercicio administrativo anterior, e apontando as razées da con- tinuidade da MPF: ) — 0 rendimento cientifico da Missio tem sido simplesmente admirvel. A primeira remessa de objetos folcléricos, (para mais de trezentas pecas pernambucanas), quase todos obtidos gratis (sic), enriqueceu sobremaneira 0 acervo da Divisio. (...) — As cangées gravadas, pela sua variedade de géneros e seu niimero, do a So Paulo uma fonte incomparével no Brasil, para estudos sobre a musicalidade do Nordeste. Ja ricos pois de docu- mentacéo nordestina, deve agora a Missio estar partindo, (si jé no parti), para 0 Maranhio e Para, regiao inteiramente distinta, classificada como “Norte”. Assim, teriamos 0 Nordeste e 0 Norte para estudos cientficos e para o conhecimento dos nossos com positores. Si pequenos trabalhos técnicos publicados pela Discoteca (...) causaram grande interesse e numerosa cor- respondéncia no pais e no estrangeiro,¢ facil imaginar 0 que nao causara futuramente os estudos que realizarmos com a documen- taco que ora se colhe. — Ousa ainda esta Chefia lembrar que o trabalho que se esta rea- lizando no escapa do ambito de cultura do municipio. A docu- mentagio colhida fica em Sao Paulo, e sera objeto de estudos para os Paulistas precipuamente. E si cuidamos todos na atuali- dade de abrasileirar o Brasil e tornéo uma entidade realmente unida, talvez nao haja no pais regido mais afastada da essenciali- dade nacional que esta regio de Sao Paulo, a mais cruzada de 2 imigrantes de varia proveniéncia. (..) Que se nao realizem outras missdes no futuro, mas que se termine a que est4 em seu meio a Na realidade, esta defesa de Mario de Andrade pela continuidade da expedicio foi somente efetuada para fins administrativos, pois os integrantes da MPF, antecipando-se & resposta do novo Diretor do Departamento de Cultura,’ Francisco Pati, i haviam tomado providéncias para a viagem aos estados do norte do Brasil. Assim, em 31 de maio, a MPF partiu com destino 2 capital do Maranho, numa viagem realizada toda ela em um caminhio, percorrendo novamente o interior da Parafba, parte do Cearé, Piauf, para atingir So Lu‘s do Maranhao em 16 de junho. Durante o trajeto, realizado nos mais diferentes tipos de terreno, houve diversas paradas nao planejadas devido ao esforco e desgaste imposto 20 ‘caminho em que viajavam os integrantes da MPF. Por 72 horas foram ol gados a permanecer na cidade de Jaicés, no Piauf, devido & quebra do radi ador do veiculo. No dia seguinte & chegada em So Lu‘s do Maranhao, em 17 de junho, ‘a MPP iniciou trabalho de gravacdo registrando a danca do Bumba-Meu-Boi a miisica de feiticaria do Tambor-de-Mina e Tambor-deCrioulo. Também af, a MPF necessitou de autorizacao do delegado de policia da capital para proceder o registro da misica de feiticaria “(..) onde e como lhe aprowver, contanto que seja nos subtirbios desta capital. (..)"® No dia 21 de junho, os integrantes da MPF partem de Sio Lu‘s do Maranhao por trem com destino a Belém do Paré, la chegando no mesmo dia, Os trabathos de gravacZo ocorreram no perfodo de 29 de junho a 7 de julho, com o registro de Boi-Bumbis e Babassué (feiticaria). ‘0 regresso-a Si0 Paulo foi a bordo do mesmo Ttapagé, da Companhia de Navegaco Costeira, com escalas em So Luts (MA), Fortaleza (CE), Natal (RN), Salvador (BA) e Vitéria (ES), chegando em 19 de julho na cidade do Rio de Janeiro. ‘A totalidade do material coletado pela MPF é bastante vasta e diversifi- cada, com documentos interrelacionando-se entre si: cerca de 1500 