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0 Principio Regulador no Culto Paulo Anglada PES O PRINCIPIO REGULADOR NO CULTO Paulo Anglada ' Permitam-me iniciar este estudo com algumas perguntas. O que pensariam os irmaos se durante um culto evangélico o pastor fizesse osinal da cruz, queimasse incensos para que o ambiente ficasse perfumado, e lavasse os pés de alguns irmaos como demonstracao de humildade? O que pensariam, se fossem convidados a absterem-se de comer carne na semana chamada “a semana santa”, se apenas 0 pao (melhor, héstia) fosse distribuido por ocasiao da Ceia do Senhor, e lhes fosse requerido gue se ajoelhassem para poderem participar dela? Com razao os irmaos condenariam estas atitudes. Por qué? Porque nao sao biblicas. As Escrituras nao nos ensinam a fazer o sinal da cruz, a queimar incenso (no culto da nova alianga), jamais instituiram a atitude humilde de Jesus como ceriménia eclesidstica, nao requerem nenhuma abstengao de alimentos no Novo Testamento (muito menos na “semana *Estudo proferido pelo autor no congresso, Os Puritanos, em junho de 1997, em Aguas de Linddia. ‘Texto bisico, Joao 4:19-24. (Titulo original; O Principio Regulador do Culto Reformado) santa”; que por sinal jamais foi instituida como cerim6énia religiosa), nao requerem que fiquemos de joelhos ao participar da Ceia do Senhor, etc. Tudo isso nao passa de tradicio- nalismo cat6lico-romano, de simbolos, gestos, cerim6nias, e praticas eclesidsticas inventadas pelo homem, sem real fundamentagio biblica. Mas deixem-me ir um pouco mais adiante. Eu tenho um filho de 12 anos na escola mantida por nossa igreja. Uma das professoras (evangélica, de outra denominacio), perguntou a um dos poucos alunos catélico-romanos da sala, por que eles (cat6licos) celebravam Corpus Cristi. A crianga retrucou com outra pergunta: Por que vocés, evangélicos, comemoram 0 natal ea pascoa? (Ao relatar o episédio, o meu filho fez uma careta, como quem diz: e agora?) E agora, caros ouvintes? Creio que precisamos considerar seriamente esta pergunta, € a questao geral que ela envolve, se desejarmos ser coerentes. O ASSUNTO O assunto deste estudo,entio, esté relacionado ao culto, Diz respeito, mais especificamente, a questao da forma do culto ptblico, ao modo como Deus deve ser adorado. Nao se trata de um estudo exegético, e sim, de um ensaio sobre teologia pratica. Meu objetivo aqui nAo € interpretar e sistematizar a revelacao 2 biblica referente ao assunto,? mas sim, descrever a concepcao reformado-puritana do principio que deve regular a forma do culto plblico a Deus. Nao ignoro a natureza controvertida do assunto. Também nao entrarei em detalhes com relagdo a aplicagao do principio regulador do culto as diversas praticas eclesiasticas envolvidas. Contudo, creio quea descaracterizacao litirgica de consideravel parcela do movimento evangélico moderno, inclusive no Brasil, exige que a questao seja considerada, e justifica uma exposicéo da posicao puritana histérica quanto a questao. Natureza Espiritual do Culto Admito plenamente, de inicio, a importancia da atitude do adorador, do espirito do adorador no culto publico.? E impossivel Jer as Escrituras, sem perceber que nao se pode dissociar 0 ato de culto da vida do adorador. Em um dos textos mais iluminadores do Novo Testamento sobre o assunto, Jesus afirma, 2 Ja tive a oportunidade de fazer isso em outro lugar: Paulo Anglada, O Culto Reformado (Estudo niio publicado, Belém, PA: Igreja Presbiteriana Central do Paré, 1996). Nos capitulos sobreO Cultono Velho Testamento eO Culto no Nove Testamento. * Geralmente, ao se demonstrara importancia da forma doculto, nio é incomum a objecao observada por Greg L. Price, Foundation for Reformation; The Regulative Principle of Worship (Edmonton, Canada: Still Waters Revival Books, 1995), p.10, de que isto demonstra um interesse apenas nos aspectos externos do culto, € nio com os seus aspectos internos, relacionados com 0 coragio. } dirigindo-se 4 mulher samaritana, que “Deus é Espirito, e importa que os que 0 adoram o adorem em espfrito...” (Joao 4:19-24). O termo emespirito, no Novo Testamento, contrastacom o termona carne, e denotaa natureza espiritual do culto, em contraste com a mera aparéncia exterior. Aponta para o cora¢ao, para a natureza intima do homem. O culto pressup6e, portanto, da parte do adorador, uma transformacao espiritual, um coragao convertido pelo Espirito de Deus. Por diversas vezes Jesus condena a atitude hipécrita dos fariseus que enfatizavam a observancia de formas e ritos religiosos externos, mas que tinham 0 coragao impuro, pecaminoso, mais preocupado com a aparéncia externa do que com a sinceridade e pureza dos seus coragoes € motivagées. Importancia do Modo de Culto Mas Jesus nao para ai. Ele ressalta, igualmente, a importancia da forma de culto, da maneira correta de cultuar a Deus, Ele afirma também, que aqueles que O adoram, devem fazé-lo em verdade; “Deus € Espirito, ¢ importa que os que o adoram o adorem em espiritoe em verdade”. Observando o contexto, pode-se perceber que Jesus esta Se referindo ao modo de culto, revelado ao Seu povo na Sua Palavra. O termo em verdade denota conformagaéo 4 verdade revelada de Deus. Denota submissao 4 Sua Palavra. Aponta 4 portanto, especialmente, para a conformacao as formas externas de culto prescritas por Deus na Sua Palavra. Os judeus adoravam Aquele que conheciam, porque a eles haviam sido confiados os oréculos de Deus (Romanos 3:22). Afinal, a salvagao vem dos judeus (Joao 4:22) — embora a maioria deles faltasse sinceridade, ¢ mesmo que a forma houvesse sido bastante corrompida com acréscimos e negligéncias. Os samaritanos, entretanto, nao tinhama forma, 0 modo: “vés adorais o que nao conheceis”. A referéncia é a adoracdo sincretista, deturpada dos samaritanos, que manifestava ignorancia da vontade revelada de Deus com relagao ao culto. Lendo-se com atengao as Escrituras, pode- -se observar que tanto o Velho Testamento como o Novo, atribuem grande importancia 4 maneira de se cultuar a Deus, a forma externa de culto puiblico. RELEVANCIA DO ASSUNTO A forma de culto é, sem dtivida, um assunto da maior relevancia. Duas questées foram de suma importancia na Reforma Protestante do século XVI: 0 cultoea doutrina da salvacao (e nesta ordem). E nesta ordem que Calvino apresenta os dois principais males da €poca, como ele mesmo afirma num tratado 5 sobre a necessidade de reforma na Igreja,* escrito em 1543: -.primeiro, 0 modo como Deus é cultuado devidamente; e, segundo, a fonte da qual a salvacao pode ser obtida. Quando se perde de vista estas coisas, embora possamos nos gloriar no nome de cristdos, nossa profissio de fé é vaziae va> Tem-se reconhecido que durante os primeiros anos da Reforma Protestante em Genebra, “o foco de atengao nao foi a questao da justificacao, e sim a questao da missa e das imagens, e todos os abusos relacionados a ela”. De fato, 0 foco principal dos reformadores, tais como Zwinglio, Bullinger (sucessor de Zwinglio em Zurique), Bucer (em Strasburgo), Farel e Calvino ‘foi a purificacao do culto das superstigGes ¢ idolatria medievais.’ Ilustrando a importancia do culto na concepcao reformada, Iain Murray* reconhece que: A questo do culto esteve no centro da revolucio espiritual ¢ nacional que marcou a Reforma do século XVI. Martires escoceses foram para a estaca Por se recusarem a obedecer & forma de culto imposta pela igreja catélica romana. Pela mesma * The Necessity of Reforming the Church (Protestant Heritage Press, 1995). * Inicio do primeiro capitulo: The Evils Which Compelled Us to Seek Remedies. “Carlos M. N. Eire, War Against the Idols (Citado por Terry Johnson, “Introduction to Worship”, Premise, 3:1 (1996). Terry Johnson, Ibid. *“The Directory for Public Worship”, Premise, 3:1 (1996). 