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o2o12019 Untitled Esta & a versio html do ficheiro http:recil.ulusofona,pUbitstreanvhandle/ 10437/7629/Ata%20Esoterismo%2C%20Religi2eC3%B5es"%20M%C3%ADStICo- Esotericas%200%20Ci%4C3%AAncia.docx.pdf?sequence=1. 0 Google cria automaticamente versées html de documentos & medida que rastreamos a Web. ‘Sugestio: para localizar rapidamente o termo de pesquisa nesta pagina, prima Ctrl+F ou 38-F (Mac) e utilize a barra de localizagao. Page 1 Page 2 hitp:!webcache.googleusercontent.comisearch?q=cache:OShVREEL-8wJrecl lusofona.pbitstreanvhanle!10437/7620/Ata%2520Esoterismo.... 1/130 o2o12019 Page 3 Untitled Indice 4 Magnélia Gibson Cabral da Silva; Maria do Socorro Sousa e Kelly Eileen Hayes, Esoterismo, Religides Mistico-esotéticas e Ciéncia 5 Nelson Job, Magia ¢ Ciéncia ao longo da Hist6ria: do Renascimento ao Presente 20 José Filipe P. M. Silva, A parapsicologia Freudiana: telepatia, espiritualidade cocultismo 32 Magnélia Gibson Cabral da Silva, Holismo E Satie: 0 Despertar Magico Da Cigncia? 47 Maria do Socorro Sousa, Sabet Popular, Religido ¢ Magia quando a Natureza e a Fé sio os titimos recursos 61 Nara Keiserman, O que hé de mais sagrado 71 Anténio Tavares, Eubiose 81 Carolina Jaramillo, Movimiento Gnéstico Cristiano Universal 94 Kelly Eileen Hayes, Esoterismo Ocidental Novas Religides no Brasil: 0 Vale do Amanhe 105 Celso Luiz Terzetti Filho, A Magia Como Liminaridade — 0 Ato Magico Como Expresso Da Communitas hitp:!webcache.googleusercontent.comisearch?¢=cache:OShVREL-8wJrecl lusofona.ptbitstreanvhanle!10437/7620/Ata%2520Esoterismo.... 2/130 o2o12019 Untitled Page 4 Esoterismo, Religiées Mistico-esotéricas e Ciéncia Coordenagao: Magnélia Gibson C. da Silva (UFPB) Maria do Socorro Sousa (UFPB) Kelly E. Hayes (IU-PU]) Nos iiltimos ‘inquenta anos tém-se tornando cada vez mais evidente 0 crescimento, a diversificagao e a difusdo de estudos e priticas mistico- esotéricas nas mais diferentes camadas da populagdo urbana ocidental. O que chama a atengdo dos estudiosos é que os reflexos destas priticas ¢ destes estudos, nio se restringem aos estreitos limites da individualidade, Espraiando-s formas movimentos e priticas que no obstante a pouca representagdo numérica nas estatisticas oficiais, configura-se como um dos fendmenos de maior significancia sociolégica da atualidade, em razo do seu cardter muito além destes limites, objetiva-se numa miriade de hitp:twebcache.googleusercontent.comsearch?q=cache:QShVREL-8wJ:recl lusofona.pbitstreanvhanale!10437/7620/Ata%2520Esoterismo.... 3/130 o2o12019 Page 5 Untitled reflexivo e eclético, com incursdes em quase todos os campos do_ conhecimento ¢ em todos os setores da vida. Com efeito, o esoterismo estende-se a praticamente, todos os campos simbélicos de sentido — religioso, artistico, cultural e cientifico, Projetos artisticos, culturais, bem como cientificos nas areas da satide, tecnologia e arquitetura, entre outros, tém sido desenvolvidos com base no conhecimento esotérico, A proposta deste simpésio & promover uma ampla discussio a respeito do esoterismo ocidental hoje ¢ sua influéncia na vida das pessoas, na cultura, ¢ nas jentificas e profissionais em geral, nas quais claramente evidenciada. atividades sua influéncia es MAGIA AO LONGO DA CIENCIA RENASCENTISTA E MODERNA Nelson Job * (HCTE/UFRJ) Resumo Magia ¢ ciéncia possuem relagées histéricas e conceituais que foram obnubiladas pelo Tuminismo, A partir de conceitos como rizoma e obviagao, mostraremos como os cientistas renascentistas - Paracelso em sua medicina, Bruno enquanto frade e mistico conceituador herege do universo infinito, Kepler como astrénomo ¢ astrélogo & finalmente, Newton como filésofo natural, tedlogo e alquimista - desenvolveram suas obras que moldaram nossa visto modema de cigncia a partir do Hermetismo. A ciéncia contempordnea permanece sob sua infh Estabelecida as relagdes entre Hermetismo ¢ fisica moderna, explicaremos como tais indireta através da fisica moderna, hitp:twebcache.googleusercontent.comisearch?¢=cache:QShVREL-8wJrecl. lusofona.ptbitstreanvhanale!10437/7620/Ata%2520Esoterismo.... 4/130 o2o12019 Page 6 Untitea relagdes produzem um campo hibrido simultaneamente ontolgico ¢ epistemolégico, dindmico ¢ permedvel que nés chamaremos de “vortex”, um transaber, ou seja, & transdisciplinaridade aplicada a vida, em que a obviagdo se tornard mais evidente. Palavras-chave: magia, ciéncia, obviacdo, rizoma, vortex, Abstract Magic and science have historical and conceptual relationships, but these relationships were muddled by Illuminism. Using concepts like rizhome and obviation, we will demonstrate how the Renaissance scientists - Paracelsus in his medical capacity, Bruno as a heretical friar and mystic who conceived an infinite universe, Kepler as an astronomer and astrologer and, finally, Newton as a natural philosopher, theologian and alchemist — were inspired by Hermeticism in the development of their works, which shaped our modem vision of science. Contemporary science remains under your indirect influence via modern Physics. This relationship produces a hybrid field, simultaneously ontological and epistemological, dynamic and permeable, which will be called “vortex”, a transknowledge, that is, transdisciplinarity applied to life, where obviation will become more evident. Key words: nagie, science, obviation, rizhome, vortex. » Nelson Job é ps doutoranda pela Histia das Cigneias, das Técnicas ¢ istemologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HCTE/UFRY) e atrator do grupo de pesquisa independente Coletivo ‘Transaberes. Contato: nelsonjob| @yahoo.com br ‘Quando entras nessa danca, Abandonas os dois mundos E fora deles que se encontra © universo infinite do giro Rumi hitpz!webcache.goagleusercontent.comisearch?q=cache:QShVRIEI-8iJrecl.ulusofona.pbitstreanvhanslel10837/7628IAta%2520Esoterismo. 51130 o2o12019 Page7 Untitled Vamos evidenciar aqui as relagdes historias e conceituais entre magia e ciéncia. Historicamente, as relagdes com a magia se mostram mais Sbvias com a ciéncia renascentista, mas & com o advento da ciéncia moderna, sobretudo com a Mecanica Quantica e a Teoria do Caos que as relagdes conceituais se tornam, a0 nosso ver, evidentes. Utilizaremos para conceituar a magia ocidental o Hermetismo, pois sua influéncia & gigantesca e sua organizacao, a partir do século XIX, em sete principios, toma nossas ressondincias mais contundentes. 0 Hermetismo recebe essa alcunha em fungdo da figura de Hermes Trismegisto. Yates (1964) afirma que ele ndo existiu, ja os textos alquimicos medievais colocam 0 advento de Trismegisto no mais tardar em 1800 a.C., no Antigo Egito, Sua figura se confundiria com 0 deus Thoth, ora apar: sndo como o proprio, ora como scu principal seguidor € difusor. Modernamente, organizam- ¢ os prinefpios basicos do Hermetismo em s te, mas, como € comum nos estudos herméticos, nao se sabe com exatiddo quem fez a organizagao, Provavelmente foi organizado por William Walker Atkinson, que escreveu em 1912 (em conjunto ou ndo, mais uma vez, no se sabe) 0 famoso O Caibalion: estudo da filosofia hermética do Antigo Egito e da Grécia com a alcunha autoral de Trés Iniciados (2006), ou até mesmo antes, pela médica Anna Kingsford e seu “parceiro espiritual”, 0 escritor Edward Maitland, em sua introdugao a tradugdo que ambos fizeram em 1885 da The Virgin of the World, atribuido a Hermes Trismegisto (GREER, 2011). Sendo Principios Herméticos foram organizados em: Mentalismo — Tudo & mente, sendo que a matéria ¢ forga mental coagulada. ‘Vibragio — Tudo esti em movimento, tudo se move, tudo vibra. Ritmo — Tudo tem fluxo ¢ refluxo, um movimento para a frente e para tris. hitp:twebcache.googleusercontent.comisearch?q=cache:QShVREI-8wJrecl ulusofona.pbitstreanvhansle!10437/7620/Ata%2520Esoterismo.... 6/130 o2o12019 Untitea Polaridade — Tudo tem o seu oposto, que é, na verdade, o extremo de uma mesma coisa; tudo tem 0 seu duplo, que ¢ diferente em grau, mas © mesmo em natureza, td embaixo, € 0 que esti Correspondéncia — 0 que estd em cima & como o que ¢ embaixo € como 0 que esta em cima, Existem trés grandes planos: 0 fisico (matéria, substincia etérea ¢ energia), o mental (mineral, elemental, vegetal, animal e hominal) ¢ © espiritual, sendo que os sete principios se encontram em todos eles. Causa e Efeito — Toda a causa tem o seu efeito, Os estudiosos do Hermetismo conhecem os métodos da elevagdo mental a um plano superior, onde se tomam apenas. causadores, ¢ no efeitos. Nao apenas uma causa anterior gera um efeito, mas todas as, causas anteriores, até a mais longingua, geram um efeito. Género — Tudo tem o seu masculino ¢ 0 seu feminino, e eles se engendram, de modo semelhante & complementariedade entre yin-yang no conhecido diagrama Taiji do 0 Hermetismo obteve sua maior popularidade na Idade Média, Apesar de o cristianismo ter se mesclado inicialmente ao Hermetismo, na Inquisigao, todos os tipos de paganismo foram entendidos como heresia pela Igreja, sendo seus praticantes convertidos ou condenados. Inicialmente, a ciéncia também tinha intimas relagdes com 0 pensamento hermético, mas, com o seu avango, abandonou-o gradativamente Se pensarmos a cigncia como um saber que busca 0 entendimento da natureza para sua operagdo, controle e previsdo, a magia, em suas vertentes naturais, apresenta uma clara ressondincia em seus objetivos epistémicos e de ordem empirica com os da nascente ciéncia. Contudo, como resultado do processo da Revolugdo Cientifica, que culmina no século XVIII, magia natural ¢ ciéneia ja ndo séo mais o mesmo saber, embora tenham interagido e de alguma forma coexistido nas pesquisas de pensadores como Paracelso, Giordano Bruno, Kepler, Robert Boyle e Newton, Referindo-se a estes pensador Debus (2002) comenta que: “mais do que os outros, Paracelso pode ser visto como e ainda Paolo Rossi (1997): “a cigncia do século XVII, arauto da Revolugdo Cientific: junto © ao mesmo tempo, foi paracelsiana, cartesiana, baconiana e leibziniana’. ‘Theophrastus Paracelsus (1493-1541) foi um médico alquimista suigo, muito critico da medicina de sua época. Segundo 0 ex-editor da Nature, Philip Ball (2009), a concepeo de medicina ¢ filosofia de Paracelso baseava-se no Hermetismo e no Neoplatonismo, hitp:!webcache.googleusercontent.comisearch?¢=cache:OShVREL-8wJ:recl lusofona.pbitstreanvhanale!10437/7620/Ata%2520Esoterismo.... 7/130 o2o12019 Untitled Page 8 Paracelso estudava a natureza para entender 0 corpo, 0 que revelava, com tais relagdes, de micro e macro, a presenga do Principio de Correspondéncia do Hermetismo. Paracelso acreditava nos arcanos, incorpéreos eternos que tém 0 poder de transmutar os doentes. E: arcanos combatiam doengas de calor com calor, frio com frio etc., 0 que veio posteriormente a influenciar os homeopatas — dai a maxima “similar cura similar” Com o advento do oxigénio de Lavoisier e sua quimica, a influéncia de Paracelso foi reduzida. Ball discute o mito de que essa “nova” quimica seria antiparacelso. De acordo com o autor, poderiamos supor que ele aplaudiria a descoberta do oxigénio. A grande perda da quimica é seu afastamento da filosofia, & 0 fato de ela ter se tornado uma disciplina isolada, paradigma comum no Iluminismo. A alquimia prezava a consonincia entre experimento ¢ filosofia. A ciéncia foi se distanciando da filosofia, limitando-se ao experimento, Paracelso ainda influenciaria a sinfilosofia dos Primeiros Romanticos ‘Alemies. 0 italiano Giordano Bruno (1548-1600) foi um polémico frade dominicano, tedlogo, fil6sofo e astrénomo, morto pela Inquisigdo. Influenciado pelo Hermetismo e pelo Neoplatonismo, era divulgador da arte da meméria, uma técnica mégica de memorizagio, Bruno (2008) afirmava no Tratado da Magia: “mago designa um homem que alia 0 saber ao poder de agit”. Yates (1964) chama atengao para o fato de que 0 céleulo ¢ a experimentagdo diferenciavam os magos renascentistas dos gregos antigos ¢ tedlogos da Idade Média, e que essa disposigao de homens como Bruno foi o germe que tomou a cigneia to poderosa, Giordano Bruno conceberia filosoficamente um universo mutante, animico..infinito, eterno e descentrado; sendo que as duas iltimas caracteristicas foram sustentadas pouco depois por Galileu Galilei. O filésofo Nuccio Ordine (BRUNO, 2010, p. XL), comentando a pera cémica Castical de Bruno, faz uma sintese de toda a obra: hitpz!webcache.googleusercontent.comisearch?¢=cache:QShVREEL-8wJrecllusofona.ptbitstreanvhanale!10437/7620/Ata%2520Esoterismo.... 8/130 o2o12019 Untitled Page 9 “Tudo mada tudo se transforma. Aosnossos olhos o gue existe parece se perder efiniivamente, de uma ver por todas. Na verdade, nfo é asim. Aqui se ana uma forma, se disolve um individuo especifco, mas ao mesmo tempo ali nasceoutra forma; um nove sor abe-se para a vida, Os agrogados se desagrogam c os elementos indestrutiveis vagam, sem cesta, de um composto a ouzo, sem conhecer a ‘mobilidade © o repouso, Se Galileu possuia diplomacia com a Igreja, diferentemente de Bruno, cujas ideias a institui 10 0 levaram A fogueira em Roma, depois de um cruel processo de julgamento. © historiador da cincia Alexandre Koyré (1979) escteve: “foi Bruno quem pela primeira vez nos apresentou o delineamento, ou 0 esbogo, da cosmologia que se tomou dominante nos iltimos dois séculos”. Johannes Kepler (1571-1630) foi um astrénomo, astrélogo e matematico alemio, Ele formulou leis da met inica celeste que viriam a ser muito importantes para a fisica newtoniana, Segundo o tedlogo, ex-padre e especialista em geociéncia James Connor (2005), Kepler obteve grande fama como matemitico imperial e astrélogo, fazendo previsdes certeiras ¢ recebendo durante certo tempo a alcunha de profeta, Porém, ele sempre foi ambiguo em relagdo a astrologia, mas a considerava importante para apurar a astronomia, Sua mecénica foi decisiva para engendrar a de Newton, que tirou a importincia da astrologia, relegando-a a guetos. Kepler obviamente sofreu influéneia do Hermetismo, citando Hermes Trismegisto em sua Harmonia do Mundo (YATES, 1964), mas se diferenciando dos esotéticos fraudulentos que também citavam textos herméticos. A concepsao kepleriana de harmonia era um misto de musica, astronomia e, principalmente, geometria. Para ele, a harmonia — uma categoria priméria da existéncia que permitia a experiéncia do mundo — oferecia acesso 4 mente de Deus. hitpi!webcache.googleusercontent.comisearch?