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O desmonte dos direitos, as novas configuracdes do trabalho e o esvaziamento da acao coletiva Consequéncias da reforma trabalhista’ José Dari Krein Introducéo ano de 2017 possivelmente seri conhecido como o ano em que o governo federal ¢ 0 Congresso brasileiro deram um duro golpe contra os mais pobres a0 aprovarem 0 desmonte dos direitos sociais ¢trabalhistas conquistados nos ilkimos cem anos pelo povo brasileiro, Esti em curso a implementasio de um conjunto de medidas que buscam redefinir o papel do Estado ¢ pretendem tragar um novo rumo ao Pais. Essas medidas esti explicitadas no documento “Uma Ponte Para o Futuro” (PMB, 2015), que deubase para consolidar o apoio do “mercado” aoimpeachment de Dilma Rousseff em 2016, ese rraduzem no congelamento do gasto piblico por vinte anos, nas privatizagSes e nas concess6es i iniciativa privada, na reforma do ensino médio, na politica econémica ortodoxa, na tentaiva da reforma da previdéncia ena reforma svabalhista sendo essa tiltima o objeto dest artigo, principalmente no que se refere 4s suas implicagGes para a agio coletiva, O artigo teré como foco analisar as duas principais mudangas formais, aprovadas em 2017 pelo Congresso Nacional esancionadas pela presidéncia da Replica, que juntas constituem a reforma trabalhista proposta, Sao elas: a lei n. 13.467/2017, 1. pesquisa também fr parte da trmstco da Fapesp.Agradego soe membros doo Reforma Trabalhis do Cesit cso colega que contnibuicam para conseuiro Doni Reforma Teabalhisa especialmente cota equpe de stematizaio (Andeéa Galo, Magda Biavaschi e Manilane Tener), Reflexes ag cexposts io também expresio de diseundes clei ‘0 destmonte dos direitos, as novas contiguragées do trabalho e o esvaziamento da ago coetva, pp. 77-108 que altera 201 pontos da cxr; ¢ alein. 13.429/2017, que liberaliza a terceirizagao ¢ amplia o contrato temporirio. A hipétese é que a contrarreforma? buscou, a0 mesmo tempo, legalizar priticas j@ existentes no mercado de trabalho e possibilitar um novo ‘cardépio’ de opgdes aos empregadores para mancjar a forsa de trabalho de acordo com as suas necessi- dades. Assim, cla busca ajustar 0 padrio de regulagio do trabalho de acordo com as caracteristicas do capitalismo contemporinco, que fortalece a autorregulagio do mercado a0 submerero trabalhador a uma maior inseguranga ¢ao ampliaraliberdade do empregador em determinar as condigées de contratagio, 0 uso da mao de obra a remuneragio do trabalho. Nessa perspectiva, areforma nio se refere somente 20 conteiido da regulamentagéo, mas também as instituigées pitblicas do trabalho que podem interferir tanto na aplicagio quanto na materialidade dos direitos. Assim, por um lado, indica uma descentralizagio do processo de definigio das regras da relagio de emprego para o interior da empresa, inclusive de individualizaéo da negociagao para segmentos com melhor remuneragio. Por outro, hé uma tentativa de esvaziamento da organizagio sindical dos trabalhadores entendida como classe, pois tende a predominar uma organizagio mais descentralizada c articulada com os, interesses da empresa. Ea constituigao de um padrao de regulagao social mais afeita com as caracteristicas do capitalismo contemporanco, que proporcionow uma situa- 40 desfavorivel as trabalhadores. Apesar dos avangos na capacidade de produgio de bens, a correlagio de forgas esta pendendo em favor do capital’, transformando o trabalho cada vez mais em um “labor”, ¢ nao “opus” A anilise das medidas seré realizada tendo como referéncia as seguintes cate- gorias: a regulagio publica (estabelecida a partir de uma politizacio