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Para uma concepcao intercultural dos direitos humanos INTRODUCAO: AS TENSOES DA MODERNIDADE OCIDENTAL E OS DIREITOS HUMANOS na avaliacéo das violacées dos direitos humanos, complacéncia para com ditadores amigos do Ocident jectivos do desenvolvimento — tudo isto tomou os direitos hurnanos suspeitos fem desenvolvimento, as forgas progressstas preferiram a linguagem da revolucio do socialismo para formular uma polti ia. E, no entanto, perante a crise aparentemente icreversivel destes projectos de emancipagao, s80 essas mes- mas forcas que recorrem hoje aos direitos humanos para reinventar emancipagio. E como se os dire vazio deixado pelo socialismo ou, uum sim muito condicional. Isto s6 seré possivel se for adoptada uma poitica de direitos humanos radicalmente diferente da liberal hegeménica, e se tal politica for concebida como parte de uma constelagao mais ampla de lutas pela emancipagio social. Assim, 0 meu objectivo analitico neste capttulo ¢ identificar as condigées ern ‘que 05 direitos humanos podem ser colocados ao serviga de uma politica progres- +34 RLM CONCPGHO NTEROUTURN. DOS DETOS HINO ¢ emancipat6ria. Tal tarefa exige que sejam claramente entendidas as tenses ‘ialécticas que informam a modemidade ocidental.' A crise que hoje afecta estas tens6es € 0 sintoma mais révelador dos problemas que a moder defronta no @ actualmente um factor chave para compreender tal crise. Identitico tr8s tensdes dialécticas. A primeira ocorre entre regulacéo social €_ emancipago sécial. Tenho vindo a afirmar que 0 paradigma da modemidade oci- dental se baseia numa tensao dialéctica entre regulagio social e emancipacio so. al esta presente, mesmo que de modo diluidlo, na divisa positvista “or dem e progresso”. Neste inicio de século, esta tensdo parece ter desaparecido. A tensio entre a regulagio social ¢ emancipacso social baseave entre as experiéncias socials (0 tuma vida sociale pessoal se comecou a impor globalmente cor sez faire, a relacdo entre experiéncias e expectativas inverteu-se para vastas e crescentes camadas da popula¢do mundial. Por mais presente se afigure, 0 futuro afigura-se ainda pior, Num contexto social ¢ politico, de expectativas negativas, a emancipagao deixou de ser 0 oposto da regulagiia para se tomar no duplo da regulagio, na epeticio de uma regulagdo social sempre em perigo de precarizarse.” Aqui residem as raizes_profun moderas de esquerda, Estas sempre se basearam numa critica do status quo em nome de um futuro fhelhor, ou seja, em nome de expectativas positivas. Por isso, as divergéncias no interior da esquerda centraram-se na afericdo da medida da discrepancia en contexto de expe na posigao de defensora do talhada A partir do momento em que a emancipagio se transforma em repeticio da regulacio a tensio criativa entre elas desaparece. Acontece que no paradigma da modernidace ocidental a regulaco social e a emancipacao social no sao pensaveis tuma sem a outra. Daf, que 0 colapso das formas modernas de emancipacio social paveca ter arrastadlo consigo 0 colapso das formas de regulacso ‘opunham e procuravam superar. Enquanto de regulagao social susctavam o fort a crise da regulacio social — sir us quo, tara para a qual nao fo izada pela crise do Estado intervencionista e batho, analso com mais detalhe as tenses aiécticas da maderndade ocidantal Same, 19958 2000 2 Ver capita 8. do Estado-Providéncia — e a ctise da emancipacao social — simbolizada pela crise da revolugao, do reiormisma social democratico e do socialismo enquanto paradig- mas da transformagio social — s3o simulténeas e alimentam-se uma da outra. A politica dos humanos, que pode ser simultaneamente uma politica regulat uma polticd émancipat6ria, esd arm nesta dupla crise, ao mesmo t po que é sinal do desejo de a ultrapassar A segunda tensio dialéctica ocorre entre o Estado e a sociedade civil. Apesar de considerado 0 dualismo fundador da moderidade ocidental, a distingao Estado e sociedade civil e a relagdo entre ambos foram desde