melodias registradas em 169 discos de 78 rpm; 6 rolos cinematogréticos silenciosos de 16 mm documentando 12 manifestacGes folcl6rico-musicais; 1060 fotografias, contendo registros de arguitetura popular e religiosa, de cruzeiros, dos infor- antes e de outros detalhes, além de cerca de 7000 paginas com anotacdes das letras das melodias registradas, sobre poética popular, arquitetura, notas, e dirio sobre a viagem, distribuidas em 20 cadernetas de campo, cademos de misica e diversos papéis doados pelas fontes populares a MPP. Constam '52 — Documentos orgnals da MPF — “Exposigo dos Atos e Conseqiéncias da Miso (de Pesquisa) Foleldrieas em viagem pelo Nore do Pais" Comespondacias Doc. n.0 2900, arméro IX, esc rho 6, DOAICCSP. 153 — Documentos orginas da MPF — “Cartas de Recomendagio", Doc. n.o 12, de 17.06.1938, armério IX, escaninho 7, DONICCSP. 3 também do material coletado aproximadamente 600 objetos, entre instru- ‘mentos musicais, ex-votos, milagres e objetos de ritos de feiticaria como o Xang6 e o Tambor-de-Mina. Os registros fonograficos foram realizados em discos de acetato com base de aluminio. Esse frégil material, que impossibilitava a utilizacao pro- Tongada desses discos, além da necessidade de cépias indispenséveis para a divulgac&o e estudo desses registros fonograficos, levou a Discoteca Péiblica ‘Municipal & proceder a regravaco em cera de parte desses discos e a conse- Giente tiragem da matriz de metal. No entanto, a falta de apoio superior de- vido & safda de Mério de Andrade da direcdo do Departamento de Cultura, contando com grandes dificuldades financeiras, a Discoteca Piiblica Municipal pOde somente iniciar, ainda que em parte, 0 servigo de matrizacao dos originais coletados, nos anos de 1945-1946. Dos 169 discos registrados pela MPR, apenas cerca de 80 foram matrizados, passando a constituir a subsérie FM (Folclore Musical) do acer- vo da Discoteca Pablica Municipal, onganizado segundo sua diretora Oneyda Alvarenga. O restante dos registros musicais realizados pela MPF permanece nos discos originais de coleta que, juntamente com outros documentos musi- cais colhidos pela Discoteca, constituem a série F (Folclore), ainda hoje nao matrizados. No entanto, apés a regravagdo em 1992 dos discos originais para um sistema mais moderno de reproducio, este acervo péde ser recentemente devolvido & consulta pelos pesquisadores e ptblico interessado. * © contetido musical desses discos totaliza 48 manifestagdes musicais populares distribufdas nos seguintes géneros: cantos de trabalho (car- regadores de piano, aboios, carregadores de pedra), Cantos de Pedintes, Dangas Dramiticas (Reis de Congo, Bumba-Meu-Boi, Nau Catarineta, entre ‘outras), Cantos puros nao ligados & danca (Embolada, Desafio, Martelo, Quacirao, Repente, enire outros), Cantos de Feitigaria ( Xang6, Catimb6, Babassué, Tambor-de-Mina, entre outros), Dancas rituais de nticleos indi- genas civilizados (Praié e Toré), Dancas coletivas (cécos de varias modali- dades), Dangas solistas (carimbé), Jogos Infantis (Rodas) e de Musica Instrumental Pura (solos de viola). * Esses discos, gravados nos estados per- corridos pela MPF (Pernambuco, Parafba, Ceard, Piaui, Maranhio e Para) se encontram na Discoteca Oneyda Alvarenga, do Centro Cultural Sio Paulo (CCSP). Também 14 se encontram os informes complementares a esses re- gistros fonogréficos, constantes nas cadernetas de campo e demais papéi ainda na maior parte, sem a transcrigao realizada por Oneyda Alvarenga. Em seu trabalho de organizacao do material coletado pela MPF, con- sumindo quase vinte anos de suas atividades, Oneyda Alvarenga constituiu 54 — Durante o ano de 1992, todos os discos registrados pela antgn Discoteea Plea Municipal, incuindo-se aquees registrados pela MPF, foram agrupados ¢ regrarados em sistema D.A.T. (Digfal Saco Tape, lem de eoiados para Mtascasees de alta qualidade. Desa forma, em 1996 todo Acero Histrco da Diseoteea Publi Municipal pide novanente ser devovido ao pblico inteessado. 