das relagées de trabalho, em que os agentes sociais participam diretamente) versus a regulagi0 privada (consticuida com base no mercado autorregulado, em que as relagdes si maisindividualizadas) (Dedecca, 1999 ¢ Krein, 2013). Porregulagio piblica se com- preende o processo de definigao das regras com base na agio dos trabalhadores, por 2. Ualins 4c terme contrarreforms pars expresso retracesso na regulaso cial dosrabatho provocado pelas mdangas inwitucionaesprovadas pelo governe 3, Dedeces (1999) constitu um periodo de vinganga do capital sobre o trabalho, Ou ses, eno period anterior, por ma que asmdangaeno capitalism contemporines, partir doranosde 1980, tem reio da lots social, houve,progressivamente, ma ampliasio de direitos, na atslidade hi retrocestos gue benefciam o epi 4. “Labor” utiliza para se refer 20 trabalho como ums aividade que exige muito do trabahador, colocanda-o em sma condigio de mator vulnersbildade einseguranga. Asim, a tnsio permanente por empregoe por ends tendem a dexgastar profundamente a tsbalhador,tranaformando 3 wividade ‘em buses ds renda cm algo Sedo e pesado. 5. “Opus, em contraposgio 0 Inbor ers a buss, por meio do trabalho, da reaizago humans eda lignidade n “Tempo Social revista de sociologia da US v.30,n.1 José Dati Krein meio de negociagio coletiva ou regulamentagio estatal, que se traduz na colocagéo de limites sobre a forma como o capital utiliza a forga de trabalho. Ela compreende dois principios basicos do direito do trabalho: (1) a relasdo entre capital e trabalho € marcada por uma assimetria, sendo fundamental assegurar a existéncia do sindi- cato ¢ da negociagio ou a intervengio do Estado para proteger o clo mais frégil da relagio: (2) 0 trabalho nio pode ser considerado como uma mercadoria qualquer, pois quem vende a forga de trabalho é uma pessoa humana ¢ sua dignidade precisa estar assegurada, A regulagio privada refere-se & definigao das regras no mbito do mercado ou pelo poder discricionério do empregador (Noronha, 1998). As mu- dangas sio analisadas na perspectiva de fortalecerem a protesio ou a flexibilizagio do trabalho. A referéncia para analisar as proposiges em curso nao pode sera fan- cionalidade econdmica, mas sim a natureza histérica da regulagio, que é garantir tuma condigio de dignidade a quem precisa se assalariar para poder manter a si ¢ sua familia, Portanto, a anilise das medidas ¢ feita utilizando como critério a sua contribuigao para ampliar a protegio social ¢ redistribuir a riqueza gerada ou para alargar a liberdade da empresa na determinagio das condigées de contratagao, uso ¢ remuneragio do trabalho, Nos anos recentes, a partir de 1980 nos paises da Europa ocidental 1990 no Brasil, hi uma tendéncia de fragilizagao da regulagao putblica em favorecimento da regulagio privada, em que o trabalhador fica mais exposto aos mecanismos de mer- cado na determinagio de suas condiges de sobrevivéncia. Hyman (2005) indica que © pés-guerra na Europa foi um periodo de desmercantilizasao da forga de trabalho, em que as regras da contratagio ¢ sobrevivéncia colocaram limites ao funcionamento do mercado. Apés a crise dos anos de 1970, a tendéncia voltow a ser de mercantil- zagéo da forsa de trabalho. Na mesma perspectiva, a atual contrarreforma tende a desconstruir direitos ¢ protegio social’, por isso significa uma mudanga no padréo de regulasio social do trabalho. No entanto, ainda ¢ necessério ressalvar gue, apesar da lei n. 13.429/17 ter sido sancionada pelo governo federal, o embate em torno da reforma ainda continua por trés razdes fundamentais: (1) esté em negociagzo uma Medida Proviséria para regulamentar aspectos