6 razao, cerca de 288 homens ¢ mulheres foram queimados vivos na Inglaterra entre os anos de 1555 ¢ 1558. Depois, quando a doutrina protestante tornou-se oficialmente estabelecida na Inglaterrae na Escécia em 1560, um conflito continuou nos dois paises para purificar 0 culto piiblico das priticas e cerim@nias pré-reformadas. Ministros evangélicos foram silenciados, banidos e mesmo executados por protestarem contra corrupgées no culto. A emigracao dos Pais Peregrinos ¢ dos Puritanos para a Nova Inglaterra estava essencialmente ligada & mesma questao. “O principal propésito desta nova plantacao”, escreveu Cotton Mather, “era estabelecer desfrutar das ordenangas do evangelho ecultuar o Senhor Jesus Cristo de acordo com Suas proprias instituicées.” Matthew Henry resumiu bem a importincia do culto na fé reformado-puritana, quando escreveu: “Religiao é toda a razao da nossa vida, e 0 culto a Deus a razao da nossa religiao”.? A importancia que os reformadores e puritanos atribufam ao culto (e 4 sua forma) se manifesta) mais claramente quando consideramos: Os Exemplos Histéricos das Religides A histéria das religides demonstra que quando o proprio homem se arroga o direito de conceber formas de adoracgio a Deus, os maiores absurdos podem acontecer. Prostitutas *Citado por Iain Murray, “The Directory for Public Worship”, Premise, 3:1 (1996). cultuais, luxtria, sacrificios humanos, auto- -flagelagdo, adoracao da prépria natureza, culto a dem6nios e a espiritos imundos, sao alguns exemplos. A igreja catélica romana nao foge a regra. Uma infinidade de crengas e praticas litirgicas foram incorporadas a ela no decorrer dos séculos. A Reforma Protestante ocorreu numa igreja repleta de adigdes esptrias ao culto: missas pelos mortos (missa do sétimo dia), a propria missa (um sacrificio nao cruento), confessiondrio, sete sacramentos, celibato, indulgéncias, peniténcias, rezar tercos, sinal da cruz, uso do latim na missa, imagens, rosdrios, crucifixos, representagdes, reliquias, pere- grinagdes, procissGes, velas, vestes sacras, musicas sacras, livros de oracao, dias santos, etc. A Diversidade de Novos Elementos nos Cultos Evangélicos Modernos Esta é, sem divida, a principal razio, a razao imediata, que me levou a considerar 0 assunto: as praticas de culto do movimento evangélico moderno. Uma parafern4lia litirgica tem sido introduzida no culto evangélico no Ultimo século: oragdes em conjunto (em voz alta), grupos de oragéo no mesmo culto. Na area da misica: todo tipo de instrumento, ritmo e linguagem, corais, conjuntos, bandas, solos, duetos, quartetos, canticos responsivos (homens/mulheres; uma 8 fila/outra), dirigentes, regentes e ministros de musica, palmas etc. Ha também testemunhos pessoais; recitagGes de poemas e versos por adultos e criangas, palmas para Jesus, cumprimentos no culto (as pessoas ao lado), apelos, dancas, linguas, cantico em linguas, curas, emprego de luzes coloridas, cultos jovens, cultos apenas musicados, represen- tagoes teatrais, gargalhadas sagradas, quedas, urros, etc. Num artigo publicado recentemente em Os Puritanos, John MacArthur faz referéncia a uma igreja no sudoeste dos Estado Unidos que “jnstalou um sistema de efeitos especiais deum milhao de délares que pode produzir fumaga, fogos, faiscas e feixes de raio lazer no auditério...” Nessa igreja “o pastor terminou um culto sendo elevado ao “céu” por meio de fios invisiveis, enquanto um coral e uma orquestra faziam o acompanhamento a fumaca, fogo eneve”.° O Contraste com o Culto Simples Reformado e Puritano Os reformadores aboliram toda a paraferndlia do culto catélico-romano, e os puritanos fizeram 0 mesmo com relacaéo ao culto anglicano. Ambos instituiram uma forma de culto extremamente simples, colocando de '“Werdade vs. Técnica”, Os Puritanos, IV:5 (1996), pp. 12-16. 9 lado toda a pompa, esplendor, vestes, aderecos, procissées, ceriménias, livros de oragao, representag6es, simbolos, gestos, etc.'' O culto reformado e puritano consistia simplesmente de leitura biblica, pregagao, oragdo, cantico dos Salmos (sem nenhum instrumento), mini- stracdo das duas ordenangas e a béngao apost6lica. Alem disso, a primazia cabia a pregagao. O pulpito foi colocado no centro. O que explica a surpreendente uniformidade e simplicidade do culto reformado-puritano? O que foi que os levoua rejeitar a paraferndlia litargica romana e anglicana? O que norteou a profunda reforma liturgica que empreenderam? O principio regulador puritano. DEFINICAO DO PRINCIPIO REGULADOR PURITANO A terminologia geralmente empregada (Principio Regulador Puritano) nao expressa bem o assunto. Nao porque os puritanos nao ' Embora sendo anglicano, J.I-Packer reconhece que 0s puritanos “...insistiam que a adoracao deve ser simples ¢ biblica, Para eles, a simplicidade fazia parte essencial dabeleza daadoragio cristi.” J. I. Packer, Entre os Gigantes de Deus, uma Visio Puritana da Vida Crista (Sao José dos Campos, SP: Editora Fiel, 1991), p. 270. Com,relagio 4 simplicidade do culto reformado-puritano, ver também Leland Ryken, Santos no Mundo; Os Puritanos como Realmente Eram (Sio José dos Campos, Sao Paulo: Editora Fiel, 1992), pp.121-145. 10 defendessem o principio que estamos considerando. Mas porque nao indica o assunto, e porque a defesa deste principio nao se limita a eles. Do ponto de vista do assunto, é melhor chamar o principio em questéo de princfpio regulador do culto. O principio que estaremos considerando € a norma fundamental que norteou a reforma litargica que resultou na simplicidade do culto ptiblico reformado- -puritano. Do ponto de vista daqueles que formularam e defenderam 0 principio de culto em questao, é melhor denomin4-lo deprincipio regulador reformado. Este foi o principio que norteou nao apenas os puritanos na sua luta contra imposicdes por parte da Igreja Anglicana de liturgias, ritos, simbolos, vestes, etc. Foi também o principio que norteou os reformadores na profunda reforma litirgica que empreenderam, contra a idolatria, a supersticao e as tradigdes litirgicas da igreja catolica romana. O assunto deste estudo, portanto, é O Principio Regulador do Culto Reformado. Este foi © principio de culto que norteou os reformadores na reforma littirgica que empreenderam — 0 principio defendido pelas igrejas reformadas em geral, desenvolvido especialmente pelos puritanos, e adotado pela igreja reformada escocesa, e pela Igreja Presbiteriana, em particular.'? ‘Mas no que consiste, afinal, 0 principio regulador do culto reformado? E o principio que afirma que o culto puiblico deve ser biblico. Em oposig¢io ao principio romano e anglicano (as vezes chamado de principio normativo) segundo o qual o que nao for diretamente proibido nas Escrituras é permitido no culto, os reformadores e puritanos sustentavam que 0 que nao for diretamente ensinado nas Escrituras ou necessariamente inferido do seu ensino, é proibido no culto. Colocado positivamente, 0 principio regulador puritano afirma que sé € permitido uo culto aquilo que tiver real fundamentacao biblica. EVIDENCIAS HISTORICAS Que este se trata de um principio genuinamente reformado, puritano-e presbiteriano, é fato histérico facilmente verificavel. Nao seria dificil multiplicar citagdes de reformadores calvinistas, de puritanos e presbiterianos a favor do principio regulador puritano. Como o tempo nao permitiria, mencionarei apenas alguns dos "Uma extensa bibliognilia relacionada 4 questo das ceriménias catélicas ¢ anglicanas pode ser encontrada em Christopher Coldwell, “Bibliographical Index for Dispute Against the English Popish Ceremonies”, Premise, 2:5 (1995), p. 6. 