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‘Com artigos adicionais de Nathaniel Brandew TRABUCAO ON LINE Assessoria em Idiomas REVISAO DA TRADUCAO Winston Ling Candido Mendes Prunes Z EDITORA ORTIZ 9A, Supervisto elitori!: Vinia Conde we Supervisio grifica: Rogerio Vateas Capa: Cunaicos dsuidio de Criaea ImpressSa: Pollona BaGBst & FICHA CATALOGRAFICA (reproduco reduzids da fioha 7.8 x 12.5 em) Riéev RAND, Av, 105-1982 A virtude dp egoismo / Ayn Rand; traduaide or On Line-Asnescoria ern idiomas; traduoto revis. %9 por Winston Ling @ Candide Mendes Prunes, — Porto Alegre: Ed, Otiz/IBE, 1861, 1, Filosofia 2, Etisa 8. Objeth sie bjetvisma 4. Eyolame f, ISBN 85.85770-1.9 cou Ty eicteaita responsével: Rosa Liicia Vieira Maidana Copyright © 196t, 1968 by ays Rand Copyright © 1962, 1963, 1964 by The Objectivist Nevsleter In. Do original: THE VIRTUE OF SELFISHNESS ‘Todos os dircitos esiio reservados & Editore Ortiz S/A, 1 digo brasileira impreasa erm marco de 1901, ee ©18, Individualismo falsificado, Nathaniel Branden (1962). exaepe age exezxx 4 nen enseeE Ea E224 EXER EDEL ELIS EEAEEEEEESIZIAEEEEIZ SUMARIO Apresentagdo da edigao brasileira 7 Prefacio a edig&o argentina .. 9 Introdugao., oF 1, A ética Objetivista, Ayn. 20 2, Satide mental versus misticismo ¢ auto-sacrificio, Natha- niel Branden (1963) .. 4g 3. A dtica nas situagdes de emergéncia, Aym Rand (1963)... $7 4. Os “conflitos” de interesses entre os homens, Ayn Rand (1962), 66 5. Nao somos todos egoistas?, Nathaniel Branden (1962)... 75 6. A psicologia do prazer, Nathaniel Branden (1964) 80 7. A vida nao requer um pacto?, Ayn Rand (1962)... 89 8. Como levar uma vida racional numa sociedade irraci nal?, Ayn Rand (1962) 92 9, G culto da moral indefinida, Ayn Rand (1964) 97 10. A ética coletivizada, Ayn Rand (1963)... 103 LL. Os construtores de monumentos, Ayn Rand (1962). 12, Os direitos do homem, Ayn Rand (1963) 13. “Direitos”’ coletivizados, Ayn Rand (196: 44. A natureza do governo, Ayn Rand (1963). 15, Financiamento do governo numa sociedade livre, Ayn Rand (1964) ve 145 16. O sagrado direito estagnagaio, Nathaniel Branden (1963) 151 17. Racismo, Ayn Rand (1963) 19. A intimidagao como argumento, Ayn Rand (1964) Notas . AEESAEEEENRUAWOLLEXYELESEEEE2.220RLXEULEEELELIEEEEZELIZEZIALEZE, APRESENTACAO DA EDICAO BRASILEIRA A. contribuicZo dada por Ayn Rand ao pensamento filosdti- co deste século vem ganhando cada vez maior reconhecimento, es pecialmente nos meios académicos norte-americanos. Um numero sempre crescente de fildsofos, economistas, historiadores e psicdlo- gos vem se debrucando sobre o legado intelectual de Ayn Rand, ‘como provam as diversas obras publicasias apés a sua morte, ocor- rida em 1982, ‘ No Brasil, Ayn Rand passou a ser conhecida do piiblico leitor através de seu romance mais famoso, Quem é John Galt?, publica- do’em portugués em. 1987, exatos trinta anos apés a primeira edi- 940 norte-americana. Com A virtue do. egofsmo. ocorreu algo muito semelhante: um dos principais ensaios deste livro (A ¢tica Objetivista) foi originalmente apresentado como uma conferéncia iia Universidade de Wisconsin, em 1961. Hoje, decorridos nova- mente trinta anos, os leitores brasileiros tém oportunidade de co- ahecer mais profundamente a faceta filos6fica de Ayn Rand. Este fivro foi a primeira obra de néo-ficcéo publicada por Ayn Rand, embora, na verdade, os seus romances nao tivessem ‘um carater puramente ficcional. "Ap6s ter safdo a primeira edigdo de Quem é John Galt?, em 1957, Ayn Rand dedicou-se exclusivamente a escrever sobre sua fi- losofia, o Odjetivismo, numa publicacdo intitulada The Objecti- vist Newsletter. Por meio desta ¢ do “Nathaniel Branden Institu- te”, a Filosofia Objetivista ganhiou um enorme impulso na déca- da de sessenta. Toda uma geracio foi marcada pelo que escreveu ¢ ensinou Ayn Rand naquele periodo. Em meados da década de sessenta, a longa associagdo entre ‘Ayn Rand ¢ Nathaniel Branden, que foi uma espécie de porta-voz 8 Avirtude do egofema « oS € intimo colaborador do movimento Objetivista, terminou, Eo fim dela acabou arrefecenido o proprio movimento que, aquela al- tura, jé ganhava corpo e se insinuava nos meios universitarios ¢ na midia, Os livros de Ayn Rand, entretanto, continuaram a ven- der como sempre, No comego da década de oitenta, ela ja havia batido a marca de mais de 20 milhdes de copias vendidas, entre obras de ficgdo € ndo-ficgaot ‘A publicaeao de A virtude do egotsmo em portugués ¢ mais do que oportuna. Significa o resgate de um debate que ja deveria ter comecado entre nds ha trinta anos, mas que, incompreensivel- mente, apenas agora e gracas & iniciativa do Instituto de Estudos Empresariais, tem inicio. Um debate sobre os fundamentos de uma sociedade de homens livres, os postulados éticos sobre os quais devem repousar as instituigdes sociais, o verdadeiro papel que 0 governo tem a desempenhar, os equivoces filoséfices que so mascarados pelo uso inadequado da linguagem e as conseqlién- cias de todas essas questdes para a sobrevivéncia do homiem. O livro que o leitor tem nas maos nao é um tratado de filoso- fia, como bem adverte a autora em sua Introdueao. Trata-se de uma obra gue sistematiza alguns aspectos da filosofia de Ayn Rand, anteriormente exposta em seus livros de fice&o, especialmen- te Quem é John Galt? ¢ The Fountainhead, esia tiltima ainda iné- dita em portugués, e a aplicagdo da mesma a questées cotidianas. Embora escrito hé trinta anos, nenhum dos ensaios perdeu atuali- dace, Antes pelo contrério. Os problemas identificados por Ayn Rand continuam atuais e, dada a sua universalidade, também nao se restringem aos Estados Unidos. Para o leitor brasileiro basta alterar, sem nenhuma dificuldade, datas e nomes de protagonistas para ter a impressdo de que a autora se refere a fatos que ocorrem hoje neste pais. E ao final da leitura descobrird a razao para iss todos os principais problemas que hoje enfrentamos so resulta- do de uma determinada visio ética do mundo, comum aos mais diversos periodos histéricos. Ko Objetivismo se prope a desafiar essas concepydes atdvicas e a oferecer uma afternativa compativel com a natureza racional dos homens. Candido Mendes Prunes egagangeencerrggugx42124 1242022202002 2EELEEEEEELIEIEERIEELIZIEE, PREFACIO A EDICAO ARGENTINA Idéias, Idéias novas. , Em todos os niveis culturais —- desde os citculos intelectuais sis sofisticados, até 0 homem comum, que sO teve acess @ uma modesta instrugia — se reclamam par idéias novas. . ‘© pensador espanhol Julidn Marfas, em uma conferéncia rea~ lizada em 12 de julho de 1983, em Buenos Aires, comentou “... a melancélica tristeza que me produz.a decadéneia intelectual do mundo” ¢ assinalou como causa dos problemas cruciais da huma- nidade “... a utilizagio, em todos os niveis, de idéias arcaicas, que nfo tém mais nada a ver com nossa realidade atual”. Politicos, jornalistas, economistas, escritores, pensadores de todas as corren- tes, juntam suas vozes 4 esta declaracao. "Antecipando-se a estes comentarios € aos de outros pensado- res que cito aqui, Ayn Rand, em conferéncias proferidas nas Uni- versidades de Yale, Brooklin e Colimbia, em 1960, pronunciou-se severamente a esse respeito, dizendo: **... munca antes © mundo clamou tdo desesperadamente por respostas a problemas eruciais. .. munca antes o miundo se apegou to freneticamente & crenea de que niio ha vespostas possiveis"”. Vivemos um tempo de transigo, 0 momento de uma grande mudanga. Como disse C. W. Ceram — autor de Deuses, aimulos ¢ sdbios — em sua obra Yestermorrow: “... com o séeulo vinte es- té se acabando um periodo da historia da Homanidade que abar- ca cinco milénios. Opondo-se a Oswald Spengler e a sett conceito de que 0 Ocidenie estd terminando, a nossa situagao nao se asse- melha & de Roma do comeco da era crist, mas sim & do homem de 3,000 anos antes de Cristo. Da mesma forma que o homem pré- hist6rico, levantamos os olhos ¢ enfrentamos um mundo completa 10 Avirtude do egeisme mente novo.’* Um sistema de vida vai chegando ao fim e um novo surge, adequando-se A realidade e as necessidades de hoje. Todos nés no- tamos que as respostas tradicionais, que nunca solucionatam na- da, deixaram de ter qualquer efeito; que fazer falta conceitos no- vos, sdlidos, coerentes, que ponham fim & defasagem intelectual entre 0 colossal avanco tecnoldgico ¢ o confuso conjunto de idéias atavicas que © homem moderio continua aceitaudo somente por tradigao, Aperceber-se disto, naturalmente, gera nos homens uma sensa- cao de inseguranca ¢ angtistia. Eo medo do novo, do desconheci- do, Presos em seus pequenos ¢ — para a maioria — desconfortd- veis ninhos, as pessoas se agarram a eles temendo o momento de abrir suas asas © voar. A mudanga ja estd presente. Herber Read, fildsofo britanico da arte, disse que: “‘Nestes tempos participamos de uma mudan- a tio fundamental, que devemos retornar um longo percurso pa- ra encontrar um paraleio, Talvez somente comparavel mudanga verificada no término do perfedo paleolitico e na transigio para © neolitico.”” ‘Estruturas arcaicas sao derrubadas. Da mesma forma que aque- las drvores que crescem ¢ mudam com cortes, também o homem terd de abandonar suas idéias, suas crencas e suas vivéncias total- mente esclerosadas, mais adequadas a um ser irracional ¢ indefe- so do que a sua condigo de explorador do espaco e do dtomo, criador e modificador da vida, conquistador da Natureza, Estas novas idéias, csse moderno fundamento de existéncia exigido pela realidade atual, foram concebidos por Ayn Rand, quem Jangou ao mundo, entre 1933 1982, sua Filosofia Objetivista, Com uma clareza de raciocinio que a converte em gigante da filosofia, elaborou, com precisio matemdtica ¢ simplicidade qua- se inaudita, a perfeita concatenagio de um sistema filaséfico racio- nal carente de contradicées, estritamente baseado na légica e na realidade, e coerente com a natureza do homem, Suas idéias, combatidas e condenadas por intelectuais, pseu- do-intelectuais misticos aferrados a antigas estruturas decadentes, foram passo a passo abrindo caminho nos circulos intelectuais, mais flexiveis, predispostos a mudancas, especialmente entre estu- Prefécio @ edigdo argentina 11 nen nntennattne nt dantes universitétios. Hoje em dia se comegam a notar os efeitos, Na Noruega, o politico Anders Lange declarou publicamente que a plataforma de seu partido se funda na filosofia de Ayn Rand, Igualmente os “tibertarios”” dos Estados Unidos reconhecem nela a fonte ¢ 0 guia, Colaboradores da pensadora, tais como 0 econo- mista Aisn Greenspan, atuaram como conselheiros do Presidente Ronald Reagan. As recentes vitadas editoriais nos Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha Federal, Suécia, Austria, indicam que as idéias de liber- dade ¢ de direitos do individuo — coluna vertebral da Filosofia Objetivista — comegam a firmar-se, A obra filoséfica de Ayn Rand abarca os cinco ramos que compéem a filosofia: metafisica, em seu livro Philosophy: Who needs it; epistemologia, a ciéncia do conhecimento, em Iniroduc- tion to Objectivist epistemology; ica, neste livro; politica, em Capitalism, the unknown ideal, eestética, em The romantic manifesto, Outros livros da autora so seus romances Quem é John Galt? (Atlas shrugged)*, We the living, The fountainhead, Anthem, The night of January 16th, The new left: The anti-industrial revolution e For the new intellectual. As idéias de Ayn Rand apresentar-se- o ao leitor como um verdadeiro desafio, uma filosofia absoluta- mente nova, integra e sem claudicagies. Conheeé-la é imprescindi- vel e, afinal, inevitavel. Bertrand Russell, que ja nao concordaria com as idéias de Ayn Rand, disse, em sua obra Fundamentos de filasofia: “Nenhu- ma filosofia pode passar sem prestar atengdio as mudancas nas nossas idéias da mundo fisica que os homens da cigncia acredita- ram necessério introduair: pode-se dizer, com razio, que todas as filosofias tradicionais serio descartadas, e que teremos de comecar de nove com o menor respeito possivel pelos sistemas do passado. Nosso tempo penetrou mais profundamente na natureza das coi- sas como nenhum outro, ¢ seria inadequadamente modesto sobres- timar o que ainda pode-se aprender com metafisicos dos séculos XVII, XVIII ¢ XIX.” “alas skiueged foi publica em portususs sob o titulo Quem & John Gait? (Rio de Je acito, Exped, 1987). (N.T) 12 Avirtude do egoisme ca E_J. Bronowski, 0 sdbio autor de A ascensdo do homem, advertiu em 1973: “© conhecimento é uma responsabilidade pela integridade do que somos, primordialmente come criaturas éticas. E nao podemos manier essa integridade se deixamos que os de- mais dirijam o mundo por nds, enguanto nos dedicamos a viver com base numa moral vinda de crengas passadas. Daqui a cinqtien- ta anos, se 0 conhecimento da origem do homem, sua evolucao historica € seu progresso, nao for lugar comum nos livros-texto, entio no existiremos mais.”” A seguir, como breve biografia de Ayn Rand, estd transerito parte de meu artigo Ayn Rand ¢ a Filosofia da Razdo, que, co- mo uma homenagem e coincidéncia com o primeito aniversério de sua morte, foi publicade em 6 de marco de 1983 no jornal La Prensa, de Buenos Aires. A sra. Ayn Rand nasceu em 2 de fevereiro de 