da lei aprovada'; (2) como as modificagées sio infracons- titucionais, os preceitos constitucionais nao foram alterados, 0 que esta gerando 6. Or espasor de normatizagio conseridos por Edvardo Noro (1998): Escada, negociagio coletia ¢ poder dacriioniri do empregador 7. Protegfo socal no pretente texto est tendo wilizado para se rofrie As politica piblicas, tis como seguro dexemprego, protego na doensa eno aident,prevdéncia sol ete, introduaidas para que o srabalhador nfo necessie vender wa forgs de trabalho sob qualquer condigso 8. Aga Bras (2017) Absil 2018 a ‘0 destmonte dos direitos, as novas contiguragées do trabalho e o esvaziamento da ago coetva, pp. 77-108 controvérsias de interpretagao juridica, inclusive porque o Ministério Piblico do ‘Trabalho tem defendido a inconstitucionalidade de varios aspectos da reforma ¢ que ela esti em desacordo com convengées internacionais do trabalho sancionadas pelo Brasil”. Ou seja, haverd uma disputa juridica sobre a aplicagao das alteragdes aprovadas na lei, o que pode alterar o seu contetido na construgio de jurisprudén- cia; (3) as negociagdes coletivas continuam tendo poder de normatizar a relagio de emprego na respectiva categoria representada pelo sindicato. Elas podem validar ou contrapor-se a aspectos ou 3 toralidade do contetido da reforma. Enfim, o propésito é indicar que a reforma traz mudangas substantivas, mas 0 embateem torno da regulamentagio do trabalho continua. Futuras pesquisas poderio indicar com mais clareza os impactos da reforma. © que se pretende analisar sio as implicagées que a reforma traz dentro das caracteristicas das relagées de trabalho no Brasil ¢ da tendéncia recente de flexibilizagio do trabalho ¢ de diminuigio da protesio social. A agenda da reforma brasileira ¢ muito similar ~ talvez com maior profundidade ~ & existente em diversos paises que conheceram um padrio de regulagio piiblica das relagées de emprego ¢ alguma protesao social com base no assalariamento, Obviamente, hé muitas especificidades nacionais, mas o conteido, como sera discutido abaixo é muito semelhante (Baltar ¢ Krein, 2013). \Na primeira parte seré discutida a reforma trabalhista como uma agenda muito presente nos iltimos vinte anos, quando se busca coadunar as elagdes de emprego com a ordem politica e econémica vigente. © que impressiona ¢ sua dimensio ¢ celeridade na tramitagao. Ela é,20 mesmo tempo, consequéncia c expressio de um conjunto de outras madangas em curso, que redesenham a estrutura¢o tecido social brasileiro, Na segunda parte, serio analisados os clementos centrais da reforma, tanto no contetido do que foi aprovado (contratacio, jornada, remuneragio, con- digdes de trabalho), quanto nas tentativas de enfraquecer a organizagio sindical ¢ asinstituig6es puiblicas do trabalho. Na terceira parte analisam-se as consequéncias ddas mudangas sobre (1) a desestruturagio do mercado de trabalho; (2) a precari- zasio do trabalho; (3) a fragilizacio da agio sindical; (4) a descentralizagio das negociagées colevivas; (5) as condigdes de saiide e seguranga no trabalho; (6) os efeitos sobre os fundos piblicos, em particular sobre as fontes de financiamento dla seguridade; (7) a desorganizagio da vida social e; (8) as perspectivas de cons- srusio da nasi 9. err (2017). "AsalteragGexcontrasimn 3 Constituigio Federal eax convengSesintenactonalsSemads pelo Brasil ° “Tempo Social revista de sociologia da US v.30,n.1 José Dati Krein Areforma construida desde os anos de 1990 © debate sobre anecessidade de uma reforma trabalhista nio é novo, Nos anos de 1980, predominow a discussio em torno da reforma sindical com o surgimento do novo