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180 ‘Ana Maria de Oliveira Galvao Friorizandoo raion, a escola busca - mesmo que nem sempre consga-enqua dar meninos e meninas em padres prviamente estabelecidos. No caso daesrta "B. Duborgel diz que a arte de escreverna escola & segulamentada por uma tradiio positivsta, que afista da linguagem das imagens. O lero scolar é orientado para a mensagem informativa, diditice (..) por ‘muito tempo, nos textos ¢ manuais escolaes, a imagem nio pascou de ausiliar didiico. (.) A imagem, 'pervetda pela pedagogia" (G. Ja quinot 1977, néo permitiadescobrira fungioestétca da mensigern, ‘nein suscitar aos de imaginasio" (POSTIC 199324) A relagio entre alunos ¢ 0 conhecimento escolar, na maior parte das vezes carac tctizada tanto pelo téio quanto pelo pavor, pode ser expicada também pelos métodos de «ensino tipicos da escola da époc, fundamentads na meméria ena repetigio. O central na aprendizagem nioestava na compreensio de concetos, mas na memorizacio de informa- ts. A relaboragio do contd trabalhado e a sua vinulagéo ao mundo social era feita plo préprio aluno e no como agio prevsta pela escola As vezes, apreender a cultura «scolar (ver, por exemplo, BOURDIEU, PASSERON,1992; FORQUIN, 1992), signifcativa apenas no interior da propria escola, tornavase um jogo, uma brincadeira “Intrigavame com os problemas das fagées ordinéris, Decorava, po- zém, tudo que 0 velho quisesse. A gramitica, com as suas epras, as suas definigGes: sintaxe & 0 tratado em que se estudam as relaées das pala- ‘ras entte sino discurso: Discurso para mim era aguilo ques fia na tribuna, um homem no meio do povo falando, Sintae para isso, para se aprender a falar bonito. Decoraa as excegées, os exemplos- 0 este clantes de Sio Paulo fazem raramente exams em Recife fincepé, pu- savants, piano de cauda, busca, matsmmoscas, bemtevi, na Quinta- Feira Sant fai ao lavrpés,o exécito dos persis invadiu a Grecia, Jo (César vencew os birbars, ee etuda mas no aprende-E era mesmo: le studs mas nio aprende. Estudava esas coisas, todos os dias, sabia o livro de baixo para cima e nao aprendia" (REGO,1977:90). Amansando Meninos 181 Para aprender era preciso, em muitos casos, experimentar a dot. Terror, pavor, redo, humilhacio, Sentimentos que se mescavam nos divesos momentos em que, no cotidiano da escola, meninos ¢ meninas involuntariamente conheciam o que tradicional mente pensavase que deveiam aprender. Nio aprender signifcavavivenciar 0 sentimento do facasso dante das expctativas dos coegas, do profesor, da familia e do grupo social ‘mais amplo e,conseqientement, da humilhacio. Sgnificava também a possbilidade con- crcta de ser punido, na maior parte das vezs, isicamente, Desde asua primeira experiéncia de escolatizacio, Dedé/Carlinhos foi prcebido ¢ passou a perceberse como incapaz de aprender, Essa marca perduraria por muito tempo: "E muito rude’ - ouvio dizendo a dona Judite. - ‘Nunca vi menino sais rude' Aquela palavra rude se parecia com Rute. Ainda hoje as ligo. Era rude, Em casa perguntei a Tia Naninka o que queria dizer rude E gente sem inteligéncia" (REGO,sd:62). [Na escola que passou a freqientar depois, a mesma percepgio se confirmow no menino: "Ouvia a cantoria das meninas e nada me entrava na cabega' (REGOs.d.63). Aos poucos, Dedé comeyou a temer diante de sua possivel ignorinca: "Seria mesmo aquela pedra, aquela cabega de ferro sem que pudesse entrar nela uma letra, um nimero?* (REGO.«.63), A "burrce" do menino passou a ser objeto de preocupagdes da familia € motivo de comparago entre ee, outros "udes"conhecidos e a menina negra filha de traba Ihadores do engenho: "A Tia Naninha se preocupara muito. Owvi Firminadizendo: ‘Vai fcar como seu Goiabio.' Senhorzinko Goiabio morreu de velho sem saber let, Nio houve mestre no Ttambé que conseguisse Ihe ensnar uma le- tra, E falavam também de outro parente que pegara 0 nome de Joio ‘Beabé que nunca puderapassar di cata de abec. Botava a cartfha ea tabuada por baixo do travesero para verse en- travaalguma coisa na mina cabega. E nfo comia mais queijo. Queiio fatiaficar nude, Atéa negra Salomé se adiantava (REGO,s.d.63). 182 ‘Ana Maria de Oliveira Galvao A "bute de De tomouse to concreta para sua fain que, depois do ins. eso na primers escols que feientou, da insist em ito data no engenho em ensiarie ecomram is “nos de home” paa slo da ignorinci Pat 0 meni, sofriment, dor, angst, marcaram suas primeitas lags com o conhecimentor ‘Tudo me pareca difclimo. As letras boiavam nos meus olhos ba ahados de ligrimas, pois a Tia Naninka perdia a paciéncia com a mic ‘nha obtusidade e me dava piparoes.(.) Pedra 20 Henrique para me ensna, queria mios de homem para ver Se tera forges de enfiar pela mika cae sles eas mimeres.