12 mais representativos. Reformadores A posigao de Calvino com relagao ao culto é manifesta em muitos dos seus escritos. No tratado The Necessity of Reforming the Church (A Necessidade de Reformar a Igreja), por exemplo, escrito em 1543, ele afirma: ..aregra que distingue entre o culto puro ¢ 0 culto corrompido é de aplicacao universal, a fim de que nao adotemos nenhum artificio que nos pareca apropriado, mas atentemos para as instrugdes do ‘Unico que esta autorizado a legislar quanto ao assunto. Portanto, se quisermos que Ele (Deus) aprove o nosso culto, esta regra, que Ele impée nas Escrituras com o maximo rigor, deve ser cuidadosamente observada. Pois ha duas razdes pelas quais o Senhor; ao condenar e proibir todo culto ficticio, requer que obedecamos apenas & Sua voz: primeiro, porque nao seguir o nosso proprio prazer, mas depender inteiramente da Sua soberania, promove grandemente a Sua autoridade. Segundo, porque a nossa corrupcdo é de tal ordem, que quando somos deixados em liberdade, tudo 0 que estamos habilitados a fazer é nos extraviar. E entéo, uma vez desviados do reto caminho, a nossa viagem nao termina, enquanto nao nos soterremos numa infinidade de supersticées... John Knox, o grande reformador escocés, lutou tenazmente para livrar o culto de todas as supersticées catélico-romanas. O Primeiro Livro de Disciplina da Igreja da Escécia, escrito por John Knox e outros reformadores escoceses, em 1560, condena, 13 como “doutrinas contrarias”: «qualquer coisa que homens, por leis, concilios ou Constituigdes tém imposto sobre as consciéncias dos homens, sem mandamento expresso da Palavra de Deus —tais como votos de castidade... imposic¢io a homens ¢ mulheres do uso de diversas vestes especiais, observancia supersticiosa de dias de jejuns, abstinéncia de alimentos por motivo deconsciéncia, oragde pelos mortos, ¢ a guarda de dias santos instituidos por homens, tais como todos aqueles que os papistas tém inventado, como as festas aos apéstolos, martires, virgens, natal, circuncis4o, epifania (ceis), purificacao ¢ outras festas — coisas €ssas que, nao tendo nem mandamento nem endossa nas Escrituras de Deus, julgamos devam ser completamente abolidas do nosso reino; declarando ainda, que obstinados observadores e ensinadores de tais abominacées nao devem escapar A punigao do Magistrado Civil.* Esses exemplos sao apenas ilustrativos da posic¢ao reformada calvinista quanto ao assunto. Em muitos outros escritos, Calvino, John Knox ¢ outros reformadores, tais como Bucer e Bullinger, e mesmo os principais simbolos de f€ reformados demonstram o caréter normativo do principio de culto que estamos tratando. A Confissao Belga, por exemplo, ao professar a suficiéncia das Escrituras, declara: Cremos queas Escrituras Sagradas contém de modo completo a yontade de Deus, ¢ que tudo 0 que o " John Knox's History of the Reformation in Scotland , vol. 2, ed. William Dickinnson (New York: Philosophical Library, 1950), p. 281. 14 homem est obrigado a crer para ser salvo é nelas suficientemente ensinado. Portanto, ja que toda forma de culto que Deus requer de nés se encontra nelas amplamente descrita, nao € permitido ao homem... ensinarnenhuma outra maneira (de culto) exceto aquela que agora é ensinada nas Escrituras Sagradas."* Puritanos No século XVII, dezenas de teélogos e pastores puritanos escoceses e ingleses dos mais expressivos — tais como Thomas Cartwright (1535-1603), ministro nao conformista inglés; !* William Ames (1576-1633), professor de teologia nao conformista exilado para a Holanda;"* David Calderwood (1575-1650?), ministro e tedlogo da Igreja da Escécia,” e¢ “ Guido De Brés, Creemos y Confesamos; Confisién de los Paises Bajos. Rijswijk (Paises Baixos: Asociacién Cultural de Estudios de la Literatura Reformada, 1976), parégrafo 7. "Vera Confiation of the Rhemists Translation, 1618 (Amsterdam; ‘Theatrum Orbis Terrarum; New York: Da Capo Press, 1971). Obs: A Tradugdo de Rhems das Escrituras, contendo uma série de notas marginais, foi publicada (o NoveTestamento) ‘em 1582 pelos Jesuftas ingleses, com o propésito de subverter a Reforma na Inglaterra. © livro de Cartwright refuta estas notas, ¢, em diversos lugares, expde também o cariter nio biblico das ceriménias do eulto anglicano. Por isso mesmo, obra 56 foi publicada ap6s a sua morte. Ver Alan C. Clifford, “Thomas Cartwright”. The Banner of Truth, 302 (November 1988), pp.12-15. ¥ Ver The Marrow of Theology, 1623 (Durham, N.C. : Labyrinth Press, 1983, c1968)5 eA Fresh Suit Against Human Ceremonies in God’s Worship (Rotterdam: n.ed., 1633). 1S outros'* — escreveram tratados e outros tipos de escritos defendendo e aplicando o principio regulador do culto, condenando a imposicao de ceriménias, festividades religiosas, gestos ¢ simbolos nao fundamentados nas Escrituras. As seguintes citag6es, so representativas da posicdo puritana quanto ao assunto: George Gillespie (1613-1649), um dos ministros representantes da Escécia na Assembléia de Westminster,'’ escreyeu, em 1637, um tratado contra a imposicao de cerim6nias religiosas. Eis um pequeno trecho do livro: A igreja é proibida de acrescentar qualquer coisa aos mandamentos que Deus nos deu, concernentes ao Seu cultoe servico, Deut. 4:3; 12:32; Prov. 30:65 por conseguinte, ela nao pode prescrever coisa "Em The Pastor and the Prelate, 1628 (Edmonton, Canad: Still Waters Revival Books, bound photocopies); e Against Festival Days, 1618 (Dallas: Naphtali Press, 1996). % Algumas citagdes de outros puritanos (tais como William Perkins ¢ William Bradshaw) e de confissoes de fé reformadas, em defesa do principio regulador puritano podem ser encontradasem William Young, The Puritan Principle of Worship (Viena, VA: The Publications Commitee of the Presbyterian Reformed Church, n.d.), pp. 30-36. ” Quanto participagio de Gillespie e dos demais representantes escoceses na Assembiéia de Westminster, ver Iain H. Murray, “The Scots at the Westminster Assembly; With Special Reference to the Dispute on Church Government and its Aftermath”, The Banner of Truth, 371-372 (August-September, 1994), pp. 6-40. . 16 alguma relacionada a pratica do culto divino, que ultrapasse mera circunstancia: tudo € incluido naquele tipo de coisas que nao sao tratadas nas Escritura: greja Crista nao tem maior liberdade para acrescentar (coisas) a0 mandamento de Deus do que tiveram os judeus; pois o segundo mandamento€é moral e perpétuo, € nos proibe, bem como a eles, as adigdes € invengdes humanas no cultoa Deus.” John Owen (1616-1683), um dos mais capazes, respeitados e conhecidos puritanos, também escreveu um tratado contra a imposicdo de liturgias.*! Eis um pequeno trecho do livro: a invencio arbitréria de qualquer coisa imposta como necessiria e indispensavel no culto publicoa Deus, como parte deste culto, ¢ 0 uso de qualquer coisa assim inventada e ordenada no culto € ilegal e contraria regra da Palavra... * Portanto, todo o dever da Igreja com relacao ao culto a Deus, parece consistir na precisa observagao daquilo que € prescrito e ordenado por Ele (Deus).”