¢=cache:QShVREL-8wJ:recl. lusofona.pbitstreanvhanle!10437/7620/Ata%2520Esoterismo.... 9/130 o2o12019 Page 10 Untitled Devido a sua peculiar fé luterana, Kepler negou a concepedo de universo infinito de Giordano Bruno e Galileu, utilizando-se de argumentos aristotélicos. Sua mie, Katharina — que era dada a costumes pagios, fazendo pogdes de curas com ervas, ainda que nao fosse propriamente uma bruxa —, foi condenada e presa pela Inquisigdo ja em idade avangada. Os esforgos de Kepler permitiram uma soltura tardia, ‘mas logo depois Katharina faleceu. Isaac Newton (1643-1727) foi fisico, matematico, astronomo, alquimista e tedlogo. Segundo a historiadora Betty Dobbs (1984), Newton se dedicou prineipalmente aos ‘estudos da alquimia, principal inspiragdo para o seu conceito de forga. E conhecido 0 discurso de Keynes (2002) dizendo que Newton nao foi o primeiro homem da Idade da Razio, mas o tiltimo dos magos. Na primeira edigao do Principia, Newton explicitava a sua crenga na transmutagio da ‘matéria, Com o advento de sua Optica, ele retirou a afirmagao do Principia, deixando-a apenas na primeira, considerada obra menor. Se Koyré acredita que Newton deixou de acreditar na transmutago, Dobbs afirmaria que ela esta subentendida na obra-prima de Newton. Koyré (2002) faria ainda uma critica ao legado de Newton; ele teria posto 0 “movimento absoluto” no lugar do devir, gerando uma espécie de mudanga sem mudanga, separando 0 mundo em dois: o da quantidade, que seria o mundo da ciéncia e da qualidade, e 0 nosso mundo percebido e experimentado, sa Separago, acreditamos, tem seu germe na “confusdo” pitagérica sugerida por Bergson ¢ culmina nna separagdo entre ciéncias e humanidades, “as duas culturas”. Os newtonianos, sem acesso a0 Newton alquimico, fortaleceram a imagem de uma ciéncia “pura”, ‘matemética, empirica, sendo que desde sempre esta emergiu por vetores miltiplos, que envolvem tanto magia, quanto filosofia e reli hitpi!webcache.googleusercontent.comisearch?¢=cache:QSHVRET-8wJrecllusofona.pbitstreanvhansle!10437/7620/Ata%2520Esoterism... 10/130 o2o12019 Page 11 Untitled Segundo Dobbs, a Optica &, praticamente, um tratado alquimico, visto que o espirito era luz, para Newton. Ele ainda faria uma tradugdo comentada para o inglés do texto mais importante do Hermetismo, “A Tabua das Esmeraldas”, dizendo que todas as coisas derivam do cas fioséfieo (DOBBS, 2002). Caberia a questdo se Newton seria “newtoniano”: nao, se alimentarmos a hipétese de que Newton realmente acreditava na transmutagdo da matéria, caracteristica da alquimia que envolve o Principio de Mentalismo no Hermetismo. Assim, Einstein (1999) e sua Teoria da Relatividade — que equivaleria matéria e energia — nao apontariam um acréscimo em relagdo a fisica de Newton, mas recuperaria e desdobraria 0 Newton oculto, A Teoria da Relatividade é a versio da ciéneia modema da transmutagdo alquimica, uma espécie de Mentalismo sem mente, que é substituida pelo conceito de energia. © Hermetismo presente na obra de Newton pie em diivida se ele acreditaria realmente no espaco absolut — visto que no Principio de Vibragao & apresentado um universo dinmico em sua mais profunda constituigdo —, ou se a postulagao deste foi uma concessio para o seu pensamento ter mais alcance. No tocante a este afastamento entre o nivel ontolégico, ou “mundo real”, 0 nivel epistemoldgico, ou discurso e representagdo aceitavel do primeiro, ha uma transformagdo significativa da magia para a ciéncia, O discurso magico, os nomes € os sons das palavras nas descrigdes, encantamentos ¢ invocagdes ndo constituem modelos ou representagdes das coisas a que se referem. Na magia o discurso é extenso da ontologia: Do século XVII em diane, as condigdes de conhecimento e a organizacao de signos foram pensadas em termos muito diferentes, O importante agora sobre a linguagem ra a sua capacidade de espelhar a natureza, endo de se assemelhara ela. A linguagem entrow no que Foucault denominou “period de transparéncia e ‘neutalidade”; a representado tornou-se a sua taref ese cial. (CLARK, 2006, p. 372) hitpitwebcache.googleusercontent.comisearch?¢=cache:OShVREET-8wJrecl lusofona.pbitstreanvhanle!10437/7620/Ata%2520Esoterism.... 11/130 o2o12019 Page 12 Untitled © que Foucault (2002) faz. em seu As Palavras ¢ as Coisas & mostrar que 0 ser sai da representago, tendo como consequéncias, na linguagem, o fim de sua interdependéneci com 0 mundo — o que legitimava a magia —, eriando a ideia de separago entre as palavras e as coisas, ena biologia, a separagdo entre 0 vivo eo nao vivo, ow o fim do mundo animico, devido a taxonomia aristotélica levada as suas iltimas consequéncias por Lamarck ete. Para Foucault, um dos tinicos abrigos do ser selvagem das palavras é a literatura, ou, nas palavras de Blanchot (2011): “poderiamos mesmo sonhar em vé-la [a literatura] desenvolvendo-se em uma nova Cabala, uma nova doutrina secreta que, vinda dos séculos antigos, se criaria de novo hoje ¢ comecaria a existir a partir e além de si mesma”, Outra perspectiva relevante & a questo das ‘politicas misticas” que Clark levanta, colocando que a Inquisicao deve ser entendida tendo como pano de fundo a disputa pelo poder entre o Império eo Papado, fazendo que os julgamentos e condenagdes de bruxas contribuam para a manutengao do poder do Papa. Pierre Hadot (2006) afirma que a revolucao mecanicista levou a democratizagao do saber, até entdo restrito a grupos de iniciados, O problema que nds trazemos aqui, é que, se de um lado o conhecimento amplia seu alcance, de outro, a ciéncia perde em qualidade de reflexio acerca de suas priticas. Hadot actescenta que “o cristianismo contribuiu para o desenvolvimento da representagdo mecénica da natureza e para a dessacralizagio da natureza”. Tudo isso culminaria em seu estupor maior, a critica kantiana, separando a coisa em si do sujeito, resultante de um proceso ontologicamente “separatista” na Historia do pensamento, desde Parménides (separagaio entre ser e no set), Plattio (Mundo das Ideias e simulacto) ¢ Descartes (naturezas diferentes de corpo € mente), que constelaria a separago entre natureza e cultura, Bruno Latour (2002, p. 77) vai definir bem essa problemitica, envolvendo-a com a da representagdo: Pode-se ver que 0 sujeito da interioridade serve de contrapartida para os objetos de hitp:!webcache.goagleusercontent.comisearch?q=cache:OShVRIEF-8w. rec ulusofona.pibtsreanvhandle/10437/7629/Ata1k2520Esoterism 12130 o2o12019 Page 13 Untitled cexterioridade, Para fazer ligago, inventaremos, em seguida, a nogdo de representacao. Gragas acl, o sujcito da interioridade comega @ projetar sobre “a ealidade exterior” seus proprios e6digos — os quais he seriam dados de fora por um eneadeamento causal dos mais impressionantes, das estrturas da lingua, do inconseiente, do cérebro, da histéria, da sociedade. Se as criticas de Latour nos sio iiteis, é preciso salientar que sua antropologia simétrica, justamente por ser simétrica, vai denunciar muito bem o problema, mas nao vai resolvé- lo, ou seja, criticando um dualismo criando outro, Aqui, ndo nos interessa trocar uma natureza e varias culturas por uma cultura e varias naturezas, e sim nos remeter a antropologia de Tim Ingold (2001) e sua obviagdo, no sentido que natureza e cultura Go, de fato, uma extensdo, ou seja, hd uma “borra” ao longo da natureza e da cultura ‘em que sua distingdo nao faz mais sentido, assim como quaisquer dualidades. Resta ainda explicitar uma consequéncia social do advento da ciéncia moderna: a cigncia, em conjunto com a légica clissica, 0 sujeito liberal e a logica transcendental, recalcou 0 “feminino”, ou inconsciente, a légica da diferenga (do outro, da alteridade).. 0 resultado disso, entre outros, é a caga as bruxas na Inquisigdo, A “modernidade”, por definigdo, € mis6gina. Abre-se espago para o Iluminismo e sua maior vertente separatista nos saberes: 0 enciclopedismo, Vamos apreender nossas articulagdes (a prinefpio) “entre” magia e ciéncia como um rizoma * no sentido que desenvolvem Deleuze ¢ Guattari (1995), ou seja um campo imanente miltipla de relagies locais e ndo-locais de vetores que podem se conectar a quaisquer outros vetores. aqui que magia e ciéncia sofrerdo uma obviagao, no sentido que Tim Ingold (2012) nos oferece. Entdo, magia e ciéncia nao serio campos distintos do saber, mas um campo que se percorre ao longo da magia e ciéneia, , sabendo que historicamente € conceitualmente, ou melhor, ontologicamente e epistemologicamente, sdo apreendidos enquanto um campo hibrido. hitp:!webcache.goagleusercontent.comisearch?q=cache:OShVRIEF-8w. rec ulusofona.pibtsreanvhandle/10437/7629/Ata1k2520Esoterism 131130 o2o12019 Page 14 Untitled ‘Vamos aggra relacionar os Sete Principios do Hermetismo com conceitos da fisica modema Principio de Género, no Hermetismo, afirma a relago dos prinefpios masculino e feminino engendrando a continuidade do universo, Nao “homem” e “mulher”, mas princfpios césmicos diferentes e complementares. J4 a cosmologia de Mario Novello (2010) supde um universo do tipo bouncing, eterno * e dinamico, diferente da proposta do Big Bang, que prope um “ponto zero” do universo, como no cosmos enunciado por Hericlito, Aqui, as relagdes entre esses trés saberes comungam um cosmos dindmico, processual, que se autocria de forma continua em todos os niveis No Principio de Causa e Eftito, de todas as causas anteriores emergem um efeito, ou seja, 0 efeito ndo € gerado apenas por uma causa anterior, mas por toda a cadeia de eventos até entdo, mantendo a ideia que os processos c6smicos so continuos. Na fisica corresponde to somente as particulas ndo elementares, ou seja, sem as caracteristicas quinticas © mais popular Principio do Hermetismo ¢ o de Correspondéncia, que diz: tudo 0 que esta em cima é como o que esté embaixo, relacionando o macro com 0 microcosmos. Na Filosofia da Diferenga, ha o conceito de ménada, sistematizado por Leibniz, desenvolvido por Gabriel Tarde. Deleuze (2000) conceitua a ménada a partir desses autores afirmando que ela é o espelho vivo e perpétuo do universo, mas tem um andar + Tim Ingold (2015) vai prferir, com razo, a imagem biolbgice do micélioftngico a0 do vizoma da boténica, para ser mais ficl ao conceito filoséfico de rizome. » Todas essas relagSes eonceituas terdo o suporta da flosofia da diferenga eserdo tecidas com mais vagar Confluéneias entre magia, filosofia,ciénciae ate: a Ontologia Onirica” JOB, ¢ detalhe em nosso liv 2013), ‘Bierno" agui menos no sentido de sempre exist e sempre existir, mas mum sentido intempestivo, que existe “por enquanto”, enquanto ¢, sem uma escalatranscendente de tempo, tampouco sem determinar fechado e re ‘oante com todo o universo ¢ outro que se conecta diretamente com 0 universo, O filésofo articula as ménadas com os fractais, figuras auto-similares relacionadas com a Teoria do Caos (GLEICK,1989) . O médico Stuart Hameroff, a partir de seu modelo especulativo de cons ‘éncia quintica criado com o fisico Roger Penrose (PENROSE e HAMEROFF, 1996), relaciona a verso do quanton — a proposta hitpi!webcache.googleusercontent.comisearch?¢=cache:QShVREEI-8wJrecl lusofona.pbitstreanvhanalel10437/7620/Ata%2520Esoterism.... 14/130 o2o12019 Page 15 Untied do fisico Mario Bunge (2005) de nomear um ‘inico objeto que tenha simultaneamente caracteristicas tanto de particula como de onda - realizado pela suposta gravidade quantica *, chamada Redugdo Objetiva, como um exemplo de ménada. Assim como a Monadologia cria um novo estatuto do sujeito diferente do cartesiano - nao aprioristico, ‘mas relacional em devir, em que a sequéncia de ménadas ¢ de onde emerge o sujeito - também a sequéncia de Redugdes Objetivas no eérebro € que cria o fluxo da consciéncia, diferindo das interpretagdes convencionais da MQ em que o observador realiza o colapso de onda, Finalmente, a proposta especulativa de gravitagao quintica chamada Triangulagdo Dindmica Causal desenvolvida pela fisica Renate Loll e equipe (AMBIORN, JURKIEWICZ,¢ LOLL, 2008) estabelece uma auto-similaridade fractal no nivel quintico da matéria, Todas e: articulagdes evidenciam uma profunda relagdo entre os niveis macro ¢ micro do cosmos, mostrando que em cada porgdo do cosmos abriga a totalidade, ainda que em devir. 0 Principio de Polaridade diz que tudo no cosmos tem o seu oposto que é, na verdade, 0 extremo de uma mesma coisa; tudo tem o seu duplo, que so diferentes em grau, mas os ‘mesmos em natureza, Na MQ, o emaranhamento quantico é a relagdo de simultaneidade como a centre duas particulas elementares em estado quantico, com algumas difereng: rotagdo do spin que so opostas. Aqui, verifica-se nesses dois saberes uma relagdo de simultaneidade entre processos diferentes, mas interligados Principio de Ritmo mostra que tudo tem fluxo € refluxo no cosmos, padrdes de comportamento. O atrator é uma constante na turbuléncia e quando este sua bifurcagao & fractal, recebe a alcunha de “atrator estranho” na Teoria do Caos (GLEICK, 1989), ou seja, & formado por vetores que se auto-organizam, bifurcando fractalmente, Com essas relagdes, observa-se que 0 cosmos possui um proceso de auto-organizagao, manifestado em padrdes identificados em virios niveis. Na MQ nifo existria gravidade, pois estamos falando de particulasclementares, em que a gravidade nio cexerceria influgncia, No entanto, com o objetivo, entre outros, de produzir uma teoria da unificagio da fisica,existem propostes de ariculagdo entre a MQ e a Teoria da Relatividade Geral. Dessas propostas, as {que envalvem gravidade no nivel quintco slo agrupadas como teorias de gravidade quintca, 0 Principio de Vibraco afirma que o cosmos inteiro é vibracional, aqui os vetores hitpitwebcache.googleusercontent.comisearch?