55 — ALVARENGA, 0, op. cit 1942. p.1041 34 10 seges, com o cruzamento de diversos datos. Para isso, efetuou a trans- crigZo de parte das cademetas de campo e papéis avulsos, apenas aquelas referentes ao texto das melodias e aos dados sobre os informantes, per- manecendo o restante ainda em seu estado bruto de coleta. Bssas cadernetas de campo foram anotadas, em sua maioria, por Luiz Saia, Benedito Pacheco e Antonio Ladeita. ‘Também se encontram no CCSP 0s quase 600 objetos recolhidos por esta expedicio, que depois da organizacao elaborada por Oneyda Alvarenga, constituiram o Museu Folclérico da Discoteca Publica Municipal. Atualmente, este Museu esté desarticulado e seus objetos se encontram res- guardados no subsolo do CCSP. As fotografias tiradas durante a viagem da MPF, abordando além das manifestagdes populares, aspectos das regides percorridas e registro dos informantes, se encontram preservadas na Discoteca Oneyda Alvarenga do Centro Cultural Sao Paulo. Os filmes cinematogréficos silenciosos de 16 mm, documentando dangas e ritos de feiticaria, esto preservados na Fundacio Cinemateca Brasileira sediada em Sao Paulo. A sistematizacio dos informes coletados pela MPF, realizada por Oneyda Alvarenga, resultou na criacio de duas colegdes de divulgagao dos dados obtidos por esta expedic2o: a colecdo Arquivo Folelérico da Discoteca Piiblica Municipal, com dois volumes publicados e varios outros, plangjados (IMelodias Registradas Por Meios Nao-Mecinicos — 1946; Il- Catélogo Hustrado do Museu Folcl6rico da Discoteca Paiblica Municipal - 1950) e a colecdo destinada a subsidiar a audicio dos discos, contendo 0 texto poético das melodias registradas, além de dados gerais dos infor- mantes, denominada Registros Sonoros de Folclore Musical Brasileiro (RSFMB), com 5 volumes (I- Xango — 1946, II- Tambor-de-Mina ‘Tambor-de-Crioulo — 1948, Ill- Catimbé — 1949, IV- Babassué — 1950, V- Cheganga de Marujos — 1956). ‘A intengao inicial de se proceder & transcri¢ao gréfica em notacdo musical dos fonogramas registrados pela MPF, um dos motivos principais para a realizacfo desta expedicdo, foi iniciada em 1946 sob responsabilidade do compositor Camargo Guarnieri. No entanto, foram realizadas apenas transcricées experimentais de parte fnfima do acervo, que permanecem, a exemplo de praticamente todo 0 resto, ainda hoje, inéditas. 35 A divulgaggio e a preservacao do acervo da MPF: os discos. A divulgacdo e a preservacao do acervo coletado pela Missio de Pesquisas Foleléricas de 1938 no ocorreu de imediato. Enfrentando situa- cbes adversas desde a said de Mario de Andrade da direcio do Departamento de Cultura de Sdo Paulo, a Discoteca Piiblica Municipal somente péde iniciar essa etapa oito anos apds o término da expedigao. Em 1945, quando finalmente houve a concessio de verbas para a preservacio e divulgagao do acervo coletado pela MPF, Oneyda Alvarenga, chefe da Discoteca Piiblica Municipal, j4 havia organizado todo o material recolhido pela expedicZo: discos, textos poéticos, textos das melodias