1905, em Sio Petersburgo, hoje Leningrado, no seio de uma familia judia de clas- se média, Graduou-se na Universidade em 1924 enquanto enfrenta- ‘ya 0s horrores da revolucio comunista. Em 1926 consegniu emigrar para os Estados Unidos, dirigin- do-se a Hollywood para trabalhar como extra de cliema e ajudan- te de roteitista. Ao longo da década de trinta, iniciou sua carreira de roteiris- ta para a Universal, Paramount e MGM. Também redigi seu pri- meiro romance We the living — uma obra comovedora, ambienta- da na Rissia, sobre ss condigées de vida dos habitantes submeti- dos a um sistema de governo totalitirio, Sobre esta obra diria: no é um romance sobre 4 Riissia Sovittica. I um romance sobre © individuo contra o Estado. O tema bisica é a sacralidade da ve da humana, no no sentido mistico, mas sim no de “valor supre- mo”. Durante o governo de Mussolini foi filmada uma versio pi- rata desse romance — protagonizada por Alida Valli e Rossano Brassi —-, a qual foi seqiiestrada peto proprio governo fascista que havia autorizado a filmagem, ao se dar conta de que a obra néo apontava contra uma ditadura em particular, mas sim contra to- das elas em geral. We the living, entretanto, a0 ser publicada em 1934, foi des- trocada pela critica literdria da época — jd entiio substanctalmen- te invadida pela intelectualidade esquerdista — ¢ teve que esperar | | Prefacie & edigdo argentine 19 até 1966, quando a primeira reimpressio alcancou 400.000 edpias, Floje ew dia a obra ja vendeu milhdes de exemplares e foi traduzi- da para os principais idiomas. Pouco antes de publicar We the living Ayn Rand apresentou a sua primeira obra teatral — Noite de 16 de janeiro —, que se converteu emt um dos clissicos do teatre norte-americano. Em 1938 ela publicou —- na Inglaterra — o romance Anthem, sobre uma sociedade que proibiu o uso da palavra “eu”, trocan- do-a por “nds”, e a longa e penosa luta de um homem psra redes- cobri-la. Em 1943 velo & luz The fountainhead — outra obra que atin- giu cifras milionérias de vendas em todo o mundo —, uma epo- péia de um arquiteto que faz voar para os ares sua propria criagdo ao descobrir que 0 seu. desenho fora adulterado. Essa obra foi le- vada para as telas do cinema através da interpretagao de Gary Co- oper ¢ Patricia Neal. Sua principal obra foi publicada quatorze anos depois. Atlas shrugged & um dos clissicos da literatura norte-americana, haven- do j4 amplamente superado os 10 milhdes de exemplares na versio de iingua inglesa, A partir desse momento, e devido ao extraordi- nario interesse que despertaram suas idéias, principalmente entre 0s jovens universitérios, Ayn Rand se dedicou — com 0 apoio de colaboradores como Nathaniel Branden, Robert Hessen e Leonard Peikoff -- a popularizar sua filosofia através de livros, revistas ¢ conteréncias em universidades, etc. A Sra. Rand morreu na cidade de Nova lorque, em 6 de mar- go de 1982, Manfred F. Schieder AZREEADELEEEEERUSAEDEUELLLL SAU EEEEATEUEEAEELELLELUEELEELITA INTRODUCAO © titulo deste livro pode despertar o tipo de pergunta que ouce de vez em quando: “Por que voce utiliza a palavra ‘cgois- mo’ para denotar qualidades virtuosas de caréter, quando esta pa- lavra cria antagonismo entre tantas pessoas para quem cla nao sig- nifica o mesmo que para voce?” Para aqueles que fazer esta pergunta, minha resposta é “Pe- a razio que faz vocé ter medo dela.” ‘Mas ha outros que ndo fariam esta pergunta, sentindo a co- vardia moral que a mesma acarreta, e que silo, contudo, incapa- zes de formular minha razo real ou identiffear a profunda ques- 180 moral envolvida. Para eles é que darei uma resposta mais explicita. ‘Nao é uma mera questo semantica, nem um problema de es- colha arbitrétia, O significado atribuido pelo uso popular @ pala- vra “egoismo” nao estd, simplesmente, errado: representa uma te- niversacdo intelectual devastadora que é responsdvel, mais do que qualquer outro fator, pelo restrito desenvolvimento moral da humanidade. ‘No uso popular, a palavra “egoismo”’ é um sindnimo de mal- dade; a imagem que invoca é de um brutamontes homicida que pisa sobre pilhas de cadéveres para alcangar seu proprio objetivo, que ndo se importa com nenhum ser vivo ¢ persegue apenas a re- ‘compensa de caprichos inconseqitentes do momento imediato. Porém, significado exato e a definicdo do diciondrio para apalavra “egoismo” é: preocupacdo com nossos préprios interesses, Este conceito nio inclui avalingao moral; nao nos diz se a pre ocupagio com os nossos préprios interesses € hoa ou md; nem nos diz 0 que constifuem os interesses reais do komem, E tarefa da ética responder a tais questées, a 14 Intwodestio 15 cnc. A ética do altruismo criou a imagem do brutamontes, como sua fesposta, a fim de fazer os homens aceitarem dois prineipios desumanos: (a) que qualquer preocupacao com nossos préprios in- ieresses é nociva, ndo importando o que estes interesses possam representar, e (b) que as atividades do bratamontes so, na ver- dade, a favor dos nossos préprios interesses (que o altruismo im- pée a0 homem renunciar pelo bem se seus vizinhos). Para uma visdo da natureza do aitruismo, suas conseqiiéncias ea enormidade de corrupgdo moral que perpetra, recomendo a lei- tura de minha obra Adias shrugged ~— ow a qualquer uma das man- chetes dos jornais de hoje. © que nos preocupa aqui ¢ a omissiio Go altruismo no campo da teoria da ética. Hi dois questionamentos morais que o altruismo reine den- zo de um tinico “pacote’: (1) © que,siio valores? (2) Quem deve set 0 beneficidrio dos valores? © altruismo substitui 0 primeiro pelo segundo; ele foge da tarefa de definir um eddigo de valores morais, deixando 0 homem, assim, na verdade, sem diretriz moral. ‘O altrufsmo declara que qualquer aco praticada em beneficio dos outros boa, e qualquer agao praticada em nosso préprio be- eficio € ma, Assim, o henefieidrio de uma ago € o nico critério de valor moral — ¢ contanto que o beneficidrio seja qualquer um, salvo nés mestnos, tudo passa a ser valido. Daf a imoralidade assustadora, a injustica cronica, os grotes- cos padres duplos, os conflitos e as contradicées insohiveis que tém caracterizado os relacionamentos humanos ¢ as sociedades hu- manas através da historia, sob todas as variantes da ética altrufsta, ‘Observe a indecéneia do que se consideram julgamentos mo- rais atualmente, Um industrial que produz uma fortuna e um gan; ster que rouba um banco sio considerados igualmente imorais, ja que ambos procuraram fortuna para 0 seu proprio beneficio “ego- fsta", Um jovem que desiste de sua carreira para sustentar seus ‘pais € nunca sobe além do posto de empregado de mercearia ¢ con- siderado moralmente superior aquele que suporta uma luta dificil ¢ conquista sia ambicdo pessoal. Um ditador ¢ considerado mo- ral, desde que as indescritiveis atrocidades cometidas tenham tido a intenc&o de beneficiar *“o povo”, nfo a ele mesmo. Observe 0 que este critério morai, que considera apenas o be- neficitio, faz 4 vida de um homem, A primeira coisa que ele apren- 16 Avirtude do agoismo we de é que a moralidade ¢ sua inimiga: no ganha nada com ela, apenas perde; tudo o que ele pode esperar so perdas auto-impos- tas, dores auto-impostas ¢ 0 manto cinzento e deprimente de uma obrigaco incompreensivel. Ble pode esperar que os outros pos- sam, ocasionalmente, sacrificar-se em seu beneficio, assim como ele se sacrifica de mé vontade, em beneficio deles, mas ele sabe que tal relacionamento 56 produziré ressentimentos muituos, nao prazet — e que, moralmente, esta busca de valores serd como uma troca de presentes de Natal nao desejados ¢ niio escolhidos que nenhum deles se permite, moralmente, comprar para si mes- mo, Exceto nos momentos em que conseguir realizar algum ato de auto-sacrificio, ele carecerd, como pessoa, de qualquer significa- do moral: a moralidade ndo toma conhecimento dele ¢ ndo tem nada a dizer-lhe como orientag3o nas questdes cruciais de sua vi- da; esta € somente sua vida pessoal, privada, “egoista”” ¢, como tal, € considerada, ou maléfica ou, na melhor das hipoteses, amoral, Dado que a natureza néo prové o homem com uma forma automiatica de sobrevivencia, dado que ele tem de sustentar sua vida através de seu propria esforgo, a doutrina que diz que a pre- ‘ocupacao com nassos proprios interesses € nociva significa, conse- qiontemente, que 0 desejo de viver do homem é nocivo — que a vida do homem, como tal, é nociva. Nenhuma doutrina poderia ser mais nociva do que esta. Todavia, este € 0 significado de altruismo, implicito nestes exem-~ plos que igualam um industrial a um ladrao. Ha uma diferenga moral fundamental entre um homem que vé seu auto-interesse na produgdo ¢ um outro que o vé no roubo, A maldade de um la- rao milo repousa no fato de que ele persegue seus proprios interes- ses, mas no que ele considera como sendo seu proprio interesse; ndio no fato de que ele busca seus vaiores, mas no que ele escolheu para valorizar; naio no fato de que cle deseja viver, mas no fato de ele querer viver num nivel sub-humano. (Veja A ética Objetivista.) Se for verdade que o que quero dizer com “egoismo” néo & ‘© que significa convencionalmente, entdo esta € uma das piores acusacées que se pode fazer contra o altrufsmo: significa que o al- truismo nao permite conceito algum sobre um homem que se au- to-respeita e & independente economicamente — um homem que sustenta sua vida através de seu préprio esforco e nem se sacrifi- Introduséo 17 ca pelos outros nem sacrifica os outros por si. Isto significa que © altruismo nao permite outra visio dos homens, que ndo seja a de animais para sacrificio ¢ beneficiérios-do-sactificio alheio, co- mo vitimas ¢ parasitas — que ndo permite 0 conceito de uma coe- xist@ncia benevolente entre os homens — que néio permite 0 con- ceito de justign, i Se vocé se pergunta quais so as razdes por tras da feia mistu- ta de cinismo ¢ culpa na qual a maioria dos homens desperdica suas Vidas, estas so as razdes: cinismo, porque eles ndo praticam nem aceitam a moralidade altruista — cnlpa, porque eles no se atrevem 2 rejeité-la. Para rebelar-se contra um mal tao devastador, € preciso rebe- lar-se contra sua premissa basica, Para redimir ambos, o homem € 2 moralidade, & 0 conceito de “egoismo”” que se tem de redimir, O primeira passo é defender o direito do homem a uma exis- téncia moral racional — que é reconhecer sua necessidade de um cédigo moral para guiar o rumo e a realizagio de sua propria vida. Para um breve esboco da natureza e da validade de uma mo- ralidade racional, vela minha palestra sobre A ética Objetivista, gue segue. As razdes pelas quais o homem precisa de um eddigo moral dirdo a voc’ que © propésito da moralidade é definir 0s in- teresses ¢ valores adequados ao homem, que @ preoeupacio por seus préprins interesses ¢ a esséncia de uma existéncia moral, © que o homem deve ser 0 beneficidrio de seus préprios atos morais. Dado que todos os valores tém de ser ganhos e/ou mantidos pelas ages do homem, qualquer brecha entre o ator ¢ o benelicia- tio implica uma injustiga: o sacrificio de alguns homens em favor de outros, dos que ages em favor dos que nao agem, dos que tém moral em favor dos imorais. Nada poderia jamais justificar tal brecha, ¢ ninguém nunca o fez. A escolha do beneficidrio dos valores morais ¢ meramente uma questo preliminar e introdutéria no campo da moralidade. Nao € um substituto para a moralidade, nem um critério de valor moral, como é apresentado pelo altruismo. Nem é tampouco um fundamento moral: ela tem de ser derivada de e validada pelas pre- missas fundamentais de um sistema moral. A ética Objetivista sustenta que o ator deve ser sempre 0 be- neficiario de sua agdo, e que o homem deve agir para seu proprio 18 A virtude do egolime ow auto-interesse racional, Mas seu direito de fazer tal coisa ¢ deriva- do de sua natureza como homem e da funeao dos valores morais na Vida humana — ¢, por conseguinte, ¢ aplicavel somente no can- texto de um cédigo de prineipios morais racional, objetivamente demonstrado ¢ validado, que defina e determine seu real auto-ime- esse. Nao é uma licenca “para fazer o que Ihe agrada”, endo é aplicivel a imagem altruista de um brutamontes “egoista”, nem a qualquer homem motivado por emogées, sentimentos, impulsos, desejos ou caprichos irracionais. Isto é dito como uma adverténcia contra o tipo de “egofstas nietzschnianos”” que, de fato, so um produto da moralidade al- truista e representam 0 outro lado da moeda altrufsta: os homens que acreditam que qualquer ato, ndo importando sua natureza, € bom, se pretendido em beneficio proprio. Do mesmo modo que a satisfacde dos desejos irracionais dos demais ndo € um critério de valor moral, ndo 0 é também a satisfago de nossos proprios desejos irracionais. A moratidade nao ¢ um concurso de caprichos. (Veja artigos de Branden, Individualismo falsifiendo e Néo somos todos egoistas?, que seguem.