¢=cache:QShVREET-8wJrecl lusofona.pbitstreanvhandle!10437/7620/Ata%2520Esoterism... 15/130 o2o12019 Untitled comegam a aparecer, mas o sentido e a ligagdo ainda nao estio definidos. Uma das teorias de unificagdo, a Teoria das Supercordas (GRE E, 2005), também supe um cosmos vibracional, de cordas que vibram de formas diferenciadas gerando as diferentes manifestagdes das particulas elementares. No é preciso apostar nas supercordas como um todo °, aqui é enfatizado apenas esse aspecto vibracional. Nesse item é fiicil relacionar tal aspecto vibracional tanto no Hermetismo, na filosofia e na fisica: tudo vibragio. Finalmente, no Principio de Mentalismo o cosmos & mente, ¢ a matéria & entendida como uma coagulacdo dessa mente, em outras palavras: diferenga pura, a velocidade infinita, 0 “zero positive”. Na MQ, o vazio quantico a fungdo que mais se aproxima desses conceitos, pois & formado por uma complexa estrutura de relagdo de opostos, que se cancelam, mas que podem ser excitados de forma a suscitarem alguma forma ‘material. Existem varios exemplos de uma estrutura semelhante, como 0 conceito de Tao, oriundo do Taoismo, Nessa titima articulagdo, percebe-se que existe uma instincia no cosmos que quase ndo existe, mas existe minimamente, gerando a possibilidade de, a partir de si, se emergir 0 cosmos. Mas, como observamos, 0 caminho ndo hé apenas a0 caminhar a partir dessa instancia primordial, mas em devir, chega-se a ele, também em um processo de descoagulagio da matéria, seja através da meditagdo, do estado quintico ou do suscitar transformagGes sutis ou nao, intensivas, nos corpos. Estabelecidas essas relagdes, o campo de saber hibrido, que somado com elementos oriundos da filosofia ¢ da arte, nés vamos entender como o “conceito” de vortex (JOB, 2013), ou seja, um dinamismo auto-organizado e auto-similar, cujos vetores instaveis, possuem gradagdes de permeabilidade. Nao vamos mais apreender “a relagdo entre saberes” produzindo hibridos como a “transdisciplinaridade”, pois essa hibridizagio parcial, além de evocar o disciplinar em sua alcunha, ainda ndo compromete as praticas de vida com o conhecimento, © que de fato se compromete é um campo relacional “epistemontolégico” produzido ao longo dos saberes aplicados a vida, os assim chamados transaberes, cujo conceito mais explicit é o vortex. Em outras palavras e a guisa de conclusio: os saberes apreendem o vortex das seguintes formas: a ciéncia 0 modela, a filosofia o ex-plica (des-dobra), a magia 0 modula (conjura ¢ intensifica), a «Nossa relago de conccits estabelecida aqui envolve um “encadeamento” de fungies da fsica que sugerem uma espécie de “guia” para uma teoria da unificagao especitica, diferente das propostas até entdo pelos isis, hitpi!webcache.googleusercontent.comisearch?¢=cache:OShVREI-8wJrecllusofona.pbitstreanvhanle!10437/7620/Ata%2520Esoterism... 16/130 o2o12019 Untitled Page 16 arte 0 evidencia, a ética 0 cultiva, 0 amor o multiplica. Colocando-o, por exemplo, nos nexos a0 longo das dualidades, cabe-nos, & luz dos transaberes, vivenciarmos o vortex! hitpitwebcache.googleusercontent.comsearch?¢=cache:OShVREL-8wJ:recllusofona.pbitstreanvhanle!10437/7620/Ata%2520Esoterism.... 17/130 o2o12019 Untitled Page 17 REFERENCIAS AMBIORN, Jan, JURKIEWICZ, Jerzy ¢ LOLL, Renate “Universo quantico auto- organizado” in: Scientific American 75 ano 06, pp 28-35, 2008. BALL, Philip, © Médico do Deménio ~ Paracelso e o Mundo da Magia e da Ciéncia Renascentista. | ed. Rio de Janeiro, Imago, 2009, BLANCHOT, M., A Parte do Fogo. Rio de Janeiro, Rocco, 2011 BRUNO, Giordano, Castigal, 1 ed. Caxias do Sul, EDUCS, 2010. BUNGE, Mario, Fisica e filosofia. | ed. So Paulo, Perspectiva, 2000. CLARK, S., Pensando com Deménios - A Ideia de Bruxaria no Prinefpio da Europa Moderna. So Paulo: Edusp, 2006. CONNOR, James A., A Bruxa de Kepler. | ed. Rio de Janeiro, Rocco, 2005. DEBUS, A. 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M, Silva (IF/FLUP) Resumo O presente artigo tem por objectivo reflectir sobre as probleméticas da “telepati “espiritualidade” e do “ocultismo” na obra de S. Freud. Estes vectores sero colocados em contraste com as principais postulagdes psicanaliticas (metapsicolégicas) do autor, as quais afirmam ndo sé a inexisténcia de fendmenos de comunicagdo inter-mentais ¢ a ineficécia geral dos métodos animistas, ritualistas e religiosos como também os conota como mundividéncias supersticiosas e primitivas. Assim, e partindo de alguns textos, onde Freud reconhece, paradoxalmente, a possibilidade de existéncia de certos fendmenos espirituais ocultos, nomeadamente a telepatia, procuraremos compreender estes aspectos mais misteriosos ¢ desconhecidos do grande piblico e entroncé-los numa linhagem de pensamento proto-esotérico que, simultaneamente, interioriza e extravasa 0s pressupostos tedricos da sua psicanélise, Palavras-chave: espiritualidade; ocultismo; parapsicologia; telepatia. Abstract This article aims to reflect on the issues of “telepathy”, “spirituality” and “occultism” in hitpi!webcache.googleusercontent.comsearch?q=cache:OShVRET-8wJ:recl lusofona.pbitstreanvhanlel10437/7620/Ata%2520Esoterism.... 21/130 o2o12019 Page 21 Untitea S, Freud’s work. These vectors will be put in contrast with the main psychoanalytical (metapsychological) postulations of the author, whose affirm not only the inexistence of the inter-mental communication phenomena and the general inefficiency of the animist, ritualistic and religious methods but also defines them as supersticious and primitive world views. Thus, and starting with some texts where Freud paradoxically recognizes the existence of certain occult spiritual phenomena, namely telepathy, we'll seek to understand these mysterious aspects unknown to the general public as well as to connect them with a line of proto-esoteric thought which, simultaneously, internalises and surpasses the theoretical prepositions of his psychoanalysis. Keywords: occultism; parapsychology; spirituality; telepathy. +Dotorando em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Grupo “Aesthetics, Politics and Knowledge" do Instituto de Filosofia do Porto, “Grupo de Estudos Lus6fonos” da FLUP, Membro de plataforma “Repor(h)a”, E-mail: josefsilva@live.com pt Algumas consideracies metapsicolégicas A psicandlise freudiana "define cldssica e primordialmente 0 «sonho» (Traum) como um ‘«fenémeno psiquico de pleno direito, mais precisamente um cumprimento de desejo» O sonho é 0 enigma que permite o acesso mais intimo ao reservatério "* Gnconscienter (Unbewusste) “onde se encontra a libido, a energia das «pulses sexuais» indlise se (Sexualtriebe) " pertencentes ao primeiro dualismo pulsional, sendo que a psi funda precisamente nesta «analise de sonhos» "De facto, Freud escreve que todo 0 sonho «esti provido de sentido; a sua dificuldade deve-se a umas desfiguragSes que se empreenderam sobre a expressio do seu sentido; o seu cardcter absurdo ¢ deliberado e expressa burla, esedmnio e contradigdo; a sua incoeréncia ¢ indiferente para a hitp:!webcache.googleusercontent.comisearch?¢=cache:QShVREL-8wJrecl lusofona.pbitstreanvhanle!10437/7620/Ata%2520Esoterism... 22/130 o2o12019 Page 22 Untitea interpretagdon Estas palayras, nao obstante, apenas revelam e reforgam a ideia de uma metafisica onirica independente, bem distinta da realidade das coisas materiais e do mundo exteo — onde 0 «ego» (Ich), sublinhe-se, como «ser fronteirigo» * tenta harmonizar essas exigéncias da realidade com a anarquica libido do «id» (Es) ¢ a moral superegéica mas possuidora de idéntico estatuto de verdade, sobretudo por se constituir como o mais antigo modo de ser e de pensar: «O niicleo do inconsciente animico é constituido pela heranga arcaica do ser humano, e dela sucumbe ao processo repressive tudo 0 que, no progresso até fases evolutivas posteriores, deva ser relegado por inconeilidvel com 0 novo e prejudicial para ele» Estagios de pensamento ¢ fases psicossexuais Em boa verdade, tendo como exemplo textos como Totem und Tabu ou Die Zukunft einer Ilusion, facitmente compreendemos este elemento «novo e prejudiciaby reportado ‘Todas as eitagdesiteferéncias de Sigmund Freud remetem a: FREUD, 8 (1992). Obras Completas, Bucnos Aires: Amorrorts Balitores,Indice-seo titulo, volume epgina sDie Traumdeutung. Nol. I, . 12. wCE Abriss der Paychoanalyse. Vo. XXII, p. 148. » Sublinhe-te que oinconsciene — independntemente do prtma pelo qual se analis,seja descrtiva [enunciador de estados] (ef: Finige Bemerkangen iber den Begriff des Unbewussten in der Payehoanalyse. Vol. XI, p. 272), funcionaldpico [lugar psiuico] (Das Unbewusste. Vol. XIN, p 169), dindmica[construgio drivada da tori do «rccaleamento» (Veningung)| (cf. Binge emerkungen iber den Begriff des Unbewussten in der Psychoanaiyse. Vol. XU, p. 272) ou sconémico {medidor das magnitudes de exciagéo] (ef. Das Unbewuaste. Vol. XIV, p. 178) —nio se resume apenas a0 que 6 alvo de recaleamenta, embora tudo o que &recaleado permanoga, necessariament, inconsciene CE Paychounalse und Libudotheori. ol. XVI, . 250. ‘»Binige Bemerkungen ber den Begriff des Unbewussten in der Psychoanalyse. Vol. XI, p. 216 seDas Interese an der Psychoanal, Vl. XI, p. 174 ssDas Ich und das Es. Vol. XIX, p. 56 v8 “Bin Kind wird geschlagen”. Beitrag cur Kenntnis der Entstchung sexueller Perversionen. Nol. XVI, 198. por Freud; tal trata-se, evidentemente, de uma alusdo ao estigio psicolégico animista ‘onde imperava a crenga na omnipoténcia do pensamento " e que se vé naturalmente repercutida na mundividéncia geral das eriangas (emergindo como protétipo da vida intra-uterina, anobjectal ")e na dos psicéticos _” : «Por isso estamos preparados para descobrir que 0 homem primitivo transladou para mundo exterior constelagdes estruturais da sua propria psique» * «& para cle natural, como inato, projectar a sua hitp:twebcache.googleusercontent.comisearch?q=cache:QShVREI-8wJ:recl. ulusofona.pbitstreanvhandle!10437/7620/Ata%2520Esoterism... 23/130 o2o12019 Page 23 Untitled esséncia para fora, para o mundo, e ver em todos os processos que observa uma exteriorizagdes de seres que no fundo so semelhantes a ele» Simultaneamente, Freud refere-se também deste modo 4 prépria evolugio & ultrapassagem das diferentes fases de desenvolvimento psicossexual 2 «fase oral» (orale Phase), «fase sidici -anal» (sadistich-anale Phase) ¢ «fase félica» (phallische Phase) por parte das criangas ¢ que ~ inaugurado 0 «periodo de laténcian (Latenzperiode) precipita a formagao do «superego» (Uber-fch). Coma dessexualizagio progressiva dos pensamentos dos comportamentos assiste-se & «criago ou consolidagdo do superego» —_™ , a wedificagdo de barreiras éticas ¢ estéticas» © a0 aparecimento de sentimentos temos, Trata-se, no fim de contas, de um duplo movimento progressivo: social ou histérico e subjectivo. Note-se ainda que a arcaicidade do «ego-prazer» (Lust-Ich) face ao wego-realidade» (Real-Ich) ~ que nao constituem formas radicalmente distintas do ego, mas uma «fenda (Einriss) ou «clivagem» (Spaltung) de atitudes psiquicas face & realidade externa — ‘mostra precisamente aquela «confianga inamovivel na possibilidade de dominar 0 mundo e a impermeabilidade das experiéncias, fi is de realizar» que nem por caminhos magicos ou sobrenaturais. Aqui somente importa a «estima psiquica propagada desde o desejo e desde a vontaden . utilizando-se © mecanismo da projet io» (Projektion) enquanto veiculo de realizay psiquica e de sobreposigdo desta d realidade do mundo. O seu produto é o «fantasmay ou a «fantasian (Phantasie), 170s ares sistemas de pensamentoy (Totem und Tabu. Vol. XI, p. 81) constituem tipos de represenlagio do universo: animistalmitoldgica, religioa ecientfice. Cf Totem und Tabu. Vol. XII, p. 89 ot sea vwCE. Hemmung, Symptom und Angst. Vol. XX, pp. 130-131 CL. Zur Einfihrung des Narzissmus. Nol. XIV, p. 73. Totem wna Tabu. Vol. XU, p. 94. ‘=Die Zukunft einer Illusion. Vol. XXI, p. 22. ‘Drei Abhandlungen zur Sexwaltheorie, Vol, VIl, passim, Hemmung, Symptom und Angst, Vol. XX, p. 109. seldem. ss Totem wnd Tabu. Vol. XIIL, p93. em, p88. Interpretacao: a chave psicanalitica hitpi!webcache.googleusercontent.comsearch?¢=cache:QShVREI-8wJrecl uusofona.pbitstreanvhanaley10437/7620/Ata%2520Esoterism.... 