regis- tradas em discos, fotografias, filmes cinematograficos, cademnetas de campo, artigos de jornais (hemeroteca) etc. ‘A classificacdo e organizacéo original atribuida ao material registrado pela MPF, estabelecida pelos integrantes da expedicio, foi substitufda por outra, elaborada por Oneyda Alvarenga, no processo de incorporagao do ‘ovo material ao acervo jé existente na Discoteca Pablica Municipal, fruto de ‘pesquisas e registros fonogréficos musicais realizados em anos anteriores. Dessa forma, os discos registrados pela MPF tiveram a classificacio numérica determinada por Benedito Pacheco — Técnico de Gravac3o da MPP — substituida por outra mais completa. A classificagao de Benedito Pacheco, iniciava-se com o ntimero 101, 0 primeiro disco registrado: canto de car~ regadores de piano coletado no Recife (PE), em 18 de fevereiro de 1938; e ter- minava com o ntimero 269, toadas de Babassue, culto fetichista afro-brasileiro registrado em Belém do Para, no periodo de 5 a 7 de julho de 1938. * ( acervo em discos coletado pela MPF incorporar-se-ia & colegio de registros de folelore musical brasileiro pertencente & Discoteca Publica ‘Municipal. Essa colecto, designada pela letra F, de Folclore, j contava com. as gravagies realizadas pela Discoteca em 1937: um total de 10 discos de 12 e 16 polegadas, A classificagao desses discos registrados em acetato € a seguinte: F-1 a F-4, discos de 12 polegadas, documentando a Danca de Santa Cruz de Itaquaquecetuba (SP); F-5 a F-10, discos com 16 polegadas, registrando Folia de Reis, Cana-Verde, Modinha, entre outras manifestagbes, populares encontradas na cidade de Lambari (MG). (Os 169 discos de varias dimensdes (12, 14 e 16 polegadas), registrados pela MPF nos estados de Pernambuco, Parafba, Maranhao e Para, foram incorporados & série F da Discoteca Pablica Municipal, dando continuidade A classificacio pré-existente. Assim, 0 primeiro disco coletado pela expe- digo, com parte do canto dos carregadores de piano do Recife (PE), classifi- cado por Benedito Pacheco com 0 numero 101, passou a ser designado como F-11, ¢ 0 iiltimo disco (Benedito Pacheco - ntimero 269), com as toadas de Babassue coletadas em Belém do Paré, como F-175. 11— Documentos originals da MPF — “Cadernta de Discos n.o 1 — Benedto Pacheco’ amo TX, ‘xcaninho 3, DOAICCSP. 39 Entre o material escrito para o controle de gravaco, encontra-se uma pequena cadernela onde Benedito Pacheco anotou descritivamente cada faixa de disco. Essas faixas foram numeradas por Oneyda Alvarenga €, posteriormente, nomeadas por fonograma. A MPF gravou exatamente 1223 fonogramas. Esses fonogramas, no entanto, registram cerca de 1500 melodias, pois alguns deles contém mais do que um documento musical. A diferenca de 4 discos anotada entre o F-11 e F-175, do total de 169 unidades coletadas pela expedicio, se deve & deficiéncia das anotagGes origi- nais realizadas por Benedito Pacheco: por um lapso, o Técnico em Gravacao da MPF nao descreveu o contetido (cada fonograma de disco) de uma peque- nna parcela do material, precisamente aquela que se refere aos registros fono- raficos realizados na cidade de Tacaratu (PE) e Bardo do Rio Branco (PE), entre 0s dias 9 € 15 de marco de 1938. Devido a esse fato, Oneyda Alvarenga classificou esses quatro discos restantes, deslocando-os para o final da série, de F-176 a F-179.