sempre prob cas @ mesmo cont desde cedo desmentida pelo facto de o Esiado e a sociedade civil serem “produzi- dos" pelos mesmos processos poiticos. Como perceptivamente notou Dicey, ainda fes aparentes © pela mesma via legislativa @ regulamentar, que the devoha a capacidade de s auto-produzir. Nestas condigoes no admira que o que, num dado mome rico ou numa dada conjuntura politica, & considerado como sendo dominio pré- prio do Estado, possa, noutro momento ou conjuntura, ser considerado dominio proprio da sociedade civil. Nas trés dltimas décadas tornou-se ainda mais que, a luz disto, a distingdo entre 0 Estado e a sociedade civil, longe de ser um pressuposto da luta politice moderna, é 0 resultado dela. A iensao deixa, assim, de séf éntre Estado e sociedade civil para Ser entre interesses & grupos socials que se réproduzem methor sob a forma de Estado e interesses ¢ grupos sociais que se reprodtzer rhe sob a forma de soiedade cv , see assim, o ambito et {que nouttos contextos hist6ricos a sequéncia possa ser diferente ov até oposta, ou no haja sequéncia mas estagnacéo, 15 FARA (AR CONCERGAO INTERCULTURAL 0S ORT Prova listo mesmo é 0 facto de, ao longo do século XX, com a passagem da primeira para a segunda e terceira geracdes de direitos humanos, a sociedade civil ter passado a ser vista como sendo inerentemente problemética, carecendo cres- centemente da intervencdo do Estado. Desia forma, uma sociedade civil forte s6 seria pensavel enquanto espelho de um estado democraticamente forte. No entan- tudo isto se alterou a partir da déca- solugées a fonte de ini de set o espelho do Estado para se tornar no seu oposto €, cor uma sociedade civil forte passou a exigir um Estado fraco. As humanos, tanto na sua versio hegeménica como na contra-hegeménica, foram apanhadas nesta répida viragem dé concepgies e ainda nao se recuperaram dela. (cera tensdo ocorre entre o Fstado-nacio © @ que designamos por globalizacdo. O modelo da modemidade ocidental é um modelo de Esiados-nagao soberanos, coexistindo num sistema intemacional de Estados igual- mente soberanos — o sisterna ‘A unidade e a escala privilegiadas, quer da regulacao social qui rio, forem sempre m. do Estado-nacio, imputév questio de saber se, quer a regulacao social quer a emancipacio soci ser deslocadas para 0 nivel global. £ neste sentido que se comeca a f dace chil global, governagéo global, equidade global e cidadania pade acartetar consigo a ios fumanos. Assim esta de facto a suceder sobretudo 20 nivel dos direitos econémicos ¢ sociais. Por outio' lid; 0s direitos hamanos aspiram hoje a uim reconhiécimento mundial e podem mesmo ser considerados como um dos pilares fundamentais de uma emergente politica pos-nacional. Da década de 1990 em diante, a globalizacéo neoliberal comegou @ ser confrantada com movimentos socials © organizagoes nao governamentals pro- gressistas, de cujas lutes — que configuram uma globalizacao contra-hegeméniicat — emeigiram novas concepeoes de direitos humanas, oferecendo alternativas ra- dicais & concepgio liberal norte-cntrca que até ento dominara com inquestioné- supreracia. Nos termos desta concepgao, o Su global é intrinsecamente pro- 3. fate toma 6 analisada nos captulos 9 @ 12 4, Sobre os procesoe de globalizacto, ver Santos, 20022. ‘AUNT TO Pz a NOW CULTER blemético no que toca 20 respeito pelos direitos humanos, enquanto gue 9 Nore global € exemplo desse respeito e procura, com 2 ajuda internaci Situagéo dos direitos humanos no Sul global. Com a emergéncia da glk contra-hegeménica, 0 Sul global comecau a poder questionar de modo credivel esta concepcio, mostrando que a fonte priméria das mais massvas volacbes de direitos humanos — milhdes e milhdes de pessoas condenadas 3 fome e malnutricgo, pandemias e degradacio ecolégica dos seus meios de subsisténcia — reside na dominagao do Norte global sobre o Sul global, agora intensificada pelo capitalismo neoliberal global Atravessado por concepcies tio contraditérias © com violagées comendo 2 uma escala global, 0 campo dos de