(Intervenção do deputado Prof. Doutor Jorge Bacelar Gouveia na
Assembleia da República)
«(…) Este é um assunto importante, é um assunto crucial, é um
assunto, de facto, do “coração” da Democracia. E isto, aliás, que distingue um Estado Republicano de um Estado Liberal: o Estado Republicano preocupa-se com o espaço público e com o custo da própria Democracia, enquanto o Estado Liberal deixa as eleições à sorte dos seus intervenientes e dos eleitores. Um Estado Republicano e, no caso português, um Estado Liberal tem que assumir as eleições como um custo da própria Democracia e um custo da qualidade da própria Democracia e, portanto, é natural que haja um sistema de financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais e, neste caso, é natural que haja um sistema equilibrado e misto, como é o caso português, em que os contributos são oriundos de entidades públicas e também de entidades privadas. E, portanto, todo este assunto merece a máxima atenção e, sobretudo, merece que não seja aplicada, no seu tratamento, a demagogia que, por vezes, aqui e acolá, surge. E, precisamente, para tentar contribuir para o esclarecimento deste assunto, dirijo, então, ao Senhor Professor Manuel Meirinho duas questões fundamentais ou faço dois comentários sobre dois pontos essenciais, aqueles que eu retive da sua intervenção.
A primeira conclusão, talvez a principal conclusão que o Senhor
Professor trouxe, hoje, aqui, foi a de que havia um aumento da despesa pública com o financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais. E eu gostaria que confirmasse essa sua conclusão, em primeiro lugar, questionando-o se dispõe ou não de dados sobre o que é que os partidos deixaram de receber, quando foi proibida uma parte do financiamento privado, porque pode ter havido, com certeza, um aumento do financiamento público, mas isso também significou um aumento dos financiamentos no fim? Ou os partidos não perderam, também, financiamento por parte da via do financiamento privado? Certamente que, se foi proibida uma parte do financiamento privado, certamente que os partidos também deixaram de receber aquilo que antes recebiam. E esses dados, eu não vi o Senhor Professor trazer. Que dados é que tem sobre aquilo que os partidos deixaram de receber, a título de financiamento privado? Creio que só assim é que se pode ter uma conclusão segura. E não se pode dizer apenas que houve um aumento do financiamento público e depois não dizer o que é que os partidos receberam a menos, daquilo que já deixaram de receber a título de financiamento privado. Creio que esses dados são fundamentais para termos, aqui, uma visão cientificamente correcta do problema.
Depois, há também um problema interessante que aflorou, talvez não
muito, mas também pergunto se, sobre o qual, tem dados, que é saber, afinal, como é que nós estamos num âmbito comparativo com outras Democracias europeias e até mundiais, tão ou mais sofisticadas do que nós, saber como é que outros países encaram este problema, saber qual é a percentagem do Produto Interno Bruto (PIB) do financiamento «per capita», por exemplo, em função do grau de desenvolvimento das várias Democracias, saber se tem dados sobre outros países, sendo certo que os países tem sistemas políticos diferentes. Nós temos, por exemplo, só uma Assembleia da República, outros países têm parlamentos bicamerais, outros países têm mais partidos ou menos partidos, têm mais gente ou menos gente. Portanto têm também, aqui, que haver um esforço de comparação e seria interessante, até do ponto de vista científico, que uma afirmação sobre o aumento da despesa pública com o financiamento dos partidos e com as campanhas fosse contextualizado com aquilo que outros países fazem nessa matéria, sendo certo que também podem ter outros sistemas de financiamento, a maior parte deles até mais privado do que público.
Outro ponto importante, também, nessa sua conclusão era também
saber se esse aumento se justifica ou não em função dos meios tecnológicos que as campanhas hoje estabelecem. Hoje há mais uso de televisões, há mais uso de tecnologias. Portanto, saber se isso também por si próprio não encarece essa actividade de financiamento das campanhas e da actividade dos próprios partidos políticos.
Um segundo aspecto, de que também chamou particularmente
atenção, foi o facto do Senhor Professor ter referido um certo paradoxo, que é o de haver o aumento da abstenção, que é inexplicável perante o aumento do financiamento público com os partidos políticos. Portanto, ou seja, a conclusão é esta, segundo entendi: se há mais dinheiro para gastar, devia haver menos abstenção e, portanto, se há mais dinheiro a gastar, esse dinheiro está a ser menos virtuoso, porque afinal os cidadãos, em vez de participarem mais, participam menos. Bom, mas o problema é que eu acho que o Senhor Professor não tem razão, absolutamente, quando diz que há um aumento da abstenção, porque Portugal (não me estou a referir, evidentemente, às Eleições Presidenciais recentes), em geral, não é dos países que tem mais abstenção no Mundo, como sabe, e até na Europa. Portugal está numa situação intermédia de níveis de abstenção. Há outros países que têm muito mais abstenção do que nós e, portanto, não sei se se pode fazer uma afirmação genérica de que está a aumentar, enfim, de um modo inqualificável e injustificável, a abstenção em Portugal, para depois associar essa conclusão a um aumento da despesa pública com o financiamento das campanhas eleitorais. Mas, depois, há outro problema: então, se a abstenção aumenta assim tanto, a solução é reduzir o financiamento dos partidos? Não será o contrário? Não será então ver, por um lado, se esse dinheiro está a ser bem gasto e saber se, afinal, não é necessário vir ver bem em que tipo de despesa esse financiamento está a acontecer, precisamente para que no futuro a abstenção diminua e não aumente? A não ser que o Senhor Professor também proponha a adopção, em Portugal, do voto obrigatório. Também podia ser uma solução para resolver o problema, procurando evitar assim o elevado nível de abstenção. (…)»