* A principal preocupacdo de Oneyda Alvarenga era a preservacao do acervo de discos registrados em acetato, Esse material, frigil e quebradii deveria ser copiado em cera e posteriormente matrizado em metal, possi tando a tiragem de cépias em vinil. Esse processo ce matrizacSo era o que a tecnologia em som do final da década de 30 dispunha para a preservacao de registros fonograficos. * © processo de matrizagao possibilitava principal- mente a tiragem de cépias em vinil para a divulgacao e estudo do acervo. No ‘entanto, esse processo implicava em gastos razoavelmente vultosos. Foi somente a partir da concessio de verbas oficiais para esse ¢ ou- tros fins, no ano de 1945, que a Discoteca Publica Municipal iniciou 0 servico de preservacio ¢ divulgacio do material coletado pela MPF. Assim, no perfodo de dezembro de 1945 a dezembro de 1946 foi matrizado 0 primeito lote de discos coletados pela MPF — com 87 unidades do total de 169 discos originais da expedicao, em 78 rpm e de diferentes dimensies — 12, 14 e 16 polegadas. Essas 87 uniclades com varias dimensées, foram matrizadas em um tamanho padrao de 12 polegadas, vindo a se transformar em 115 discos 78 rpm. Esses 115 discos ento matrizados e padronizados, correspon- dentes as 87 unidades originais, iniciaram uma subsérie da Discoteca Piiblica Municipal: a subsérie FM (Folclore Musical) pertencente também a série F original. Dessa forma, a série F continha a totalidade dos re- gistros musicais de folclore brasileiro efetuados pela Discoteca Publica Municipal, incluindo os discos matrizados e os ainda nao matrizados; 2—cf. Fchirio da Dscotea Piblica Municipal, subdiviio FONOGRAMA, onganieado por Onewda ‘Aharerg, localzado no aceryo DOAICCSP. 3 Vide nese sentido a enzerista com Benedta Pacheco vealizada em 25,061984, pela Divisio de Pesquisa do CCSP, ocalzads no Arquivo Mltmein, se 1 de clasfears, 40 enquanto que a série FM contaria somente com as gravagées ja preser- vadas pelo processo de matrizaclo * Oneyda Alvarenga organizou a matrizag3o desse primeiro lote com 87 dis cos originais, agrupando-os segundo uma classificacdo global das manifestacées ‘musicais registradas pela MPF. Assim, por exemplo, os discos FM-1 ao FM-51, correspondentes a F-20 a F:26, F-94 a F-99A, F-102, F-120 a F-123, F133 a F- 146A e F-168 2 175, formam um primeiro grupo de discos destinados ao registro de cantos de feiticaria coletados pela expedicdo: Xango (Pernambuco-Discos FN-1 ao FM-14); Tambor-de-Mina e Tambor-de-Crioulo (Maranhao-Discos FM-15 ao FM-28A); Catimb6 (Paraiba-Discos FM-28B 20 FM-38); e Babassué (Belém-Discos FM-39 a0 FM-51).° A preservacio de parte dos discos originais da coleta através do proces- so de matrizagao possi yu & Discoteca Ptiblica Municipal o inicio de seu projeto de divulgacéo do acervo. Em 1949, apds organizacdo do material complementar referente ao primeiro lote de discos, estes passaram a ser doz- es culturais como o Conservatério Dramatico e Musical de So Paulo, Escola Nacional de Misica (RJ), Discoteca Piiblica do Recife (PE), Faculdade de Filosofia, Ciéncias e Letras da USP *, além de serem co- mercializados ao piiblico em geral.* [As outras sres dle cisos organzadae pela Discoteca Pblica Muncpal sio a série ME (Misica Erucita,com o registro das abeas de compustrespaistas om residents em Seo Paul; e a wrie AP Arguivo da Palos), com duae subdivses: Homens Istes (com alocugdes de personalidades signicatias do ceniro citural bras) os restos desinados aos astuds de fondtica, Vide Parte I desta publcacio. 