(.) Aquele suplicio era_pior do que o da asma. As vezes desejava cair do- ent para fir dasligées. No entanto era preciso aprender a let. A mi. sha cabeya era de pedra. Os primos do Santo Anténio andavam no co. ioe labaana ej sabiam muita cosa" REGO.) O por das igs da ecol extra asocado também 3 imens dna que Pei separa univeso da infin dquee da escola Se o movimento ea ago carat Ezavam 0 primeira, ron, oto ea intiadavam o tom do segundo. Osconteidos Ceca clad na traliio head desculse considraos vidos por ‘mesmos, independenemente da vinculao que pudesem mantr com o mundo clara da época, param dsants demas do coitiano dos meninos (MADRUGA,IVI; OLIVEIRA, sd REGO,1992) OLIVEIRA recordse do "nfo espital™cda "repugaincia as ios’ que seta em consid contrast ente o temas nels condos eo interes rovoca bel viva raid da tua Nos momentos de rerio, as conver "eran hem outa da duels que extram ects em nos lio de leita" (OLIVEIRAdl30} oe menings fopuvam css dos engenos, das hss de persongensconheids na rit. Par LEAL os poucos livros exstentespaeciam prepaados para rar a vonade de aprender’, ‘ecordandose de um que “impreio em tpo mid e bortado,exii rand concentra $0 vil paras prebrem as pala nel exit (LEAL 96143) Para Dedé,etuday Com a tia no engenho era etremamente fc. Tudo o "chamava para fra, tude se mos. tava de uma sedi inven gente pasando pea estrada, os caitos cantando, on Imolequsbrncand,Procesos de oposico aqui aparece: "ingia que olka x pigina 183 Amansando Meninos suja da cartlha mas os meus olhos sb viam 0 que nio estava escrito no papel 69) ae Corte Seifaa, em nits casos, em que psa metodolgia doa wt escola da Epoca, cansarse. Nese sentido, mais uma vez, 0 menino recota ao lice, bus- cando quebar oti caractrstico do cotidiano da esol: ‘Viva dias inters de meméria afetivaapagads, pres is eels que os livros iam-me dando. Es livros compensavamne dessas decengies, nas canseiras a que me forgavam. Historias do Brasil, geografias, gra- mits, a sas perguntas, a suas eras 0s seus exemplos tomar conta da pobre cabega que Maia Luisa punka ds tontas, sem querer (REGO,1977:89). Pre depen Ente ess enn, sins ronan om Ietura a escola, Analisando as prices de letura ness espago no final do i pa nas primeira décadas deste, BITTENCOURT (193) vrificou que 0 re cf a ade; por um lado, ea considerado objet nas sls de aula foi marcado pela ambigi um ado, econ tort ple mennesotigador dcr ‘piginas pia ou ies ims pro, i 7 lidades. imbém foi fone de prazer€ conhecimento de outas rl 7 ; a “Ape de taiionalen,oconbecinento ecco ser ansitdo com ps réncia de algo inquestionvel , portanto, defnitivo, os alunos, em seu contato a 0 apt, rer avis, qos ss qe inane i ceca pent com ire de ard, Provarement, profesor eae fham o mexno,slenioument. Paro menino Las, ea dif aceditar nas lies ‘geografia: ‘estramos od asec, mas nio poanes acer que «tera tivesse as confgurayes das carts geoprificas. Nio discutfamos, mas intmamentefcaa adivids, que nio ackivamos meios de ait ' Em cima de sua banca estava 0 globo. Era a forma da terra, sand 0 aque ela nos ensinara Ai era que as dfcaldadesaumentvam, Un a surdo para todos nds. A tera redonds, como aquela bola que estia- “Lembo que a pesquisa nfo inclu as memsrias dos professes 184 ‘Ana Maria de Oliveira Galvio ‘mos vendo, um verdadeiro mistrio para a nossa compreensio inp ent. 56 podtamos acreditar que a terra fsse como nés a vlamas, plana até a vista néo poder alcangar mais’ (OLIVEIRA,sd) Pereepgio quase idéntica tnha Carlinhos, em relago aos mesmos conhecimentos cscoltes Apesar da afirmagio dos livros, custava muito cer nas vedades que traiam: "E or mais que a Geograia contasse as suas histras, eos globos terrestres girassem em cima da mes, ficavaacreditando mesmo no que etava vendo com os meus propros olhos (REGO,197734). Na aula de catecismo do INSC, as divides pareciam ampliarse. Como rer, por exemplo, na virgindade de Maia, quando se conheca "os mistios da ctigio"? També era dif acreditar que pa filho no nasceram um depois do outro ji que pra © dogma calico, "as rs pessoas da trindade sioetenas'(REGO,1977), , 52. "INICIAVA ASSIM © MEU CURSO DOLOROSO CONTRA A IGNORANCIA": 0$ METODOS DE ENSINO Os métodos de ensino tilizados pela escola na épocaestavam estetamente rela cionados as punigdes adotaas por ela. Método para ensnar e punicio faziam parte do mesmo proceso, ‘Ao chegar na escola, como se vu, o aluno era submetd a um primeito exame, sgeralmente de letura, que oclasificava em determinado nivel, unto os seus ftutos cole 42s. Paa os no alfabtizados, a "carta do ABC" - sletrario era 0 metodo utilzado- ea ‘abuadkaeram os guas do aprendizado. Para aprender aesctever,o lun faa uma série de cxercicios de coordnagio motors 0 profesor tracjava a lps, em uma folha de pape tuma "série de arabescos" que o aluno “cobra pena" (BELLO,I982:87). A tabuada ¢ os eas de sletrario eram feitos em cor, cantados. Embaixo dos bancs, os meninos langvam os pés no ritmo da toada (GOMES, 1980; ALMEIDA, 1986; FARIAS, 197 CARVALHO,1975; REGO, sl) Se um aluno destoasse da cadéncia da eal : reen tando difcldades em somar vnténs e patacas (LEAL, 196:78) - ea castigado com a palmatoria . 