28/130 o2o12019 Untitled Na metapsicologia freudiana, ou «psicologia das profundezas» (Tiefenpsychologie) : ou ainda, por vezes, «feiticeiray —_*”, © sonho nao pode ser dissociado da «interpretagdon (Deutung). Esta representa, por um lado, um processo de dedugdo analitica pelo qual se tenta desvelar o sentido latente para as manifestagdes verbais e comportamentos dos individuos; por outro lado, ¢ entroncando-se com a nogo propriamente clinica de «transferéncia» (Obertragung) — e, também, de «contra-transferéncia» (Gegeniibertragung) -, ela procura, com a comunicagao paciente/analista, encontrar a «cura» (Heiling) para os diferentes objectos inconscientes [sonho, «sintomay (Symptom), «acto falho» (Fehlleistung), etc.] que se enraizaram no modus vivendi dos pacientes e Ihes causam, de alguma forma, um intenso softimento: «Depois de um trabalho de interpretagdo completo o sonho di-se a conhecer como um cumprimento do desejo» Nem sempre 0 individuo & capaz de discernir, no sonho, a presenga de um adesejo» (Wunsch); porém ele existe sempre, até mesmo nos mais ininteligiveis, uma vez que 0 sonho & um «produto dotado de sentido que pode inserir-se na trama do acontecer psiquico» ” . Ressalve-se, contudo - ¢ contrariamente a posigdo dos paranéicos —, que nem tudo € interpretivel, de tal modo que o «trabalho do sonho» (Traumarbeit), 0 de transformar o «contetido latente» (Latenter Inhalt) em «conteitdo manifesto» (Manifester Inhalt)” , de demonstrar a deformagao * ea légica do inconsciente . poder, por vezes, ser mal sucedido: fala-se aqui do «umbigo do sonho» (Nabel des Traum), do limite, do ponto de contacto com 0 «desconhecidon (Unerkannter) onde termina a inteligibilidade da interpretagao Realizadas estas consideragdes metapsicolégicas introdutérias, facilmente compreendemos que falar numa parapsicologia freudiana pode soar muito estranho a0 ouvido de um leitor — digamos assim ~ mais mainstream da psicanélise. O proprio Die Frage der Laienanalyse. Vol. XX, p. 232 Die endliche und die unendliche Analyse, Nol, XU, p. 228. weDie Trawndeutung. Vol. V, p. 141 Die Traumdeutung. Vol. V,p. 508. Cf. Einige Bemerkungen iiber den Begriff des Unbewussten in der Paychoanalyse. Vol. XI, p. 276 et seq, O contetido latente do sonho define um conjunto de «restos diummos» (Tagesreste,recordagSes de infineiae impresses corporais que adquitem certo significado apés a interpretagdo, a0 passo que © contetido manifesto se refere ao sonho como ¢ apresentado peranteo sonhador antes da investigagdo analitia, Cf. Die Traumdeutung. Vol IV, p. 153 et seq CL Das Unbewusste. Vol. XIV, p. 183 et seg. sCF. Einige Nachirige sum Ganzen der Traumdeutung. Vol. XIX, p. 137. hitp:twebcache.googleusercontent.comisearch?¢=cache:OShVREL-8wJ:recllusofona.pbitstreanvhansle!10437/7620/Ata%2520Esoterism... 25/130 2i01/2019 Page 24 Untitled Freud aponta nesse sentido quando afirma que o abandono da hipnose — to utilizada nos primeiros tempos de psiquiatra - se deveu, em parte, ao seu misticismo * ou quando apresenta a metapsicologia como retransformagao ¢ retradugdo cientifica das ‘obscuras metafisicas dos filésofos, tedlogos ¢ mitémanos * ‘ou ainda quando ridiculariza como absolutamente ineficazes ~ de um ponto de vista nfio moral - os, cultos e priticas religiosas, sejam tais antigos ou modernos ** Alids, ele dito taxativamente: ando existem premonigdes de verdade, sonhos profiéticos, experiéncias telepaticas, exteriorizacdes de forgas suprasensiveis e coisas semelhantes» 5 40s ocultistas (...) so uns convencidos, nao procuram sendo corroboragdes; querem ter uma. justificagio para professar francamente a sua fé» Ambivaléncia freudiana perante o oculto Como devemos relacionar, entdo, estes conceitos psicanaliticos lapidares com a heterodoxia das cuidadas investigagSes sobre «telepatian (Telepathie), espiritualidade & ocultismo, considerado na sua amplitude mais genérica, e que so alvo de reflexdo e de transmutago conceptual — como trataremos de demonstrar -, das quais fazem parte textos como Psychoanalyse und Telepathie, Traum und Telepathie, Einige Nachtrdge zum Ganzen der Traumdeutung ¢ ainda a XXX Conferéncia das Neue Folge der Yorlesungen zur Einfithrung in die Psychoanalyse? O que suscitou essa «ambivalénciay (Ambivalenz) — publicamente assumida, de resto «i~ da parte do autor? De facto, ¢ para que se possa compreender o real interesse de Freud nestas matérias, nada como lembrar a declaragdo feita a Hereward Carrigton, director do American Psychical Institute, em 1921, por ocasio de uma recusa para co-editoriar um periédico sobre ocultismo, Nessa altura, Freud tera afirmado o seguinte: «Se eu me encontrasse no inicio da minha carreira cientifica, e no no seu fim, talvez escolhesse outros campos de pesquisa» ". Estaria ele a incluir 0 campo da parapsicologia? Tal interrogagdo ndo & nada despropositada, sobretudo se consideradas as intimas convivéncias mantidas — por intermédio de S. Ferenezi - com médiuns, astrélogos, vident e profetizas de Cf, Uber Peychoanalyse. Vol. XI, p. 19. °F. Zur Psychopathologie des Allagsleben, Vol. VI, p. 251 ‘»Ct, Totem und Tabu, Vo. XI, p. 9 Zar Peychopathologle ds Allagsleben. Vol. VI p. 283 ‘sPsychoanalyse und Telepathie. Vol. XVII, p. 170. hitp:twebcache.googleusercontent.comisearch?¢=cache:OShVREL-8wJ:recl lusofona.pbitstreanvhanaley10437/7620/Ata%2520Esoterism... 26/130 o2o12019 Untitled eROBnbesedse naeTeate( Mus Dilbcib7 de Psicandlice, Ro de Janciro: Zahar, p. 752, Page 25 Budapeste “ , a aproximagao ¢ querela com o gnosticismo junguiano ou ainda outros convites para que escrevesse sobre ocultismo . Todo este interesse circundante demonstrava, segundo Freud, que os magnetizadores, misticos e ocultistas «querem tratar-nos como meio aliado e contar com o nk SS0 apoio para resistir & pressio da autoridade exactay “dado que o inconsciente psicanalitico & «entre o céu e a terra, uma daquelas coisas com que a sabedoria académica nao se atreve a sonhan» * Freud acredita na telepatia E realmente curioso que por entre as sombras do gigant :co edificio psicanalitico, de rigor mecanizado e positivista, possamos encontrar um Freud interessado em fenémenos dde mesas giratorias e em transmiss6es directas do pensamento *, 40 ponto de dectarar peremptoriamente que «ja no parece possivel recusar o estudo dos feitos chamados ocultos, daquelas coisas que supostamente acreditam na existéncia de poderes psiquicos diferentes dos que conhecemos na alma do homem e do animal, ou que revelam nesta alma capacidades que até ao momento nio se acreditava que tivesse» “ Em termos definicionais, a telepatia surge-Ihe como um «presumivel facto de que um. acontecimento ocorrido em determinado local chega de maneira quase simultanea & consciéneia de uma pessoa distanciada no espaco, ¢ sem que intervenham os meios de comunicagio familiares» * . Utilizando-se uma terminologia espirita, percebemos que tal fendmeno estaria na base, por exemplo, da escrita automatica ou psicografia (popularizada por Jean-Paul Richter e Ludwig Bime), constituindo «um correlato psiquico da telegrafia sem fio» Entre as varias dezenas de casos de pacientes analisados por Freud ¢ de cartas enviadas por pessoas no consultadas mas que procuravam a sua interpretago, podemos, muito sucintamente, destacar trés exemplos: o primeiro diz respeito a um homem que havia recebido uma carta a comunicar a morte do seu irmio e, antes que a abri pressentira “ instintivamente a sua morte; um outro conta-nos a histéria de uma mulher, de trinta e sete anos, que teria clarividéncia desde muito nova e que contara ter recebido hitpi!webcache.googleusercontent.comsearch?¢=cache:OShVRET-8wJ:recl lusofona.pbitstreanvhanlel10437/7620/Ata%2520Esoterism.... 27/130 o2o12019 Page 26 Untitled ‘oldem. CE, Poychoanalyse und Telepathie. Vol. XVII, p. 169. ««Psychoanalyse und Telepathie, Vol. XVI, p. 170. soldem. OUDINESCO, E. & PLON, M., Dicionario de Psicandlise, p. 153. ‘sPsychoanalyse und Telepathie. Vol. XVI, p. 168. ‘Neue Folge der Vorlesungen zur Einfihrung in die Psychoanalyse, Vol. XXII, p. 34 swldem. Cf, Traum wnd Telepathie, Vol. XVI, p. 195, mentalmente a noticia da morte do ii (combatente na I Guerra Mundial) antes da chegada, dois dias depois, do comunicado oficial, sendo que neste caso também a sua mie tivera uma experiéncia semethante, praticamente sinerénica, embora as duas nio estivessem, nesse mesmo dia, juntas em eas; ; finalmente, num terceiro exemplo, podemos assinalar o sonho de um homem, de «evidente inteligéncia» * segundo Freud, cuja filha —que Ihe era muito querida mas vivia em lugar distante ~ esperava o seu primeiro parto para meados de Dezembro; esse homem, na noite de 16 de Novembro, sonha que a sua esposa havia dado & luz gémeos, sendo que pela manba do dia 18 recebe um telegrama a informé-lo de que a filha ja teria tido o parto, e que teriam nascido gémeos, tendo tal ocorrido precisamente na noite de 16 para 17 e sensivelmente pela mesma hora do seu sonho | ™ sentimentalismo dos fenémenos telepaticos Poderiamos mencionar aqui muitos outros exemplos; porém, importa sobretudo salientar que so acontecimentos deste género que levam Freud a concluir que uma das premissas para existéncia de fenémenos telepaticos (sejam tais comunicagdes quase simulténeas diumas ou através de sonhos) reside no ponto-chave de que «esse acontecimento afecte uma pessoa em quem a outra, o receptor da mensagem, tenha um, forte interesse emocional. Por exemplo, a pessoa A sofie um acidente ou morre, ea pessoa B, muito chegada a ela — sua mée, filha ou amada —, se apercebe mais ou menos ‘no mesmo momento através de uma percepedo visual ou auditiva; em Gitimo caso, & como se tivessem comunicado por telefone, embora ndo seja assim de facto» Pare de sério que exista um intenso vinculo sentimental para a ocorrénci fendmenos telepaticos e de transmissdes directas de pensamento, Mas, voltando um hitp:twebcache.googleusercontent.comsearch?¢=cache:OShVREEL-8wJrecl. lusofona.pbitstreanvhansle!10437/7620/Ata%2520Esoterism... 28/130 o2o12019 Page 27 Untitea pouco atris, a questdo da ambivaléncia intelectual de Freud perante ocorréncias telepaticas — que sio pertenca do ocultismo e precipitam uma espiritualidade parapsicolégica, isto &, que extravasa os domfnios da mundividéncia consciencialista e da obscuridade primaria do proprio Subjekt metapsicoligico, permitindo assim uma reformulagdo e reconstrugao espirita para os fenémenos mentais -, convém compreendermos em que medida elas podem, ou nio, ser incorporadas ~ mesmo que por caminhos mais ou menos enviesados ~ na doutrina psicanalitica estabelecida. ‘Cf, Traum und Telepathie, Vol. XVI, p. 202. Neue Folge der Vorlesungen zur Einféhrung in die Psychoanalyse. Vol. XX, p. 35. ‘CE, Neue Folge der Vorlesungen zur Einfthrung in die Poychoanalyse. Vol. XXL, p. 35 Neue Folge der Vorlesungen zur Finfhrung in die Psychoanalyse. Vol. XXM, p. 34 ransferéncia e contra-transferéneia de pensamento Com efeito, essa transmutagdo conceptual parece ndo ser tdo reduzida quanto se poderia imaginar pelo inicio do artigo, a comegar desde logo pela natureza da transferéncia e da contra-transferéneia, momentos inaliendveis da prética analitica, A transferéncia designa um processo psicologico mediante 0 qual os desejos inconscientes dos pacientes relativos a determinados objectos extemos (modelos da sexualidade infantil) so repercutidos e s stituidos pela figura do analista, Ela comega por ser uma aresisténcia» (WWiderstand) ¢ um obsticulo a terapia, de modo que cabe & interpretagdo a tarefa de — através da palavra — conseguir proporeionar um reajustamento do investimento ao nivel das representagbes psiquicas: «Em todo 0 tratamento analitico (...) estabelece-se um intenso vinculo de sentimento do paciente com a pessoa do analista, vinculo que ndo possui nenhuma explicagao pelas circunstancias reais. £ de natureza positiva ou negativa, varia desde o enamoramento apaixonado, plenamente sensual, até 4 expressio infrene de rebeldia, desafio e édio. Esta “transferéncia” (..) logo substitui no paciente o desejo de ser curado e passa a ser, enquanto terna € moderada, o suporte da influéncia do médico e 0 genuino mote impulsor do trabalho analitico em comum» * Por outro lado, a contra-transferéneia instala-se no médico por «influxo do que o paciente exerce sobre 0 seu sentir inconsciente» * e, particularmente, da transferéncia evidenciada, Em termos directos, o que est em causa é a transmissio de pensamentos e de emogdes hitpi!webcache.googleusercontent.comisearch?¢=cache:QShVREI-8wJrecl lusofona.pbitstreanvhanale!10437/7620/Ata%2520Esoterism... 29/130 o2o12019 Page 28 Untitea por via da palavra — naturalmente composta pelo duplo vector «associagao livren (freie Assoziation) ¢ «atengio futuante» (Gleichschwebende Aufmerksamkeit) ~ que ocorre entre os inconscientes do paciente e do analista, Nao se trata de uma transmissio telepatica nos termos que mencionamos antes; porém no deixa de ser muito curioso—e relevante — que estes processos ocorram ou tenham por finalidade atingir © que de mais, intimo existe em cada individuo (o seu inconsciente) e, simultaneamente, necessitem, para ocorrerem — como afirma Freud — de um «intenso vinculo de sentimento», independentemente da forma assumida (positiva ou negativamente) ~ sendo que aqui existe realmente diferenga para os fenémenos telepaticos, cuja carga predominante & cefectivamente positiva. Deste modo, falar de inconsciente para inconsciente, é, no fim de contas, um ‘movimento muito estranho onde se encontram, quase que emaranhadas, as energias, s«Selbstdarstellung, Nol. XX, p. 40. Die zukiinftigen Chancen der psychoanalytischen Therapie. ol. XI, p. 136, pulsionais mais profundas e desconhecidas ~ para o ego consciente, claro esta — dos id do paciente ¢ do analista ‘Apesar de Freud tender — uma vez mais, ambivalentemente — a considerar a maior parte dos 10s reportados nos seus estudos sobre telepatia — sobretudo os derivantes de consultas com médiuns ¢ adivinhos ss como simples «desejo de uma pessoa, extraordinariamente poderoso, que mantém com a sua consciéneia um vinculo particular, e que se pode criar, com o auxilio de uma segunda pessoa, uma expresso consciente levemente velada» —”, e cuja interpretago pertence, por isso, ao dominio psicanalitico, nfo é menos verdade que o seu elogio e concordancia piblica com a existéncia daqueles fenémenos telepaticos — ja o deixamos bem claro — deixa entreaberta a porta para uma reinterpretago conceptual dos processos transferenciais no campo da parapsicologia. Mas essas possibilidades nio se esgotam aqui De facto, ¢ ignorando propositadamente as bvias ramificagdes psicanaliticas ultra- simbélicas promovidas, por exemplo, por C. G. Jung - que encontra, na impalpabilidade do inconsciente freudiano um solo fértil para a propagacao da sua psicologia analitica hitp:!webcache.googleusercontent.comisearch?¢=cache:QShVREI-8wJrecl.lusofona.pbitstreanvhanle!10837/7620/Ata%2520Esoterism... 