} Um tipo de erro similar é cometido pelo individuo que decla- ra que, j4 que o homem deve ser guiado por seu préprio julgamen- to independente, quaiquer ato que ele escolha realizar é moral, contanto que ele o faca, Nosso proprio julgamento independente €0 meio pelo quai nds devemos escolher nossos atos, mas no € um critério, nem uma justificativa moral: somente a referéncia a um principio demonstravel pode validar nossas escollias. Assim como o homem nao pode sobreviver por quaisquer meios alestérios, mas deve descobrir e praticar os principios que sua sobrevivéncia requer, assim tampouco pode 0 auto-imeresse do homem set determinado por desejos cegos ou caprichos arbitra- rigs, mas tem de ser descoberto e conquistado sob a diretriz de prinefpios racionais. F por isso que a ética Objetivista é uma mora- lidade de auto-interesse racional — ou de egoismo racional. Dado que o egoismo é “‘preocupagio com nossos préprios in- teresses", a ética Objetivista utiliza este conceito no seu sentido mais puro ¢ exato. Nao € um conceito de que se possa render-se gs inimigos do homem, nem aos falsos conceitos, distorgdes, pre- conceitos e medo dos ignorantes ¢ dos irracionais. O ataque ao “e- Introducéo 19 goismo” € um ataque & auto-estima do homem; render um é render o outro. Agora unta palavra sobre o material deste livro. Com exeegiio da conferéncia sobre étiea, trata-se de uma colegdo de ensaids pu- blicados em The Objectivist Newsletter, am periédico mensal de idéias, editado e publicado por Nathaniel Branden ¢ cu. Este bole- tim trata da aplicacdo da filosofia do Objetivismo as questoes problemas da cultura atual — mais especificamente com aquele nivel intermedidrio de interesse intelectual que repousa entre as abstracdes filoséficas e as idéias jornalisticas concretas do dia-a- dia. Seu objetivo é prover os leitores com um marco de referéncia filosofica consistente, Esta colegdo ndo é um tratado sistemdtico de ética, mas uma série de ensaios sobre aqueles temas éticos que precisavam de escla- recimento, no contexto atual, ou que tinham se tornado confusos pela influéncia do altrufsmo. Voeé pode observar que os titalos de alguns ensaios esto na forma de pergunta, Estes vém de nos- so “Departamenta de Munigao Intelectual’’, que responde as per- gunias enviadas pelos nossos leitores. Ayn Rand (Nova Torque, setembro de 1964) P.S. Nathaniel Branden nao é mais ligado a mim, a minha filo- sofia ou ao The Objectivist (antigamente The Objectivist Newsletter). (ova Lorque, novembro de 1970) RELEEEYADUELENERUQUGEALTLEIIEEAEITEE LE YLEAELEATLELEXEIZIAELEZE AETICA OBJETIVISTA Ayn Rand J4 que vou falar sobre a ética Objetivista, posso comegar citando seu melhor representante — John Galt, em Alas shrugged: “Durante séculos de flageios ¢ desastres ocasionados pelo seu cédigo de moralidade, voces gritaram que seu cédigo foi quebra- do, que os tormentos eram punigdes por ndo havé-lo respeitado, que os homens eram fracos ¢ egoistas demais para derramar todo © sangue exigido. Vocés amaldigoaram 0 homem, amaldicoaram a existéncia, amaldigoaram esta terra, mas nunca se atreverara a questionar seu codigo... Vocés continuaram clamando que o seu cédigo era nobre, mas a natureza humana no era boa o suficien- te para pratica-lo. E ninguém se levantou para perguntar: bom? = por qual critério? ‘Vocés queriam saber a identidade de John Galt. Eu sou 0 bo- mem que fez aquela pergunta. Sim, esta & uma era de crise moral... Sen cédigo moral alean- cou seu climax, um beco sem saida ao final do seu trajeto. E se voo8 deseja continuar vivendo, o que precisa agora no é retornar & moralidade... mas descobri.ta.”! © que é moralidade, ou ética? E um eéddigo de yalores gue orienta as escolhas e as agGes do homem — escolhas ages estas que determinam propésito ¢ o rumo de sua vida. A ética, co- mio ciéncia, trata da descoberta ¢ da definigdo deste cédigo. A primeira pergunta que deve ser respondida, como uma con- dicdo prévia de qualquer tentativa para definir, para julgar ou pa- ra aceitar qualquer sistema especifico de ética, é por que o homem 20 A ética Objetiviste 21 precisa de um cédigo:de valores? Deixe-me ressaltar isto. A primeira pergunta nao é que od digo especifico de valores o homem deve aceitar? A primeira per~ gunta & 0 homem precisa de valores, afinal — ¢ por qué? * Serd 0 conceito de valor, de ‘Bem ou Mal", uma invencdo humana arbitraria, ndo relacionada, nao derivada, e no sustenta- da por nenhum fato da realidade — ou esta ele baseado num fa- to metafisico, uma condicao inalterdvel da existéncia do homem? (Urilizo a palavra “‘metafisica’” significando: aquilo que diz respei- to A realidade, & natureza das coisas, a existéncia.) E decreto de uma converico humana arbitréria, de um mero costume, que 0 homem deve orientar seus atos por um conjunto de prinefpios — ou existe um fato da realidade que exige isto? A ética ¢ o territé- rio dos eaprichos: das emocdes pessoais, convengdes sociais e reve- lagdes misticas — ou é 0 tertitério da razio? A ética € um Inxo subjetivo — ou uma necessidade objetiva? No triste registro da histéria da ética da humanidade — com pouucas, raras e malogradas excegdes — os moralistas tém conside- rado a ética como wm territério dos caprichos, isto : do irracio- nal. Alguns deles o fizeram explicitamente de propésito — outros implicitamente, por omissdo. Um **capricho"” ¢ um desejo experi- mentado por uma pessoa que ndo sabe ¢ no se importa em desco- brit sua causa. Nenhum filésofo deu uma resposta racional, objetivamente demonstrével e cientifica, & pergunta do porqué do homem preci- sar de um cddigo de valores. Enquanto esta pergunta permaneceu inrespondida, nenhum cédigo de ética objetivo, racional e cientifi- co pode ser descoberto ou definide. © maior de todos 0s filéso- fos, Aristételes, ndo considerava a ética como uma ciéncia exata; ele baseou seu sistema ético em observacdes a respeito do que os homens sdbios e nobres de seu tempo escothiam para fazer, deixan- do sem resposta as perguntas: por que eles escoihiam fazé-lo, ¢ por que ele os considerou nobres e sabios. ‘A maioria dos fildsofos consideravam a existéncia da ética co- mo certa, como um dado, como um fato histérico, ¢ no estavam interessados em descobrir sua causa metafisica ou sua validacdo objetiva. Muites deles tentaram quebrar 0 monopélio tradicional do misticismo no campo da ética para, supostamente, defini uma moratidade racional, cientifica e nfio-religiosa. Mas suas tentativas consistiram em aceitar as doutrinas éticas dos misticos tratando de justificd-las sob fundamentos sociais, meramente substituindo Deus por Sociedade. Os misticos declarados sustentavam a arbitraria e inexplicdvel “vontade de Deus" como o padre do bem ¢ como a validagao de sua ética. Os neomisticos substituiram-no por “a bem da socie- dade’, caindo assim na circularidade da definicdo de que “‘o crité- rio do bem é aquilo que € bom para a sociedade”. Isto significou, na idgica — e, hoje, na prdtica no mundo inteiro —, que a “‘socie- dade” mantém-se acima de quaisquer principios de ética, ja que ela ¢ a fonte, o padrao ¢ o critério de ética, j4 que “o bem’ & tu- do 0 que a sociedade deseja, tudo o que ela pode reclamar como sendo seu proprio bem-estar e prazer. Isto significou que a “socie~ dade” pode fazer o que ela quiser, j& que “Yo bem’ & tndo aqui- Jo que ela escolhe fazer simplesmente porque ela escolheu faz8-lo. F, jd que nao existe uma entidade tal como a “‘sociedade”, ja que a sociedade é apenas um numero de individuos — isto significon gue alguns homens (@ maioria ou qualquer gangue que reclame ser seu porta-voz) esto eticamente autorizados a perseguit quais- quer caprichos (ou quaisquer atrocidades) que desejem perseguir, enquanto outros homens estéo eticamente obrigados a passar suas vidas a servigo dos desejos desta gangue. Isto dificilmente poderia ser chamado de racional, no entan- to a maioria dos fildsofos decidiu agora declarar que a razdo fa- Shou, que a ética esté fora do poder da razAo, que no hé ética ra- cional que possa ser definida, e que no campo da ética — na esco- Iha de seus valotes, de suas ages, de suas ocupagdes, das metas de sua vida — 0 homem deve ser guiado por algo mais do que a razao. Pelo qué? Fé — instinto — intuigdo — revelacdo — senti- mento — gosto — impeto — desejo — eapricho. Hoje, como no passado, a maioria dos filésofos concordam que o padrdo titimo da ética € 0 eapricho (eles 0 chamam de “postulado arbitrério” ou “escotha subjetiva””, ou ainda ‘“compromisso emocional””) — ea batalha apenas sobre a questo: o capricho de quem 7: seu proprio ou da sociedade ou do ditador ou de Deus, Mesmo discor- dando entre si sobre outros temas, os moralistas atuais concordam que a ética € uma questao subjetiva ¢ que as trés coisas proibidas scecag Adtica Objetivista 23 ao seu campo so: razdo — consciéncia — realidade Se vooe se perguntar por que o mundo hoje esta afundando em um inferno cada vez mais profundo, esta serd a razzo. Esta ¢ a premissa da ética moderna ~- ¢ de toda a bistéria da ética — que deve desatiar, se voc® quer salvar a civilizagio. Para desafiar a premissa basica de qualquer disciplina, deve- mos comecar pelo inicio. Na ética, deve-se comegar perguntando: © que séo valores? Por que ¢ homem necessita valores? “Valor” é tudo aquilo pelo qual alguém age para conseguir ¢/ou manter. O conceito de “valor” nao é um conceite primédrio; ele pressupde uma resposta A pergunta: de valor para quem ¢ pa- rao qué? Ele pressupde uma entidade capaz de atuar para atingir um objetivo frente a uma alternativa. Onde nao existem alternati- vas, nao sio possiveis nem objetivos ener valores. Cito do discurso de Galt: “Hd apenas uma alternativa funda- mental no universo: existéneia ou ndo-existéncia — e ela pertence a.uma tinica classe de entidades: a dos organismos vivos. A existén- cia de matéria inanimada é incondicional, a da vida no: depende de um curso especifico de aco. A matéria é indestrutivel, ela mu- da suas formas, thas no pode parar de existir. Somente um orga- nismo vivo enfrenta uma alternativa constante: a questo da vida ou morte. A vida é um processo de ado auto-gerada e auto-susten- tada. Se um organismo falha nesta apo, ele motre; seus elemen- tos quimicos permanecem, mas sua vida cessa de existir. E somen- te 0 conceito de ‘Vida’ que faz 9 conceito de ‘Valor’ possivel. E apenas para uma entidade viva que as coisas podem ser boas ou ms.”” Para tornar este ponto totalmente claro, tente imaginar um rob6 indestrutivel, imortal, uma entidade que se move ¢ age, mas que no pode ser afetada por nada, que néio pode ser mudada em qualquer aspecto, que ndo pode ser danificada, machucada ou destruida. Tal entidade néo seria capaz, de ter quaisquer valores; ndo teria nada para ganhar ou para perder; ela nao poderia consi- derar nada come sendo a seu favor ou contra, servincdo ox amea- gando seu bem-estar, preenchendo ou frustrando seus interesses. Ela ndo poderia ter nenhum interesse ou objetivos. ‘Apenas uma entidade viva pode ter objetivos ou origind-los, E somente um organismo vivo tem capacidade para realizar agdes auto-geradas ¢ dirigidas a um objetivo. Ao nivel fisico, as fungSes 24 Avirwde de egatsme eke rennet de todos 05 organismos vivos, do mais simples a0 mais complexo ~ da funcao nutritiva na célula unica de uma amebe & circulagdo do sangue no corpo de um homer —, sao ages geradas pelo pro- prio organismo e dirigidas a um tinico objetivo: a conservagao da vida do organismo.? A vida de um organismo depende de dois fatores: o material ou combustivel que ele necessita do lado de fora, do seu meio am- hiente fisico, © a acao de seu proprio corpo, de utilizar este com- bustivel apropriadamente. Qual € 0 critério que determina o que é apropriado neste contexto? 0 critério € a vida do organismo, ‘ou: aquilo que ¢ exigido para a sobrevivencia do organismo, O organismo nao possui nenhuma opedo nesta questo: acui- Jo exigido para sua sobrevivéncia ¢ determinado pela sua nature- za, pelo tipo de entidade que & Muitas variagdes, muitas formas de adaptagdo ao meio ambiente so possiveis a um organismo, in- cluindo a possibilidade de existir durante um tempo numa condi- 0 de incapacidade, de mutilacao ou doenga, mas a alternativa fundamental de sua existéncia permanece a mesma: se um organis- mo falha nas tungdes basicas exigidas por sua natureza — se 0 protoplasma de uma ameba cessa de assimnilar comida, ou se 0 co- racio de um homem péra de bater —, ele morre. Num sentido fundamental, a néo-agio ¢ a antitese da vida. A vida pode ser mantida na existéncia apenas por um proceso constante de ago de auto-sustentacao. O objetivo desta ago, 0 valor supremo que, para ser mantido, deve ser ganho através de cada um de seus mo- mentos, é a vida do organismo, Um valor supremo é aqueie abjetivo final para o qual todos 08 objetivos menores so meios — ele estabelece 0 critério pelo qual todos os objetivas menores séo valorados. A vida de um or- ganismo € 0 scu padrio de valor: aquilo que promove sua vida é © bem, aquilo que a ameaca é 0 mal. Sem um objetivo ultimo ou fim, nao pode haver objetivos ‘ou meios menores: uma série de meios que avangam em uma pro- gressio infinita aa direco de um fim inexistente é uma impossibi- lidade meiafisica ¢ epistemoldgica. E somente um objetivo tiltimo, um fim em si mesmo, que faz possivel a existéncia de valores. Me- tafisicamente, a vida é 0 tinico fendmeno que é um fim em si mes- mo: um valor ganho e mantido por um processo constante de Aética Objetivista 25 aio. Epistemologicamente, 9 conceit de “valor” & genetivamen- te dependente ¢ derivado do conceito antecedente de “vida”, Fa- lar de ““valor”” separadamente de “‘vida’’ é pior do que uma con- tradigo em termos, ““E somente 0 conceito de ‘Vida’ que toma possivel @ conceito de “Valoc’. Em resposta aqueles fildsofos que argumentam que nenhu- ma relagdo pode set estabelecida entre os fins ou valores iltimos ¢ os fatos da realidade, deixe-me ressaltar que o fate de entidades vivas existirem e fancionarem necessita a existéncia de valores ¢ de um valor tiltimo, que para qualquer entidade viva é sua propria vida. Consegiientemente, a validacio dos julgamentos de valores deve ser obtida baseando-se nos fatos da realidade, O fato de que uma entidade viva , determina 0 que ela deve fazer, Isto é 0 sufi- ciente no que se reftere & questo da relacdo entre o “ser” €0 “‘dever””. Agora, de que mancira um ser humano descobre o conccito de “valor”? Por quais meios ele se torna pela primeira vez, cons- ciente da questo do “bem ¢ de mat” na sua forma mais simples? Mediante as sensac6es fisicas de prazer ou dor. Assim como as sen- sages so 0 primeiro passo no desenvolvimento de uma conscién- cia humana no terreno da cognigio, assim também o sfio no terre- no da valoragiio. 