* Jeremiah Burroughs (1599-1646), puritano independente, e membro da Assembl¢ia de Westminster, escreveu em 1648 um tratado de ® George Gillespie, Dispute Against the English Popish Ceremonies Obtreded on the Church of Scotland (Edinburgh: Robert Ogle and Oliver & Boyd, 1844), p.133. # John Owen, “A Discourse Concerning Liturgies and Their Impositions”, in The Works of John Owen, vol. 15 (Edinburgh: The Banner of Truth Trust, 1965). ® Ibid, pp. 33,34. * Ibid, p. 42. cerca de 400 paginas sobre o culto evangélico. Burroughs comeca sua obra, argumentando, com base no relato biblico sobre 0 fogo estranho oferecido por Nadabe e Abit, “...que no culto a Deus no pode haver nada apresentado a Deus, que Ele nao tenha ordenado; 0 que quer que pratiquemos no culto a Deus, deve ter fundamentacao proveniente da Palavra de Deus”.* Presbiterianos. Historicamente, o presbiterianismo é um dos ramos.reformados que mais contribuiram para a reforma litirgica. A heranga reformada, calvinista, escocesa ¢ puritana legada aos presbiterianos tornou-os particularmente empenhados na purificacao do culto. Alexander Hodge, conhecido professor de teologia do Semindrio de Princeton, no século passado, no seu comentario sobre a Confissao de Fé de Westminster, com relacao ao capitulo XXI, pardgrafo I, escreveu: Nés ja vimos, ao comentar o capitulo primeiro, que Deus nos deuas Escrituras como uma regra infalivel, autoritativa, completa e clara de fé e pratica... Isso implica necessariamente que, visto que Deus prescreveu o modo como nés devemos cultua-IO ¢ servi-IO de modo aceitivel, é uma ofensa para Elee pecado da nossa parte, tanto negligenciar 0 modo * Jeremiah Burroughs, Gospel Worship (Pittsburgh, Pennsylvania: Soli Deo,Gloria, 1990), pp. 3, 8. 18 por Ele estabelecido, como preferir praticar o nosso préprio modo de culto... visto que a natureza moral do homem é¢ depravada, seus instintos religiosos pervertidos, e suas relagdes com Deus invertidas pelo pecado, € auto-evidente que uma revelagao positiva e explicita é necessdria, ndo apenas para dizer ao homem que Deus admite ser cultuado, mas também para presctever os principios com base nos quais, c os métodos pelos quais este culto eservi¢o deverao ser prestados. Como ja foi antes demonstradoa partir das Escrituras... toda maneira deculto da vontade, de atos e formas auto-escolhidas de culto sio abominacaio diante de Deus.* Mas como presbiterianos, nao precisamos buscar testemunhos pessoais favoraveis ao principio regulador puritano, visto que nossos proprios simbolos de fé professam claramente o principio de culto que estamos considerando. A Confisséo de Fé de Westminster afirma no capitulo referente ao culto (XXI), que: ..o modo aceitavel de adorar o verdadeiro Deus é instituido por Ele mesmo, ¢ ¢ tao limitado pela Sua prépria vontade revelada, que Ele nio pode ser adorado segundo as imaginagdes ¢ invengdes dos homens, ou sugestdes de satanis, nem sob qualquer representaco visivel, ou de qualquer outro modo nio prescrito nas sagradas Escrituras.* % Alexander Hodge, The Confession of Faith (Edinburgh: The Banner of Truth Trust, 1958), pp. 271,272. * Capitulo XXI, paragrafo 1. CL Fé para Hoje; Confissiio de Fé Batista de 1689 (Sio José dos Campos, SP: Editora Fiel, 1991). 19 CONCEPCAO REFORMADO-PURITANA DO PRINCIPIO REGULADOR DO CULTO Principio Calvinista O principio regulador do culto reformado esta em perfeito acordo com as doutrinas reformadas da autoridade e da suficiéncia das Escrituras. De fato, o principio nao é nada mais nada menos do que a aplicagao dessas doutrinas ao culro. A fé reformada sustenta que as Escrituras sao plenamente suficientes em matéria de fé e¢ pratica — 0 que significa que tudo 0 que o homem precisa conhecer, crer e fazer para que seja salvo e viva de modo agradavel a Deus é revelado na Sua Palavra: “Toda Escritura é inspirada por Deus ¢ Util para o ensino, para a repreensdo, para a correcdo, para a educagdo na justica,a fim de que o homem de Deus seja perfeito ¢ perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2 Timéteo 3:16,17). ‘Trata-se também de um princfpio coerente com a concepgao calvinista a respeito da natureza pervertida do homem, inclinada para o erro e para o pecado, e de um Deus soberano que faz todas as coisas conforme o conselho da Sua vontade para o louvor da Sua gloria. Por causa da natureza pecaminosa do homem, sempre inclinada para o erro e para o pecado, nao lhe compete inventar ¢ instituir como pratica de culto absolutamente nada que nado 20 seja ensinado nas Escrituras. Esta € uma prerrogativa divina, ¢ a atitude e modo pelos quais Deus quer ser adorado é suficientemente prescrito por Ele nas Escrituras. O culto, portanto, na concepcao reformado-puritana, nao tem como propésito agradar aos adoradores, e sim, a Deus. Hugh Binning (1627-1653), ministro presbiteriano escocés conhecido por sua piedade e crudigao, professor na Universidade de Glasgow aos dezenove anos de idade, comentando Jodo 4:24, escreveu: A maioria dos homens tem alguma forma propria de adorar a Deus, ¢ esta tio satisfeita com cla, que pensa que Deus também esta. Poucos ha, entretanto, que de fato sabem © que significa adorar de modo aceitdvel & Sua Majestade. Mas vocés sabem que nio “dorar a Deus, ou nao adora-IO do modo que Ele quer ser adorado, significa a mesma coisa, Portanto, a maioria das pessoas no passa de auto- -adoradores, porque nao agradam a Deus com seus cultos, mas a si préprios... Vocés devem ter como verdade inegavelmente estabelecida, que Deus tem que ser adorado de acordo com a Sua propria vontade e prazer, ¢ nao de acordo com a vontade ou invengio de vocés. Portanto, Deus aborrece concepgées humanas de culto (will-worship) imaginadas pelos homens, por zclo ignorante ou superstigao, embora possam aparentar muita devocio ou afeigioa Deus... O culto divino deve ser em verdade -isso € claro—mas que verdade € essa? Deve ser de conformidade com a norma e padrao de culto revelado como vontade ¢ prazer de Deus 21 na Palavra da verdade. Verdadeiro culto a propria pritica da Palavra da verdade.” (Ver Mateus 15:8,9). Charles Spurgeon, o conhecido pregador batista calvinista do século passado, também alertou seus leitores contrao perigo incipiente, na €poca, de buscar agradar os ouvintes no culto piblico. Em um pequeno artigo, intitulado Feeding Sheep or Amusing Goats (Alimentando Ovelhas ou Entretendo Bodes),”* Spurgeon escreveu: O diabo tem raramente feito alguma coisa mais sagaz do que sugerir a Igreja que parte da sua missio ‘onsiste em proporcionar enuretenimento ao povo, com vistas a ganhé-lo... Em nenhum lugar nas. Escrituras € dito que prover divertimento para as pessoas é fungio da Igreja. Se isso fosse fungao da Igreja, por que Cristo nao falou sobre isso?... “ele concedeu uns para apéstolos, outros para profetas, outros para evangelistas, e outros para pastores ¢ mestres” para a obra do ministério. Onde-seincluem os que entretém pessoas?,,, Se Cristo tivesse introduzido mais elementos festivos ¢ agradveis A Sua missao, Ele teria sido mais popular, quando as pessoas se afastavam dEle por causa da natureza perscrutadora e penetrante do Seu ensino. Mas cu nao O ougo dizendo: “Corre atras destas pessoas, Pedro, ¢ digaa clas que teremos um estilo de culto ¥ Hugh Binning, The Common Principles of the Christian Religion, Lecture 11: The Knowledge that God is, Combined with the Knowledge that Heis to be Worshipped (Edmonton, Canada: Still Waters Revival Books), p. 58, * Em The Banner of Truth, 302 (November, 1988), pp.5,6. Também em Refermation & Revival, 2:1 (1993), pp. 109,110. 