30/130 o2o12019 Page 29 Untitled baseada no «arquétipo» (Archery) e em sistemas universais e interligados de pensamentos ede crengas «© facilmente encontramos em Freud outros vectores passiveis de uma apropriagdo ou indugdo parapsicolégica, tais como os de metapsicologia, projecgio, «compulsio a repeti¢ao» (Wiederholungszwang), «obsession (Zwang), «estado hipndide» (hypnoider Zustand), «dissociagio da conscincia» (Bewusstseinsspaltung), «clivagem do ego» (Ichspaltung) ou «recaleamento origindrioy (Urverdrdingung). O chamamento da feiticeira Em Die endliche und die unendliche Analyse, Freud refere a metapsicologia como um inevitével modo de especulagao: «Podemos apenas dizer: “Entdo é preciso que intervenha a feiticeira”. A feiticeira metapsicologia, isto ¢. Sem um especular e teorizar metapsicolégicos — quase disse ‘fantasiar’ — no daremos um passo adiante. Infelizmente, as revelagées da feiticeira nao sao aqui nem muito claras nem muito detalhadas» ". Atavés da evocagio de Fausto, coloca-se a entrada em cena da metapsicologia como uma espécie de ultimo recurso ao qual o analista se dirige em s#0f,Einige Nachrige zum Gancen der Traumdeutung. Vol. XIX, p. 139, s»Ct. Poychoanalyse und Teleparhe. VoL. XVII, p. 176. Cf. JUNG, CG, (1988). Man and His Symbols, New York: Ans Die endliche und die unendliche Analyse, Vol, XXII, p. 228. wor Press, passim, desespero de causa. Tal como a personagem da feiticeira, também a metapsicologia parece constituir uma outra dimenso de pensamento que extravasa as fronteiras daquilo que é alcangado pelos meios tradicionalmente naturais (clinicos/cientificos), justificando uma teoria que pretende ir além das representagdes empiricas e que nos permite pensar uma Weltanschauung parapsicol6gica. Sintomatologia espiritual No que respeita & projecgao, a compulsdo a repetigdo e a obsessio, muito facilmente as poderiamos reciclar como sintomas de alterago ou anomalia espiritual; neste caso, entroncariamos a ideia de projecedo — uma operagdo por meio da qual o individuo expulsa ¢ exterioriza qualidades, sentimentos ou desejos recalcados em si mesmo a hitp:!webcache.googleusercontent.comisearch?¢=cache:QShVREL-8wJ:recl. lusofona.pbitstreanvhanlel10437/7620/Ata%2520Esoterism... 31/130 o2o12019 Page 30 Untied com as referencias sobre telepatia descritas por Freud, nas quais os pensamentos e as noticias tendem como que a projectar-se entre as mentes dos individuos emocionalmente conectados; por outro lado, a compulsdo A repetigo — da qual a transferéncia se encontra ao servigo — reproduz certas sequéncias de actos, ideias ou sonhos cuja origem gera enorme sofrimento © e congrega naturalmente com o conceito de obsessio ~ a insisténcia em realizar actos indesejaveis e uma luta permanente contra aruminagdo mental“ —, Sendo que ambas pautariam, dentro de uma teoria parapsicolégica onde se incluisse a reincarnagdo, uma heranga cérmica, ‘Vectores de incorporacio? Quanto ao estado hipndide, & dissociago da consciéncia e & clivagem do ego, embora digam respeito, em termos metapsicoldgicos, a coisas distintas “ podcriam, mediante alguma gindstica conceptual, ser igualmente incluidos dentro de uma historiografia parapsicolégica — sobretudo espirita — onde seriam entendidos como partes mentais automiticas (ao género das incorporagdes meditinicas, nas quais a forga comunicacional do espirito comunicante geralmente se sobrepde a natureza psicossomitica ou espiritual dos individuos que incorporam, como que a dividindo, dissociando ou elivando), evando, igualmente, a entrada em estados de transe, onde apareceriam como produtos as glossolalias e as divinagdes. ‘©CE, Manuscrito Il ol. kp. 249-25: ‘6Cf Jenseits des Lustprinzps, Vol. XVI, p36. ‘Cf. Die Abwehr-Newropsychosen. Vo. Il passim. 10s estado hipndie sio independentes dos fendmenos traumsticos propriamente dtos dio origem a um desdobramento alternante da conscigncia ou da personalidad do indiviguo (a dissociasio), a0 paso que @ Spaltung resulta de um confito entre o ego & 0 mundo externa Recaleamento o1 indrio...sem origem Importa notar que o recalcamento compe um processo dindmico assente em dois tempos: o primeiro, chamado de recalcamento origindrio, recai sobre as «representagdes» (Vorstellungen) que no chegam a «consciéncia» (Bewusstsein) e nas quais ocorre uma «fixagdion (Fixierung) da «pulsdo» (Trieb), criando-se um primeito micleo inconsciente que funciona como pélo de atracgo para os contedidos a recalcar; 0 hitpi!webcache.googleusercontent.comisearch?¢=cache:QShVRET-8wJ:recl lusofona.pbitstreanvhanle!10437/7620/Ata%2520Esoterism... 32/130 o2o12019 Page 31 Untitled segundo, o «recalcamento propriamente dito» (eigentliche Verdrdingung), constitui um, processo duplo: por um lado, une a esta atracgo uma «repulsion (Abstossung) por parte do sistema «pré-vonsciente» (Vorbewusst) e, pelo outro, um retorno do «reprimido primordial» “ sob a forma de sonhos, sintomas ou actos falhos. reside no facto de Freud nao definir © ponto importante destas consideragi explicitamente o que ¢ e de onde vem este recaleamento origindrio, esbocando apenas uma tentativa de resposta ao afirmar que «é inteiramente verosimil que factores quantitativos como a intensidade hipertrofica da excitago e a ruptura da protecgo contra os estimulos constituam as ocasides imediatas dos recalcamentos primordiaisy ou seja, que tal decorre de uma forga de excitagdo particularmente intensa, Esta timida hipétese poder-nos-ia levar a pensar, por exemplo — dentro de uma perspectiva psicanalitica -, no momento do desmame (dado que tal constitui efectivamente uma alteragdo energética dréstica no quotidiano da crianga, possivelmente a primeira de muitas); porém, e de um ponto de vista parapsicolégico — relembrando que Freud praticamente nada diz sobre o assunto — ndo seria despropositado suspeitar de uma fenomenologia espirita oculta, através da qual esse recaleamento origindrio representaria, por exemplo, a encarnagdo do espirito no feto com a respectiva perda de recordagdes e sentimentos de vidas anteriores. Um proto-esoterismo maquilhado ‘A maior critica que se pode tecer a estas interpretagdes parapsicolgicas da obra de Freud e que tentam — embora com as devidas ressalvas— introduzi-lo numa linhagem de pensamento proto-esotérico que, simultaneamente, interioriza e extravasa os dominios da sua psicandlise, reside no facto do autor se apresentar extremamente ambivalente para com estes assuntos, apoiando-os em certos textos especificos mas renegando-os completamente na maior parte do tempo, Porém, é precisamente por isto que se fala Die Verdringung. Vol. XIV, . 13. sHemmung, Srmptom und Angst. Nol. XX, p. 90. num “proto-esoterismo” ¢ ndo num “esoterismo” em sentido lato, Lembremo-nos de que Freud muito batalhou em prol da cientificagdo da sua disciplina, fazendo questo de hitp:!webcache.googleusercontent.comisearch?q=cache:OShVREL-8wJrecl.lusofona.pbitstreanvhanale!10437/7620/Ata%2520Esoterism... 33/130 o2o12019 Untitea a separar dos sistemas filoséficos sempre que tal suspeitasse deserédito — embora 0 proprio, em outras ocasides, e de novo ambivalentemente, tenha manifestado a sua e até mesmo intengdo de ser filésofo e da sua metapsicologia constituir uma filosofia - das teorias psiquicas dezanovecentista instauradas pela psiquiatria ¢ psicologia, sendo que no seria certamente por factores obscurantistas como os de telepatia ou de espiritualidade (e eventual espiritismo) que o proprio deixaria ruir 0 seu corpus epistémico. Nao obstante, a Tiefenpsychologie, a feiticeira metapsicologia, leva-nos sempre, em ‘iltima instancia, para uma dimensio de pensamento inconsciente, subterranea e misteriosa, onde se revelam os mais fantésticos e inimagindveis, egredos do ser humano, De facto, ¢ depois das ridicularizagies e atestados de pseudo-ciéncia de que foram alvo F. A. Mesmer, Armand de Puységur, Frederick Myers, entre outros, nada nos garante que Freud ndo encarasse com bons olhos uma transfiguragio conceptual das suas préprias conviegdes ocultistas sob 0 modelo psicanalitico. Tal parece, alis, muito plausivel, ’o fosse ele um adepto — critico, sem divida, mas — entusiasta das priticas da sua época, uma época de mesas giratérias, de comunicagdo com os mortos, de cexperiéncias telepaticas e, enfim, de um elevadissimo interesse por tudo aquilo que escapava as explicagdes da ciéncia positiva, Cf MUOLLA, A. & MUOLLA-MELLOR, S. (2002). Psicandlie, Lisboa: Climepsi Editores, p. 78 hitpi!webcache.googleusercontent.comsearch?¢=cache:OShVREL-8wJ:recl. lusofona.pbitstreanvhansle!10437/7620/Ata%2520Esoterism... 34/130 o2i12019 Page 32 Untitled HOLISMO E SAUDE: O DESPERTAR MAGICO DA CIENCIA HOLISM AND HEALTH: THE MAGIC SCIENCE AWAKENING? Magnélia Gibson Cabral da Silva." (UFCG) Resumo Contra a fragmentagdo crescente em todos os dominios da ciéncia e da experiéncia cotidiana, a nova ordem é unidade, globalidade, holismo, © Uno ¢ divino, espiritual, consciente: é ‘energia-vida', 0 material ontolégico ¢ psiquico do Universo. Desse ponto de vista, ndo existe dicotomia entre cigncia ¢ espiritualidade, entre material e espiritual ¢, nem entre divino e humano, Essa visdo de universo apresenta uma abordagem de doenga ede cura radicalmente diversa daquela utlizada na moderna medicina o novo influxo cultural que, de certa forma, reverte & antiga visio da ciéncia médica ocidental a respeito da tradigdo. Palavras Chave: holismo, ciéncia, religido, satde Abstract Against the increasing fragmentation in all fields of science and everyday experience, the new order is unity, totality, and holism, The Whole is divine, spiritual, conscious: it is “life-energy”, which is the universe ontological and psychic material. Fnergy is the essence of which is made the cosmos; through it we can find our own consistency. From this perspective, there is no dichotomy between science and spirituality, nor between material and spiritual nor between divine and human. In this vision of the universe the discase and healing approach, is radically different from that used in modern Western medicine. This paper deals with the new cultural flow that somehow reverts the western ‘medical science to its antique vision regarding the tradition. Keywords: holism science, religion, health ‘eMagndlia Gibson Cabral da Silva (magnoliagib(@ gmailcom) ¢ Bacharel em Ciéncias Sociis! Doutora «em Sociologia ¢ Professor /pesquisadar no Programa de Pés-Graduago - Mestrado e Dontorado - em CCigncias Sociais da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG)..Coordenadora do Grupo de hitp:!webcache.goagleusercontent.comisearch?¢=cache:OShVRIEF-8w. rec ulusofona.pibtsreanvhandle/10437/7629/Ata'k2520Esoterism 35/130 o2o12019 Page 33 Untitled Estudos em Sociologia e Antropologia da Religido Religifo, Saide e Cultura Como interpretagio da realidade, a religido & um dos sistemas mais importantes de produgio, manutengio e transformagao da cultura. A civilizagio ocidental, por exemplo, tem como base a tradigdo judaico-eristd, que perman, até hoje, apesar da secularizagio e da hegemonia do pensamento cientifico no campo do conhecimento. Em todas as civilizagdes a religifo aparece como cédigo de conduta individual e social, bem como de ética ¢ de cura, para a manutengdo da satide fisica, moral e social, formando grandes sistemas interligados, sem solusao de continuidade. Nas sociedades ancestrais, 0 sacerdote era, também, 0 médico (curandeiro, pajé, xami etc.). Consoante Ohsawa (1977) as religides escritas seriam verdadeiros "tratados” onde as pessoas encontram orientagao para conseguir satide ¢ longevidade, que constituiriam a base da felicidade humana (OHSAWA, 1977: p. 9). A medicina na india, teve origem na tradigiio Vede (aprendizado, conhecimento). O livro Ayurvede (Vede da longa vida), era especificamente dedicado a medicina, Eram textos sagrados, revelados por entidades divinas, onde as referéncias histori entrelagavam-se com lendas. A tradicdo foi seguida do periodo bramanico, IX a.C., que ‘marca o apogeu da medicina indiana (MARGOTTA, 1998: p. 16). Segundo os interpretes da Miada, na época de Homero na Grécia, a medicina nao se baseava na magia nem na religifo; era uma disciplina independente, praticada por profissionais pagos. Com o tempo, porém, as influéncias orientais foram deixando sua ‘marca sobre a cultura grega, € medicina foi se tornando mais sacerdotal. As prati médicas sacerdotais, alastraram-se por toda a Grécia durante o século Va. C., permanecendo em uso até os séculos IV ou V d. C., periodo no qual, 0 culto a Esculépio (deus da cura) funde-se ao dos santos da Era Crista (Op, it, p. 22-23), ‘Apés a elevagio do pensamento cientifico ocidental modemo ao mais alto patamar na escala do conhecimento, mais uma vez, foram separadas essas instancias da vida que, nas tradigGes antigas, eram constitutivas do sagrado, Mas a modema ciéncia ndo conseguit responder satisfatoriamente antigas questdes que insistem atormentando os seres humanos. Uma destas questées mal resolvidas ou ndo satisfatoriamente explicadas hitp:twebcache.googleusercontent.comisearch?¢=cache:QShVRIEL-8wJ:recl lusofona.ptbitstreanvhansle!10437/7620/Ata%2520Esoterism... 