7 Amansando Meninos 185 “O exerccio mneménico se baseava na cadéncia uma parttura espec- fica: ‘um bé com & bébé Um 8 com &, béthi.". Onomatopéia da ‘lima nota bem prolongada, como na também ritmica da taboada de somar: ‘um ¢ um, dois. Um e dois, tés" (GOMES 1980-27). s momentos da cantoria, da cantilena ritmo que ainda hoje tenho nos ouvi- dos" (REGO,1992333 - edo balango das pernas sio registrados, por alguns adultos nara- dores, como divertids, no conjunto das atividades escolares (ALMEIDA,1986; GOMES, 1980; FARIAS, 1973}; por outros, como desagradives- um *pandemdnio de wozear esgani- «do, inarménico, percutindo sobre os nervs autos de atordat" (LEAL, 196178) A repetgio ¢ o recutso & meméria constituiam, pos, a base do ensno,& seme- thanga do que ocorre nas demaissocedades onde predomina a tradigio orl. EGAN (1987) mostra como, nesses espagos, a educacio é "largely a matter of constantly immersing the young in enchanting patterns of sound until their minds resonate to them, until they be- come in tune with the institutions of ther culture® (EGAN,1987451). Nesas cultura, 0 aprendizado sedi, em grande medida, somaticamente: todo o corpo, atavés de movimen tos ritmicos,é utilizado nos procssos de memorizaco. Os cantadorey/narradores popula res, que nessas sociedades, desde Homero, desempenham papel fundamental na transmis: sio/recriagio de parte de sua heranga cultura, muitas vezes se utlzam de um instrumento simple, como o tambor, para reforgaro ritmo da narativa, contribuindo para introduit ‘os ouvintes o “encantamento® do som, dexandoos em um estado de semihipnose, mar cado pelo prazere pelo rlaxamento (EGAN,1987). Violets, repentistase poeas de corde, ainds hoje, desempenham parte deses paps no Nordeste brasileiro. ‘Acescola tipica da Antigiidade era, caracterizada, para MANACORDA, pelo "sa dismo pedagogico gencaizadot ¢ pelo Yenfado de uma diditica repetiia® (MANACORDA,19929): ‘Nessa escola (Roma antiga), a diditica era aguelaobsesiva erepetitiva aque jl vimos na Grécia. O mestreigérul' flea eos alunos repetiam: 4 meméria era 0 instrumento principal de ensino. Mas que tipo de ‘meméria? Sabese que na Antigiidade, antes da difusio da esrta, a ‘meméria era 0 tnio indspensivel meio de aprendizagemy, e para isto servi 0 verso e« misc, ou acantilena."(MANACORDA, 199292) 186 ‘Ana Maria de Oliveira Galvio O recurso meméria como a base do ensno perdurou, na Europa, na excoa ti Pict do peiodo medieval, onde os alunos eptiam juntos a frase dada pelo profesor e ‘ealizavam o mesmo exercicio até que o aprendessem de memoria (ARIBS,1988), Felisberto de Carvalho, profesor por mais de dez anos a escola prima anexa 4 Escola Normal na entio provincia do Rio de Janciro e autor de uma ste de lvos util zata por vitios dos autores analisados, fi, em seu "Pimeiro Livo de Leta’ eferncias 4 ausincia de material adequado a ser utlizado na alfabetizagio dos meninos e meninas no Prrfodo, Segundo 0 autor, entre outros aspects, consataras, "nos silabiios existent, ausinca de desenos e de frases que trouxesem algum interes paa os alunos as palais apareciam “mutiladas' as fasesdestacadas e incomplets eos assuntosapresentavamse ou teva demas ou acima ds comprensio dos alunos, Fi considrando tis caéncias que 0 autor propds a sua obra, trazendo, na introducio, indicades metodolgicas para o ensino da leitura elemenar, Discore, enti, sobre os principts métodos de esino da leituts ee. ‘mentarem vigor na época: a "antiga soletagio ou alfbitico', 2 “moderna soletagio ow fnio,« 0 "métedo por atiulgio ou de emis de sons (CARVALHO, 91LI1). Fax opcio por est timo, indicando sua maior racionalidad, por estar "mais conforme o desenlvimento normal dos bgios do ouvido eda fa, conduzndo a uma pronunciagi0 Imai perfeita (CARVALHO, 1911:14. Além disso, para o autor, o método “substitu! a mo. notonia do habito pela atividade intelectual, fase acompanhar de movimentosfavoriveis 4 aide ¢ substtui 2 disciplina do constranginento pela discipina do. praer” (CARVALHO, 191114) Em vez dese dvgir diretamente 4 meméria,fculdade dita exen Cilent pasv, o menino aprender com o aux do que nek i de mas atv: o ep ‘ito €0 corpo, O autor traz ainda instruies a serem seguidas pelo profesor no ensino da ‘eitura elementa:pronunciago dis