22 diferente amanha, algo mais breve ¢ atrativo, com pouca pregacao...” Jesus Se compadecia dos pecadores, preocupava-Se ¢ chorava por eles, mas nunca procurou diverti-los. Principio Biblico Embora em perfeita harmonia com as doutrinas reformadas fundamentais a respeito das Escrituras, do homem ¢ dos atributos de Deus, reformadores e puritanos defenderam e aplicaram o principio regulador do culto por uma razio maior: porque entendiam que Deus mesmo revela este principio na Sua Palavra. Segundo eles, as préprias Escrituras, tanto no Velho Testamento como no Novo, condenam invengées humanas relacionadas ao culto, proibem adigdes ou diminuigées ao culto divinamente prescrito, ¢ consideram vas quaisquer formas de adoracdo provenientes de mera tradicao humana. Um dos textos freqiientemente mencio- nados por reformadores e puritanos em defesa do principio regulador do culto é Deutero- némio 4:1,2: “Agora pois, 6 Israel, ouve os estatutos e os juizos que eu vos ensino, para os cumprirdes, para que vivais, ¢ entreis e possuais a terra que o Senhor, Deus de vossos pais, vos deu. Nada acrescentareis 4 palavra que vos mando, nem diminuireis dela, para que guardeis os mandamentos do Senhor vosso Deus, que eu vos mando”. Nao se trata de uma referéncia especificamente relacionada ao culto, 23 mas, evidentemente, também inclui 0 culto publico. O versiculo biblico classico na defesa reformada do principio regulador se encontra um pouco adiante, no livro citado acima: “Tudo © que eu te ordeno, observards; nada Ihe acrescentards nem diminuirds” (Deuteronémio 12:32). Esse versiculo diz respeito exatamente ao culto. Ea conclusao de um capitulo que trata especificamente do culto ptiblico. Entre os textos do Novo Testamento mais citados em defesa do principio regulador puritano estao Marcos 7:6-13 ¢ Colossenses 2:16-23. No primeiro, o proprio Jesus considera va (despropositada) a adoracado resultante do ensino e tradicg6es humanas: Bem profetizou Isaias, a respeito de vés, hipécritas, ‘como esti escrito: este povo honra-me com os labios, mas 0 seu coracao esta longe de mim, E em vdo me adoram, ensinando doutrinas de homens, Negligen- ciando o mandamento de Deus, guardais.a wadicaio dos homens. E disse-Ihes ainda: jeitosamente Tejeitais o preceito de Deus para guardardes a vossa prépria tradig&o (Marcos 7:6-9), No segundo texto, 0 apéstolo Paulo, apés alertar a igreja em Colossos a nao se deixar julgar pela nao observancia de praticas liturgicas tipicas da antiga dispensagao,sombras do culto neo-testamentirio, condena, entre outras coisas, 0 culto de si mesmo, isto é, 0 culto proveniente da vontade, as formas de culto 24 inventadas pelo homem, para agradar a sua propria vontade.” Eis o texto: “Ninguém, pois, vos julgue por causa de comida bebida, ou dia de festa, ou lua nova, ou sabados, porque tudo isso tem sido sombra das coisas que haviam de vir.. Se morrestes com Cristo para os rudimentos do mundo, por que, como se vivésseis no mundo, vos sujeitais a ordenancas: nao manuseies isto, nao proves aquilo, no toques aquilo outro, segundo os preceitos¢ doutrinas dos homens? Pois todas estas coisas, com 0 uso, se destroem. Tais coisas, com efeito, tém aparéncia de sabedoria, como culto de si mesmo, ¢ falsa humildade, e rigor ascético; todavia, nao tém valor algum contraa sensualidade” (Colossenses 2:16,17,20-23). Outras importantes passagens biblicas do Velho Testamento e do Novo, ¢ geralmente mencionadas com relacéo ao principio regulador do culto reformado, serao consideradas adiante. O Culto da Vontade Os reformadores reconheciam que as adigdes humanas ao culto tém aparéncia de sabedoria e tendem a ser mais agradaveis a © termo da lingua grega traduzido como “culto de si mesmo” segundo Joseph Henry Thayer, Greek-English Lexicon of the New Testament (Grand Rapids: Zondervan, 1979), designa, um “culto arbitrario”, um “culto que alguém imagina ¢ prescreve para si mesmo”, Segundo William FE Arndt and F Wilbur Gingrich,A Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Early Christian Literature, 2 ed. (Chicago and London: The University of Chicago Press, 1979), um culto ou “religido auto-fabrieada”. 25 natureza humana pervertida do que o culto divinamente prescrito nas Escrituras. .~-Eu nao ignoro (escreveu Calvino) 0 quao dificil € persuadir o mundo de que Deus rejeita e mesmo abomina toda invencao da razao humana relacionada ao culto. A ilusio, com relagao a esta questio tem diversas causas; “Cada um acha que est4 certo”, como expressa 0 antigo provérbio. Assim, os filhos das nossas préprias mentes nos deleitam; ¢além disso, como Paulo admite, oculto ficticio freqiientemente apresenta.alguma aparéncia de sabedoria (Colossenses 2:23). Como na maioria dos casos, culto ficticio tem um esplendor externo que agrada aos olhos, ele é mais agredavel & nossa natureza carnal, do que apenas aquilo que Deus requer e aprova, € que tem menos ostentagao...!° Contudo, eles consideravam qualquer invengao humana no culto como will-worship (culto da vontade), “o culto de si mesmo”, condenado em Colossenses 2:23. Eis o que escreveu Calvino: Eu sei o quao dificil é persuadir 0 mundo de que Deus desaprova todas as priticas de culto nio sancionadas expressamente na Sua Palavra. A opiniao contréria, 4 qual se apegam, ¢ que esta arraigada até aos ossos ¢ medula, € que, qualquer pratica para a qual encontrem alguma razao em si mesma € legitima, desde que exiba algum tipo de aparéncia de zelo pela honra de Deus. Ora, visto que Deus nao apenas considera frivola, mas também claramente abomina o que quer que pratiquemos por zelo ao Seu culto, se nao estiver de ® John Calvin, The Necessity of Reforming the Church. 26 acordo com © Seu mandamento, 0 que pode nos aproveitar tomar atitude oposta? As palavras de Deus sao claras ¢ distintas: “obedecer é melhor do que sacrificar.” “Em vao me adoram, ensinando doutrinas e mandamentos de homens” (1 Samuel 15:22; Mateus 15:9). Toda adicao a Sua palavra, especialmente neste assunto, é uma mentira. Mero “culto da vontade” é vaidade (Colossenses 2:23)."" Como exemplos biblicos da reagao divina ao culto da vontade (will-worship), cles freqiientemente mencionam 0 culto de Caim, o fogo estranho de Nadabe e Abit, 0 culto de Saul em Gilgal®? ¢ o transporte da arca da alianca para Jerusalém. Por que Deus nao Se agradou da oferta nao cruenta de Caim, e agradou-Se da oferta cruenta de Abel (Génesis 4:1-6; cf. Hebreus 11:4)? Por que Nadabe e Abit foram mortos por colocarem fogo estranho no oferecimento de incenso (Levitico 4:17-20)? Por que o sacrificio de Saul foi condenado por Deus? Por que deu tudo errado quando Davi tentou levar a arca para Jerusalém. num carro e nao pelas argolas (1 Crénicos, capitulo 13)? Por que Uza foi morto ao segurar a arca da alianca quando os bois tropegaram Mid. 22 tem, porventura ,o Senhor tanto prazer em holocaustos ¢ sacrificios quanto em que se obedega A sua palavra? Eis que 0 obedecer ¢ melhor do que o sacrificar, ¢ © atender melhor do quea gordura de carneiros. Porque a rebeliao écomoo pecado da feiticaria, ea obstinaco ¢ como a idolatria ¢ culto a idolos do lar...” (1 Samuel 15:22,23). 