7 A capacidade de experimentar prazer ou dor inata no cor- po do ser humano; é parte de sua natureza, parte do tipo de enti- dade que ele &, Ele nao tem escolha a este respeito, assim como ‘tampouco tem escolha sobre o critério que determina 0 que o fa- 1 experimentar a sensagdo fisica de prazer ou dor. Que eritério é este? Sua vida, “© mecanismo prazet-dor no corpo de um homem — e nos corpos de todos 03 organisms vivos que possuem a faculdade da consciéncia — serve como um guardiio automatico da vida do or- anism. A sensacdo fisica de prazer € um sinal indicando que 0 organismo esta perseguinda o curso certo de ago. A sensagio fisi- ca de dor ¢ um aviso de perigo, indicando que o organismo esta perseguindo o curso errado de acdo, que algo esta interferindo na fungio adequada do seu corpo, o que requer uma acdo corretiva. ‘A melhor ilustrago disto pode ser vista nos raros ¢ monstruosos casos de criancas que nascem sem a capacidade de experimentar dor fisica; tais criancas ndo sobrevivem por muito tempo; elas ndo 26 Avirtude de egaismo wake tam meios de descobtir o que pode feri-las, nenhum sinal de adver- tncia, e, conseqiientemente, um corte insignificante pode desen- volver-se numa infecgdo mortal, ou uma doenga grave pade perma- necer sem ser detectada até ser tarde demais para combaté-la A consciéncia ~~ para aqueles organismos vivas que a pos- suem —~ € 0 meio basico de sobrevivencia, Os organismos mais simples, como as plantam, podem sobre: viver por meio de suas fungoes fisicas automaticas, Os organismos superiores, como os animais ¢ o homem, nao: suas necessidades sio mais complexas, ¢ 0 seu raia de acao € mais amplo. As fun- ses fisicas de seus corpos podem executar, automaticamente, so- mente a tarefa de utilizar 0 combustivel, mas néo podem obter es- te combustivel. Para obté-lo, os organismos superiores precisam da faculdade da consciéncia. Uma plania pode obter sua comida do solo no qual ela cresce. Um animal tem que cacd-la. O homem tem que produzi-la. Uma planta nao tem escolha de aco; 0s objetives que ela persegue sao automiaticos ¢ inatos, determinados por stia nature- za, Nutricéo, agua, luz solar sao valores que sua natureza determi- nou que procurasse. Sua vida € o critério de valor dirigindo seus atos, Existem alternativas nas condigdes que encontra ci seu meio ambiente fisico — como calor ou frio, seca ou enchente —, ¢ ha certas agdes que é capaz de executar para combater condisdes ad- versas, como a habilidade de algumas plantas de crescerem ¢ raste- Jarem por debaixo de uma pedra até aleangarem a luz solar. Mas sejam quais forem as condicdes, nao fa alternativa na funcdo de uma planta: ela age automaticamente para promover sua vida, cla nao pode agir para sua propria destruicao. A complexidade de agdes requeridas para a sobrevivéncia dos organismos superiores é mais ampla: ela é proporcional & comple- xidade de sua conseiéneis. As espécies conscientes inferiores pos- suem somenie a faculdade da sensaco, suficiente para direcionar suas ag6es © abastecer suas necessidades. Uma sensacao é produzi- da pola reac automatica de um éraao do sentido a um estimulo proveniente do mundo exterior; ela dura pela extensiio do momen- to imediato, contanto que o estimulo permanega, e nia mais do ue isso. AS sensagdes so uma resposta automitica, uma forma automatica de conhecimento que uma consciéneia nao pode procu- pe SB ee vis Bae, a | nance onotine a rar, nem da qual se evadir, Um organismo que possui apenas a fa- culdade da sensaco ¢ orientado pelo mecanismo prazer-dor de seu corpo, ou seja: através de um conhecimento automatico e um co- digo de valores automitico. Sua vida é o critério de valor qué diri- ge seus atos. Dentro da gama de acdes que The so possiveis, ele age austornaticamente para promover sua vida e nao pode agir pa- ra sua propria destruicao, a Os organismos superiores possuem uma forma muito mais potente de consciéneia: a faculdade de reter as sensacdes, que é a percepedio. Uma faculdade da “percepeao”” é-um grupo de sensa- Ges automaticamente retidas e integradas pele cérebro de um or- ganismo vivo, que Ihe confere a habilidade de ser consciente, nao de estimnlos isolados, mas de entidades, de coisas. Um animal nao & guiado meramente por sensagdes imediatas, mas por percepsies. Suas agdes nfo sdo respostas isoladas ¢ separadas a estimulos isola- dos ¢ separados, mas sim dirigidas por uma consciéncia integrada da realidade pereeptual com que se confronta. Ele é capaz de com- preender a realidade perceptual do presente imediato € € capaz de formar associagdes perceptuais automaticas, mas ele nao pode ir mais adiante, Ele é capaz de aprender certas habilidades para lidar com situagdes especificas, como cagar ou esconder-se, que os pais, dos animais superiores ensinam a seus filhotes. Mas um animal no tem escolha sobre o conhecimento ¢ as habilidades que adqui- re; ele pode apenas repeti-los geracdo apés geracéo. Um animal tampouco nao tem escolha no critério de valor que dirige seus aos: seus sentidos o provém com um cédigo de valores automiti- co, um conhecimento automético do que ¢ bom ou mau para si, ‘© que beneficia ou compromete sua vida. Um animal nfo tem 0 poder-de ampliar seu conhecimento ou evadir-se deie. Nas situa- ges em que seu conhecimento ¢ inadequado, ele perece — como, por éxemplo, um animal gue fica paralisado nos trithos de uma ferrovia no caminho de um trem em alta velocidade, Mas contan- to que viva, um animal age segundo seus conhecimentos, com se- guranga automatica e sem poder de escolha: ele nao pode suspen- der sua propria conscigncia — ele no pode escolher no perceber — dle niio pode evadir-se de suas préprias percepedes — ele nio pode ignorar seu proprio bem, ele ndo pode decidir escolher 0 mal ¢ agir como seu préprio destruidor. 28 A virtude de ogoisma © homem ndo tem um cédigo automitico de sobrevivéncia. Ele nfo possui um curso automdtico de ago, nem um conjunto automético de valores. Seus sentidos ndo the dizem automatica- mente o que é bom ou 0 que é mau para si, o que beneficiard sua vida ou o que a pord em perigo, que objetivos ele pode perseguir ¢ com que mejos ele paderd alcangé-los, quais so os valores de que sua vida depende, que curso de acdo esta requer. Sua propria conscigncia tem de descobrir as respostas a estas perguntas — mas sua consciéncia no funciona antomaticamente. O homem, a mais elevada espécie viva sobre a Terra —- © ser cuja consciéncia tem uma capacidade ilimitada de adquiric conhecimento —, é a dinica entidade viva que nasce sem nenhuma garantia de sequer permane- cer consciente. O que distingue particularmente o homem de todas as outras espécies vivas € 0 fato de que sua consciéncia € volitiva, Assim como os valores automdticos que dirigem as fungdes . de uma planta sio suficientes para a sua sobrevivencia, mas ndo © so para a de um animal — também os valores automaticos pro- vidos pelo mecanismo sensorial-perceptual de sua consciéncia so suficientes para guiar um animal, mas ndo o silo para o homem, As ages e a sobrevivéncia do homem requerem a diretriz de valo- Fes conceituais obtidos de um conhecimento conceitual. Mas 0 co- hecimento conceitual nao pode ser adquirido automaticamente. Um “‘conceifo”” € uma integraco mental de duas ou mais re- alidades perceptuais que siio isoladas por um processo de abstra- gio © unidas por meio de uma definigdio especifica. Cada palavra da linguagem do ser humano, com a excecdio dos nomes proprios, denota um conceite, uma abstragdo que representa um mimero ili- mitado de realidades perceptuais de um tipo especifico. E através da organizacéo de seu material perceptual em conceitos, ¢ de seus conceitos em conceitos mais e mais amuplos, que o homem é capaz de compreender ¢ reter, identificar ¢ integrar uma quantidade ili- mitada de conhecimento, um conhecimento que se estende para além das percepgdes imediatas de quaiquer momento dado. Os ér- Gos do sentido do homem funcionam automaticamenta; 0 cérebro do homem integra as informagdes sensoriais em percepedes de ma- neira automética; mas © processo de integrar percepcdes em con- ceitos — 0 processo de abstragdo € de formacdo de conceitos — niio é automiatico. Adtlca Objerivista 29 tte © proceso de formagio de conceitos nlio consiste meramen- teem compreender algumas poucas e simples abstracdes, como ‘ca- deira”, “mesa”, “quente”, “frio”, eem aprender a falar. Ble con- siste em um método para usar a consciéncia, que se poderia me- Ihor designar com o termo ‘conceitualizacdo”, Este método no & um estado passivo de registrar impressdes a0 acaso. Ele é um. process ativamente sustentado de identificar nossas impressées em ternios conceitnais, de integrar cada evento ¢ cada abservacao em um contexto conceitual, de compreender relacionamentos, dife- rengas, similaridades em nosso material perceptual, e de abstrat- los em novos.conceitos, de tragar inferéncias, fazer dedugées, al- cancar conclusdes, fazer novas perguntas ¢ descobrir novas respos- tas ¢ ampliar nosso conhecimento em um total sempre-crescente, A faculdade que dirige este processo,:a faculdade que opera por meio de conceitas, 6 a raze. O processo se denomina pensar, ‘A razdo € a faculdade que identifica e integra o material pro- vido pelos sentidos do homem., Ela ¢ uma faculdade que o homem, tem de exercitar por escotha. Pensar ndo ¢ uma funcéio automati- ca, Em cada situacio ow momento de sua vida, o homem ¢ livce para pensar ou para evitar este esforco, Pensar requer um estado de consciéncia total focalizada. O ato de focalizar nossa conscién- cia é volitivo, O homem pode focalizar sua mente para obter uma consciéncia da realidade, total, ativa ¢ dirigida a um objetivo — ou ele pode desfocd-la ¢ entregar-se 4 deriva numa aturdida semi- conscigncia, meramente reagindo a qualquer estimulo casual do momento imediato, & mercé de seu mecanismo sensorial-percep- tual nflo-dirigido e de quaisquer conexdes aleatdrias ov por associa Ho que possa eventualmente fazer. Quando o homem desfocaliza sua mente, ele pode se dizer consciente num sentido subhumano da palavra, j4 que experimen- ta sensagdes ¢ percepgdes. Mas, no sentida da palavra aplicavel a0 ser humano ~- no sentido de uma consciéncia que esta ciente da realidade ¢ apta pasa lidar com ela, uma consciéneia capaz de Girigir as agdes ¢ prover a sobrevivéncia do ser humano —, uma mtente desfocalizada nao é consciente. Psicologicamente, a escotha de “pensar ou nao” ¢ a escotha de “focalizar ou nao’. Existencialmente, a escolha de ““focalizar ou no” € a escolha de “ser consciente ou ndo™, Metafisicamen- 30 Avinude de egoisme we te, aescotha de “ser consciente on nao” éa escolha de vida ou morte, A conscigncia — para aqueles organismos vivos que a pos- suem — ¢ 0 meio basico de sobrevivéncia. Para o homem, 0 meio Dbasico de sobrevivéncia € a razao. O homem nao pode sobreviver, como os animais o fazem, orientando-se através de meras percep” shes, Uma sensacio de fome the dird que precisa de comida (se ele aprenden a identificd-la como “fome"), mas ela nao the dir como obter sua comida, nem the dira qual alimento é bom ou ve- nenoso para si, © homem n&o pode suptir suas necessidades fisi- cas mais simples sem um processo de pensamento. Ele precisa de um processo de pensamento para descobrir como plantar e cult var sua comida ou como fazer armas para cagar. Suas percepgdes podem levé-lo a uma eaverna, se alguma estiver disponivel —- mas para construir o mais simples abrigo, ele precisa de um processo de pensamento, Nenhuma percepedo e nenhum “instinto’* lhe di- 14 como acender um fogo, como fecer um pano, como forjar fet- ramentas, como fazer uma roda, um avido, como executar wma apendicectomia, como produzir uma Impada elétsica ou uma val- vula eleirdnica ou um ciclotron ou uma caixa de fosforos. No en- tanto, sua vida depende de tal conhecimento — ¢ apenas um ato volitiva de sua conscitneia, um processo de pensamento, pode supri-lo. Mas a responsabilidade do homem vai ainda além: um proces. 