particularismos. Como poderio os direitos humanos ser uma politica simultaneamente cultural e global? Nesta ordem de ideias, 0 meu objectivo ¢ desenvolver um quadro an: capaz de reforcar 0 potencial emanci duplo contexto de gobalizacées < ‘nos concebidos como a energia e 2 linguagem de esferas publicas'locais, nacionais « transnacionais, actuando em rede para garantir novas e mais intensas formas de inclusdo soci AS GLOBALIZACOES EM SINTESE Como referi nos capitulos anteriores, aquilo que habitualmente designamos por globalizacio sio, de facto, conjuntos ciferenciados de 5, Defina a grupos e aoc. lequialoncae © sejam contestadae ‘em nome de interte, dosacredtades. 183 PARA UN CONCEPGAO NTERCLETURAL 06 OOS HNN fo. Nestes termas, no existe estritamente uma entidade Ginica chamada globali- Zacéo; existem, em vez disso, globalizagdes. Em rigor, este termo s6 deveria ser usado no plural, Enquanto feixes de relagoes socials, as globalizagdes envolvem , icdo de globalizacio por mim proposta: a globalizagao € 0 processo pelo qual determinada condicéo ou entidade local estende a sua influéncia a todo © globo e, 20 fazé-(o, desenvolve a capacidade de designar como local outra condicSo social ou entidad Para dar conta destas assimetrias, distingo quatro formas ou processos de glo- balizacéo que déo origem a dois modos de produgao de giobalizacio. Esses pro- cessos s0 0 localismo globalizado, globalismo localizado, cosmopolitismo insur- gente e subalterno e patriménio tomum da humanidade. O focalismo globalizacio, € 0 processo pelo qual determinado fenémeno, entidade, condicao ou conceit e na capacicade de ditar os ter- mos da integracao, dla competiczo/negociacio e da inclusdo/exclusio. Ao segundo processo de globalizagio chamo globalismo localizado. Consiste no impacto espe- ‘ico nas condigdes locais das priticas e imperativos transnacionais que emergem dos localismos globalizados. Para responder a estes imperativos transnacionais, as condigoes locals sdo desintegradas, marginalizadas, excluldas, desestruturadas e, exentualmente, reestruturadas sob a forma de inclusdo subalterna. ‘ais globalsmos localizados incluem: a eliminacdo do comércio tradicional e da agricultura de subs ” & disposicao da indist mmo; desemprego provacado pela destocalizagio das empresas. Estes dois processos de globalizac3o operam em conjungéo, & canstituem 0 primeiro modo de producto de globalizacio, a globelizac3o hegeménica, também denominada n Jobalizacéo de cima para baixo, em summa, ave recente do capi A produc sustentada de * distinto do cosmopolitismo invocado por Marx, enquanto A GRANADO TEMPO: PARA UNA CATR POH sistema-mundo é uma trama de globalismos localizados ¢ lacalismos globalizados e das resistencias que eles suscitam. Tais resisténcias constituem 0 segundo modo de producio de globalizacso, 2 slobalizacéo contra-hegeménica, alternativa ou globalizacéo “a partir de baixo”. € Constituida por dois processos de globalizagéo: o cosmopolitismo insurgente © su- balterno e © patriménio comum da humanidade. O cosmopolitismo subalterno in surgente consiste na resisténcia transnacionalmente organizada contra 05 lo globalizados e 0s glabalismos focalizados. Trata-se de um conjunto mui heterogéneo de i inaco sociais € a destruigéo ambien correndo a articulagbes transna fe informagio e de comunicacdo. As actividades cosmo- redes transnacionais reprodutivos e se~ gbes de desenvolvimento alternativo e em luta contra 0 regime hegeménico de propriedade intelectual que desqualifica os saberes tradicionais e destr6i a a diver. sidade de recursos da terra; articulagdes entre sindicatos de pafses pertencentes 20 mesmo bloco econémico regional; lutas transnacionais contra as sweatshops, pré- ticas laborais di césmico” de Pitégoras, na de Demécrito, no “Homo sum, humani rit 2 me ¢ de que “para sermos bons patrictas necessitamos imigas do resto do mundo” e, finalmente, no novo internacionalismo ope- ratio. Esta tradigao ideol no pasado esteve ao servigo da expansio ismo, gera hoje, no desenvolvimento do mesmo