5 — Os outros discos também manizados com regstos de folelore musical bras, pertncente sub. ‘série FM da DiscotecaPaea Municipal ae techn fem a ee ee Te Ea Pa marle- ou do Varu-oi —cho-g8, 8 ca Beco dioutre mun-do Gui pelo de mmgh 8 ca bo-co outro mundo Qui gor-to de rar-gh, Aepaida 2 cs Texto: Mestre: Na torre da jurema eu v6, Pamaloca de Vaucd cheg6. (Bis) Coro: $6 cabéico d’outro mundo Qui gosto de xangé. (Bis) Obs.RSEMB III: “O coro é conduzido por uma voz feminina.” 5 4) Toada do Mestre Periquitinho SS = sil AG dk de Pan Fee gn-teall Ml Gh dade Passe gute feptide (nes Texto: Mestre: £ meu piriquitinho! E meu maracana! Coro: Ai Cida’ de Pass'o, De quatro cua! Cida’ de Pass'o = Cidade de Passaro Obs.RSFMB III: “O coro & conduzido por uma voz feminina. Acompanhamento de maracd, Ouvem-se também alguns ruidos secos, esparssos e pouco nitidos, causados talvez por batidas das flechas. No inicio o solista corta os E do primeiro verso. As ultimas silabas de cidade e pass’o sao praticamente mudas, ouvindo-se ‘Ai cidd de pd”. No geral sao levissimas as tiltimas sflabas de piriquitinho e quatro.” Obs.transcrigao musical: Os maracés acentuam a unidade de tempo da melodia, 16 5) Toada do Mestre José de Arruda Marcial (¢ = 85) Mess x z erro Mewes — wh ost Geir ru Ga Ucn ge a iro Jk Me a po o z 7e, Me Patria o6 eomtodes t-te ek -b5—codhera~ 86 Po brn Beptide 9 wes Oe: na tarceira letra, @ parte do Coro é a seguinte: Texto: Mestre: Meu Mestri Jusé de Arruda, Licenca eu quero jd, (Bis) Coro: Pa brined cum tod’os tribo (2) Dos cabéco de Arubd. (Bis) Mestre: Meu Mestri Jusé de Arruda, Licenca eu quero jd, (Bis) Coro: Pa brinad cum tod'as frecha Dos cabico de Arubé. (Bis) Mestre: Meu Mestri Jusé de Arruda, Dora donde vocé vem? (Bis) Coro: Eu venho de Belém, Eu v6 para Jerusalém. (Bis) Obs.RSFMB III: “Por causa do mecanismo de parada automdtica do gravador, 0 final do fonograma foi cortado. O coro é conduzido por uma voz feminina. Acompanhamento de maracd. Na primeira vez em que canta os seus dois versos da quadra inicial, 0 coro ndo fala “tod'os tribo”, como se ouve distintamente no bis. Embora no possamos garantir, parece que diz “tod’as tlibo” (tribos).” Obs.transcri¢ao musical: Maracés acentuam a unidade de tempo da melodia. ur DISCO FM. 32-A No, do origi: F. 123-8, fons. 829 « 632 1) Toada do Mestre [?] Santo Anténio d-3 - ‘Tom original Fagf a Thy oe asin A et men Su—fioteake vent went is Pe ve ‘it may Sen —tin-o-abo wa s Reet 2 wees ‘Texto: Mestre: Aif meu Santo Antonho vai! A‘-ai! meu Santo Antonho vera! (Bis) Coro: As onda du md Ié vai, Id vail (Bis) As onda du md Ié vem! Obs.RSFMB Ill: “O coro é conduzido por uma voz feminina. Acompanhamento de maracd.” (Obs.transcri¢ao musical: Maracés acentuam a unidade de tempo da melodia, us 2) Toada da Mestra Maria da Luanda J- 00 fee — 0 te = amd, 6 ta-emcdel 5-1 bncndn tga ne Laat Ot 2) Mestre oe ape porary eee as Mestre ore OE ayer een 6 es, anda,3 ln-en-dal "S18 Bnd pode al 0 Lae aed 0 ‘Texto: Mestre: O Luanda, 6 Luanda! ‘St6 brincando, st6 forgando na Luandat O Luanda, 6 Luanda! ‘St6 brincando c’os cabOco da Luanda! 0 Luanda, 6 Luanda! ‘St6 brincando c’os discipo da Luanda! O Luanda, 6 Luanda! ‘St6 brincado c’os cabéco da Luandat O Luanda, 6 Luanda! Que boa mesa féiz a Mestra da Luandat 0 Luanda, 6 Luanda! ‘St6 brincando, ‘st6 forgando na Luanda! O Luanda, 6 Luanda! ‘St6 brincando c'os cabéco da Luanda! O Luanda, 6 Luanda! Mestre: Que boa (mesa féiz a) Mestra da Luandal Obs.RSFMB Il: “O coro é conduzido por uma voz feminina. Acompanhamento de maracd. Luiz Saia registra nos comentarios sobre o disco — maracds E incompreensivel a terceira palavra da