sindicalismo ¢ sua proposigio de forcalecer a definicio da regulamentasio por meio da negociagao coletiva. No entanto, prevaleceu, com mais énfase, 0 fortaleci- mento da regulamentasio estatal com a constitucionalizasio de diversos direitos até entio inscritos em leisinfraconstitucionais ena ampliagio da protesio social. Apesar disso, a Constituigio de 1988 nao alterou o carsterflexivel da legislagio trabalhisa, especialmente em relagio 3 liberdade de o empregador poder despedir sem precisar justificar ¢ da possibilidade de os atores sindicais negociarem redugio de salirio ¢ jornada. Contudo, mesmo com o avango substantive da normatizagio por meio da negociago coletiva no periodo™ o processo constituinte reafirmou a caracterizagio dde um modelo de relagées de trabalho legislado, com alguma tendéncia pluralist, conforme nos mostram Noronha (1998) ¢ Cardoso (2003) Acextensa legislasio nio foi suficiente para estruturar o mercado de trabalho na ‘mesma base dos paises centras, que no pés-gucrra caminharam na perspectiva da ampliasio de direitos ¢ de aumento da protesio social, fzendo com que Dedecca (1999) ¢ Menezes (2000) identificassem esse periodo com a prevaléncia de uma regulagio mais piblica das relagées de trabalho, como discutido acima, No Brasil, apesar do avango do assalariamento ¢ de um marco regulatério bastante amplo, © mercado de trabalho continuow apresentando alta informalidade, flexibilidade, dlesrespeito da legislagio trabalho (Cardoso ¢ Lage, 2005), alta rotaividade,baixos salivios, forte desigualdade entre os rendimentos do trabalho econdigies de trabalho bastante precarias (Baltar, 2003). Nos anos de 1990, quando o Brasil optou por se inserir no processo de globali- zasio financeira (Baltar e Krein, 2013), sob hegemonia do neoliberalismo (Galvio, 2007), ganhou expressio nos governos Collor «, especialmente, FHC a agenda de flexiblizasio das relagies de trabalho (Martins e Rodrigues, 1999). Os argumentos politicos eram basieamente os mesmos: a necessidade de flexibilizar as relagies de trabalho para enfrentar o problema do desemprego e da informalidade, pois se fazia necessério ajustar a regulamentagio do trabalho is transformagées tecnoldgieas ¢ dle competigio contemporineas. No debate econdmico ~ que informava naquele ‘momentos reformas~, havia duas escolas de pensamento que partiam de premissas 10, Por exemple, em 1979, em instramento normative continha menos de vnt eliuslas ¢ no final dos sino de 1980, a convengdexcoletivas das prncipss etegoriassinham mats sesenta elisa (Kein 12013). Hoen (2006) mostra em pesquisa com 1S categoris do Rio Grande do Sul que a negociages coleivasprogressivamente ampliaram dteitos nor anos de 1980 at inicio ds anos de 1990. Absil 2018 a ‘0 destmonte dos direitos, as novas contiguragées do trabalho e o esvaziamento da ago coetva, pp. 77-108 distintas: os neocléssicos"* defendiam a tese de que hé excessiva rigidez. no mercado de trabalho cos novos keynesianos (Camargo, 1996), de que havia uma flexibilidade prejudicial 8 produtividade (Krein et al, 2011). As duas correntes tém em comum tuma visio de que a legislagio leva a comportamentos individuais oportunistas que prejudicam a dinimica econémica defendem uma redugio da regulagio piblica da lexibilidade do mercado de trabalho. Naquele contexto, o governo FHC assumiuy aagenda da flexibilizagio ¢ buscou reconfigurar o modelo brasileiro, especialmente com a introdugao da prevaléncia do negociado sobre o legislado, mas nao teve forga politica para aprovar uma reforma global. Entretanto, foram introduzindo uma série cde medidas pontuais que afetaram os clementos centrais da relagio