80 de Pensamento nao é automatico, nem “instintivo”, nem inyo- luntério — nem infalivel. O homem deve inicid-lo, sustenté-lo ¢ assumir responsabilidade por seus resultados, Ele tem que discer- nir 0 que é verdadeiro ou falso ¢ descobrir como corrigir seus pré- prios erros; ele tem que descobrir como validar seus conceitos, suas conclusées, seu conhecimento; ele tem que descobrir as re~ gras do pensaments a isda pea, para digi seu pensamen- . A natureza nao the arantis aitik as to, A natnees garantia automética da efiedeia de seu Nada é dado ao homem na ‘Terra, exceto um potencial ¢ 0 material para realizdo. O potencial é uma maquina superlath sua conseiénicia; mas € uma médquina sem vela de ignicdo, uma maquina da qual sua prépria vontade tem de ser a vela de ignigtio; © auto-arranque, o motorista; ele tem que descobrir como utilizd- lac dle tem que manté-la em constante acdo. O material ¢ 0 todo do universo; sem limites postos no conhecimento que o homem A btica Objativine 3 et pode adquirir nem para 0 prazer da vida que ele pode alcangar, Mas tudo do que o homem precisa ou que deseja tem que ser apren- dido, descoberto e produzido por ele — por sua propria escotha, por seu prdprio esforgo, por sua prépria mente, . ‘Um ser que ndo sabe gulomaticamente 0 que ¢ verdadeiro ou falso, nao pode saber automaticamente 0 que é certo ou erra- do, 0 que & bom ov mau para si. No entanto ele precisa deste co- mhecimento para viver. Ele ndo esta isento das leis da realidade, ele ¢ um organismo especifico de uma natureza especifica que re quer agdes especificas para sustentar sta vida, Ele nao pode alcan- Gar sua sobrevivéncia por meios arbitrarios, nem por movimentos aleatdrios nem por impulsos cegos, nem por acaso, nem por capri- cho. Aquilo que sua sobrevivéncia exige € definido por sua nature za e nao est aberto & sua escolha. O.que esti aberto & sua esco- Iha & somente se ele 0 descobriré ou nfo, se escotherd os abjetivos ¢ valores cettos ou nao. Ele é livre para fazer uma escolha errada, mas ndo o é para ter éxito com uma escolha mal feita, Ele ¢ livre para fugir & realidade, para desfocalizar sua mente e cair cegamien- ie por qualquer estrada que The agrade, mas nao o € para evitar © precipicio que ele se recusa a ver, O conhecimento, para qual- ‘quer organismo consciente, € 0 seu meio de sobrevivéncia, para uma consciéacia viva, cada “€” implica um “deve””. © homem ¢ livre para escolher nao ser consciente, mas néo é livre para esea- par da penalidade da inconscigneia: @ destruigiio, © homem & a inica espécie viva que possui o poder de agix como sett proprio destruidor — ¢ este € 0 caminho pelo qual ele tem agido através da maior parte de sua historia. ‘Quais sao, ento, 0s objetives corretos para o homemi perse- auir? Quais so os valores que sua sobrevivéncia requer? Esta ¢ a pergunta a ser respondida pela ciéncia da étiea, E € por Isto, senho- ras e senhores, que o homem precisa de um codigo de ética. Agora voce pode avatiar 0 significado das doutsinas que dizer que a ética é 0 tertitério do irracional, que a razo ndo pode guiar ‘a vida do homem, que os seus objetivos e valores devem ser escolhi- dos pelo voto ou pelo capricho — que a ética ndo tem nada a ver com a realidade, com a existéncia, com as nossas ages € preocu- pacdes priticas — ou que o objetivo da ética esta além do timu- Jo, que os mortos precisam da ética, nao os vivos. 92 Avirtude do egofsme “ ee enemas A ética nto é uma fantasia mistiva —- nem uma convencho social — nem um luxo subjetiva ¢ dispensavel a ser trocado ou descartado em qualquer emergéncia. A ética ¢ uma necessidade objetiva ¢ metafisica da sobrevivéncia do homem ~ nao pela gra ca do sobrenatural, nem de seus vizinhos, nem de seus caprichos, ‘mas pela graca da realidade ¢ da natureza da vida Cito, do diseurso de Galt: “O homiem tem sido chamado de set racional, mas a racionalidade & uma questo de escolha — ¢ 4 aliernativa que sua naturezs Ihe oferece é: ser racional ou set animal suicida, O homem tem que ser homem — por escotha; ele fem que ter a sua vida como um vator — pot escolha; ele tem que aprender a sustentd-ia — por escotha; descobrir os valores que cla requet ¢ praticar suas virtudes — por escolha, Um cédigo de valo- res aceito por escotha é um cédigo de moralidade.”” 0 critétio de valor da ética Objetivista — © critério pelo qual alguém julga o que é bem ou mai —- é a vida do homem, ou: aqui- Jo que exigido para a sobrevivéncia do homem enquanto homer. ‘Dado que a razio € 0 meio basico de sobrevivéncia do ho- mem, aguilo que é proprio para a vida de um ser racional € 0 bem; aguilo que a nega, que se opde a ela ov a destréi, € o mal. ‘Dado que tudo que o homem necessita tem que ser descober- to por sua propria mente e produzide por seu proprio esforco, os dois pontos essenciais do método de sobrevivéncia préprios a um ser racional so: pensamento e trabalho produtivo, Se alguns homens escolhem no pensar, mas sobreviver imi~ tando ¢ repetindo como animais treinados a rotina dos sons e mo- vimentos que aprenderam de outros, munca fazendo um esforco para compreender seu proprio trabalho, ainda assim continua a ser verdade que sua sobrevivéncia é tornada possivel somente por aqueles que efetivamente escolheram pensar e descobriram os mo- vimentos que eles esto repetindo. A sobrevivéncia de tais parasi- tas mentais depende de uma chance cega; sua mentes desfocadas so incapares de saber @ quem imitar, quais movimentos so segu- Tos para seguir. Eles so 0s homens que marcham para o abismo, rastejando atrés de cada destruidor que thes promete assumir a res- ponsubilidade da qual eles fogemn: a responsabilidade de serem cons cientes. Se alguns homens tentam sobreviver por meio da forca bra £ A tien Objetivista 38 er pment RT ta ou da fraude, saqueando, roubando, trapaceando ou escravi- zando os homens que produzem, ainda assim é verdade que a so- brevivéncia destes homens 86 € possivel devido ao esforgo tealiza- do por suas vitimas, por aqueles homens que escolhem pensar ¢ produzir as produtos de que eles, os saqueadores, esto se apossan- do. This saqueadores so parasitas incapazes de sobrevivéncia, que existem destruindo aqueles que sto capazes, aqueles que estao perseguindo um curso de aco proprio ae homem. ‘Os homens que tentam sobreviver, néo por meio da razio, mas por meig'da forea, estdo utilizando 0 método de sobrevivén- cia dos animiais, Mas, assim como 0s animais nio seriam capazes de sobreviver usande'o método das plantas, rejeitando a locom ‘cdo ¢ esperando que o solo os alimente —- também o bomem n&o pode sobreviver usando o método dos,animais, tejeitando @ raza0 @ coptando com homens produtivos para servirem como suas pre- sis, This saqueadores podem alcancar seis objetivos por curto tem- po, a0 prego da destruigdo: a destruic&o de suas vitimas € 2 sua répria. Como prova, ofereco-lhe qualquer criminoso ou ditador. ‘O homem nao pode sobreviver, como faz um animal, agin- do segundo a necessidade do momento. A vida de um animal con- siste de uma série de ciclos separados, sempre repetidos de novo, como o ciclo de criar os seus filhotes, ou de estocar comida para 6 inverna; a consciéncia de um animal no consegue integrar to- daa historia de sua vida; ola s6 consegue integrar um desses ciclos para em seguida comecar um ciclo novo, sem conexdo com 0 pas- sado. A vida do homem é um todo continuo: por bem ou por mat, cada dia, ano e década de sua vida encerra a soma de todos 08 dias que ele jd viveu. Ele pode alterar suas escolhas, ele é livre para mudar a diregdo de seu rumo, ele & até mesmo livre para, fem muitos casos, reparar as consequéncias de seu passado — mas ele ndo é livre para escapar delas, nem para viver sua vida com im- panidade segundo as necessidades do momento, como um animal, um playboy ou um marginal, Se o homem quer ser bem-suucedido na tarefa da sobrevivéncia, e para que suas agoes ndo sejam dirigi- das para sua propria destruigZo, 0 homem deve escofher seu ru- ‘mo, seus objetivos, seus valores nos termos e no contexte de uma vida, Nenhuma sensagdo, percepsao, impulso on “nstinto” pode fazé-lo; apenas sua mente pode. 34 Avirtude do egolamo wee ‘Tal & @ significado da definicdo: aquilo que é exigido para a sobrevivéncia do homem enquanto homem, Isto néo significa uma sobrevivéncia momentinea ou meramente fisica . Nao significa a sobrevivéncia fisica momentanea de um brutamentes sem cérebro, que espera que outro brutamontes Ihe esmague seu crdnio, Nao significa a sobrevivéncia fisica momentnea de uma massa de miis- clos rastejante que esta disposta a aceitar qualquer condi¢Zo, obe- decer a qualquer criminoso e render quaisquer valores pelo propé- sito de obter 0 que é conhecido como “sobrevivéncia a qualquer preco’’, que pode ou nao durar uma semana ou um ano, “A so- brevivéncia do homem enquant homem’” significa os termos, mé- todos, condigdes ¢ objetivos exigidos para a sobrevivéncia de um ser racional através de toda a duragdo de sua vida — em todos aqueles aspectos da existéncia que est&o abertos a sua escolha. O ser humano nio pode sobreviver sendo como ser humano. Ele pode abandonar seus meios de sobrevivéncia, sua mente, ele pode transformar-se numa criatura sub-humana € pode também converter sua vida num breve lapso de agonia — assim como seu corpo pode existir por um espago de tempo no processo de desinte- gracdo por enfermidade, Mas ele nao pode ter sucesso, como sub- hhumano, em alcancar nada a nao ser o sub-humano — como 0 demonstram os horrores dos periodos anti-racionais da historia do homem. O homem tem. que ser homem por escolha — ¢ é tare- fa da ética ensind-lo a viver como homem. Para @ ética Objetivista o critério de valor é a vida humana —e 0 propésito ético de cada individuo, sua prépria vida. A. diferenga entre “‘critério” ¢ “propdsito” neste contexto & © que segue: um “critério” é um principio abstrato que serve co- mo uma medida ou calibre para guiar as escolhas do homem pa- ra o.alcance de um propdsito conereto e especifico, “Aquilo que é exigido para a sobrevivéncia do homem enquanto homem” ¢ um principio abstrato que se aplica a cada homem individualmen- te. A tarefa de se aplicar este principio em um propésite concre- to € especifico — 0 propdsito de viver uma vida adequada a um ser racional — pertence a cada homem individualmente, @ a vida que cle tem que viver é a sua propria. O homem deve escolher scus atos, valores e objetivos pelo cri- tério daquilo que é adequado ao homem — a firma de alcangar, : L | i A étiea Gbjotiviste 35 manter, presncher ¢ gozar este valot Ukimo, este fim em si mes- mo, que é sua propria vida. Valor ¢ aquilo pelo qual agimos para ganhar e/ou manter — virtude € 0 meio pelo qual ou o ganhamos ¢/ou mantemos: Os trés valores fundamentais da ética Objetivista — os trés valores ue, juntos, s40 05 meios para e a realizagio do nosso valor supre- mo, ou seja, nossa prépria vida — so: Razdo, Propésito, Auto- estima, com suas tés virtudas correspondentes: Racionalidade, Produtividade, Orgulho. trabalho produtive é 0 propésite central da vida de um ho- mem racional,.o valor central que integra e determina a hierarquia de todos seus otitros valores . A Razio € a fonte, a pré-condiso de seu trabalho produtivo ~~ Orgutho é 0 resultado. ‘Racionalidade é a virtude basica do homem, a fonte de todas as suas outras virtudes, O vicio basics do homem, a fonte de to- dos os seus males, é 0 ato de desfocat sua mente, a suspensao de sta consciéncia, 0 qual ndo é cegueira, mas a recusa de ver, ¢ nao € ignordncia, mas a recusa de saber. A irracionalidade é a rejeic3o do meio de sobrevivéncia do homem e, portanto, um compromis- so para um rumo de destruigao cego; aquilo que é anti-mente, anti-vida, ‘A virtude da Racionalidade significa 0 reconhecimento ¢ acci- tagio da razo como a nossa iinica fonte de conhecimento, nosso linico juizo de valores € nosso iinico guia de acdo. Significa nos- s0 total comprometimento para com um estado de atencdo pleno € consciente, com a manutengao de um foco mental completo em todas as questdes, em todas as escolhas, em todas as nossas haras de vigilia, Significa um compromisso com a mais completa petcep- iio da realidade dentro de nossas possibilidades e com a expanstio ativa e constante de nossa percepedo, isto €, de nosso conhecimen- to. Significa um compromisso com realidade de nossa propria existéncia, isto ¢, com o principio de que todos 08 nossos objeti- vos, valores ¢ atos acontecem dentro da realidade, e, portanto, que no devemos nunca colocar nenhum valor ou consideracdo, em absoluto, acima de nossa percepeao da realidade. Significa um compromiisso com © principio de que todas as nossas convic-~ ges, valores, objetivos, desejos e agdes devem ser baseados em, derivados de, escolhidos e validados por um processa de pensamen- 36 Avirtude do ageismo wee to -- um processo de pensamento to preciso ¢ t4o escrupuloso, dirigido por uma aplicacao implacavelmente rigida da logica, quan- to a nossa mais completa capacidade permitir. Significa nossa acei- tagdio da responsabilidade de formar nossos préprios julgamentos ¢ de viver pelo trabalho de nossa propria mente (que é a virtude da Independéncia). Significa que no devemos nunca sacrificar nogsas convieedes