processo histérico, os localismos globalizacos e os globalismos loc: © cosmopolitismo subalt ‘Go por parte dos grupos oprimidos de organizarem a sua resisténcia e consolida- rem as suas coligacGes & mesma escala em que a oprescio crescentemente ocorre, ou seja, a escala global. Mas o cosmopolitismo subalterno ¢ insurgente € também smo, tém somente a perder as suas grilhetas, a classe ubalternos e as classes oprimidas do mundo actual de “classe-que-s6-tem-a-perder-as- {HO PARA UNA CONCEGAO INTERQUAL DOS DROS HUANDS das pelo captal| For esta razdo, cosmo- ‘ndo implica uniformizaco ou homogeneizacio, nem se rege por uma de emancipacdo social que neuitalize as diferen- 25, autonomias @ identidades ideolbgicas, regionais culturais entre os movimentos ou associagies.* Dando um peso equivalente ao principio da igualdade e ao prin- cipio do réconhecimento da diferer urgente no & mais que uma emergéncia global resultante das arliculacSes/coligacbes transnacionals entre lutas locais pela dignidade, inclusdo social auténoma, auto-determinagao, com, © objectivo de niaximizar o seu potencial emancipatério, Este cardcter aberto € si gente. Antes dem: aqueza do cosmopoliis- © contra-hegeménico das coligaces cosmopolitas é problematico. Exige uma auto-reflexividade permanente por parte dos que nelas participa. Iniciativas cos- rmopolitas, concebidas com um cardcter contra-hegemonico, podem vir a assumir posteriormente caracteristicas hegeménicas, correndo mesmo 0 risco de se conver- terem em localismos globalizados. Basta pensar nas iniciativas cle democracia par- ticipative a nivel local que durante anos tiveram que lutar contra o “absolutismo” da democracia representativa e a desconfianca por parte das elites polticas conser- vadloras, e que, desde hé alguns anos, comegaram a ser reconhecidas e mesmo apadrinhadas pelo Banco Mundial, seduzido pela eficdcia técnica e pela auséncia de cortupgaa com que os mecanismos da democr: (por exemplo, 0 a concepcdo far da democraiapartpatva um emblao de globalizacso -hegeménica.” A instabilidade do cardcter progresssta ou contra-hegeménico decorre ainda de um outto factor: as diferentes concengSes de emancipagdo social por parte de iniciativas cosmopolitas em diferentes regioes do sistema mundial. Por exemy inimos da qualidade de trabalho, os chamados internaci conduzida pelas organizacoe: humanos dos paises mais desenvolvidos, no sentido de im mundial — € certamente vista pelas organizagSes que @ promovem como uma luta 6. Ver capt 2 7. Descuto em deta ste tema em Santos, 2002 AGHTADO TOPO: PARAL SOWA CTURA FONT, 4 contra-hegeménica e emancipatéria, uma vez que visa melhorar as condicées de vide dos trabalhadores; mas pode eventualmente ser vista por organizacbes si res dos paises periféricos como mais uma estratégia proteccionista do Norte gi cujo efeito a vida das populagdes do Sul global Apesar de todas estas tom tido éxito em demor zacao hegeménica, neoliberal. Por esta raz’o, 0 que denominamos de global e izacEo no pode ser concebitlo sendo como 0 resultado proviséria, parcial e da lute permanente entre dois medos de producéo de global seja, entre duas giobalizagies rivais. As concepgies e pofticas confltuantes de di- relitos humanos, longe de se encontrarem acima dest 7 ponente importante dela O outro processo de globalizacao contra-hegeménica consist que apenas fazem sentido enquanto eee 20 globo na sua totalidade: a sus- tentablidade da vida humana na Tera, por exemplo, ntais da protecgao da camada de ozono, da preservacio da Antartids, da biadiversidade ou ddos fundos marinhos. Todos estes temas referem-se a recursos que, pela sue natu- reza, deveriam ser geridos por fideicomissos da comunidade internacional em nome das geracées presentes e futuras. As lutas em defesa do patriménio comum da humanidade podem ser igualmente parte integrante da slobalizacéo contra-hege- monica e também nelas se jogam concepcoes rivals de direitos humanos, RECONSTRUCAO INTERCULTURAL DOS DIREITOS HUMANOS A complexidade dos di de cosmopolitismo subs