36/130 o2o12019 Page 34 Untitea pela cigncia é a propria religiao e, nesta, o milagre da cura, Esta comunicagdo destaca 0 novo influxo cultural que, de certa forma, reverte & antiga visio da cigncia médica ocidental a respeito da tradigdo representada pelo Movimento Holistico, Holismo e Saade © Movimento Holistico é 0 desdobramento mais significativo do chamado Movimento Nova Era. holismo ¢ 0 grande prinefpio axial do movimento, Contra a fragmentagao crescente em todos os dominios da ciéncia e da experiéncia cotidiana, a nova ordem é unidade, globalidade, holismo (BERGE ON, op. cit., p. 67-68). No nivel ontolégico (0 do set) 0 holismo designa a unidade dltima das coisas. Fundamenta-se num monismo metafisico, segundo 0 qual tudo € uno, sendo o mitiplo apenas ilusdo da condigo humana, O Uno é divino, espiritual, consciente: é 'energia~ vida', que & o material ontolégico e psiquico do Universo. A energia é a esséncia de que € constituido o universo; é através dela que podemos encontrar nossa propria consisténcia (Ibid.) 0 holismo ontolégico manifesta-se, também, numa espécie de cosmologia orgdnica, onde tudo esta interligado, Uma vez que a Energia divina é a substincia bisica e alma do universo, conelui eres ¢ coisas. Nessa se que seja 0 vinculo entre todos perspectiva, o mundo nao pode ser visto como maquina, ou sistema mecdnico, composto de parcelas de matéria elementar, mas, como organismo vivo. Nesse mundo hierarquizado e interligado, as mesmas les determinam 0 fiancionamenta de tados os serese de todos os sistemas, qualquer que seja seu plana de existéncia: social, fsico, psiquico, astral ou espirtual(divino) (bid), Desse ponto de vista, ndo existe dicotomia entre a ciéncia e a espiritualidade, entre 0 material e o espiritual e, nem entre o divino ¢ o humano, 0 terceiro lugar, onde o holismo ontolégico manifesta-se & na antropologia de tipo gnéstico, na qual o ser humano & visto como parcela divina, néicleo concentrado de hitpi!webcache.googleusercontent.comisearch?¢=cache:QShVREL-8wJrecl lusofona.pbitstreanvhanaley10837/7620/Ata%2520Esoterism.... 37/130 o2o12019 Page 35 Untitled Energia Universal, alienado por sua incapacidade de perceber sua verdadeira esséncia divina, Segundo essa visio, o humano nao esté no centro do cosmo; € parte integrante do cosmo. E microcosmo. As leis e energias nele contidas, so as mesmas para todo 0 universo, O ser humano ndo esté diante do cosmo; esté essencialmente no cosmo. tomando conscigncia de que é um nicleo de energia divina, que o ser humano descobre, ‘a0 mesmo tempo, stia unidade com 0 universo e a unidade de todo o universo (Op. cit. p. 68-69). Assim, o ser humano, ndo apenas esté em unidade orgdnica com o Universo, como também, forma em si mesmo um todo unificado, Nao é, de um lado, um corpo composto de miiltiplos érgdos, e de outro, uma alma, um espirito, Essa visio de universo apresenta uma abordagem da doenga e da cura, radicalmente diversa daquela utilizada na moderna medicina ocidental. Enquanto a medicina ocidental divide o ser humano em érgdos ¢ em células, interessando-se, apenas, pelas reagdes bioguimicas, a perspectiva holistica, vé o corpo humano como um conjunto de canais de energias (os meridianos - taoismo) e de centros de energia "chakras" - induismo). N perspectiva, a cura passa pelo reequilibrio das energias e, o corpo torna-se 0 receptor da onda de energia-vida que percorre o universo (Op. cit, p. 69). Do mesmo modo, holismo apresenta uma abordagem analitica diversa daquela utilizada pela cigncia ocidental. No nivel metodolégico, o holismo apresenta-se como conhecimento de tipo esotérico que, no encontro da racionalidade analitica e cientifica, procura transcender a dicotomia "sujeito-objeto" no ato de conhecer, através do exercicio dos poderes superiores da inteligéncia: intuigao, iluminacdo, clarividéncia, experigneia de consciéneia, transe, percepgio extra-sensorial, ou iniciagdo, Pretende 10 ou do ter ‘ro-excluido. De fato, ndo ultrapassar, igualmente, o prinefpio de contradi pode haver contradigao, tese ou antitese, exatamente porque, o real é uno e, por isso, tudo esta organicamente interligado. Assim, s6 pode existir analogia, correspondén similaridade entre todos os seres e entre todos os sistemas. Dai a idéia de procurar as hitp:twebcache.googleusercontent.comisearch?¢=cache:OShVREI-8wJrecl lusofona.ptbitstreanvhanlel10437/7620/Ata%2520Esoterism... 38/130 o2o12019 Page 36 Untitled convergéncias e 0 vinculo organico entre as tradigdes espirituais e religiosas ¢ as cigncias como o fizeram por exemplo: Fritjof Capra, na fisica, R. Sheldrake, na biologia, Prigogine, na quimica, E. Schurmacher, na economia, R. Mullema, na politica, S. Grof, na psicologia, entre outros (Op. cit., p. 69-70). Tal como o paradigma cientifico, a visio holistica de realidade vai, aos poucos, sendo adotada como parmetro para orientar as ages e as decisdes em todos os setores da vida. Com efeito, o holismo constitui-se, atualmente, num dos pilares, sobre os quais, assentam-se imimeras formas de religiosidade, de sociabilidade ¢ de reflexividade (SILVA, 2000) Segundo Bergeron, o que se modificou foi, sobretudo, a natureza da religido (Op. cit, p. 55). A religiéio que no Ocidente modemo havia se recolhido aos estreitos limites das ceriménias nas igrejas, comega a retomar seu lugar como centro de orientagdo das ages, das escolhas e das decisdes na conduta diéria, tanto nas situagdes ordinérias, no trabalho cotidiano, na disposigio dos méveis (ferng-shui), como nas imprevistas, no tratamento dos males morais e fisicos que afligem os individuos. A pluralizagdo dos fenémenos religiosos na América Latina é fato incontestivel. Todos 0s grupos sociais parecem ter canalizado maior cota de energias a pritica de religides, cuja gama vai desde as novas correntes catélicas, 4 expanso de religiosidades indigena e afto presentes na religido, as expresses mais renovadas e populares da tradigo protestante, bem como o conjunto de priticas misticas, esotéricas e terapéuticas que em termos gerais e provisérios, podem ser catalogadas como pertencentes ao Movimento Nova Era (SEMAN, em ORO, 1997: p. 130), Podem-se identificar, ainda, ramificagdes da Nova Era na cultura, nos produtos ¢ nas técnicas. A cultura contemporanea incorporou o vocabulirio e muitas idéias difundidas pelos movimentos mistico-esotéricos. Elas esto espalhadas por todos os lugares € ambientes a nossa volta, Nas artes plisticas em geral, nas novelas, na literatura, no cinema, nas misicas, ete. As misicas esto repletas de conceitos que poderiamos qualificar como sendo da Nova Era. Conceitos como carma, reencarnagdo e alto astral estdo plenamente incorporados a linguagem corrente. A reencamagao como ideal social; hitpi!webcache.googleusercontent.comisearch?¢=cache:OShVREI-8wJrecl ulusofona.pbitstreanvhansle!10437/7620/Ata%2520Esoterism... 38/130 o2o12019 Page 37 Untitled 0s cristais, os duendes e, sobretudo, as técnicas; as terapias de cura e de relaxamento; a meditagdo, a acupuntura, 0 Taichi, o | Ching, o Tard cte., tém apresentado alto indice de aceitagdo popular. Visio Sist@mica e Sade Navi sistémica, 0 mais importante a ser considerado so as relages entre eventos € no, os eventos isoladamente, como se faz nas ciéncias exatas, como a mecdnica e a engenharia (FERREIRA, 1985: p.10). A medicina oriental parte do principio da unidade “homem-cosmo”, segundo o qual, a natureza age sobre o ser humano, da mesma forma que este age sobre a natureza, modificando-a e sendo modificado por ela. Na perspectiva sistémica, nada é importante fora de seu contexto de relagdes: ha tantos fatores em jogo, e sse jogo se interpenetra de miltiplas maneiras, existe, porém, um denominador comum, 0 chi (ou “Qi") cujo significado pode ser traduzido por “energia”. O chi & 0 aspecto imaterial dess relagdes, formando e mantendo o Univers “O corpo humano é a materializago dessa “energia” que flui através de linhas, imagindrias denominadas “meriadianos” ou “canais”, que so, por analogia, similares is, Srbitas dos planetas, existindo, mas de forma abstrata”. Baseados na idéia de um campo magnético, os chineses desenvolveram uma série de técnicas curativas. Todas elas visam manter 0 orgenismo humano “equilibrado”, pois de acordo com principio YIN-YAN - filosofia taoista - para que o individuo esteja saudavel, é preciso haver equilibrio entre essas duas forgas (positiva/negativa). A acupuntura, o do-in, o moxa-bustio, so algumas dessas téenicas desenvolvidas pelos chineses ha mais de cinco mil anos; sua origem se perde no tempo. Segundo essa visio, no corpo humano encontram-s lugares onde a energia chi se torna mais superficial, ccapaz de ser manipulada, Esses so chamados de “pontos de acupuntura”. Os chineses acreditam que a presenca de germes s6 causam doengas se houver um desequilibrio energético anterior no organismo. Emogdes bisicas como medo, alegria, tristeza, podem, quando excessivas, levar a varias doengas, que seriam o que no Ocidente hitp:!webcache.googleusercontent.comisearch?¢=cache:QShVREI-8wJ:recl. ulusofona.pbitstreanvhansle!10437/7620/Ata%2520Esoterism... 40/130 o2o12019 Page 38 Untitled denominamos doengas psicossomaticas que vém da psique (mente) ao soma (corpo). Pata que 0 tratamento seja eficaz, € preciso que a causa principal seja afastada, ¢ 0 organismo, livre dos fatores que originavam a desarmonia, seja capaz de curar-se a si proprio (FERREIRA, op. cit,, p.10-15). Os fundamentos da medicina oriental foram trazidos para o Ocidente nos anos trinta do século pass do, pelo médico francés, Soulié Morant, que morou vinte anos na China como Cénsul Geral da Franga, quando ainda era muito jovem. Morant consagrou 0 resto de sua vida a introdugdo desta medicina estranha, a “acupuntura”, que desde a década de setenta, era oficialmente praticada nos hospitais franceses. Em 1960, jé haviam mais de 5,000 médicos diplomados que praticavam acupuntura na Franga e n Alemanha (OHSAWA, op. cit. p. 29). Hoje, a acupuntura ™ ¢ aceita cm praticamente todo © mundo, sendo regulamentada em ‘mais de 50 paises, como uma pritica pertinente a todos os profissionais que lidam com a satide. No Brasil, atualmente, existem cerca de 30.000 praticantes de acupuntura, dos quais, mais da metade ndo possuem formagdo adequada e trabalham de forma individual, mas hd, também, milhares de profissionais de satide de nivel superior e centenas de médicos que a exercem, A idéia de energia também existia na antiguidade clissica ocidental, Foi mencionada por Hipécrates, considerado pai da Medicina helénica, Seus estudos foram continuados ‘xExistom cursos superiores de Graduagao em Acupuntura com a formaglo independente da medicina e ‘um curriclo priprio, em palses como a China, Japio, FUA, Canadé, Inglaterra, Austria e Chile Somente na Arébia Saucita ena Austra, o exercicio da acupuntura & restrito a médicos. Em todas as sdemais napGes do mundo, est prtica & multiprofissional. ‘ww camata pou brsileg/Mostarlategra.asn?Cod Taor=185423, consultado em 02/11/2010, por Pitégoras. O nome que ele deu a essa energia curativa foi pneuma. A pneuma, segundo ele, vem de um fogo central no universo e fornece ao homem nao sé vitalidade como também sua alma imortal. Esse fogo central, segundo Pitdgoras, era uma forga primordial cujas centelhas deram origem ao homem (CODDINGTON, 1978, apud. CAPRA, 1986: p. 52). A idéia de Hipécrates de energia curativa s6 foi desenvolvida no Ocidente no século XVIII por Samuel Hahnemann, que nomeou seu sistema de Homeopatia (do grego, hitp:!webcache.googleusercontent.comisearch?¢=cache:OShVRET-8wJrecl lusofona.pbitstreanvhanley10437/7620/Ata%2520Esoterism.... 41/130 o2o12019 Page 39 Untitled homeo, semelhante, e patos, softimento). Na concepgdo homeopitica, a enfermidade resulta de mudangas em um padrao de cenergia ou “forga vital”, a qual é a base de todos os fendmenos fisicos, emocionais e mentais e a caracteristica de cada individuo. A terapia homeopética consiste em combinar o padrio de sintomas caracteristicos do paciente com um padrdo semelhante caractey ico do remédio, A idéia de que (“o semelhante cura o semelhante”) Na homeopatia, 0 médico no é um simples observador passivo. Converte-se num participante da vida do paciente (CODDINGTON, op. cit., p. 334-336). Desde o inicio, a homeopatia foi muito antagonizada pelas instituigdes médicas. Mesmo assim, prosperou rapidamente na Europa e nos Estados Unidos, onde 15% de todos os 1, com o advento da ‘médicos eram homeopatas, por volta de 1900. No século XX, pore ‘modema ciéncia biomédica, teve que ceder terreno a esta dltima, $6 recentemente estamos assistindo ao renascimento da Homeopatia (Ibid), No Brasil, a homeopatia tem tido crescente aceitacdo, tanto por parte dos médicos como da populacdo, tornando-se uma especialidade médica reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina e pelo Conselho de Especialidades Médicas da Associagaio Médica Brasileira, sendo utilizada por profissionais de satide tanto nos setores piblicos como privados. Segundo Dr. Gustavo Sé Cameiro (1986) (clinico geral, homeopata adepto da acupuntura-Recife/P! ‘© homem ocidental modemo precisa reconhecer que: A cura de todas as doengas, acura do nce, esté muito relacionada ‘com as condiges de consciénca: hi no organismo de cada pessoa substinciascuvativas; 0 homem pode auto-curarse. A condigio fg de said que temos hoje deverse @ignorancia do homem acerca da verdadera realidade. As ciéncias que fazem parte do componente dessas tedicinas so muito anigas, mito especias, A medicina atual é muito nova, muito pouco explorada, dal seus efeitos colateras, Hoje esti hhavendo um movimento de renovacito em alguns setores da medicina que recomendam iniciacdo de meditacio, de alimentacio, de limpeza. O ‘homem contemporineo aprende tudo, menos 0 mais importante a viver hitpi!webcache.googleusercontent.comisearch?¢=cache:QShVRET-8wJ:recl lusofona.pbitstreanvhanle!10437/7620/Ata%2520Esoterism... 