vogais que deveram entrar na igo, com seus divesos sons; combinasio da consoanteindicada para modifica as vogas, slabago e enuncado da paler; raga dis eta e depois das pales, no quado nego, primero peo profesor, Epos eto auno; escape aluno das plas do exerci, dads plo profesor, pia ds palawas feta pelo aluno sobre o papel (CARVALHO,911) Apesar das orientages dsse autor de uma das séries de livros mais adotadas nas cscols da Paraiba na época, as pritca de liturarealizadas no cotidiano excolarestavem impregnadas de aspects condenados por ele: 0 recurso & memériae a soletragio como intodo de alfabetzaio bisico,Além dss, muitos mennos, como svi, jéchegvam 4 ¢scola depos de alfabetizados pela "carta do ABC" ou pels primeits livos de leitura, 187 Amansando Meninos Para os alunos mais adiantados, os livros de leitura, os cadernos “ eT e ém a tabuada norteavam o proceso de ensino. Além disso, eram ainda realizados ama sine ¢ exercicios de seiaio (BELLO,1982; REGO, 1977; ALMEIDA, a OLIVEIRA, sd). No INSC, Carlinhos, como os outa ‘meninos, faria os eens le caligria na propria mesa do ditetor que, com a régua,corrgia a posigio dos dedos na oe oo ae pn Livro de Leta - correspondent a0 “sino de ltura core te" Felisberto de Carvalho taz novasindicagdes metodolgicas para o profesor realizar a tarefa de tornaros alunos apto para lerem de ‘modo exato, cil caro convenientemente 1pido" (CARVALHO,19527),articulando bem e pronunclando corretamente as prs Para os alunos que se encontravam nessa etapa do aprendizado segundo 0 autor, 0 onto sor dvi le ocho exlido pra o dx vfs o alunos compeendem . o asunto, a sua generaidade ecm cada um dos pensments que odesenvohiem’, exp candoo, se algum deles no houvese entendido; fazer com que outro aluno coi fla cometid plo clea que estes lendo,corigindoa cle mesmo quando nen 7 so pas fis de ea i de ura neni is ps alunos durante esses exercicios, incitando-os a realizar perguntas sobre as explicagdes dadas (CARVALHO, 1952). Aospoucos, nos ios de era ques ue, o ator ena a necessidade do professor enercitar os alunos, cada vez mais, na compreensio e na exprssio -entonaoe movimentos de acleragoeretardagio da vor (CARVALHO, sd, fm aia ese anos isan orf, a msrp dos ca cfs pase ames oe pai om (OLIVEIRA, sl) - nao "dav aulas, ou seja, nfo havia um momento especifico da jornada escolar reservado as explicagies dos contelidos. A ele cabia, depois de realizar a re "tomar" a ligio dos alunos (REGO, 1977 ¢ 1992a; GOMES, 1980; CARVALHO, 5: OLIVEIRA, }ELLO, 1982) que incluia os diversos contetidos - Historia Natural, iat tia do Brasil, Geografia, et. - dos "livros de letura", Os alunos que tvessem apresentado dificuldades na aprendizagem durante a aula eram mantidos em sala ou na escola, no a dos alunos externos até que aligio fos dada corretamente sem erros (MADRUGA,1961; REGO,1977) os alunos, mas anes seu olhar deve ding glow seguir a leita, Durante essa Iitura 0 professor no perder de vis se contutemente Sir ve cla find sempre eamente” (CARVALHO, 188 1 ‘Ana Maria de Oliveira Galvao “Individvalmente © profesor atendia aos alunos que 0 consultaram «quando encontravam alguna difculdade em seu estudo, na interpret so dos textos, na promtincis das pals, tc ‘Para da lio, os alunos da mesma clase ou grau eram colocados poe a do professor que os ia interrgando,tomando a licio. Quando um delesnio da eee are a po ce» pga pasta Em algumas escolas, depois de aprox proximadamente uma hora de estudo, os aluos cram chamados, um aun, para "dar algo", que inluiaaritmétic e etura i tabuada era. reserva um dia espcfco da semana - sextafeiras, momento da sabatina ou "argumen '0" (OLIVEIRA.sd), Em outras, os meninos iam "pda e, dant de todos, espondiam a questbes - de aritméti : Pork le artmética € geometria - propostas pelo profesor (OLIVEIRA, sd; “Eu me sentava no banco duro do alpendre,aguardando a minha ver de dara lig de letureetabuads,enquanto asta ao gagugiar de ou- tro colegas que tam sido chamades. Mara nos mandavarepetir a paler, para melhorar a prontincia de seus alunos, E insitia nessa ‘cima, com indispsigéo para todos nés, que nio compreendiamos ‘ara gue aguele trabalho" (OLIVEIRA, s52) ‘Ao “adiante” do profesor, o aluno que estvesse ao lado do que hava erado, ten teva responder 3 questo. Em alguns casos, aqule que contigiao outro - dandodhe 0 "ue nau -cstgaveo com um bolo de plmatéia,pricipalmente mis saatinas, Btls soletraco, por exemplo, compunham ests momentos na escola: . "Soletre ba - mandow a professoa, Adivintando a ortograia moderna, ea acertou: tant ~Adiante Feu deio quinau: -ba/hi" (ALMEIDA,1996:57, 189 Amansando Meninos Pata 0 aluno, que assistia& leitura e argumentagio dos colegas vrias vezes no mesmo dia, trechos de