27 em Quidom? Resposta reformado-puritana; porque todos contraviaram a lei do culto, 0 principio biblics regulador do culto, que atribuia Deus o direito de prescrever a maneira pela qual Eie deseja ser adorado. Em resposta a alegacao de boa intengao, os reformadores respondiam como John Knox:* Desobediéncia & voz de Deus nao ocorre apenas quando o homem age impiamente, contrariando os preceitos de Deus, mas também quando por zelo genufno ou boa intencio (como normalmente falamos), 0 homem faz qualquer coisa a titulo de honra ou servico a Deus nao ordenado expressamente pela Palavra de Deu: .nem a preeminéncia da pessoa que concebe ou estabelece qualquer pratica religiosa, sem mandamento expresso de Deus, nem a intengao que a induziu a tais praticas, é aceitavel diante de Deus — pois Ele (Deus) nao admitira nada cm Sua religiao, sem que se fundamente na Sua propria Palavra; mas tudo 0 que lhe for acrescentado Ele mina, € punc os inventores ¢ praticantes destas coisas, como aconteceu com Nadabe e Abit (Levitico 10:1-3).* Idolatria e Supersticao A desobediéncia ao principio regulador do culto era considerada pelos reformadores ¢ 33 No watado: Thue & False Worship; A Vindication of the Doctrine that the Sacrifice of the Mass is Idolatry (Dall: Presbyterian Heritage Publications, 1994), » Ibid, p. 26. = 28 puritanos como idolatria e supersticao, Eles nio entendiam idolatria no sentido restrito de adoragao a outros deuses (primeiro manda- mento), mas também no sentido de adoragéo ao Deus verdadeiro da forma errada (segundo mandamento). Melanchton,** por exemplo, considerava inadmissiveis as tradigdes catélico-romanas adicionadas ao culto. Segundo ele, os que assim procedem, demonstram preferir a sua propria sabedoria 4 de Deus. E, pior, no seu entendi- mento, “Isto tem sido, e é, a fonte de culto a idolos.” Dai seu alerta: “...ndés, na igreja, deveriamos considerar estas coisas, a fim de que, tendo sido advertidos, possamos nos submeter 4 Palavra de Deus, e nao estar dispostos a sermos regidos pelas nossas préprias opinies...”. Em 1550, John Knox escreveu um Pequeno tratado condenando a missa catélico- “romana como idolatria. Seu principal argumento, em forma de silogismo, tem 0 Principio regulador do culto como premissa: A missa ¢ idolatria. Todo culto, honra ou servic inventado pelo cérebro humano no que diz respeito Areligiaio de Deus, que nao se fundamente em Seu ai ™ Gitado por John Flavel, “Antipharmacum Saluberrimum; A Serious and Seasonable Caveat to all the Saints in this Hour of Temptation”. Em The Works of John Flavel, vol.4, p.526 (London, The Banner of Truth Trust, 1968), 29 proprio expresso mandamento, é idolatria. A missa é invencéo do cérebro humano, que nao se fundamenta em nenhum mandamento de Deus; portanto €idolatria.” John Flavel (1630?-1691), outro conhecido puritano em um dos seus escritos, definiu idolatria como: ..um culto religioso prestado a outro que nfo 0 verdadeiro Deus, ou (prestado) ao verdadeiro Deus, mas de maneira que Ele nao prescreveu em Sua Palavra. Disso vemos com clareza que um culto pode ser idélatra de duas maneiras: (1) com relagio a0 objeto... ou, (2) com relacio a maneira, quando cultuamos 0 verdadciro Deus, todavia deum modo ¢ mancira que Ele nao prescreveu em Sua Palavra, mas que tenha sido inventado ou concebido por nés mesmos; isso é condenado como idolatria no segundo mandamento; Nao fards para ti, isto é, da tua prépria mente ou da tua prépria cabeca, imagem de escultura; linguagem que profbe todas as invengdes humanas, corrupgées do culto puro e simples a Deus, como idélatras...* % O mesmo é afirmado por alguns dos principais simbolos de fé reformados. O Catecismo de Heidelberg, por exemplo, da a seguinte resposta a pergunta de nimero 96 (“O. que Deus requer no segundo mandamento?”): “que nao O representemos ou adoremos de ¥ John Knox, True & False Worship; A Vindication of the Doctrine that the Sacrifice of the Mass is Idolatry, p.23. * John Flavel. “Antipharmacum Saluberrimum; A Serious and Seasonable Caveat to all the Saints in this Hour of Temptation”, vol? 4. In The Works of John Flavel, p. 522. 30 wenhuma outra mancira que Ele nao tenha ordenado em Sua Palavra.””? Ja o Catecismo Maior, em resposta 4 pergunta 109, “Quais sao os pecados proibidos no segundo mandamento?”, afirma: Os pecados proibidos no segundo mandamentosao: oestabelecer, aconselhar, mandar, usar e aprovar de qualquer mancira cada culto religiosa nao instituido por Deus; 0 fazer qualquer representa¢ao de Deus...} todas as invenges supersticiosas, corrompende o culto de Deus, acrescentando ou tirando desse culto, quer sejam inventadas ¢ adotadas por nés, quer recebidas por tradi cao de outros, embora sob titulo de antigiiidade, de costume, de devocao, de boa intengio, ou de qualquer outro pretexto; a simonia,”” o sacrilégio, toda negligéncia, desprezo, impedimento e oposigo ao culto ¢ ordenangas que Deus instituiu, (Ver Apocalipse 22: 18,19). Acréscimos littirgicos em termos de cerim6nias, ritos, gestos, etc., eram considerados supersticdes pelos reformadores. Toda e qualquer pratica litargica inventada pelo homem era vista por eles, como vemos hoje as Praticas supersticiosas dos amuletos (tais como pés de coelho, ferraduras e trevos), da distingao de dias especiais (sexta-feira 13), e evitar passar “© Catecismo de Heidelberg.” Em O Livro da Confissées (Sio Paulo: Missdo Presbiteriana do Brasil Central, 1969), pp. 4.001- 4.129. * O.comércio dos dons de Deus. Atitude de Simao, 0 magico, que tencionou comprar de Pedro o dom de conferir o Espirito Santo (Atos 8:18-20). 31 por baixo de escadas, perto de gatos pretos, etc. Algumas das citagdes mencionadas ja fizeram referéncias a essas praticas liturgicas como supersticiosas. Eis apenas mais uma. Comentando Jeremias 7:31, “...o que nunca ordenei, nem me passou pela mente”, Calvino argumenta: Deus, aqui, elimina qualquer oportunidade de evasivas humanas, visto que Ele condena, pela Sua propria frase, “o que nunca ordenei,”o que quer que os judeus imaginassem. Nao hd, portanto, nenhum outro argumento necessario para condenar superstigées do que o fato de nao terem sido ordenadas por Deus: porque quando os homens se permitem cultuar a Deus de acordo com suas préprias fantasias, e ndo observam os Seus mandamentos, pervertem a verdadeira religiao. E se este principio fosse adotado pelos papistas, todos estes modos ficticios de culto, nos quais eles absurdamente se exercitam, cairiam por terra." Principio Libertador Na concepgao reformado-puritaha, o principio regulador puritano nao tolhe, nao limita nem restringe a liberdade crista. Ele a preserva da imposicéo do cerimonialismo do qual Cristo nos libertou e de quaisquer imposi- Ges littirgicas a nossa liberdade de consciéncia. Com relagio as ceriménias (escreveu Calvino), as quais pretendem ser um sério atestado de culto a Deus, nao pagsam de zombaria.a Deus. Um novo judaismo, em substituigao aquele que Deus # John Calvin, Commentary on Jeremiah, 7:31 32 claramente revogou, foi novamente instituido através de numerosas ¢ pueris extravagincias, coletadas de diversos lugares, as quais foram misturadas com ritos impios, parcialmente emprestados dos pagaos, e mais adaptados a alguns shows teatrais do quea dignidade da nossa religiao.? No capitulo que trata de questées de ordem e disciplina eclesidsticas, a Confissao Belga rejeita “...todas as invengées humanas, e todas as leis que os homens queiram introduzir no culto a Deus, pelas quais obriguem e constranjam a consciéncia humana de qualquer forma possivel”.*? No capitulo que trata da liberdade cristae da liberdade de consciéncia, a Confissao de Fé de Westminster afirma: S6 Deus é Senhor da consciéncia, ¢ a deixou livre das doutrinas e mandamentos humanos que, em qualquer coisa, sejam contririos 4 Sua Palavra, ou que, em matéria de fé ou de culto, estejam fora dela, Assim, crer em tais doutrinas ou obedecer a tais mandamentos, por motivo de consciéncia, ¢ traira verdadeira liberdade de consciéncia; erequerer para eles fé implicita ¢ obediéncia cega e absoluta, & destruir a liberdade de consciéncia e a propria Tazio.