tiltima entrada do solista. Depois de muito owvé-la, pareceu-nos pinga, mas nada nada podemos afirmar. Além disso, o mestre parece pronunciar Aluanda e Aloanda.” Obs.transcrigao musical: Maracds acentuam a unidade de tempo da melodia, n9 3) Toada do Mestre Penduarana d= 0 ‘Texto: Mestre: Canta meu Mestre Penduardna! (Bis) Coro: Aqui chegé um Mestre Da Cidade de Luanda! (Bis) Mestre: Danca meu Mestre Penduarana! (Bis) Coro: — Agui chegé um Mestre ‘Da Cidade de Luanda! Bis) Mestre: Cura meu Mestre Penduarara! (Bis) Coro: — Agui chegé um Mestre Da Cidade de Luanda! (Bis) Mestre: Alimpa meu Mestre Penduardna! (Bis) Coro: Aqui chegd um Mestre Da Cidade de Luanda! (Bis) Obs.RSFMB III: “O coro € conduzido por uma voz feminina. Acompanha- mento de maracd, muito pouco audivel. Luiz Saia registra nos comen- tdrios sobre o disco — maracd.” Ohs.transcrigo musical: Maracés acentuando a unidade de tempo da melo- dia, 120 4) Toada de Fechar a Mesa sagen = Eee ems dean o6 oda d= da ~ de, Vem drome to dor ot ie Meee O-m mm ds = a Aepide $ ses ‘Texte Mestre: Varo discansd tod'as cidade, Varo discansd todos os Mestre! Core: Ora vamu discansd! Mestre: Vamo discansd todos os Mestre, Vamo discansd disciplos-mestre! Core: Ora vamu discansd! Mestre: £ vamo discansd o princ'pe-mestre, Vamo discansd cachimbos-mestre! Coro: Ora vamu discansd! Mestre: E vamo discansd 0 marca-mestre, Vamo discansd todas os Mestre! Coro: Ora vamu discansd! Obs.RSFMB IIL: “O coro é conduzido por uma voz feminina. Nos versos 2,5, 11 Luts Gonzaga pronuncia més, em vez de Mestre ou Meste.” yi 5) Toada da Mostra Sebastiana 1m eritnal ~ Df m otengamente (J = 65) ten ‘Text Mestre: Brincando eu fui, Brincando eu vortei. Coro: Brincando ex vim, Brincando eu cheguei. (Obs.RSFMB III: “O coro é conduzido por uma voz feminina.” 12 mestre Manuel Laurentino da Silva Itabaiana (PB) — 5.5.1938 Catimbé de Mestre Manuel Laurentino da Silva Itabaiana (PB) — Discos FM 32B a FM 37B 1-) Breves anotacGes sobre o culto, realizadas por Luiz Saia, extraidas das cadernetas de colheita n.5, pp.134-150; e n.9 pp.15-59. Organizacio de Oneyda Alvarenga - Texto 54-Pasta 6 e Texto 108-Pasta 10, publicado no RSFMB III, pp.81-83 / pp.92-95. Realizam a sessdo em volta de uma mesa comum, porém seo servico for grande carece uma mesa maior. Poe a bacia no meio e os resto das coisas. Pde o santo que tivé. Pensa em Deus primeiramente e em N.Senhora. Os irmaos presentes sentam-se em volta. O mestre diz as seguintes palavras para abrir a mesa: Eu péco a meu pdi poderoso que mi mande aqueles isprito mais in- levado im nome di Deus i venha meus cabdco du juremé i venha mi ajudé trabaid. Nao é pur custume,(€) divido a perciséo. Dat o mestre se manifesta e canta: Eu venho di altas flores etc. (linha do mestre Mané Cadete - guia deste mestre dono de sessdo) As ajudantes cantam junto com o mestre. Quando mestre si arritira da matéria diz: + Todos fiquem com Deus ia Virge Maria, O pessoal responde: ~ Deus acrescente as suas luzes im nome di Deus. O mestre Mané Laurentino da Silva tira em primeiro a linha do ‘mestre Mané Cadete porque este é 0 seu guia. Depois das linhas do mestre Mané Cadete (que sao tiradas em primeiro porque este mestre é 0 guia do Mané Laurentino da Silva) tiram é a linka de mestre José Ful6 da Noite. Este mestre José Fuld da Noite, vestido em azul e branco com uma estrela, é 0 mestre que governa 9s outros. Cantam a linha dele pra chamar os outros mestres para o tra- 125

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