livros ji fcavam registrados em sua meméria: "Ese trechos da Se- eta Classica, de tio repetidos, jf ficavamy intimos da minha meméria (REGO, 1977518). Para alguns, era uma verdadeia tortura ter que "decorarpiginase piginas pra a rectagio ‘mecinic, sem que a mattia fesse assimilads! (LEAL, 196193), como era comum ma escola da fpoc,naquee ugar. ‘Alguns dis da semana eram reservados is sabatina, Neses momento, a palma- ‘ria era largamente utilizada, Em algumas escoas, inclusive, o uso dese instrumento res tringiase aeses momentos - de "prova de adiantamento"- quando, de pé, meninos de umm lado e meninas de outro, cram —sucesivamente argiidos pela _professora (OLIVEIRA.d:122), CARVALHO (1975:12) narra que, em uma das escoas em que est dou, is quarts estbados, os alunos, dois a dois, sob fscalizagio do professor, demonstra vam o que haviam aprendido, recebendo o "vencido’, "antos bolos quantos eros tivesse cometido", Os sibados- dia originalmenteconcebido para ese fim - também eram reserva dos i sabatina em uma das scl freientadas por LEAL (1961) “.botavam todos assim com os bragos cruzados. O velho dizia, o pro- ‘fessor: ‘cinco vezes oito’ (..), 0 menino dizia tal ¢ tal, ‘adiante, adiante' aquele que acertase cle dizi: ‘bolo! 0 sujcto com a mia." (PITANGA,1980). Também faia parte da rotina escolar, para os alunos mais adiantads, os exec: cios de artic -ascontas realzados nas lous que os alunos traziam de as: “0 ikimo trabalho escolar de cada da eram as conts, para 0 que wi Jizava cada aluno a sua ‘pedra, uma limina retangular de ardésia de uns vinte (20) centimetros de largura e dois tergos dessa extensio em altura, emolduada, sobre a qual se escrevia com 0 “rayon’, um pe- ‘queno estilete feito do mesmo material da pedra” (BELLO, 1982:88). [No final do ano, realzavamse os exames, coordenados por uma banca examina- dora, em geral composta pelo profesor ¢ por dois membros de fora que atribuiam aos alunos os conceitos de "reprovado', "aprovado simplesmente’, “aprovado plenamente, 190 Ana Maria de Oliveira Galvao “aprorado com distingio e"aprovado com distngio ¢ louvor'- marcas clasifcadoras dos meninos, no interior € no exterior da escola: "Os alunos que logassem ata classificagio distingio, ou, sobretudo, distngio ¢louvor,passavam a gozarna cidade de uma admiragio «ede um prestigio, de uma simpatiaverdaderamente consagradora® (BELLO, 1982:88). O exame € descito como uma ocasiio a0 mesmo tempo temida, esperadae est- va (CAVALCANTI989) Os alunos, vestidos slenemente, eram chamados individualmen te para, depois de sorteado 0 ‘ponto" 0 pedago de papel que indicavao tema da matéria a ser apreentado, responder &argiigio da banca examinadora, Quando adult, em situagio de angista vivida no engenho, Carlos de Melo recordouse da infinca, quando esse senti- ‘mento 0 acompanhava dias antes do’ momento do exame: "Repetiase 0 meu nervoso dos ‘xames, Olhavaa sala de aula com pavor. Tremia para tirar os pontos, sonhava noite antes ‘com provas escritas que nao podia terminar, que nao chegavam ao fim" (REGO,1993z:75), Temor, angista, apreensio. Med -"mas do que qualquer outro afeto, no medo ficamos expostos & imagem de nossa impoténcia" (CHAUI,1987:60), Sentimentos que inva- iam o menino a cada momento que tnha que "dar algo’, Através dos “processos cir cos" do profesor Maciel, com um més de aula no INSC, Carlinhos ja ia corentemente; embora estvesse obtendo sucesso a seqiéncia prevista pea escola na aqusigio do conhe- cimento, ada ocasizo de confronto com o professor que Ihe aria a ligio-o que sempre se asocava& possbilidade de punigi, muitas vezes Fisica e piblica -constituia uma an- sistia para o menino: "Fu tremendo para a ligio,Estaya quase no fim do livo.(.). A ligo sara sem wm erro. Tremida, mas certa, Fui sentarme com a impressio de que tivese andado em uma corda por cima de um abismo" (REGO,1977:17-18). A relacio estabelecida entre professorese alunos, marcada pelo distanciamento e pela opresco explicitafaviam com que os momentos de aprender, basedos na agi individual, pblicos e marcados pela bumilhagio do professor e dos propris alunos se revestsem de grande temo: "Quando ouvi-Senhor Carlo de Melo! - foi como se me chamassem pra uma sure. Levantet-me tremendo. -Sentese aqui! Lia su lig, Fu lndo sem saber o qué. Ja, a boa mie’ Mas trancava tudo, pu- Jando as links, Amansando Meninos 191 £0 ctimula, gritava o velho, deixar-se um menino deste tamanho sem saber nada, $5 bicho se cria assim. Por que esto senhor chorando? Volte para o seu canto, Mais tarde, vou-he tomar a ligio outra vez, Voltei nio vendo ninguém na frente. Senteime, ¢ pingavam em cima cde Jia, a boa mie! as minkas ligrimas compridas, Iniciava asim 0 mew curso doloroso contra a