de emprego, tais como o avango de formas de contratasao atipica (contrato por prazo determinado, contrato parcial, ampliasao do periodo para utilizasao do contrato temporirio), a fexibilizasao da jornada (banco de horas, liberalizasio do trabalho aos domingos), a remuneragio variével (0 fim da politica salarial, o fim dos mecanismos de inde- xasio do salério minimo, a introdugio do programa de Participagio nos Lucros ¢ Resultado ¢ liberagao do salirio utilidade) c a introdugéo de mecanismos privados dle solusio de contlicos (mediasio, arbitragem ¢ Comissio de Conciliagio Previa). tuma agenda que se consolidou, inclusive sendo objeto de negociagio de grande parte do movimento sindical. No entanto, trés importantes proposigdes apresentadas nao foram viabilizadas politicamente: aliberalizagio da terccitizagio, a prevaléncia do negociado sobre a legislagio ¢ a reforma no sistema de organizagio sindical. Como resultado houve uma modificagio de elementos centrais da relasio de emprego, sem que houvesse uma desestruturagio formal do arcabougo legal ¢ institucional existente no pais (Krein, 2013) As modificagoes realizadas e buscadas naquele perfodo estio muito préximas da agenda que prevaleceu na Europa enos paises que tinham alguma regulagio piblica do trabalho, obviamente dialogando com as caracteristicas ¢ com a correlagio de forcas existente em cada pafs. Muitos autores apontaram um processo comum de dlesconstrugio da regulamentagio e uma tendéncia de lexibilizagio ede redusio da protesio social centrados nos seguintes aspectos: (1) redugéo do poder do Eseado ¢ dos sindicatos em influir na definigio das relages de trabalho, em uma perspectiva de fortalecer a descentralizasio das negociages no Ambito do local de trabalho ¢ até individualizando a definigao das regras para os trabalhadores mais qualificados; (2) ampliacio dos contratosatipicos (por tempo parcial, eemporitios intermitentes, especiais para alguns segmentos), combinados com redugio dos custos e maiores 11, Ateee dos Lisicos €defendida por Pastore (1994) « Zslbertsn (1998 12, Entre outror:Freysines (2006), Dedeces (1999), Hyman (2005), Uiate (2000), Standing (1999) 2 “Tempo Social revista de sociologia da US v.30,n.1 José Dati Krein facilidades as empresas dispensarem: (3) “despadronizagio" da jornada de trabalho, diferenciando-a por segmento econémico, empresa esetor de trabalho (Gibb, 2017) (4) remuneragio varidvel, em que o pagamento fica vinculado ao resultado obtido pelaempresa, pelo coletivo eaté pelo trabalhador individual; (5) redugao da protegio social, especialmente com alteragées no seguro desemprego ¢ na previdéncia social. Accaracteristica comum ¢ deixar o trabalhador em uma condicio de maior inse guranga e vulnerabilidade em relagio 20 trabalho ¢ & renda, para que ele se sujeite 4 logica da concorréncia permanente com outros para poder se inserir no mercado ¢ auferir alguma renda, Segundo Laval ¢ Dardor (2016, p. 69), constitui-se uma sociedade da concorréncia permanente ¢ de fragilizagio das instiewigdes que histo- ricamente se contrapuseram a logica de organizagio do trabalho em uma sociedade cde mercado: “trata-se nio de limitar 0 mercado por uma agio de corresio ou com- pensagio do Estado, mas de desenvolver ¢ purificar 0 mercado concorrencial por uum enquadramento juridico cuidadosamente ajustado”. No caso da regulacio do trabalho, as proposiges sio para derrogaras regras piblicas e exporos trabalhadores 4s oscilagbes cilicas da atividade econémica, proporcionando maior fexibilidade. Assim, no ncoliberalismo se constitui em uma nova racionalidade que busca estender a Logica do mercado até mesmo