lizagdo hegeménica, quer como glo! ¢ expectcarem que condigoes osc neGeisarias, mas apenas das culturais. A minha tese & que, enquanto forem conce- bidos como direitos humanos universais em abstracto, os direitos humanos tende- a0 a operar como localismo globalizado e, portanto, como uma forma de globali- zagio hegeménica. Para poderem operar como forma de cosmopolitsmo insurgen te, como glabalizagao contra-hegemdnica, os direitos humanos tém de ser 4, Sobre ese tema, ee Santos, 2002b: 308-312 22. PARRA CONCEETAD NTERCLTURAL DOS ORETOS HUAN ilos universais, como rumento do “cho- copies alter seré obtida a custa da sua legitimidade local. Pelo contra emancipatério, tal como eu 0 entendo e especiticas ume relacdo equilibrada e mutuamente potenciadora entre a competéncia global a legitimidade local, os dois atributos de uma politica contra-hegeménica de direi- tos humanos no nosso tempo. E sabido que 0s direitos humanos ndo s40 universais na sua aplicacdo. Actualmente S30 consensualme! s de aplicacio de direitos humanos: 0 europ. : asié- tieo.’ No entanto, as vicissitudes da aplicacdo nao predeterminam a quest validade dos direitos humanos. €, de facto, um dos debates mais acesos sobre os direitos humanos gira & volta da questio de saber se os versais, ou, pelo contr Imente Ocidental, mente, & volta da questio dos validade. Embora estrei - ionaclas, estas duas questées so auténomas. A primeira tem a ver com as origens historieas e culturais do conceito de direitos humanos, a segunda com as suas rei jade num dado momento histérico. A génese de uma reivindt- condicionar a sua validade, mas certamente nao a determina. A pode ser congruente com a sua universal rico forem universalmente esto, n0 izadlora que pode ser gerada para tornar concreta e efectiva a vigéneia dos direitos humans depende em parte da identificacao cultural com os pressup fundamentam enquanto reivindi cagio ética. De uma perspectiva soci 0 esclarecimento desta arti- culacdo entre energia mobilizacora e identificacdo cultural é de longe mais impor- tante que a discussao abstracta tanto da questéo da ancoragem cultural como da validade filos6fica isis enquanto artefacto culture de todas as cultures. A rel incompletude e a diversidade cultural, Significa que todas as culturas tendem a 9, Para uma andie mals aprofundada des qutro 1950: 330-37; 20020 280-311, ea biblograta ines internacionats de direitos humanos, ver ferida CRANE 00 TERPO: PARA UMA NOVA CULTURA POUCA 9 definir como universalios valores que consideram fundamentais: © que € mais ele- vado ou importante & também o mais abrangentemente vélido, Deste modo, a questo especifica sobre as condigées de universalidade numa dada cultura é em si idadle dos direitos humanos € uma fos humanos so uni ponto de vista ocidental. Por isso mesmno, a s humanos trai 2 universalidade do que q questéo cultural do Ocidente. Logo, 05 i quando olhados de universalidade dos di Sendo a questo da universalidade a resposta a uma asplragao de complete de, e porque cada cultura “situa” esta aspiracio em torno dos seus valores funda- ‘mentais e da sua validade universal, aspiragdes diversas a diferentes valores funds- Na melhor das hipdteses, seré mesmo possivel cansegui terpenetracio de preocupacoes e concepcées. Quanto forem as relacdes de poder entre cultures, mais provavel serd a ocorrén- cia desta. mesticagem.” Podemos, pois, concl 2 universalidade do que questiona, indey dada. Talvez por esta raza0, outras estratéglas argumentativas tém sid para defender a universalidade dos direitos humanas. £ este © caso dos autores para quem os direitos humans s80 universais porque sdo pertence de todas as seres humanos enquanto seres humanos, ou seja, porque, independentemente do seu reconhecimento explicto, eles s80 inerentes 2 natureza humana." Esta linha de pensamento evite a questéo, “cleslocando” o seu objecto, Uma vez que os seres humanos ndo detém direitas humanos por serem seres — a maioria dos seres ndo detém direitos — mas porque so humanes, € a questo nao respondida da uni le, uma ver posta, @ questio da universalidade nega dentemente da resposta que direitos humanos. © conceita de direitos humanos assenta num bem conhecido conjunto de ppressupostos, todos eles tipicamente ocident reza humana universal que pode ser conhecida racionalmente; a natureza hurmana é essencialmente diferente e superior 3 restante realidade; 0 individuo possui uma dignidade absoluta ¢ iredutivel que tem de ser defendida da sociedade ou do 10, Ver capfilo 2 17, Volare a este tema nas seecoes segulnes. 