ignorincia" (REGO,1977:10). Nem toda priica escola, no entanto, era caraterizad pelo tradicional recurso & snembra,dreptcoe pelo tenor generalizdo, No inicio deste slo Para aii a tua grande tentativa de renovacio em seus métodos pedagogicos, nas escola pablicas, em meio a diversas mudangasimprinidas pela Diretora da Insrugio Pblica, quando esteve 4 sua frente 0 profesor Francisco Xavier Jinior.Além do maior papa imprimido 3 fiscaliza Gio, a ditetoria construiu os primeirs prédios scolares, estimulou a nomeagio de norma- lists para o interior, instituiu c regime de concurso para prenchimento das vagas nas escoas, intensificou a criagio de cadirasnotumase buscou, entre outras medidas, grande renovagio nos métodos pedaégicos, através do intercimbio mantido com outas cidade: em 1912, por exemplo, o Diretor da Instrugio Pablica foi enviado ao "sul do pais para estudar 0s ‘mais adiantados procesos de ensino’, com o intuito de adaptios & realidade di Estado, Nese periodo, foram também contatados dois profssres de Sio Paulo para orienta a "téenica escola" (MELLO,1956), Apesar da grande parte das escolas,notadamen te as particulars, com pouca exceges (como o Instituto Pesalozi, que funcionou na capital entre 1913 ¢ 1919), ainda permanecer presa aos antigos métodos de ensino,algumas dels, prinipalmente na capital experimentaram mudangas nas formas de ensina "A nossa escola ramurancira hi de desaparecer, para ceder 0 lugar ies cola moderna i escola civiliada, centro de atrago e de prazeres para as crianga, onde elas tio bem se sintam como entre os carinhos dt casa mater." (XAVIER JUNIOR, 1913355). Para o Inspetor Geral do Ensino, havia, em 1911, uma transformacao generaliza- danas escolas, dos proctsosdeensin, 192 Gal ‘observando-se uma tendénciareularmente pronunciada para 0 mé- ‘odo intuitivo tio reptidementeaconselhado por esa eslarecida Di- retora fiscalizado por esta Inspetoria que, no assunto, hé contado com 0 zelo dos maisinspetore escoares da Capita" (SILVA,1912:353) A proessora de Frederico titular da segunda cadira da capital fi uma das pri- meiras a introduzir no Estado o "método analitico direto" (MONTEIRO, 1976:31), ji di- fundido em Estados como Sio Paulo, No lugar da "cartilha de ABC" ¢ da tabuada, foram introduzidoso "Livo de Roberto" e 0s quadros para 0 ensino "das primeras noes de cciéncias naturais e matemitica." (MONTEIRO,1976:31), O menino Anténio também estu- dou, em 1913, no interior do Estado, com professor modernizador dos métodos pedagégi- cos: além do recreio, das festas civicas ¢ da mudanga de prédio, 0 professor, "recém saido da Escola Normal” e que "ainda cheirava a livros didaticos" (GABINIO, 1984: 57), introduziu uma nova relagio entre profesor e aluno, bolindo 0 uso de castigos fisicos. Com a mo: Aernizaio dos métodos de ensno nas aulaspiblicas do Estado, muitas escols aboiram, 20 lado da plata, os dia de sabatnaz 0 método de ensino usado pela mestra que o governo mantinka, para 1s era muito mais humanitrio, pela tleréncia com as falas comet hs pelos alunas, do que aguele que até entio conheciames, na aula particular, $6 a auséncia da palmatriasgnifcava uma vtéria de nossa tendéncia para a vadiagéo, As sextasfeiras, no havia 0 argumento, Uma preocupario a menos com os deveres de semana, que terminava com uma provaio de fogo." (OLIVEIRA,{d:117). s esforgos em modificar os process de ensino sbarravam, enretanto, na pre- cariedade dos pros ¢ dos objetasescolares, como se viu,herdados do séeulo anterior. A insistncia na tefeénca a filta de mobiliio, de préios proprios - em boas condigbs higignicas- ede apaelhosadequados ao ensin intuitive aliadas& "incapacidade dos pro- fesores”e & falta de fscalizago, era contante nos relatos do Diretor da Instrusgo Pie bia (ver, po exemplo, XAVIER JUNIOR,1912e 1913) ysando Meninos 193 As escola paticulares, que nio sofram quase nenhuma fscalizacio por parte do governo™, pareciam continua seguindo os tradicionas processos de ensino e a pritica dos castgos fsicos era elemento fundamental em sua rtina, Para a familias proprietiias, ese tipo de escola, em especal em seu formato de internat, era o que melhor parcia servit is fungGes de dscipinamentoe vigilinca,além da instrugio propriamente dita necesita a seus fills, so se torn explicto quando a familia de Carlinhos fez a opgio em enviéo 20 Instituto Nossa Senhora do Carmo: 0 colégio de Tabsiana crara fama pelo seu tgo- rismo, Era uma espécedeiltimo recurso para meninos sem jeto' (REGO,1977:). Quando ‘© corone! José Paulino visitou o menina Carlinhos no internato, depois de reeber uma carta do neto queixandose do exceso de castigos fsios que vinha sftendo, assim se pro nunciow zo Diretor da escola, revelando 0 que, na época, predominava