as Opinides ou desejos de cutros (que é a virtu- de da Integridade) — que munca devemos tentar falsear a realida- de, por qualquer maneira que seja (que € a virtude da Honestida- de) — que nunca devemos.procurar ou conceder o ndo-obtido ¢ © ndo-merecido, nem em matéria, nem em espirito (que é a virtu- de da Justica). Significa que nunca devemos desejar efeitos sem causas, ¢ que nunca devemes dectetar uma causa sem assumir a total responsabilidade por seus efeitos —- que ndo devemos nunca agit como um zumbi, isto é, sem saber nossos proprios propdsitos € motivos — que nunca devemas tomar nenhuma decisdio, formar qualquer conviccéo ou procurar qualquer valor fora de contexto, isto é, separado ou em contradicdo com a soma total ¢ integrada de nosso conhecimento — ¢, acima de tudo, que nunca devemos procurar evadir-nos com contradicdes. Significa a rejeico de to- da e qualquer forma de misticismo, isto ¢, qualquer apelagao a alguma fonte de conhecimento ngo-sensorial, ndo-racional, n&o- definivel, sobrenatural. Significa um compromisso com a razéio, nao em momentos esporddicos, em questées selecionadas, ou em emergéncias especiais, mas como uma filosofia de vida permanente. A virtude da Produtividade € 0 reconhecimento do fato de que o trabalho produtivo é 0 proceso pelo qual a mente humana sustenta sua vida, o processo que liberta o homem da necessidade de ajustar-se ao meio ambiente, como fazem todos os animais, & que Ihe dé o poder de ajustar o meio ambiente a si proprio. O tra- balho produtivo ¢ o caminho da realizacao ilimitada do homem ¢ exige deste os maiores atributos de seu cardter: sua habilidade cria- tiva, sua ambigdo, sua auto-afirmacdo, sua recusa em suportar de- sastres que ele no provocou, sua dedicacio ao objetivo de trans- formar a Terra na imagem de seus valores, “Trabalho produtivo” no significa a realizagéo dos movimentos inconscfentes de algu- ma tarefa, Significa a busca de uma carreira produtiva, escolhida conscientemente, em qualquer linha de empenho racional, grande i A ética Objetivista a7 nen iil ‘ou modesta, ¢ em qualquer nivel de habilidade. O eticamente rele- vante aqui nao é o grau da habilidade de um homem, nem o nivet de importéncia de seu trabalho, mas 0 mais completo e o mais re- soluto uso de sua mente. A virtude do Orgulhe é 0 reconhecimento do fato “de que assim come o homem deve produzir os valores fisicos que necessi- 1a para sustentar sua vida, assim também ele precisa adquirir os valores de cardter que fazem soa vida merecer ser sustentada — que, assim como o homem € um ser que faz sua propria fortuna, assim também € um ser que faz sua prépria alma’, (Adas shrug- zed) A virtade do Orgulho pode ser melhor descrita pelo termo: “ambigao moral’*. Significa que um individuo deve conquistar o direito de considerar a si prépric como seu mais alto valor, atra- vés da tealizacio de sua propria perfeicdo moral. A perfeicao mo- ral se conquisia nao aceitando jamais 'cédigos de virtudes irracio- nais impossiveis de serem praticadas € nunca deixando de praticar as virtudes que se reconhece serem racionais — se conquista nao aceitando jamais uma culpa ndio-merecida e nunca merecendo algu- ma Ou, se efetivamente a mereceu, munca deixando-a sem correcdo — nunca resignando-se passivamente diante de qualquer imperfei- siio em seu cariter pessoal — nfo colocando jamais nenhuma pre- ocupacio, desejo, medo ou estado de espirita momentéineo acima da realidade de sua propria auto-estima. E, acima de tudo, signifi- ca a sua rejeicZo do papel de animal de sacrificio, a rejeicdo de qualquer doutrina que pregue 4 auto-imolaco como uma virtude ‘ou dever moral. © principio social bésico da ¢tica Objetivista & que, assim co- mo a vida é um fim em si mesma, assim também todo ser huma- no vivo é um fim em si mesmo, nic o meio para os fins ou o bem- estar dos outros — @, portanto, que o homem deve viver para seu prdprio proveito, ndo se sacrificando pelos outros, nem sacrifican- ‘do os outros para si. Viver para seu proprio proveito significa que © propésito moral mais alto do ser humano é a realizagie de sua propria felicidade. Em termos psicolégicos, a questio da sobrevivéncia do ho- mem néio confronta sua consciéncia como uma questio de “vida ou morte”, mas como uma questio de “felicidade ou sofrimen- to”, A felicidade 6 o estado de triunfo da vida, o sofrimento ¢ 0 38 Avitude de egoismo sinal de alerta do fracasso, da morte, Assim como o mecanismo de prazer-dor do corpo humano € um indicador automdticn do benestar de ser organismo, um hardmetro de sua alternativa bi- siea, vida ou morte — também 0 meeanismo emocional da consci éneia do homem est programado pars executar 1 mesma funcho, como wm bardmetro que registra a mesma alfernativa por melo de duas emogdes buisieas: alegria ou sofrimento. As emocies sio 68 resultados automaticos dos juizos de valor do homem integra- dos pelo seu subeonsciente; a emogies sio estimativas duquilo que promove ou ameaga os valores do homem, daguilo que esta a favor ou contra cle — calculadores-relampago que the dio 0 so- matério de seu lucro ou prejuizo. ‘Mas, enquanto o critério"de valor que opera o mecanismo dé prazer-dor fisico do corpo humano ¢ automatice e inato, deter- minado pela natureza de seu organismo, o mesmo ale acorre com © critério de valor que opera seu mecanismo emocional. Dado que © homem ndo possui conhecimento automitico, tampouco pode ter valores automiticos; dado que ele no possui idéias inatas, tam- pouco pode ter jutizos de valores inatos. ‘© homem nasce com um mecanismo emocional, da mesma forma como nasce com um mecanismo cognitivo; mas, ao nascer, ambos so “tabula rasa”. E a faculdade cognitiva do homem, sua mente, que determina 0 contetido de ambos. © mecanismo emacio- nal do homem é como um computador eletronico que sua mente tem que programar — ¢ a programagao consiste dos valores que sua mente escolhe. Mas como o trabatho da mente do homem nao € automatico, seus valores, como todas as suas premissas, so produto ou de seu pensamento ou de suas evasdes: o homem escothe seus valores por um processo consciente de pensaménto ~- ou os accita por omis- slo, por associagdes subconscientes, por f8, por autoridade de al- guém, por alguma forma de osmose social ou por imitacao cega. ‘As emogées siio produzidas pelas premissas do homem, sustenta- das consciente ou subconscientemente, explicita ou implicitamente, ‘© homem nao tem escollia quanto a sua capacidade de sentir que algo & bom ou mau para si, mas o que cle considera bom ou mau, 0 que Ihe dé alegria ou dor, 0 que ama ou odeia, deseja on do que sente medo, depende de seu critério de valor. Se esenthe Atice Objetivists 39 valores irracionais, troca 0 papel de gnardiao de seu mecanismo emocional pelo de destruidor. O irracional ¢ o impossivel; € 0 que contradiz os fatos da realidade; fatos ndo podem ser alterados por um desejo, mas podem destruir aquele que o deseja. Se um’ho- mem deseja ¢ busca as contradigoes — se quer guardar 0 bolo ¢ comé-To ao mesmo tempo —, ele desintegra sua consciéncia; trans- forma sua vida interior numa guerra civil de forgas cegas ocupa- das com conflitos sombrios, incoerentes, sem sentido nem significa do (que, a propésito, é o estado interior da maioria das pessoas, atualmente). Felicidade’é aquele estado da consciéncia que provém da reali- zacho dos préprios valores. Se um homem valoriza 0 trabalho pro- Gutivo, sua felicidade ¢ a medida do sucesso alcangado no seu ser- vigo. Mas se um homem valoriza a destruigiio como um sddico ow a autotortura, como um masoquista —, ou a vida além-ti- mulo, como um mistico —~, ou a excitagio moment&nea como um corredor de automovels —, sua pretensa felicidade € a medi- da de seu sucesso no servigo de sua propria destruicéo. Deve ser acrescentado que o estado emocional de todos aqueles irracionais ndo pode ser adequadamente designado como feficidade ou mes- mo prazer: € meramente um alivio de momento de seu estado cr5- nico de terror. Nem a vida, nem a felicidade podem ser alcancadas por meio da busea de caprichos irracionais. Assim como o homem é livre para tentar sobreviver por qualquer meio casual, como um parasi- ta, um vagabundo ou um saqueador, ele ndo o ¢ para ser bem-su- cedido em seu intento além do acaso do momento; assim também é livre para buscar a felicidade em qualquer fraude irracional, qual- quer capricho, qualquer desilusfio, quatquer fuga impensada da tealidade, mas nao é livre para ser bem-sucedido em seu intento, além do acaso do momento, nem para fugir das conseqiiéncias. Cito, do discurso de Galt: “A Felicidade ¢ o estado de alegria ndo-contraditéria — uma alegria sem punigdo ou culpa, uma ale- gria que ndo entra em conflito com nenhum de teus valores ¢ nfo atua para a tua propria destruigdo ... Felicidade € possivel apenas para um homem racional, que deseja apenas abjetivos racionais, procura apenas valores racionais ¢ encontra sua alegria apenas em atos racionais.”” 40 Avirtude do egetsme we A manutengio da vida ¢ a busea da felicidade ndo so duas questées separadas. Considerar a propria vida como o valor tilti- mo, € a propria felicidade como o mais alto propésito, so dois aspectos da mesma realizagao. Existencialmente, a atividade de perseguir objetivos racionais ¢ a atividade de manter a propria vi- da; psicologicamente, seu resultado, recompensa e concomitfincia é um estado emocional de felicidade. E experimentanda a felicida- de que 0 individuo vive plenamente cada hora, ano ou a totalida- de da vida. B quando se experiencia o tipo de felicidade pura que é um fim em si mesma — o tipo que nos faz pensar: “Por isto v Je a pena viver”” — 0 que estamos saudando ¢ afirmando em ter- mos emocionais é 0 fato metafisico de que a vida ¢ um fim em si mesma. Mas o relacionamento de causa ¢ efeito nao pode ser inverti- do. E apenas através da aceitacdo da prépria vida como principio fundamental e pela busca dos valores racionais que a vida requer, que se alcanca a felicidade — no tornando a “felicidade" como um principio indefinido ¢ irredutivel e entéo tentando viver por essas diretrizes. Se voc8 conquistar aquilo que é bom pelo critério racional de valor, isto 0 fara necessariamente feliz; mas aquile que 0 faz feliz, por algum critério emocional indefinido, nao & necessa- riamente 0 bom, Aceitar “qualquer coisa que {aga feliz” como ‘um guia de ago significa: ser guiado apenas por caprichos emocio- nais. Emogdes ndo sio ferramentas de cognigdo; ser guiado por caprichos — por desejos cuja fonte, natureza e significado nao se sabe ~ é transformar a si mesmo num rob6 cego, operade por deménios que nao podem scr conhecidos (por véios intentos de eva- séo}, um robd nocauteando seu proprio cérebro imobilizado con- tra as paredes da realidade que se recusa a ver. Esta é a falacia inerente ao hedonismo — em qualquer varian- te do hedonismo ético, quer pessoal ou social, quer individual ou coletivo. A “Felicidade” pode ser corretamente entendida como © propésito da ética, mas no como a sua base. A tarefa da ética é definir © cddigo de valores adequado para o homem e, deste modo, dar-lhe o meio de alcangar a felicidade. Afirmar, como os hedonistas éticos fazem, que “qualquer vaior que the dé prazer € correto”, equivaie a declarar que ‘to valor correto pode ser qual- quer um que vocé decida valorizar” —~ que é um ato de abdicacdo t i i i Aética Objotiviets 41 jntelectual ¢ filoséfica, um ato que simplesmente proclama a futili- dade da ética ¢ convida todos os homens a agirem irrefletidamen- te a0 acaso. Os fildsofos que tentaram legar um eddigo de ética suposta~ mente racional, deram 4 Humanidade apenas a escotha de capri- chos: a busca “egoista”” das préprios caprichos (como a ética de Nietzsche) — ou o altruismo servil aos caprichos de outros (como a ética de Bentham, Mill, Comte e de outros hedonistas soci nao importando se eles permitirern ao homem incluir seus préprios caprichos entre os milhdes de outros, ou aconselharem-no a trans- formar-se em alguém totalmente desinteressado, pronto para ser devorado pelos outros). Quando um “desejo", sem levar em conta sua natureza ou ‘causa, é tomado como uma premissa éti¢a, e a gratificacdo de qual- quer ¢ todo desejo € tomada como uth objetivo ético (como “a maior felicidade para o maior mimero”) — os homens ndo tém escolha, exceto odiar, ter medo e lutar uns contra os outros, por- que ‘seus desejos e interesses necessariamente colidem. Se *dese- jo” € 0 critério ético, entao o desejo de um homem de produzir ¢ 0 desejo de outro homem de roubé-lo tém igual validade ética; o desejo de um homem de ser livre, ¢ 0 desejo de outro de escravi- 2-10, tém igual validade ética; o desejo de um homem de ser ama- do © admirado por suas virtudes, € 0 desejo de outro homem de um amor ¢ admiragdo nfo merecida tém igual validade ética. E, se a frustragdo de qualquer desejo constitui um sacrificio, entéo um homem que possui um automével, o qual Ihe € roubado, esti sendo saerificado, mas também o homem que quer ou “aspira’”” ter um atttomdvel cnjo proprietario se recusa a dar-lhe — e estes dois “sacrificios” possuem igual stains ético. Se é assim, entdo a linica escolha do homem é roubar ou ser roubado, destruir ou ser destruido, sacrificar