12. Pata us vides contrastantes, ver Donnely, 1989, & Rentel ‘Thompson, 1980; Schwab e Poli, 1962; Chai, 2002: Mua, 2001 1990. Ver tamiéen Henkin 1979: 48h PARY US CONCERGIOINEROUTURA 05 OMETOS LANDS Estado; a autonomia do individuo exige que a sociedade esteja organizada de for- ma no hierérquica, como soma ce individuos lives (Panikkar, 1984: 30) Uma vez que todos estes pressupostos sto claramente ocidenias ¢ f te distinguivels de outras concepedes de dignidade humana em outras culturas, haveré que averiguar as razées pelas quais a universalidace se transformou numa das caractersticas marcantes dos direitos humanos. Tudo leva a crer que a univer- salidade sociolégica da questéo da universalidacle dos direitos hurmanos se tenha sobreposto & sua universalidade filos6fica. A marca ocidental, ou melhor, a marca ‘ocidental liberal do discurso dominante dos direitos humanos pode ser facilmente identificada: na Declaragao Universal de 1948, elaborada sem a participagao da dos povos do mundo; no reconhecimento exclusivo de direitos individuais, ica excepcao do direlto colectivo & ago, 0 qual, no entan- gido 20s povos subjugadas pelo smo europeu; na prioridade concedida 20s direitos ci itos econémicos, sociais € cul Se observarmos a hi seguir & Segunda Grande Guerra, nao & humanos estiveram em geral a0 servigo dos ritiveis, as quals foram avaliadas Escrevendo em 1981 sobre a meios de comunica- © uma “politica de supers visibilidade Falk menciona a ocultacao total durante anos das noticias sobre o tré- gico genocicio do povo maubere em Timor-leste (que ceifou mais que 300 mil 15es de “intocdvels" (dali jade, Falk menciona a exubersr ao € no Vietname fo- “08 polos dk idade e de supervisibi- jamente correlacionados com os imperativos da politica externa (198%: 51. A verdade 6 que o mesma pode dizer-se dos a continuaggo do préspero comércio com a indonésia, hist6ria das politicas dos direitos humanos. Em todo o muitos milhares de pessoas e de arganizacies no governamentais tém vin- ‘A CiAMATCA DO TEMPO: PaRALMA NOKACTIRS POUCA. 8 vias, Os objectivos politicos de is lutas so emancipatérios @ por vezes explicita :0 quer dizer que, paralelamente aos discursos € praticas que fazem dos di desenvolver-se discursos © pr im propostas de concengbes ndo-acidentais de direitos hu- ‘manos e organizam dilogos intercutturais sobre os direitos humanos e outros prin- cipios de dignidade humana. A luz destes desenvohimentés, creio que a tarefa dap ia do nosso tempo consiste em transformar a con- smo globalizado, num projecto cosmapolita insurgente. PREMISSAS DE UMA POLITICA CONTRA-HEGEMONICA DE DIREITOS HUMANOS Passo a identificar es premissas da transformacéo dos direitos humanos num projecto cosmopolita insurgente. ra premissa & a superac; Trata-se de um debate i nos, Todas as culturas s0 loséiica, € incorrecto."* Mesmo que todas as |, enquanto posicao fem a preocupacoes e 0, 0 sobre preocupacdes convergentes ainda que expressas em linguagens distin- tas e 2 partir de universos culturais diferentes. Contra 0 relativismo, hé que desen- voher critérios que permitam de desarme, uma politica emanci em que o debate desencadeado pelos di para um diélogo competitive entre culturas diferentes sobre os principios de dignidade humana, & imperioso que tal competiggo induza a formagio de coligacoes transnacionais que lutem por valores ou exigéncias maximos, e ndo por valores ou exigencias minimos (quais s80 0s critérios verdadeitamente minimos? Os direitos humanos fundamen- tais? Os menores denomninadores comuns?