“ Esta concepgao reformada do principio regulador como um principio libertador se fundamenta em textos biblicos do Novo * John Calvin, The Necessity of Reforming the Church. © Parigrafo 32. “ Capitulo XX, pardgrafo 2. Ver também Fé para Hoje; Confissiio de Fé Batista de 1689 (Sio José dos Campos, SP: Editora Ficl, 1991), 21:2. 33 Testamento, tais como Colossenses 2:16,17: “Ninguém, pois, vos julgue por causa de comida e bebida, ou dia de festa, ou lua nova, ou sdbados, porque tudo isso tem sido sombra das coisas que haviam de vir...”; e Galatas 4:9- -11, onde o apéstolo argumenta que a insisténcia em observar dias e festas significava uma escravidao voluntéria a formas rudimentares ¢ fracas (em compara¢ao com a noya dispensagao), ¢ poderia até indicar coisa muito séria: “...mas agora que conheceis a Deus... como estais voltando outra vez aos rudimentos fracos e pobres, aos quais quereis ainda escravizar-vos? Guardais dias, e meses, e tempos, e anos. Receio de vés tenha ecu trabalhado em vao para convosco” (Galatas 4:9- -11). A seriedade do assunto € demonstrada pelo apéstolo Paulo no inicio do capitulo cinco (versiculo primeiro) dessa mesma carta, onde ele adverte: “Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes ¢ ndéo vos submetais de novo a jugo de escravidao. Eu, Paulo, vos digo que, se vos deixardes circuncidar, Cristo de nada vos aproveitara”. E por causa de passagens biblicas como essas, que a f€ reformada nao admite, na nova dispensacao, a observancia de dias, meses, tempos e anos especiais prescritos na lei cerimonial judaica. Muito menos admite a instituigao humana de novos dias, festas e 34 cerimOnias religiosas.** Quando, portanto, reformadores e puritanos enfatizam a necessidade de base biblica para qualquer elemento de culto, na verdade nao estio enfatizando o carater formal do culto da nova dispensacao, mas a sua natureza espiritual, essencialmente livre das formas litirgicas tipicas do culto na antiga dispensa¢do ou de novas formas litirgicas inventadas pelo homem. Elementos ¢ Circunstancias de Culto Uma ultima mas importante consideracdo que preciso fazer com relacao a concepcao teformado-puritana do principio regulador do culto, diz respeito a distingao entre elementos (ou ordenangas) de culto ¢ circunsténcias de culto.%* * Um texto interessante com relagio a observincia de dias ea abstinéncia de comidas é Romanos 14:5,6.O texto pode parecer indicar que comer ou observar dias é algo completamente indiferente. Mas os textos ja mencionados nao permitem essa interpretacdo. O contexto indica que se trata de concessies, Por amor, aos débeis na fé. Estes (certamente judeus), ainda nao haviam absorvido as caracteristicas peculiares da nova dispensacio (nao foi facil nem para Pedro), e ainda julgavam relevante alguma observancia de dias e abstinéncia de alimentos (quais especificamente, nao sabemos). Deve-se ter em mente, aqui, as circunstancias histéricas especinis (de transicio) entre o judaismo ¢ o cristianismo. De qualquer modo, trata-se de escriipulos pessoais (0 que nao provém de fé €pecado), e nao Para ser imposto na igreja. “Ver Jeremiah Burroughs, Gospel Worship, p. 9. 35 Os elementos de culto sao praticas especificas, prescritas (direta ou necessaria- mente inferidas) das Escrituras e validas para toda a dispensacao do evangelho (da graca),em qualquer lugar ou circunstancia. Alguns desses elementos sao comuns; isto é, fazem parte regularmente do culto. A Confissao de Fé reflete perfeitamente a posicao reformada, admitindo apenas os seguintes elementos comuns de culto: a leitura biblica, a pregacao da Palavra, a reyerente atencao a ela, a oracao, o louvor, ea ministragao e recepcao das ordenancas do batismo e da Ceia do Senhor. Outros elementos ocasionais (nao regulares) de culto sao: os “juramentos religiosos, votos, jejuns solenes € acées de gracas em ocasides especiais”. As circunstdneias de culto, sao todas as demais coisas, de carAter nao religioso, mas necessdrias a realizagao do culto. Estas coisas nfo so fixas, nao fazem parte do culto em si, nao sendo portanto especificamente prescritas nas Escrituras. Mas devem ser ordenadas & luz da revelagdo geral, do bom senso cristdo, de conformidade com os principios gerais das Escrituras.A Confissdo de Fé de Westminster trata do assunto no capitulo I, pardgrafo IV, nos seguintes termos: +-ha algumas circunstancias, quanto ao culto de Deus e 0 governo da Igreja, comuns as agdes € sociedades humanas, as quais tém de ser ordenadas 36 pelaluz da natureza e pela prudéncia crista, segundo as regras da Palavra, que sempre devem ser observadas.‘” Como exemplo de circunstancias de culto na dispensacao do evangelho, pode-se mencionar o lugar (casa, templo, ao ar livre), hordrio (dias da semana, hordrio), duragao e ordem do culto, méveis (pilpito, bancos ou cadeiras, mesa para a Ceia do Senhor); iluminaga4o (velas, lamparinas, candeeiros ou luz elétrica), aquecimento ou ventilacao, som, etc. Estas questées so todas circunstanciais na dispensacdo do evangelho, o que significa que nao se pode atribuir a elas conotagao religiosa, tornando-as obrigatérias, e devem ser decididas com a prudéncia crista e 4 luz dos principios gerais das Escrituras, tais como simplicidade, ordem e decéncia, reveréncia, etc. Ha alguns cuidados gerais que se deve ter com relacao a estas questGes circunstanciais: O primeiro é 0 de nao atribuir a estas coisas, que em si mesmas sao indiferentes, Conotacao religiosa, atrelando-as ao evangelho, confundindo-as com os elementos de culto, tornando-as obrigatérias. Nao se pode Sacralizar um lugar (um templo), um hor4rio (sete ou oito horas da noite), um diadasemana (quarta-feira), um mével (bancada de madeira), uma roupa (o paleté ou batina), um sistema de Capitulo I, parigrafo VI. 37 ventilagao, uma ordem de culto, etc. Tem sido grande o perigo da supersticao com relagao a estas coisas. Quanto a esta tendéncia, Hugh Binning adverte: Muitos tém uma nogio supersticiosa do lugar de culto ptiblico, como se houvesse mais santidade nele do que em outra casa qualquer; eassim, pensam que suas oragGes na igreja so mais accitaveis do que os scus préprios aposentos. Mas Cristo rejeitaessa opiniao supersticiosa com relagio a lugares, ¢ conseqiientemente, com relagio a dias, comidas e coisas externas como essas.* O segundo, é o de fazer tudo A luz da prudéncia crista. E este o melhor horario, o melhor dia, o lugar mais apropriado (com relagdo a tranqitilidade, residéncia e poder aquisitivo dos membros)? Os méveis sio apropriados, a roupa, a iluminagao, a ventilacao, etc.? Oterceiro, é 0 de deixar que os principios gerais das Escrituras regulem as nossas decisocs com relacéo a todas estas coisas, de modo que nao venham a contrarid-la. Nés nado somos naturalmente prudentes. E a luz das Escrituras que devemos determinar o que é ou nao prudente, mesmo com relacgdo as coisas ordinarias da vida. “...vede prudentemente * The Common Principles of the Ghristian Religion, Lecture 11: ‘The Knowledge that God is, Combined with the Knowledge that He is to be Worshipped, p.59. 38 como andais, nao como néscios, ¢, sim, como sAbios, remindo o tempo, porque os dias sao maus...”