sobre a vida social. Nos anos 2000, no Brasil - em um contexto de crescimento com incluso social pelo consumo (Baltar etal, 2017) ¢ de continuidade do processo de reorganizagio do trabalho caracteristico do capitalismo contemporinco ~, hd movimentos con- traditérios ¢ de dispuca sobre a regulamentacio da relago de emprego. No campo da negociacio coletiva, os avangos se expressaram fundamentalmente na elevagio do poder de compra dos trabalhadores, quando a quase totalidade das categorias pesquisadas pelo Dieese conseguiu aumentos reais de salirios, ena introdusio de novas temdticas a exemplo de cléusulas que avangam na igualdade de género. No entanto, continuaram se consolidando os programas de remuneragio variével (PLR), aterceirizagio ea flexibilidade eintensificagso da jornada de trabalho, Além disso, 0s sindicatos, com raras excegdes, nao conseguiram influit na organizagio do trabalho (Krein e Teixeira, 2014)", Houve iniciativa do governo Lula de realizar uma reforma sindical etrabalhisea por meio da constituigio do Férum Nacional do Trabalho, com participacio triparti- te,entre 2003 ¢ 2005, mas que nao logrou resultados substantivos. O FNT conseguiu, apesar do forte dissenso, produzir eencaminhar uma proposta de reforma sindical 20 Congresso, mas o projeto nem chegou a tramitar. Mesmo assim, com base no FNT, 13, Além deavango ds remuncrgio, 0 mesmo estudo mostra que hose 3 introdigio de elds ee renter rela nero. Absil 2018 2 ‘0 destmonte dos direitos, as novas contiguragées do trabalho e o esvaziamento da ago coetva, pp. 77-108 foi elaborada alei de reconhecimento das Centrais Sindicais, proporcionando bases paraoseu financiamento (10% da contribuigao sindical obrigatéria dos trabalhadores, representados por sindicatos fiiados & Central) ¢ foram incorporadas as entidades paralelas na estrutura sindical oficial. A questi dos direitos trabalhistas individuais no chegou a ser apreciada, devido ao dissenso na apreciagao dos direitos coletivos. No Ambico do Estado, ocorreram sinais contraditérios, como mostra Galvio (2008), em que foram aprovadas no Legislative medidas pontuais, sem alteragio do arcabougo legal ¢ institucional vigente. No levantamento de Krein ¢ Biavaschi (2015) foram introduzidas quinze medidas de ampliacio da protesao social ¢ de direitos, que podem ser exemplificadas pela politica de valorizagio do salirio minimo pela regulamentagio do trabalho doméstico. Ao mesmo tempo outras 21 medidas reforgaram a légica da fexibilizagao ¢ redusao da protegio social, tais como reforma da previdencia no setor pablico de 2003, as restrigdes do seguro desemprego ¢ do abono salarial, a lei das faléncias, entre outras. ‘Houve também um fortalecimento das instituig6es piblicas, com ampliagio de sua presenga no territério nacional ¢ com uma agéo mais incisiva na afirmacio do dircito do trabalho, especialmente no ambito da Justiga do Trabalho edo Ministério Piblico do Trabalho, inclusive contribuindo por ser um dos fatores da forte formali- zasio do trabalho ocorrida no periodo", Mesmo considerando que sio instituigSes ue refletem as contradigdes existentes na sociedade, a ampliagao da sua presengaca jurisprudéncia prevalecente no seu Ambito foram fatores que contribuiram parainibir a fraude e frear certos aspectos da tendéncia de flexibilizacao. Por isso foram forte- smente aracadas na tramitagio da contrarreforma colocadas limitagées i sua atuasio na nova legislagio, Por cxemplo, o TST consolidou uma série de interpretages mais favoriveis& protesio dos trabalhadores, tais como a questio da ultratividade", 0 cOmputo da jomnada ea caracterizagio da relagio de emprego disfargada, No