}. A adverténcia frequentemente ouvida t6ria. Na medida 3, Como reel antercrmonte, para ser emaneipadora uma politics de oi sempre concebida e praticada como parte de um conjunto mais alargedo de 14, Para uma recensio recants do dabate dun 209-216, Ver tamaém Mut, 1996, soo versus elaivien, ve A CENCERCAO INTERCUITRAL OS DRT HENS contra os inconvenientes de sobrecarregar 2 pal ‘ou com concepgées mais exigentes de € uma manifestacéo tardia da redugao modernidade ocidental & emancipaggo de bai rada pelo capitalismo mundial. Por outras palavras, direitos humanos de baixa in- tensidade como 0 correlato de democracia de baixa intensidade. ‘A segunda premissa da transformagio cosmopolita dos direitos humanos € que todas as cukturas possuem concepcbes de dignidade humana, mas nem todas thas a concebem em termos de celts hurnanos. Torn, por isso, importante identificar preocupagées isomérficas entre diferentes culturas. Designagées, con- ceitos e Weltanschaungen :es podem transmitir preocupacdes ou aspiragées semelhantes ou mutuame ligivels.* A terceira premissa € que todas as culturas s20 incompletas e problematicas nas suas concepgées de dignidade humana. A incompletude provém da propria pois se cada cultura fosse t2o completa ‘apenas uma s6 cultura. A ideia de completude esté gem de um excesso de sentido de que parecem er isso que a incompletude € mais faciimente percepil pectiva de outra cultura, Aumentar a consciéncia de incompletude cultural das tarefas prévias & consirucio de uma concepgdo emancipadora e multicultural jotencial emancipatério da ‘A quarta premissa € que nenhi m versées diferentes de digni Igumas ¢om um cit ‘ocidental desdobrou-se em das concepcoes € préticas de direitos humanos pro- rgentes — a liberal ¢ a social-democrética’” — uma, dando prio- tos civicos e poltices, a outra, dando prioridade aos direitos sociais € econémicos."* Hé que definir qual delas propée um cfrculo de reciprocidade mais amplo. 10, a quinta premissa & pessoas € 08 grupos sociais entre dois uica. Um — o prinefoio da igualdade des homogéneas (a hierarquia entre cipio da dlferenga — opera através da hierarquia entre identidades ¢ dliferencas secges segintes dave alguns exemplos. ves, por exempl, Moa, 2007, © Obior, 1997. ACRAWATICA DO TBD. PRALMANOKA CATUBAPLIDCA. 27 consideradas tinicas (a hierarquia entre etnias ou ragas, entre sexos, entre religibes, ientagdes sexuais)."" Os dois principios ndo se sobrepdem necessariamente €, por esse motivo, nem todas as igualdades so idénticas © nem todes as diferen- (G28 so desiguais. Daf que uma politica emancipatéria de direitos humanos deva saber distinguir entre a luta pela igualdace e a luta pelo teconhecimento igualtério das diferencas a fim de poder travar ambas as lutas eficazmente tercultural sob é ves, e qe e cons titui em rede de referéiicias normativas capacitantes. Mas isto € apenas um ponto ae pariida. A HERMENEUTICA DIATOPICA Num dialogo intercutural, a troca ocorre entre diferentes saberes que reflectem diferentes cultures, ou seja, entre universos de sentido diferentes e, em grande medida, incomensurévels. Tais universos de sentido consistem em constelagées de fortes. Os topoi sto os lugares comuns tos. Topoi fortes tornam-se altamente vulneréveis e problematicas quando sados" numa cultura diferente.” © melhor que Ihes pode acontecer € serem despromovidos nada cultura a partir dos topoi de outra cultura & uma tarefa muito dif alguns, mesmo impossivel. Partindo do pressuposto de que naa & uma tarefa possivel, proponho, para a levar a cabo, uma hermenéutica diatépica, um procedi- mento hermenéutico que julgo adequado para nos guiar nas diffculdades a eniren- tar, ainda que no necessariamente para as superar por inteiro, os direitos humanos e, em g 30 6 um mero exercicio intelect a defesa © promogio da di |, € uma prética que resul conformisma ¢ da exigéncia de accio. identiticacao profunda cam postulados 19, Vee capitulo & 21. Vero capulo 1

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