42/130 o2o12019 Page 40 Untied Nasto movimento também acka que deve haverinerdisciplinardade dos ‘processos de cura para se tentar um caminko comum, O choque entre «esses dois ipos de medina da uma visio errada do conceito de side (9: Toda doenga tem um fundo energético. Iso deve ser reconheeido: ‘mas tem certos males em que é preciso recorver& alopatia. O melhor mesmo é a prevencio da daenga através de uma vida equilibrada, alimentagio saudével, meditagdo, etc, Em sua fala, Dr. Gustavo sintetiza alguns pontos fundamentais do atual debate acerca da ciéncia moderna e sua relagio com a tradig&io que, a nosso ver, poderiam ser tomados como causas do retorno da visio sistémica 4 arena cientifica, Para ele, “A condigdo frdgil de saiide que temos hoje deve-se a ignorincia do homem acerca da verdadeira realidade (..). Nosso movimento também acha que deve haver interdisciplinaridade dos processos de cura para se tentar um caminho comum”. E exatamente isso que propde o movimento holistico na saide. Ampliar fronteiras da ciéncia através da interdisciplinaridade, somar esforgos em prol do bem comum, em o Sectiria e autoritiria que domina o pensamento médico oficial Outro aspecto fundamental que distingue essas duas visbes de saiide € a visio holistica do paciente, e seus efeitos sobre a satide. Para o médico holista: “O melhor mesmo é a prevengio da doenga através de uma vida equilibrada, alimentacdo saudével, meditagao, etc.” O holismo vé 0 ps ente como um todo e propa preveni 20 contririo da biomédica, que se ocupa principalmente da cura de um mal especifico, depois que este ja esta instalado, Mais que isso, 0 holismo considera 0 todo e no apenas o homem sem face, que parece viver solto no espaco. Razo pela qual ele faz uma critica global. A saiide humana é o reflexo da vida pessoal, familiar, social, emocional e espiritual, Dai a necessidade de uma alimentagio saudivel e da meditagao, como propdem 0 vegetarianismo, a macrobidtica ¢ a meditagdo transcendental +»Meditagio Transcendental & um método de relaxamento oriundo do misticismo oriental, De acorda com Maharishi Maresh Yogi, seu fuandador,trata-se de um sistema muito simples, que pode ser definido como “um método capaz de conduzir a atengo a magnifie€nca interior da Vida; um método, através do qual, nossa mente consciente pode explora os caminhos internos do sere sondat as profundezas da vida, reas © permanentes” (MAHARISHI MARESH YOGUE, 1976) hitpi!webcache.googleusercontent.comisearch?¢=cache:OShVRET-8wJrecl lusofona.pbitstreanvhanle!10437/7620/Ata%2520Esoterism... 43/130 o2o12019 Untitled A “Macrobiética” (‘macro” grande ¢ ‘bio’, vida) & uma cigncia alimentar que busca estabelecer a harmonia entre o ser humano ¢ o meio-ambiente. Segundo os adeptos, ela proporciona, satide, bem-estar e longa vida, Essa prética alimentar foi introduzida no Brasil, na década de sessenta do século passado, com 0 Movimento Macrobidtico, de inspiracdo oriental, uma das priticas introduzidas difundidas pelo Movimento Nova Era, como parte de sua critica ao modo de vida ocidental modemo, entre os quais, a agressio ao individuo - através da alimentagao artificial e industrializada - e & natureza, com o uso de agrotéxicos. Como 0 homem modemo pode ser saudavel ingerindo alimentos produzidos a base de agrotéxicos, artificialmente fabricados e repletos de conservantes ¢ colorantes? Como ‘manter-se emocionalmente equilibrado numa sociedade violenta, cheia de perigos, poluigao ambiental, visual e sonora? A ciéncia modema oferece paliativos para quem pode pagar caro por eles. Mas mesmo assim, nao significa que estas pessoas estardo permanentemente a salvo destas agressdes, pois, todos nés, em algum momento, estaremos expostos a todos estes males ninguém esté preparado para enfrenté-los. Esta seria, a nosso ver, uma das razdes do surgimento do Movimento Nova Era e do retomo da visio sistémica de mundo, como se pode ver no depoimento de Dr. Aureliano Ramalho ” médico pediatra com curso de Mestrado e Residéncia no Rio de Janeiro, Especializagaio em Homeopatia no Recife, na época, professor universitario: + Ader i macrobidtica por volta de 1974 por motivo de said, A ‘acrobstica ainda & muito subdesenvolvida no Nordeste, No Sudeste cexistem médicos macrobidicos de renome como Zanata no Rio de Jancio, Kikuchi e Marcio Bom Tempo em Sio Paulo. O que me encueave na ‘medicina, eram suas linitagdes em certas doencas como asma, cincer amigdalitecrdnica, ete. Foi exse motivo que me leva procurar alternativas como a homeopatia, 0 do-in, a acupuntura, 0 moxa-bustio. Es considero a massagem um tratamento mais integral, elimina a doenga e acalma a erianca. O problema & que os braileiros esto condicionados ao uso de medicamentos, por isso eu lio a massagem ao tratamenta hhomeopética, A grande dfculdade da medina acidental é que ela parte de remissas diferentes. A medicina ocidental& puramente materialist, tudo se mede a partir de reagdes quimicas. A medicina oriental é mais ‘Um dos introdutores da medicina holistica no Nordeste flesido em 2013, (Entrevista concedida, em ‘Campina Grande, 1987. hitpi!webcache.googleusercontent.comisearch?¢=cache:OSHVRET-8wJrecl lusofona.pbitstreanvhansle!10437/7620/Ata%2520Esoterism... 44/130 o2o12019 Untitled Page 41 Ietafisica, espiritual: dé muito valor dis relagées do homem como mei. Agu no Brasil, de modo geral, os médicos consideram a macrobiétca exotiomo e vem a acupuntura coma uma espécie de magia. No inicio, {ambi foi muito duro entrar na minha cabeca os principios da medicina oriental. Bus insist porque estava em desespero de causa, com 08 problemas respiratirios de meu filho mais novo. Sé passel a eeredita, a partir dos resultados Bisicos abides e da estudo mais aprofundado, Eu «estava por demais condicionado a tratars6 aguila que vi: os micrbios. A ‘medicina ocidental trata a doenca e nao o doente. A homeopatia me ensinow ‘aratar 0 doente como um todo; A doenga individualizada, Dr. Gil Braz de Vasconcelos, paraibano, médico psiquiatra, adepto da ioga, em sua palestra “loga Psiquiatria” fez a seguinte afirmacdo a respeito da filosofia oriental no mundo modemo: “A filosofia hindu nos ensina que podemos estar no mundo em cooperagdo, no amor ¢ na harmonia, porém, & necessério treinamento profundo para podermos atravessar as nuvens da tempestade sem sermos atingidos por ela”. «= E exatamente issa que propiem a inga, a meditagdo transcendental ea ‘medicina sistémica recomenda, Em: 1977 uset a ioga de forma experimental com meus pacientes que estavam sofrendo ou, passando por uma “viagem sicética. Para a grande maioria a ioga permitiu maior autodominio através da respiragdo. A ioga ajuda a diminuir os estados depressives e de ansiedade. 4 pritia da respiracio ajuda em todas os sentidas. Nos estados patoligicos de esquisofrenia profinda, eu ndo consegut nenhuma methora. No entanto, 0 conceito da ioga vem modificando nossa idéia de Deus gue & limitada a um Deus castrador: isso ajuda a qualquer tipo de doenca mental (2). Dentro de cada um de nés, no mais intimo de nosso ser hé uma sementedivina que pode despertar a qualquer momento (,.) O poder da ‘qual aioga nos fala &0 do amore hé um lugar dentro de nds que no comporta certos sentimentas... Quando estamos em contato maior com o divino que ha em nds, estamos com a forca criadora do universe, ou seja, em harmonia(..) (Gil Braz de Vasconcelos: 1986). Esoterismo, Ciéneia e Modernidade. hitp:!webcache.googleusercontent.comsearch?q=cache:OShVREI-8wJrecl.lusofona.pbitstreanvhanal!10437/7620/Ata%2520Esoterism... 45/130 o2o12019 Untitled Apesar das divergéncias entre os pensamentos esotético e cientifico, ha também muitas convergéncias entre ambos, Uma idéia estreitamente associada aos dois, é a crenga no aperfeigoamento humano, ligada ao evolucionismo, O cariter universalizante, que, Page 42 segundo Touraine (1994) é uma das poucas unanimidades no debate sobre a modernidade também esti presente nos dois. Em Magic, Religion, Science, and Secularization (1989) Stephen Sharot discute limites da magia e da ciéneia e as relagdes - ds vezes amistosas - entre essas duas visdes de universo, Mostra que, no inicio, os cientistas modemos no rejeitavam (de maneira nenhuma) a visio magica de universo; foi somente no meio do século XVII, que muitos investigadores da natureza, no Ocidente, passaram da visio animista para a mecanicista, A tese central do pitagorismo era a doutrina da transmigragio das almas, cessencialmente a mesma dos hindus, embora seja possivel que fosse inteiramente independente de qualquer nfluéncia indiana. Pelo menos em seus aspectos misticos, o pitagorismo relaciona-se com os mistérios érficos, uma religuia da antiga magia comunitivia que jd entdo se transformara ‘um meio de evasdo das duras realidades da Idade do Ferro... (BERNAL, 1975; p.185), Consoante Leon, Ciéncias Ocultas, os tragas do discurso esotérico na Ciéncia Moderna (1999) a Idade Classica nao separava 0 erudito do divino. O discurso classieo abrigava ocultismo e ciéncia sem maiores conflitos (LEON, 1999: p. 173). A linguagem esotériea era a grande gramitiea do mundo. Através das analogias dessa linguagem, era passivelcompreenderprocessos complesas como a cura. As Cincias Ocultas vo entrar no seu acaso no final do século VI, com a rupturaepistemoligica que poe fim a0 mundo das similisudes para iniciar © mundo das diferengas (Op. ct, ». 174). HA, portanto, uma ligagdo seminal entre as duas. O misticismo, tal como a cine: hitp:twebcache.googleusercontent.comisearch?¢=cache:QShVRET-8wJrecl lusofona.ptbitstreanvhandle!10437/7620/Ata%2520Esoterism... 46/130 o2o12019 Page 43 Untitled wropde-se a interpretar a origem da vida e do universo. A tese basica da modemidade, 0 ‘triunfo da razdo", estreitamente associada a idéia de racionalizagdo, € o principal foco de discérdia entre a concepgdo holistica de mundo e o pensamento cientifico ocidental. pensamento holistico procura mostrar os limites da raziio e o que é fundamental na tradigdo. De acordo com esta visio de universo, a compreensio errdnea de certos aspectos da realidade explicados pelo esoterismo e desprezados ou ignorados pela visio racional de universo pode trazer consequéncias funestas para a vida individual e social. Mais que isso, constituiria ameaca iminente a propria sobrevivéncia da humanidade e do planeta —um bom exemplo disso seria a atual crise ambiental. A disputa tedrico/metodologica entre estas duas concepgdes de universo, continua sem solugdo, principalmente em razio de dois fatores: 0 primeiro, relacionado as contradigdes do proprio método cientifico e, o segundo, deve-se, sobretudo, & natureza do fenémeno em questo, Em seu discurso, a ciéncia se propde a buscar a verdade universal. Entretanto, na pratica, o método cientifico impée limites a realidade. A limitago da realidade imposta pelo pensamento cientifico modemo, obriga a ciéncia a desconsiderar uma enormidade de fendmenos nao passiveis de observagio pelo método cientifico atual. A cigncia ocidental nega a legitimidade de outras formas de dislogo com a natureza como: 0 senso comum, a magia, ¢ a alquimia. Um fator em favor da visio mistica, é que a ciéncia ocidental é recente, enquanto a visio mistica & antiga, Muito antes do surgimento da cultura ocidental, outras culturas jé haviam dado suas contribuigdes, inimeros caminhos tinham sido trilhados pelo homem, em sua busca de respostas para seus questionamentos sobre si mesmo e, sobre 0 universo, Os defensores da visio holistica de universo esto convictos - ¢ tentam convencer seus opositores - de que "todas as versdes que as culturas deram de seu caminho para o mundo, podem nos ajudar a conhecer mais e a preservar melhor a nds mesmos € 0 nosso habitat" (Op. cit, p. 29). E nesse si nntido que 0 holismo recusa o monopélio do modo modemo de decifrar 0 ‘mundo que nos cerca e, defende o "sentido de complementaridade", hitpi!webcache.googleusercontent.comisearch?¢=cache:OShVREI-8wJrecl usofona.pbitstreanvhanley10437/7620/Ata%2520Esoterism.... 47/130 o2o12019 Page 44 Untitea Embora critiquem a pretensa onipoténcia da ciéncia ocidental moderna e 0 obscurantismo da visio cartesiana de mundo, os misticos modemos nio se opSem a essa forma de conhecimento enquanto conh mento, mas apenas, quanto aos principios que o regem. A grande maioria dos movimentos mistico-esotéricos modernos (até mesmo aqueles de carater religioso) acredita que a ciéncia ¢ uma forma valida de conhecimento. Muitos cientistas, hoje, estdo em busca de uma ponte confidvel entre misticismo € cigncia. © movimento holistico que ¢ o grande representante dessa vertente, que nao para de se expandir. Diriamos que as duas perspectivas, ho} encontram-se diante de um impasse. O pensamento cientifico ocidental moderno (embora hegeménico) nio consegue destituir a visio magica de universo e esta, procura legitimar-se através do saber ao qual dirige ‘GAIA: ALERTA FINAL, James Lovelock. Rio de Janeiro: Ineinseca, 2010, p. 264, sua crit Essa posigdo ambigua do misticismo modemo em relagdo a ciéncia aparece como uma das principais caracteristicas do esoterismo contemporineo. A primeira vista, isso pode parecer muito intrigante, pois ao lado de uma criti vezes mordaz, dos esoteristas & ciéncia mecanicista e seus efeitos nefastos, alguns movimentos magicos contempordneos tém adotado em parte, a linguagem da ciéncia, se no as pressuposigdes bésicas da andlise e da pratica cientifica...(SHAROT, S. Op. cit. p.278), Para Sharot, é perfeitamente compreensivel que, numa sociedade onde a ciéncia se constitui como institucionalidade prestigiosa, sua imagem ideal ¢ 0 que muitos cientistas enxergam como idioma mecdnico ultrapassado, sejam imitados por alguns movimentos magicos (...) (Ibid.). Dentre os iniimeros sistemas simbélicos em competi jo na complexa sociedade contempordnea, o pensamento mistico-esoterismo se destaca entre aqueles que propdem caminhos ¢ solugdes para redefinir ¢ mudar, ndo apenas a visio subjetiva dos individuos, mas, também, os limites morais da sociedade. hitpi!webcache.googleusercontent.comisearch?¢=cache:QShVREEI-8wJrecl.lusofona.pbitstreanvhanle!10837/7620/Ata%2520Esoterism... 48/130 o2o12019 Page 45 Untitled REFERENCIAS CAPRA. F. 0 tao da fisica: um paralelo entre a fisica moderna e 0 misticismo oriental. Sao Paulo: Cultrix, 1983 BERNAL. J. D. Ciéncia na histéria. V. 1, Colegio MOVIMENTO. Lisboa: Livros Horizonte, 1975. 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Page 47 SABER POPULAR, RELIGIAO E MAGIA QUANDO A NATUREZA E A FE SAO OS ULTIMOS RECURSOS POPULAR KNOWLEDGE, RELIGION AND MAGIC WHEN NATURE AND FAITH ARE THE LAST RESOURCES hitpi!webcache.googleusercontent.comisearch?¢=cache:OShVREL-8wJ:recl. ulusofona.pbitstreanvhansle!10437/7620/Ata%2520Esoterism... 