entan- to, especialmente nos anos recentes, apés 2013, o Supremo Tribunal Federal fez 0 movimento contrario de constituir decisdes judiciais muito desfavoriveisao direito do teabalho, em clara oposigio as tendéncias do Tt. Entre as medidas, podem-se dlestacar: a accitagio de que um acordo coletivo prevalesa sobre a CLT ¢a anulasio deum entendimento do st de ultratividade das cliusulas'* Em sintese, a questao a ser ressaltada nos anos 2000 é que nao houve uma refor- ima trabalhista e sindical geral, mas ocorreram mudangas pontuais ¢ movimentos 14, Ver Erode ort realizado por Krein ¢ Manzano (2013) 15, Uleatvidade significa que assole acordadas entre as partes continvam cm vigor mesmo aps 0 cencerramenta da contro coletivo, desde que sega nfo ej enegociads 16, Deacorda com Grislho Coutinho (2017) também Igeco (2017) “ “Tempo Social revista de sociologia da US v.30,n.1 (9sT¥ tee M4 deciseedefavoriveisaoeteablhadores, Ver José Dati Krein contraditérios, em que a agenda de flexibilizagao dos anos de 1990 ficou presente, com avangos ¢ recuos, tanto no espaco de normatizasao do Estado quanto da ne- gociagio coletiva No entanto, no mundo real do trabalho, a flexibilizagao continuou avangando, tanto pormeio de negociagdescoletivas edas possibilidades existentes no marco legal, quanto pela dinamica de transformagao da estrutura econémicae de sua consequente reorganizagio do trabalho. Assim, cresceram a terceirizacio e formas de relagio de emprego disfargada (como, por exemplo, a “pejotizagio"”), a fexibilizagao ou des- padronizagio da jornada (banco de horas ¢ escalas ¢ turnos muito diferenciados por setor econémico ¢ empresa) (Dal Rosso, 2017; Gibb, 2017), a progressiva elevagio da remuneragio varidvel e dos beneficios indiretos, especialmente nos setores mais dinamicos da economia, Ou seja, o mundo do trabalho real, constituido na atual fase do capitalismo, foi se alterando ¢ os empregadores foram intensificando a sua pressio pela alteragio das regras formais das relages de trabalho com o passar dos anos, especialmente nos periodos de crise econdmica. No contexto de crescimento do emprego ¢ dos efeitos positivos da clevagio do salario minimo na dinamizagio do mercado interno, a pauta pela flexibilizagao ficou latente, mas congelada, Ela voltou com fora a partir de 2013, quando os sinais de esgotamento dos governos do PT ganharam forga na sociedade, as perspectivas econémicas se tonaram mais nebulosas ¢ as forgas aglutinadas em torno das teses mais liberalizantes comegaram a ganhar maior expressio na sociedade. Por exemplo, em um levantamento realizado pelo Diap, em 2016, é possivel perceber que das 55 medidas listadas que ameagavam os direitos dos trabalhadores, 32 foram apresentadas ou reapresentadas a partir de 2013", A partir de 2014, a agenda de diminuigéo da protegio social aos assalariados ganhou ainda mais expressio, Nos encontros das candidaturas com as principais entidades patronais, o tema foi apresentado com destaque, especialmente pela Confederagéo Nacional da Industria, do Comércio ¢ da Agricultura, A propria presidente Dilma Rousseff, depois de reeleita, sinalizou com uma politica econé- mica mais ortodoxa medidas de desconstrusao de direitos, como, por exemplo, as medidas provisérias que criaram maiores restrigdes para os trabalhadores terem 17, ny Cpsjotizasio") a contatagio de um tabalhador como prestador de servigo em que o cantrato€ comeril, © mt (Micro Emprecndedor Indivdl),eriado s partir de 2008, que tina 0 objetivo nobre de ncozporaenaprevidéncia os atnomor informal, cambém alavancot um proceso de fra

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