nas representages das pesoas a respeito dos processos centendrios de ensino: “Nao me importo que dé no ‘menino. Botei aqui par aprender, € menino sb aprende mesmo com castigo. O que nio admito & judiagio." (REGO,1977:20), No mesmo sentido, em determinado momento de sua esolrizagio - que vinka se dando em aula piblica - 0 menino Luis fi surpreendido pela noticia de que, com seus irmios, pasara a fregientar uma escola partculr, no inte rior do Estado, para que "aprendesse mais", Aina, a ".amestra que recebese dinbiro dos pais de seus alunos, ceramente teria mais interese pelo adiantamento dests, do que as outras que ganhavam do governo” (OLIVEIRA.sd:118), Na escola particular, ao contitio da pblica, a profesoragritaa bastante, "para dar a impressio a quem fosse pasando, de «que estivamos aproveitando bem o tempo." (OLIVEIRA,d:128), A renovagio pedagbeica or que passaram as estas piblics da Paraiba nas década inicias deste stculo no ficou mune, pois, is eiticas da populagio em geral, qu “confava’ mais nos antigos procssos de ensino, Enquanto os unos "estimavam’ 0 novo professor recém diplomado, pois nun- ca haviam visto uma escola "io liberal e alegre’, nos "boticos e rodas de calgada’, pais de * 34 em 1881, o Direor dh Instrugdo Pablica defendia, em relauto a0 Presidente da Provincia, “ensno live”, solicitando a supresso de artigos do regulamento, eto vigent, que exgisem dos {que se dedieavam ao mazistro particular, icenga para abrir estabelecimentos, Para o Diretor da Insirgao Pablica, qualgser pessou poder abr escola, sendo ela mesma “o snico fiscal das ‘mesmas escola” (apd MELLO, 195657). Em 1911, nove lei foi promulgada (a. 360) reform Jando a nstrugio no Estdo da Paafba. O seu artigo # normatizava a instrugso particular no Ex ado: "No terri do Estado € completamente live aos paniculaes o ensino de qualquer gra, ‘eando apenas syle & iealzagso do govern no que diz respeto a higene, morlidadee esta \Gstiea." (PARAHYBA,1912). Desse modo, 194 ‘Ana Maria de Oliveira Galvaio alunos *.sussuravam que aquil, em breve, relaxaria em indscplina atenatéia a0 bom ‘ensino ministrado pelos mestres anteriores.” (GABINIO,1984:57), Nessasescolas moderizadas, constatavase com maior forsa a presenca dos pro- fessoresadjuntos® Em alguns casos, enquanto a professora tomava a igi dos alunos mais adiantados, sua filha dava explicagies aos mais attasados que soletravam a cattiha (OLIVEIRASA,REGOsd), “Maria Luisa fcava comigo a martelar as letras, a indicar forma dos simeros, 2 me pegar na mo para os garranchos. Suara as mios de tint, lambuzava a roupa e aos poucos foram me chegando as paivas, ‘Agora sabia iar as slabs e escevero abecediro. Gostava do x pela ‘acilidade de riscarthe a gratia, Mas haviao I, ¢ 0 n que me confundia com as perma, € 0 m que parcia, com milhares de perma, com um embud. O Fito é que Sinhi Gorda operare um milagre." (RECO.d-70) [Nas escolas da Paratba da época, no era comum que os decurides exercessem fancies dirtamente relacionadas i tansmiscio do conhecimento. Na maior parte dos casos, esses meninos eram responsiveis pela vigiincia disciplinar de seus colegas. Poucos ram os alunos mais adintados que ajudavam o profesor na tarefa de ensino (GOMES,1980). Os adjuntos realizavam um pouco a funcio originalmente atribuida aos decurdes:asessorar © profesor, nos aspectos pedaégicos e dsciplinares, em sua tarefa disria, Na educagio jesuitica ja se langava mio do auxilio desses alunos que, maiores e mais adiantados ajadavam 20 professor -responssilzandose por uma "deci" - em sua trea de ensino e de controle dos alunos. Esse tipo de ensino, baseado na acio de alunos monito- res € adjuntos,consituiu uma tentativa de reordenar o tempo excolar, intensificando-: cada instante pasou a ser povoado deaivdades mile ordenadas. ‘No colégio dos jesuitas, encontravase ainda uma organizagio 20 ‘mesmo tempo binéra e mai: as classes, que podiam ter até duzentos, © A Lein.360, de 1911, que refrmou a instragdo pblica no Estado, dxpunta que o governo pode tn nomearprofessoresadjuntos nas escolas que contasem com feiéacia superior 45 alunos (PARAHYBA,1912) Amansando Menino 195 cow tezentos alunos, eram divididas em grupos de de; cada um deses grupos, com seu decuri, era colocado em um campo, romano ou 0 cartaginds;a cada decir corespondia uma deca adversa. A forma gerleraa da guerra e da rivalidade.." (FOUCAULT, 197133) NNo final do século XVII, na Inglaterra, 0 pastor protestante Andrew Bell © 0 quaker Joseph Lancaster, em expeiéncias diferentes, retomando priticas jé desenvolvidas tna India, introduziram o sistema monitorial em diversas escolas, que rapidamente se espa Ihou por todo o pals (HUBERT, 1976) Inicialmente, a partir da década de 1780, 0 