os outros a qualquer desejo proprio on sacrifi- car a si mesmo a qualquer desejo dos outros; entio a sinica alter- nativa ética do homem é ser um sddico ou masoquista. canibalismo moral de todas as doutrinas hedonistas ¢ al- truistas consiste na premissa de que a felicidade de um homem im- plica prejuizo de outro. Aivalmente, a maioria das pessoas considera esta premissa como um absoluto inquestionavel. E quando alguém fala do direi- 42 Avintude de egoismo we 10 do homem de existir pelo seu proprio interesse, racional, a maio- tia das pessoas aceita automaticamente que isto implica o seu di- reito de sacrificar os outros. ‘Tal supasigio € a confissdo de suas proprias crencas de que prejudicar, esctavizar, roubar ou assassi- nar esta no auto-interesse do homem — a que ele deve altruistica- mente renunciar. A idéia de que o auto-interesse do homem pode ser satisfeito por um relacionamento que nao implique o sacrificio de ninguém, nunca ocorreu aqueles apéstolos humanitdrios do de- sinteresse, que proclamam seu desejo de aleangar a fraternidade entre os homens. E nao ocorrerd a eles, ou 2 qualquer um, contan- to que 0 conceito “racional” seja omitide do contexto de ‘*valo- res", “desejos”, “‘auto-interesse” e ética. ‘A ética Objetivista orgulhosamente advoga e defende o egois- ‘mo racional — que significa: os valores exigidos pela sobrevivén- cia do homem enquanto homem — ou seja, os valores exigidos pela vida humana —~ nfio so os valores produzidos pelos desejas, emogdes ¢ “aspiragdes””, Os senitimentos, os caprichos ou as neves- sidades de brutamontes irracionais, que muea superaram a préti- ca primordial dos sacrificios humanos, que nunca descobriram uma sociedade industrial ¢ nao podem conceber nenhum auto-inte- esse, exceto aquele de aproveitar-se do saque da ocasifio, sfio valo- res destrutivos & sobrevivéncia do homem. A Stica Objetivista sustenta que o bem humane néo requer sactificio e ndo pode ser alcangado pelo sacrificio de ninguém; sus- tenta que os interesses racionais dos homens nao se chocam — que no ha conflito de interesses entre homens que néo desejam © imerecido, que ndo fazem sacrificios, nem os aceitam, que sc tra~ tam entre si como comerciantes, trocando valor por valor. O principio da troca é 0 nico principio ético racional para todos 0s relacionamentos humanos, pessoais ¢ sociais, particulares © piblicos, espirituais e materiais. E o principio de justiga. ‘Um negociante ¢ um homem que merece aquilo que adquire endo da, nem toma, aquilo que ndo é merecido. Ble ndo trata os homens como senhores ou escravos, mas como pessoas iguais ¢ in- dependentes. Ele trata com os homens por meio de uma tzoca li- vre, voluntéria, ndo-forgada e nao-coagida — uma troca que bene- ficia ambas as partes por seu préprio julgamento independente. Um comerciante nao espera ser pago por suas negligéneias, mas i i i apse teratoma nae gacionnrarnnnenaaaanese A ética Objetivista 43 NEE anne por suas realizagdes. Ele no transfere a outros 0 peso de seus fra- cassos ¢ nao hipoteca sua vida em garantia pelo fracasso de outros. Em questOes espirituais -- (por “espiritual”, quero dizer: *‘per- tencente 4 cansciéncia do homem”) — a moeda ov o meio de-tro- ca é diferente, porém o principio é.¢ mesmo. Amor, amizade, res- peito, admiracao sGo a resposta emocional de um homem &s virtu- des de outro, © pagamento espiritual dado em troca do prazer pes- soal egoista que um homem tira das virtudes de cardter de outro. Somente um brutamontes ou um altruista afirmaria que a valoriza- 40 das virtudes de outra pessoa ¢ um ato de desinteresse, ¢ 10 que concerrie a0 proprio interesse e prazer, nao faz diferenca se alguém trata com um génio ou um bobo, se encontra um herdi ou um facinora, se casa com a mulher ideal ou com uma prostita- ta, Em questées espirituais, um negociante ¢ um homem que nao procura ser amado por suas fraquezas ou fracassos, apenas por suas virtudes, ¢ que ndo troca seu amar pelas fraquezas ou fracas- sos de outros, mas apenas pelas suas virtudes. ‘Amar é dar valor. Somente um homem racionalmente egofs- ta, um homem que se auto-estima, é capaz de amar — porque é © tinico homem capaz de manter valores firmes, consistentes, des- compromissados ¢ ndo-traidos. © homem que nao valoriza a si mesmo, nio pode valorizar ninguém ou nada. : E somente com base no egoismo racional —- com base na jus- tiga — que os homens podem ajustar-se para viver juntos numa sociedade livre, pacifica, prdspera, benevolente ¢ racional. (© homem pode tirar algum beneficio pessoal da vida em so- ciedade? Sim — se for uma sociedade humana. Dois grandes valo- re5 a serem ganhos com a existéncia social so: conhecimento ¢ comércio, O homem é a tinica espécie que pode transmitir e expan- dir seu estoque de conhecimento de geragao para geracdo; o conhe- cimento potencialmente disponivel a um homem € maior do que aquele que cle seria capaz de adquirir em toda a sua vida; cada homem beneficia-se incalculavelmente pelas descobertas de outro: O segundo grande beneficio é a divistio do trabalho: ela capacita © homem a dedicar seu esforgo @ um campo de trabalho em parti- cular e a negociar com outros que se especializaram em outros cam- pos. Essa forma de cooperacdo permite a todos os homens que to- mam parte uela, deter mais conhecimento, habilidade e retorno 44 Avirnude de egolsme ve produtivo pelos seus esforgos do que poderiam alcangar se cada um tivesse de produzir tudo do que precisasse numa ilha deserta ou numa fazenda que se auto-sustentasse. Mas estes verdadeiros beneficios indicam, delimitam e define que tipo de homens podem ser de valor ¢ em que tipo de socieda~ de: somente homens racionais, produtivos e independentes numa sociedade racionai, produtiva e livre. Parasitas, vagabundos, sa- queadores, brutamontes, facinoras ndo sto de nenbum valor para 0 ser humano —~ nem podem obter nenhum beneficio de vida nu- ma sociedade engendrada para suas necessidades, exigncias ¢ pro- tecdo, uma sociedade que os trata como animais de sacrificio ¢ ‘os penaliza por suas virtudes a fim de recompensé-los por seus vi- cios, 0 que significa: uma sociedade baseada na ética do altruis- mo, Nenhuma sociedade pode ter valor para a vida do homem, se 0 prego é a renincia do direito 4 vida. © ptineipio politico basico da ética Objetivista é: nenkum ho- mem pode iniciar o uso de forga fisica contra os outros. Nenhum homem — ou grupo, ou sociedade, ou governo — possui o direi- to de assumir 0 papel de um criminoso e comecar a utilizagdo da compulsdo fisica contra qualquer homem. Os homens tém o direi- to de usar a forea fisica apenas em retaliacao e apenas contra aque- Jes que iniciam seu uso. O principio ético envolvido € simples ¢ bem definido: & a diferenca entre assassinato ¢ legitima defesa. Um assaltante procura ganhar um valor ou riqueza matando sua vitima; a vitima no fica mais rica matando o assaltante. O prinei- pio é: nenhum homem pode obter qualquer valor de outro recor- tendo A forga fisica. O iinico propésito moral adequado de um governo € proteget 0s direitos do homem, 0 que significa: protegé-lo da violencia fisi- ca — proteger seu direito a sua prépria vida, sua propria liberda- de, sua propria propriedade ¢ a busca de sua propria felicidade. Sem os direitos de propriedade, nenhum outro € possivel. Nao tentarei, numa breve prelecao, discutir a teoria politica do Objetivismo, Aqueles que esto interessados a encontrarao bem detalhada em Adias shrugged. Direi somente que cada sistema poli- tico & baseado em e originado de uma teoria ética — ¢ que a éti- ca Objetivista ¢ a base moral exigida por aquele sistema politico- econdmico que, hoje, esta sendo destruido em todo o mundo, des- | | | | : : A stica Objstivista 45 rnin truido precisamente por falta de uma defesa filosofica ¢ de uma validagao moral: o sistema americano original, o Capitalisme. Se cle perecer, pereverd por negligéncia, falta de exploragdo e de iden~ tificagdio: nenhum outro assunto tem sido tao ocultado por tantas distorgSes, falsos juizos e descrigdes enganosas. Atualmente, pou- cas pessoas coplecem o que é capitalismo, como funciona e qual foi sua historia real. ‘Quando digo “capitalismo”, quero dizer um capitalismo com- pleto, puro, nio-controlado e desregulamentado do tipo laissez-fai- re — com uma separagao entre Estado © economia, da mesma maneira e pelas mesmas razdes da separagio do Estado ¢ da igre- ja. Um sistema puro de capitalismo jamais existiu, nem mesmo na América: varios graus de controle governamental © estavam boicotando e distorcendo desde © sew:inicio. O capitalismo nao é um sistema do pasado; € 0 sistema do futuro — se a espécie hu- mana tiver um futuro. . aoe Para aqueles que esto interessados na histéria e nas causas psicolégicas pelas quais os fildsofos trairam o capitalismo, mencio- narei que as discuto n6 ensaio de meu livro entitulado For the new intellectual? | ‘A presente discusséo precisa ser confinada ao assunto da éti- ca. Apresentei os fundamentos mais simples de meu sistema, mas sfo suficientes para indicar de que maneira a ética Objetivista € a moralidade da vida — mesmo contra as trés escolas principais de teoria ética, a mistica, a social e a subjetiva, que trouxeram 0 mun- do ao presente estado © que representam a moralidade da morte, Essas trés cscolas diferem apenas em seu métoda de aborda- gem, nao em conteido. Em contetido, séo simplesmente variantes do altruismo, a teoria ética que considera o homem como um ani- mal de sacrificio; a teoria que assegura que este homem nao tem o direito de existir para seu proprio interesse, que servir aos ou- tros é a tnica justificativa de sua existéncia, e que o auto-sacrificio so 0 seu valor, virmde ¢ dever morais mais altos. As diferencas se verificam apenas sobre a pergunta de quem deve ser sacrifica- do a favor de quem. O altruismo sustenta a morte como seu obje- tivo iltimo e critério de valor — e € logico que a rentincia, resigna- so, auto-rejeicdo € qualquer outra forma de sofrimento, incluin- do autodestrnigao, so as vietudes que defende. E, obviamente, 46 A virtude do egatsmo estas sdio as tinicas coisas que os profissionais do aliruismo tm alcangado e esto conseguindo agora. ‘Observe que estas trés escolas de teoria ética silo contra a vie da, no meramente em conteiido, mas também em seu método de abordagem. A teoria mistica da ética & explicitamente baseada na premis- sa de que 0 modelo ético de valor é estabelecido além-timulo pe- las leis ow exigéncia de umta outra dimenso sobrenatural, que ¢ impossivel ao homem praticar a ética, que ela é inconveniente ¢ oposta a vida do homem na Terra, e que o homem deve levar a alpa por isso ¢ softer através de toda a sua existéncia terresire, e expiar pela culpa de ser incapaz de praticar o impraticavel. A Tda- de das Trevas ¢ a Idade Média sto um monumento reai a esta teo- tia da ética, A teoria social da étiea substituiu Deus pela “‘sociedade”” — e, apesar de afirmar que seu principal interesse ¢ a vida na Terra, nao é a vida do homem, nao a de um individuo, mas a vida de uma entidade sem corpo, 0 coletive, que, em relagdio a cada indi- vidue, consiste de todos, exceto dele prépric. No que diz respeito a0 individuo, sen dever ético é ser o escravo abnegado, sem direi- tos ¢ destituido de voz, de qualquer necessidade, reivindicag&o ou exigacia declaradas pelos outros. O lema “cada um por si” — que nie ¢ aplicavel ao capitalismo, — ¢ aplicavel & teoria social da ética. Os monumentos reais a esta teoria so a Alemanha Na- zista ¢ a Ruissia Soviética. A teoria subjetivista da ética é, no sentido estrito da palavra, nao uma teoria, mas uma negacao da ética, mais: € a negagao da realidade, nao simplesmente da existéncia do homem, mas de todas as existéncias. Apenas 0 conceito de um universo heraclitea- no, indeterminado, fluido e pléstico poderia permitir a alguém pen- sar ou pregar que o homem nao precisa de principios objetives de aco — que a realidade the da um cheque em branco — que nada que ele escolha como o bem ou mal, Ihe servird — que 0 ca- pricho de um homem é um padrdo moral valido e que a tinica per- gunta € como obter sucesso com isto. O monumento real desta te- oria 6 0 estado atual de nossa cultura. No ¢ a imoralidade dos homens que é responséivel pelo colap- so que agora ameaga destruir o mundo civilizado, mas 0 tipo de esa SSAC ei ne inet Arica Objetiviste 47 — ‘moralidade que os homens t@m sido incitados a praticar, A respon- sabifidade pertence aos filésofos do altruismo. Eles ndo tm razio de estar chocados pelo espetiiculo de seu proprio sucesso, ¢ ne- nhum direito de condenar a natureza humana: os homens Ihes tem. obedecido ¢ trouxeram seus ideais morais para a mais completa realidade. Ba filosofia que estabelece os objetivos dos homens ¢ deter- ina seu rumo; é apenas a filosofia que pode salvé-los agora, Ho- je, 0 mundo estd enfrentando uma escolha: se a civilizagao deve sobreviver, éa moralidade altrnista que os homens precisam rejeitar, “Terminarei com as palavras de John Galt, que eu dirijo, co- mo ele 0 fez, a todos os que defendem o altruismo, 0 do passado ou o do presente. - “Yoo8s tem usado © medo como, sua arma, ¢ tem trazido morte aos homens, punindo-os por rejeitarem a sua moralidade, Nis