. (Ef€sios 5:15,16). CONCLUSAO Reconhego que professar e praticar 0 principio regulador puritano nao significa dirimir todas as questées relacionadas ao culto. Mesmo os puritanos nao foram unanimes em algumas quest0es concernentes ao cantico de hinos no culto puiblico e ao uso de oracGes litargicas (previamente compostas).” Aconvicgao da legitimidade do principio regulador do culto reformado também nao implica necessariamente em um rompimento imediato e abrupto com toda e qualquer pratica que, na nossa interpretagao, nao tenha fundamentagao biblica. A prudéncia nos recomenda que em questées tao disputadas como estas, tenhamos o cuidado de avaliar xtensamente as nossas interpretagdes — ¢ a teologia ¢ a pratica reformadas sao excelentes Teferenciais nesta avaliacio. Além disso, mesmo que plenamente convencidos da ilegitimidade de praticas litargicas menos relevantes ou geralmente Christopher J. L. Bennett, “Worship among the Puritans: the Regulative Principle”. Em Spiritual Worship (London: The Westminster Conference, 1985), pp. 17-32. 39 estabelecidas, convém uma palavra de prudéncia e paciéncia, para nao virmos a comprometer quest6es maiores. Calvino, por exemplo, nao concordava de modo algum com o dia santo do natal. Mas preferiu adiar esta reforma em Genebra, para nao impediro curso da Reforma. John Knox rejeitava a imposi¢ao anglicana do ato de ajoelhar-se para receber 0 pao e o vinho na Ceia do Senhor, mas aconselhou sua congregacao em Berwick a tolerar a pratica.*! E o puritano Thomas Cartwright, embora se opusesse ao uso de vestes clericais, considerou melhor us4-las do que ser obrigado a abandonar a sua vocacao.** % Ver carta enderecadaa John Haller, pastor de Berna. Letters of John Calvin, vol. 2 (New York: Burt Franklin, 1972), pp. 288 -289, Obs.: Com relagio A questio das préticas natalinas, ver fambém. Paulo Anglada, O Natal e a Fé Reformada (estudos niio publicados, Belém: Igreja Presbiteriana Central do Para, 1996). + CE. Christopher]. L. Bennett, “Worship among the Puritans; the Regulative Principle”. In Spiritual Worship, p. 30. Ver também excelente artigo de Martyn Lloyd-Jones, ja traduzido para o portugués, sobre as caracteristicas pessoais de John Knox, que fizeram dele, na opiniiio do autor, o fundador do puritanismo: “John Knox; O Fundador do Puritanismo”. Em Os Puritands; suas Origens ¢ seus Sucessores (Sio Paulo: PES — Publicagées Evangélicas Selecionadas, 1993), pp. 268 - 288. * Cf. Christopher J. L. Bennett, “Worship among the Puritans; the Regulative Principle”. Em Spiritual Worship, p. 30. 40 Entretanto, se rejeitarmos o principio regulador do culto reformado, que estabelece as Escrituras como regra suficiente ¢ autoritativa de culto, que outro principio adotaremos? Como definiremos o que € ou nao permitido no culto? Como preservaremos o culto das tradicdes, invengdes e supersticgées humanas? Adotando o principio normativo anglicano, segundo o qual tudo o que nao for proibido ou nao for contrario as Escrituras € permitido no culto, devemos reconhecer que teremos dificuldade em responder As questées com as quais introduzi este estudo. Afinal, as Escrituras nao proibem o sinal da cruz, a queima de incenso, ou a ceriménia do lava-pés! Também nao proibem a abstinéncia de carne na “semana santa” e uma infinidade de praticas litirgicas catélico-anglicanas! Desejo, portanto, concluir sugerindo que, 4 luz da histéria da revelacao biblica, énfases sobre pompa, ritos, simbolos, gestos e demais praticas litargicas inventadas pelo homem, nao constituem um avanco, e sim, um retrocesso. Significam um retorno a formas de culto mais tudimentares, apropriadas apenas 4 velha dispensacao. A gloria e beleza do culto na nova dispensacao nao esté no templo, na sua Tacdo, Nos ritos, nos simbolos, nos gestos, nas luzes, nos corais, na pompa, nas ceriménias, Nos instrumentos musicais, ou em quaisquer 41 coisas do género.*? Est4, sim, na sua simplicidade, na sua natureza espiritual, na santidade do adorador, na conformacio do culto a verdade revelada nas Escrituras, na realidade do acesso do crente a presenca de Deus pela intermediacio de Cristo e a agao do Espirito Santo. Encerro este pequeno estudo sobre o principio regulador do culto reformado com as palavras do apéstolo Paulo na sua Epistola aos Romanos: “Rogo-vos, pois, irmaos, pelas misericérdias de Deus, que apresenteis os vossos corpos por sacrificio vivo santo eagraddvel a Deus, que €0 vosso culto racional (légico, razodvel). E nao vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovagio das vossas mentes, para que experimenteis qual seja a boa, agradavel e perfeita vontade de Deus” (Romanos 12:1,2). ® Sobre a beleza do culto na nova dispensacao, ver John Owen, “The Nature and Beauty of Gospel Worship”, Em The Works of Fohn Owen, vol 9, (Edinburgh, 1852; The Banner of Truth ‘Trust, repr. 1966), p. 53-84. 42 BIBLIOGRAFIA A Biblia Sagrada; Velho e Novo Testamentos. Edicdo Revista e Atualizada no Brasil. Traduzida por Jodo Ferreira de Almeida. Brasilia: Sociedade Biblica do Brasil. 1969. A Confissao de Fé. O Catecismo Maior. O Breve Catecismo. Sao Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1991. JAMES, William. A Fresh Suit Against Human Ceremonies in God’s Worship. Rotterdam: n.ed., 1633. - The Marrow of Theology. Durham: Labyrinth Press, 1983. ANGLADA, Paulo. O Culto Reformado (estudo nao publicado). 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Lopes ‘Catecismo para meninos e meninas, Um = Carey Publications Ltd ‘Chamado para o ministério, O— C. H. Spurgeon Cinco pontos de calvinismo, Os —W. J. Seaton Com quem me casarei?— A. Swanson Conhecimento: falso e verdadeiro =D. M. Lloyd-Jones Conversées: psicolégicas ¢ espirituais ~D. M. Lloyd-Jones Crescimento na graca—J. Newton Cristo: sabedoria, justica, santificagdo do crente =G. Whitefield Cruz: a justificagio de Deus, A—D. M. Lloyd-Jones Doenga—J. C.Ryle Dons do Espirito Santo, Os — D. M. Lloyd-Jones Elcicdo: incentiva para pregar 0 evangelho ~B. Tyler Exigéncias de Deus, As—C. H. Spurgeon Fé salvadora—D. M. Lloyd-Jones Figueira murcha, A-C.H. Spurgeon Hist6ria dos poderosos feitos de Deus, A =C.H. Spurgeon Idolatria desmascarada, A —O. Olivetti Igreja co Estado: suas fungdes diferentes, A ~D. M. Lioyd-Jones Inspiracao das Escrituras, A—J.C. Ryle 47 Ira de Deus, A~D. M. Lloyd-Jones Joao Calvino e George Whitefield —D.M. Lloyd-Jones. John Knox, o fundador de puritanismo =D. M. Lloyd-Jones Jonathan Edwards ea crucial importancia de avivamento—D. M. Lloyd-Jones Livre-arbitrio: um escravo— C. H. Spurgeon Mantendo a fé evangélica hoje —D. M.Lloyd-Jones Mensagem crista parao mundo, A —D. M. Lloyd-Jones Nao € para rir—S. Jebb Oracao eficaz ~C. H. Spurgeon Ordenagao de mulheres: que diz o N.T:? — A. Lopes Pecadores nas mos de um Deus irado —J. Edwards Perseveranca na santidade, A-C. H. Spurgeon Plano de Deus, O -J. I. Packer Podemos aprender da histéria?- D. M. Lloyd-Jones Precioso sangue de Cristo, O—C. H. Spurgeon Pregacio, A— D. M. Lloyd-Jones Puritanismo e suas origens, O—D. M. Lloyd-Jones Que é a Igreja?—D. M. Lloyd-Jones Que é um cristio? - W. Mack . Que é um evangélico? —D. M. Lloyd-Jones Reavivamentos: sua origem, progresso e realizagoes — E. Evans Rememorando a Reforma—D. M. Lloyd-Jones Sistemo de pelo, O-I. H. Murray Soberana vocagao da maternidade, A — W. Chantry Sobrenatural na medicina, O~D. M. Lloyd-Jones Urgente necessidade de avivamento, A ~D.M. Lloyd-Jones Verdades cMamadas calvinistas: uma defesa ~C.H. Spurgeon Vivendo a vida crista- D. M. Lloyd-Jones 48

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