51/130 o2o12019 Page 48 Untitled Maria do Socorro Sousa (UFPB) Resumo Este trabalho trata da pritica de doze “agentes de cura”, residentes no nordeste brasileiro cuja populacdo teve duas fontes majoritérias de elementos étnicos: europeu € indigena, no sendo expressiva a populagdo afrodescendentes. Foram realizadas entrevistas e gravadas suas historias de vida. Os dados foram colhidos de abril a julho de 2012, analisados numa perspectiva de andlise de contetido. As motivagies e formas de adquirir 0 conhecimento para a pratica da cura, surgiram na sua totalidade, a partir da necessidade de sobrevivéncia de sua pessoa ou de familiares, em momentos de dificil acesso aos servigos de sade, O sistema de aprendizado atende a uma légica distinta da racional, onde até uma crianga de tenra idade pode ser considerada responsivel apta para curar, desde que tenha o dom. Suas priticas apontam um mix do saber oral, religiio € magia, que sofrem atualizagdes sob a influéncia do meio e da midia, Palavras-chave: Saber Popular; Religiio; Magia; Agente de cura Abstract This article deals with the practice of twelve “healing agents”, residents in northeastern Brazil, whose two major sources of ethnic elements are European and Indigenous, with. no significant Afro-descendant population. The interviews were conducted, their life stories were recorded and data were collected from April to July 2012 and then submitted to an analysis from a content analysis perspective. The motivations and ways of acquiring knowledge to the practice of healing arose always from the need for survival of their own or their family in times of difficult access to health services. The learning system follows a nonrational logic, where even a young child can be held responsible and able to cure, provided you have the gift. Their practices show a mix of oral knowledge, religion and magic, which are updated under the influence of the environment and the media, Keywords: Popular knowledge; Religion; Magic; Healing agent. ‘»Graduada em Medicina, Mestre em Cigncias das Religides, Doutora em Ciéncias Sovais, Professora ‘Associada do Departamento de Fisiologia e Patologia do Centvo de Cigncias da Saide da Universidade Federal da Parafba, marisousa(@terra.combr. hitp:!webcache.googleusercontent.comisearch?¢=cache:QShVREEL-8wJ:recl lusofona.pbitstreanvhanale!10437/7620/Ata%2520Esoterism... 52/130 o2o12019 Untitled Introducio Na concepgdo de Laplantine ¢ Rabeyron (1989) 0 que caracteriza as priticas denominadas medicina popular é um conjunto de téenicas de tratamento empregadas, por especialistas com diferentes denominagdes e que nao tém o beneficio da legitimago da medicina académica, No Brasil, a legitimidade da atividade médica rege e pelo Conselho Federal de Medicina, que & um érgio que possui atribuigdes constitucionais de fiscalizagdo ¢ normatizacdo desta pritica ‘As medicinas populares, embora possam ser enquadradas na definigdo da Organizagao ‘Mundial de Sade como Medicinas Tradicionais, no Brasil, nao existem érgaos oficiais, que as regulamentem, Elas se legitimam socialmente pela sua prética. Seus praticantes recebem diferentes denominagdes como curadores, curandeiros, parteiras, rezadeiras, entre outros, Neste estudo, a eles nos referimos como agentes de cura. ‘A centralidade da racionalidade mntifica mecanicista na constituigo da medicina académica ocasionou a separagao entre a arte de curar e a disciplina das doengas, apoiada pelos estudos anatomofisiologicos e pela classificagdo das patologias. Enquanto a medicina académica ganha legitimidade, o conjunto de saberes tradicionais sdo considerados “ndo cientificos” a partir do ponto de vista do saber dessa medicina (BONET, 2004, p. 32-33). Na pritica, porém, 0 bindmio satide-doenga guarda relagdes diretas com as concepgdes, e valores sobre a vida ¢ a morte, que por sua vez recebe uma conotacdo de sacralidade. A citncia e a religido sio reconhecidas pelos antropélogos ¢ filésofos como macros sistemas simbélicos de cura e ocupam importante papel na esfera do poder de cura. A sociedade, enquanto palco dindmico e historico, exerce influéncia sobre os sistemas terapéuticos, de forma a modificé-los, suprimi-los ¢ ou adaptéclos, de acordo com os interesses ¢ as tendéncias do momento, Apesar do controle oficial, a religiéo nunca abriu mao de suas prerrogativas como agente de poder sobre todas as esferas sociais, principalmente sobre a saiide. Trata-se de um poder delegado pela divindade e legitimado pela sua eficdcia. Representado pelos sacerdotes, santos, magos ou similares, instrumentalizados, principalmente, pela fé * cas que hes so préprias, é um sistema fortemente pelos simbolos ¢ pelas té respaldado na oratéria, Nesse sistema, além dos representantes materialmente identificados, outros seres ou entidades espirituais compdem o quadro de representantes. ‘sFE~ & cognata de Fides (fem atm), E uma experiéncia pessoal, no comporta& vida, por isso & de fc explicag. hitp:twebcache.googleusercontent.comsearch?q=cache:QShVREI-8wJrecl.lusofona.pbitstreanvhanale!10437/7620/Ata%2520Esoterism... 53/130 o2o12019 Untitled Page 49 de uma forga supostamente superior & humana, Na tradigio judaico-crist@, Deus é assim considerado, bem como, seu enorme cabedal de auxiliare Numa perspectiva foucaultiana, na sociedade ocidental contemporinea mais ampla, as relagdes de poder estabelecidas entre os sujeitos submetidos aos processos curativos, os representantes da ciéncia ¢ dos sistemas de cura misticos em geral, compdem uma ampla e complexa rede de “micropoderes” na qual a autoridade médica nem sempre ¢ 0 ‘mais forte. Primeiro, porque o “paciente” dispde de uma autonomia relativa, que facilmente Ihe permite desobedecer ou burlar as ordens médicas. E segundo, porque a crenga predominante de que humanos seriam “espiritos” e que 0 conhecimento dos ‘médicos se limita apenas a parte material, Muitas vezes, este confia mais nos agentes com poderes extra-humanos do que no discurso cientifico, Contexto e metodologia do estudo Este estudo se refere ao relato das histérias de vida de 12 agentes de cura baseado em uma pesquisa etnogrifica ™ desenvolvida na zona rural do municipio de Rio Tinto/PB, nordeste do Brasil. Geograficamente, esse municipio é cortado por rios ¢ riachos, utilizados pela populagdo para lavar roupas ¢ animais. Apresenta um revelo relativamente plano, com uma vegetagdo compativel com mangue. Essa geografia é relevante porque a populacdo, ao mesmo tempo ribcirinha ¢ de zona rural, estabelece relagdes com esses espagos ambientais, constituindo uma integracao significativa entre moradores natureza, importante para sua subsisténcia e como fonte de recursos para as priticas de cura adotadas nas localidades. O territério do munici jo contempla as areas da Reserva Indigena Potiguara 0 municipio surgiu a partir do estabelecimento da Companhia de Tecido de Rio Tinto, fundada em 1920 por um teuto-sueco, Herman Theodor Lundgren. Apés a aquisigdo de terras de proprietirios de engenhos locais, como também de terras habitadas por indios Potiguaras e cobertas por mata atlantica, a fabrica téxtilinstalada ficou ativa de 1924 a 1960, arregimentando trabalhadores locais € engenheiros alemaes com suas familias. Apés esse periodo as terras dos Lundgren foram vendidas ou arrendadas para 0 cultivo 2008), d da cana-de-agicar (VALI truindo parte da reserva de Mata Atlintica da hitp:twebcache.googleusercontent.comisearch?¢=cache:QShVREL-8wJrecl lusofona.pbitstreanvhansle!10437/7620/Ata%2520Esoterism... 58/130 o2o12019 Page 50 Untitled regitio, Em termos de formagao cultural, o municipio conta com duas fontes majoritarias ‘vEste trabalho teaz elementos da pesquisa de dautoramento,realizada por Maria de Socorro Sousa, intitulada “Representagies sociais do adoecimento e da cura em usuérios do SUS, Rio Tinto/PB/Basil", vinculado 20 Programa de Pés-Craduagdo em Cigneias Sociais/UFCG, sob orientagio da profa, Dra ‘Magnélia Gibson de Silva de elementos nicos: europeu e indigena, nao sendo to expressiva a presenca de populagio afrodescendente. A abordagem metodolégica utilizada foi fundamentada na pesquisa de campo, e as enirevistas com os agentes de cura foram realizadas no periodo abril a setembro de 2012. Seu estudo se dew numa perspectiva de andlise de contetido, buscando a partir de um tema central os subtemas correlatos. A pesquisa foi aprovada pelo Comité de Etica em Pesquisa na Universidade Federal da Paraiba. Nomes ficticios foram usados com 0 objetivo de preservar a identidade dos informantes. Os agentes de cura: objetiva e subjetivamente Ao todo foram entrevistados 12 Agentes de Cura, sendo quatro do sexo masculino e oito do sexo feminino. As idades variaram de 44 a 74 anos. Uma patticularidade observada foi de que todas as mulheres entrevistadas nos receberam no interior de suas residéncias, ¢, no ‘momento da visita, estavam realizando algum trabalho doméstico. Ao passo que todos os homens nos receberam no espago “de fora” de suas casas ¢ os encontramos descansando ou as conversando, ‘Tomando como tema central o agente de cura, subtemas foram considerados buscando uma correlagao entre a fala e os objetivos dessa investigagao; assim aptidao "idom™, especialidade que/quem cura e elementos usados para a cura sZo subtemas que dao sentido as agdes desses agentes de cura, © Quadro 1 mostra a caracterizagdo dos agentes de cura, relacionados aos subtemas considerados, hitp:!webcache.googleusercontent.comisearch?¢=cache:OShVREEL-8wJrecllusofona.pbitstreanvhanle!10437/7620/Ata%2520Esoterism... 55/130 o2o12019 Page 51 Untitled ‘PAptido no sentido de um aprendizado conseguido de forma conseiente, em que a pessoa reconhece de onde veio esse conhesimento, ‘nRclativo ao dom de cura enguanto capacidade de realizar ages de cura recebida na maioria das vezes, 4e forma involuntria ou inconseiente Quadro 1 —Distribuigao dos Agentes de cura de acordo com idade, sexo, religiao, origem, aptiddo, especialidades e elementos que usam para curar Idad Origemy e Religidio Aptidao Especialidade Sexo descendénei Ano (pritica) adquirida/dom que/quem cura s Othado Crianga, RE Catélica Nativa Dom adultos Adquirida da Niotem — Regio de Adultos 66M observagaio religiio —_perto criangas Dom com plantas Naotem — Indigena Aptidio adquirida da Adultos 60 religido natureza Criangas Crista Olhado, magia Nao Regitio de 60M Dom recebido Pessoas, frequenta_perto animais, Natural da Criangas OF Catélica Adquirida regio Adultos Elemento que utiliza Rezalpl. ‘medicina is Plantas medicina Plantas, animais Reval Pl, medicina is Plantas animais hitp:twebcache.googleusercontent.comisearch?q=cache:QShVRET-8wJrecl lusofona.pbitstreanvhanle!10437/7620/Ata%2520Esoterism... 56/130 o2o12019 68F S3F TBF Page 52 T4F TIM OF Crista. Indigena Nio frequenta Catélica Sapé (PB) Catolica Nativa Catélica Nativa Bananeiras (PB) Catélica Evangélic Regido de ° perto Catélica Nativa Fonte: Dados da pesquisa. United Aptiddo adquirida ‘Transmitida pelo avd Aptidao adquirida pela necessidade Aptidio adquirida pela necessidade Adquirida em parte por opgiio Aptiddo adquirida pela necessidade Aptidao adquirida/dom Aptiddo adquirida ‘Transmissio familiar Olhado Criangas Adultos Criangas, Mulheres Criangas, Adultos Olhado Criangas, Adultos Olhado Criangas, Adultos Olhado Adultos criangas Encantamento Adultos criangas Em uma discussio ampla sobre 0 conhecimento no cotidiano, Sa (2004) recorre a0 pensamento de Moscovici quando analisa as formas de conhecimento que so produzidas e mobilizadas em uma dada sociedade. Segundo esse autor, o psicanalista social considera coexistirem nas sociedades contempordneas duas classes distintas de universos de pensamento: os universos consensuais ¢ os universos reificados. Reza/ Pl medicina Plantas, medicina Reza/ pl medicina is RezaPl. medicina is, Reza/PI. medicina is Plantas medicina is Plantas medicina is hitpi!webcache.googleusercontent.comisearch?q¢=cache:OShVREL-8wJrecl lusofona.pebitstreanvhanle!10437/7620/Ata%2520Esoterism.... 57/130 o2o12019 Page 53 Untitled [Nos universos reificados, bastante circunserits, & que se produzem e circulam as cigncias © pensamento erudito em geral, com sua abjetividade, seu rigor logico © ‘metodoligico, sua teorizagZo abstrata, sua compart lizaydo em especialidades e sua estatficagdo hierirquica, Aos universes eonsensuas pondem as atividades intelectuais interago social cotidiana pelas quais sio produridas as representacGes Sociais. As teorias do senso comum que sio a elaboradas nio conhecem limites cspecializados, obedocem a ume outra logics, jé chamada de ldgica natura, utilizar mecanismos diferentes de verificago e se mostram menos sensiveis aos requisites da objetividade do que a sentimentos eompartithados de verossimilhanga ou plausibilidade (MOSCOVICI, 1981, 1984a apud SA, 2004, p. 28-29) E esse tipo de universo de pensamento dos universos consenstais que encontramos, por exemplo, nos agentes de cura em sociedades rurais do nordeste brasileiro, Para estes agentes, a natureza é provedora, norteadora, rege o tempo, a orientagdo espacial, possui leis que deverdo ser respeitadas: “Tudo isso & do mes juizo, nfo aprendi com ninguém, (..| B pra quem softe de la (Glcera) no estombo € arocira, tira 9 entrecasca do lado que o sol nasce, tira a casaca dela, rapa bota pra ferver,cozinber, mas ¢ pouguinho, né muito no, é pouquinho! Ai toda de mani bem cedo, a pessoa vai, toma dois dedos de mel com um dedo de chi {oJ Mastruz no & bem bom no, porque ataca 0 corago,[. um escompio me ‘mordeu no mato [.] gente bate com 0 pau, corta ele no meio, desce uma lam € ‘ota em cima. Cura com o prdprio veneno dele, ne? Agorepicada de abelbe& perigosa, Mais a abelha cura. O pé inchado, inchado, dai dani abelha pra iba num instante desmanchou, Bots abelha pre morder a pancada e num instants

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