hes oferecemos a vida, como recompensa por accitar a nossa. HURUEREEOXSUAUAELEEAULLILIZELEZLTETELATSARTEANLLERRULLELELELE SAUDE MENTAL VERSUS MISTICISMO E AUTO-SACRIFICIO Nathaniel Branden _ O padrio de satide mental — de funcionamento mental bio- logicamente apropriado — € 0 mesto que o de smiide fisica: a so- brevivancia © 0 bem-estar do homem. Uma mente é saudavel até © ponte em que o seu método de funcionamente é tal que pode munir 0 homem com o controle da realidade que a base e 0 avan- go de sua vida requerem. A marca distintiva deste controte € a auto-estima. A auto-esti- ma é a conseqiitneia, expresso ¢ recompensa de uma mente intei- ramente comprometida com a ra7do. Esta, a faculdade que identi- fica ¢ integra 0 material provido pelos sentidos, é arma basica de sobrevivencia do homem, Compromisso com a razio é compro- misso com a manutengo de um foco intelectual pleno; com a cons- tante expansio do entendimento e conhecimento que se tem com 9 principio de que as agdes de um individuo devem ser consisten- Jes com suas convieedes; que nunca se deve tentar tapear a realida- de ou colocar qualquer consideracao acima da realidade; que nun- ca se deve permitir a si mesmo contradigées que nunca se deve ten- ‘ar subverter ou sabotar a funcio coreta da conscigncia. fune&o corveta da conscigncia é id acorn lmao cores da consienia & « percero, a cognigio € Uma conscigncia desobstraida, uma conscigncia integrada, uma consciéncia pensante é uma consciéncia saudivel, Uma cons- ciéneia bloqueada, tegiversada, fragmentada por conflitos ¢ di da contra si mesma, desintegrada por medo ou imobilizada por depressio, dissociada da realidade, € uma consciéncia insalubre. Sea nnn Annee ES a8 ciel ccc inpriomdniem renner onwrntnec ange ana rerettemtcerene, (Para uma discussio mais completa desta questio, veja o capitulo de titulo Objetivismo e psicologia, em meu livro Who is ‘Ayn Rand?.) No objetivo de lidar positivamente com a realidade — para procurar ¢ alcangar os valores que a sua vida requer — 0 homem necessita auto-estima: precisa ser confiante de sua eficécia e valor. Ansiedade ¢ culpa, os antipodas da aute-estima ¢ a insignia da doenca mental, so 0s desiniegradores do pensamento, os de- turpadores de valores e paratisadores da avdo. ‘Quando um homem de auto-estima escolhe os seus valores & estabelece as suas metas, quando projeta seus propésitos de lon £0 alcance, 08 quais unificardo e guiario suas agdes — ¢ como uma ponte langada ao futuro, pela qual sua vida passard, uma ponte sustentada pela convicedo de que a sua mente é competen- te para pensar, julgar, valorizar, e de que ele ¢ merecedor de apre- ciar estes valores. Este senso de controle da realidade nao é o resultado de prati- cas, habilidade ou conhecimentos especiais. Nao depende de suces- sos ot fracassos em particular. Reflete o relacionamento funda- mental que se tem com a realidade, a convicgao que se tem, a efi- cacia ¢ 0 valor fundamentais. Reflete a certeza de que, em essén- cia ¢ em principio, se esta certo para a realidade. A auto-estima um juizo metafisico. F este 0 estado psicoldgico que a moralidade tradicional tor- na impossivel, até 0 ponto em que o homem o aceita. Nem 0 misticismo, nem o credo do auto-sacrificio, so com- pativeis com satide mental e auto-estima, Estas doutrinas sao des- trativas existencial e psicologicamente, ’ (1) A-manutengdo da vida e a conquista da auto-estima reque- tem do homem o mais completo exercicio da sua razio — mas moralidade, conforme ensinam aos homens, baseia-se ¢ requer f8. ‘A fé € 0 compromisso da consciéncia de um individuo com ctencas das quais nfio se tem nenhuma evidéncia sensorial ou pro- va racional. ‘Quando um homem recusa a razio como o seu eritério de jul- gamento, apenas um critério alternativo permanece para ele: seus sentimentos. Um mistico € um hotnem que trata os seus sentimen- tos como armas de cognigdo. A fé consiste em igualar o sentimen- 50 Avirtude de egaismo ee ta com o conhecimento. Para praticar a ‘‘virtude’’ da £8, deve-se estar pronto para suspender a visdo ¢ 0 jalgamento; deve-se estar pronto para viver com o ininteligivel, com aquilo que nao pode ser conecituade o« integrado ao resto do conhecimento que se tem, ¢ pata induzir uma ilusdo de entendimento similar a um transe. Deve-se estar pron- fo para reprimir a faculdade critica ¢ conté-la, como sua culpa; deve-se estar pronto para sufocar quaisquer perguntas que emerjam em protesto — para estrangular qualquer impeto de razzio convul- sivamente procurando insistir na sua fungao propria de protetora da vida do individuo e de sua integridade cognitiva. Lembre que todo © conhecimento do homem ¢ todos os con- ceitos deste tém estrutura hierdrquica. O fundamento e ponte ini- Gal do pensamento do homem so suas percepgdes sensoriais; nes- ta base, o homem forma seus primeiros conceitos ¢ entio continua construindo ¢ edificio do seu conhecimento, identificando e inte- grando novos conceitos numa escala cada vez maior. Se o pensa- mento humano é valido, este processo deve ser guiado pela légica, “a arte da identificacdo nao-contraditéria”” — e qualquer concei- to novo que © homem forme deve ser integrado sem contradigéo A estrutura hierdrquica de seu conhecimento. Intreduzir na consci- éncia de alguém qualquer idéia que nao possa ser assim integrada, uma idéia no derivada da realidade, nio validada por um proces so da razio, no sujeita a exame ou julgamento racional — ou pior, uma idéia que se choca com o resto dos conceitos e compre- ensio de realidade de slguém — ¢ sabotar a funeio integrativa da consciacia, Fiquidar o resto das conviegbes de aiguém ¢ matar a capacidade do mesmo de ter certeza de qualquer coisa. Este é 0 significado da afirmagao de John Galt em Atlas shrugged, de que “0 suposto atalho para o conhecimento, que é a fé, nada mais que um curto-cireuito que destrdi a mente”. Nao hé maior iluséo do que imaginar que se pode dar a ra- wig o que é da razio ¢ 4 £8 0 que é da fé, Esta néo pode ser cir- cunserita ou delimitada; render a consciéacia de alguém em mili- metros, ¢ rendé-la no total. Ou a razao ¢ um absoluto para uma mente ou ndo 0 & — ¢ neste caso, ndo hé espaco para tracar uma linha, nenhum principio pelo qual tracd-la, nenhuma barreira que a {6 ndo possa ultrapassar, nenhuma parte da vida de um ser que | Saude mental versus misticisme 9 aute-sacriticio 51 nan nninlsanieniian nee ane ‘a f€ ndo posse invadir: alguém se mamém racional até e 2 menos que seus Sentimentos determinem algo diferente. 'A fé 6 a malevoléncia que nenhum sistema pode tolerar com impunidade; ¢ o homem que sucumbir a ela, vai invoed-la precisa- mente naquelas questées onde mais precisar da razao. Quando al- guém muda da razio para a £6, quarido rejeita o absolute da real Gade, liquida o absoluto da sua conscineia, ¢ a sua mente se tor na un érgdo em que ele ndo pode mais confiar. Ela se torna 0 que os misticos chamam: um instramento de distorcao. ‘@) A necessidade de auto-estima do homem implica a necessi- dade de um controle sobre a realidade — mas nenhum controle € possivel em um universo que, pela propria concessio de alguém, contém o sobrenatural, 0 mifaculoso e sem motivo, um universo po qual se estd A mercé de fantasmas ¢ deménios, no qual se de- ye lidar, ndo com o desconhecido, mas com 0 desconhecivel; ne- nhum controle é possivel, se o homem propde, mas um fantasmia dispde: nenhur controle € possivel, se 0 universo é uma casa mial- assombrada. 3) A vida a auto-estima requerem que 0 objeto ¢ o interes- se da conscigncia do homem sejam a realidade e este mundo — mas a moralidade, segundo ensinam aos homens, consiste em des- prezar este mundo e 0 material disponivel para a percepcao senso- ial e em contemplar uma realidade ‘diferente’ e “maior”, um dominio inacessivel para a razo ¢ incomunicdvel pela linguagem, mas atingtvei através de revelacto, de processos dialéticos especiais, daquele estado superior de lucider intelectual conhecido pelos zen- budistas como anti-mente, ou por morte Existe apenas uma realidade — aquela que a razio pode co- nhecer. E'se o homem escothe nio a perceber, nada mats hd para ele perceber; se ele nao tem consciéncia deste mundo, nao sera cons- ciente em absohuto. 0 tinico resultado da projesto mistica de “uma outra”” reali- dade é que ela incapacita 0 homem psicologicamente para esta. Nao foi contemplando o transcendental, 0 sagrado, o indefinivel ~~ no foi coutemplando o inexistente — que o homem se ergueu da caverna e transformou o mundo material para tornar possivel ‘uma existéncia humana na Terra, Se for virtude renunciar & propria raziio, e pecado usi-ta; se 52 A virtude de egoismo wt for virtude aproximar-se do estado mental de um esquizofrénico, e pecado estar jntelectualmente em foco; se for virtude censurar asie mundo, e pecado torné-io habitdvel; se for virtude mortificar a carne, ¢ pecado irabalhar e agir; se for virtude menosprezar a vida, e pecado manté-la ¢ aproveité-la — entdo nao serd possivel nenhuma auto-estima ou controle ou eficdcia, nada sera possivel para o homem, exceto o sentimento de culpa ¢ o terror de um pa tife pego num universo de pesadelo, um aniverso eriado por algum sddico metafisico que langou o homem em um labirinto onde « porta que dizia “virtude” levava a autodestruigdo, ¢ a porta que dizia “eficdcia”” levava & autocondenagao. (4) A vida e auto-estima requerem que o homem se orgulhe do seu poder de pensar, do seu poder de viver. Mas a moralidade, segundo ensinam aos homens, impede o orgulho e especificamen- te 0 orgulho intelectual, considerado o mais grave dos pecados. A virtude comega, segundo ensinam aos homens, com humildads com o reconhecimento do desamparo, da pequenez, da impoténcia de sua propria razao. O homem é onisciente? —- reclamam os misticos. E infalivel? Entdo, como ousa desafiar a palavra de Deus, ou dos representan- tes de Deus, ¢ se colocar como o juiz de quaiquer coisa? Orgulho intelectual ndo € — como os misticos irracionalmen- te inferem — uma pretenstio de oniscigncia ¢ infalibilidade. Ao contrario, precisamente porque 0 homem tem de hutar pelo conhe- cimento, precisamente porque a busca do conhecimento requer um esforga, os homens que assumem esta responsabilidade sentem corretamente orgulho. ‘As vezes, coloquialmente, toma-se o significado de orgutho por um fingimente de realizacdo que alguém no alcangou de fa- fo. Mas o fanfarrdo, o vanglorioso, o homem que aparenta virtu- des, ndo sente orguiho; ele meramente escolheu a maneira mais humilhante de revelar a sua humildade. © orgulho é a resposta pessoal para obter valores, 0 prazer que se sente pela prépria eficdcia. E é isto que os misticos tém co- mo mal, ‘Mas se a dilvida, nao a confianga, é 0 estado moral proprio do homem; se a autodesconfianga, n&o a autoconfianca, a pro- va de sua virtude —~ se 0 medo, nao a auto-estima, é a marca da i : 3 SoGde mental veraus misticismo e auto-sacrificio 53 perfeicdo: se a culpa, nao o orgulho, & a sua meta — entao a doen- ga mental é um ideal moral, os neurdticos ¢ psicéticos so os mais altos expoentes de moralidade, ¢ os pensadores, os realizadores, siio os pecadores, agueles que so corruptos demais ¢ arrogantes, demais para buscar a virtude e 0 bem-estar psicoligico, pela crea- ga de que eles esto incapacitados a existir. "A humildade @, por uma questiio de necessidade, a virtude bisica de uma moralidade mistica: ¢ a tinica virtude possivel para homens gue renunciaram & raza © orgulho tem de ser merecido; é a recompensa do esforgo © da conquista; mas para ganhar a virtude da humildade, precisa-se apenas se abster de pensar — nada mais é exigido —, ¢ sentir-se-a modesto suficientemente rapido. (5) A vida e a auto-estima requerem do homer lealdade pa- 1a com os seus valores, para com a stia Tazo ¢ os julgamentes de- la, — mas a esséncia da moralidade, segundo ensinam aos ho- mens, consiste ern auto-sacrificio; o sactificio das suas razdes @ al- guia autoridade maior, ¢ 0 sacrificio dos seus valores a quem quer possa afirmar desejé-los. Nao é necessério, neste contexto, analisar as inumeraveis mal- dades vinculadas pelo preceito do auto-sactificio. A irracionalida- de deste ¢ sua destrutividade foram completamente expostas em ‘Atlas shrugged, Mas existem dois aspectos da questo que so es- pecialmente pertinentes 20 assunto da satide mental, (O primeiro é 0 fato de que auto-sacrificio significa —- ¢ s0- mente pode significar — sacrificio da razio. cio, deve-se lembrar, significa a rendicdio de um va- Jor maior 2 favor ‘de um menor ou a algo sem valor. Se alguém desiste daquilo que nao valoriza para obter aquilo que valoriza — on se alguém desiste de um valor menor para obter um maior — isto nao é um sacrificio, mas um ganho. ‘Vamos mais longe. Lembremos que todos os valores de um ‘homem existem numa hierarquia; ele valoriza algumas coisas mais do que outras; e, até o ponto em que é racional, a ordem hierdr- quica de seus valores é racional: isto é, ele valoriza as coisas na proporeéo da importancia detas em servir A sua vida ¢ bem-estar. O que é nocivo a sua vida e bem-estar, e também nocivo & sua na- tureza e necessidades enquanto ser vivo, ele desvaloriza.

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