método, aque buscava atender de forma mais barata 0 maior nimero de ciancas possive, fi utiliza do nas escolas dominicais, movimento ligado principalmente aos metodistas que, atenden- do a criangas pobres, obetivava o ensino da leitura da Biblia e outros textos rligioso, a incorporacio de hibitos de piedade ¢ o treinamento para a aqusigio de atitudes para a indistra, Aos poucos, a partir das experéncas bem sucedidas das escoas dominiais, 0 método se difundiu também nas escols que funcionavam durante a semana. Em 1798, Lancaster fundou uma escola para pobres, adotando o método. Também no final do séeulo XVII, Ball adotou o sistema em escolas de caridade ligads &Igrea Angicana, O sistema monitorial dominou a educagio popular na Inglaterra por cerca de meio séulo, atingindo também as escolasnacionas,espalhandose gradativamente por outros pulses. A classe era dividida em detacamentos,geralmente formado por dez criangas, sob a instrugio de um monitor, muitas vezesauxliado por cartdes pendurados na patede, Todo o proceso era regulado por um sistema de prémios e punisées (LAWSON, SILVER,1973), No Brasil, 0 método de ensino mituo, recebido com entusiasmo e considerado quase miraculoso, foi insttuido ofcilmente em 1823, Entretanto, em 1833, depois do fracasso de diversas expe ritncas, 0 governo jf io aconselhava a fundagio de escolas baseadas no sistema (TOBIAS,1972) Meso nas escola "tradicioas’ onde imperavam 2 memoria ea repetigo, foi posiel vifcar a coexisténcia de modos diferentes de aprendizagem. Carlinhos expr ‘mentou, no internato, outras formas de aprender. Na aula de catcismo, 20 mesmo tempo em que se deparava com a reptigi/memorzacio, o que o remeta a experéncasvividas no engenho, o menino descobra que informagies e conceits podiam ser aprendidos de outras manera: 196 ‘Ana Maria de Oliveira Galvio "Daramse as ligdes de religio no mesmo jeito com que no engenko 20 papagaios, ‘Tapagaio rel, eio de Portugal, déme um belo, meu lourol Eo papagaio repeia tudo, sem saber o que era real, nem nada de Por- Inga, estlava 0 bejo no fim. A nossa religio vinha-nos desta maneira. Fo Padre ndo exist antes do Filho nem do Espirito Santo? Repondiase: “Nig; 0 Padte nio exist antes do Filho nem do Espirito Santo, por ‘que todas estas trés pessoas divinas sio eternas," (REGO, 1977:43). Para expar que, em cso da héstia parti ou do vinho deramar, Jesus Cristo subsisiva por into em cada pat, a professors de rligio utlizou uma imagem, que ‘marcou profundamentea percep do menino: “como o espelho, Voce olha a sua cara num espelho grande, e é s6 um resto que vce vé. Quebre o espelho em mil pedacinkos, eem cada tum vocédescobrirga sua cara da mesma forma. ‘ah primeira vez naqulaspreparagies para o conhecimento de Deus tuna coise me Ficava clara, numa evidéncia de dias sem nuvens. Vali ‘por esta forma, o poder intenso da imagem. Pensra por que um santo ha lta no inventara um catecsmo assim, feito de imagens, mais um coxmorama do que aguela sintese de teologia que nos obrigavam a de- corer." (REGO,1977:46). 53. "0 BOLO DE SEU MACIEL IRIA AMOLDALO A SEU JEITO E }EMELHANGA': AS PUNICOES ‘A punigio se constiuia em um dos plares bisicos da agio educativa da época. Diversos eram os motos explictados que leavam os meninos a sfterem castigs e 08 instruments utilizads para penalizar corpo e esprit. A aplcagio do castigo corporal, sgeneralizada naquele momento, naquele lugar, era invaravalmenteacompanhada de pla- vas humilantes, confuindo as duas ages para 0 mesmo objetivo de penalza e, 30 mes- Amansando Meninos ior ‘mo tempo, origi. A exemplo do que passou a acontcer em muitas instituigées na socie dade ocidental a parti da modernidade, a punisio foi vst, na escola, como um elemento de transformagio do suet que cometeu a tansgreso: "Nio se pune portanto para apa- gar um crime, mas para transformar um culpado (atual ou virtual) o castigo deve leva em sivuma certa técnica corttiva" (FOUCAULT)1987112. ‘A palmatéria era o principal instrumento de punigio no cotiiano escola, Re presentava,corpoifcava, simbolizava 0 poder do profesor, o poder da escola, o poder da ameaga¢ da dor na taefa de tomar instrudos meninos que seriam doutores; docks, os corpos perdidos no mundo do engenho; sofisicados, gostos egestas acostumacls 4 rust cidade. Todos os narradores analisados softeram, em algum momento de sua trajedrias cscolres, bolos aplicados de palmatéria como forma de punigio por comportamentos indesejives, auséncia de aprendizagem de algum conteido escolar, indisciplina do corpo em se submeter a algumas tareis presrtas pela escola, De forma continua (ASSIS1979, GABINIO,1984, CARVALHO,1975, REGO,1977) ou restita (OLIVEIRAS, SEIKAS,1972, a palmatiia marcou, com muita fora, o cotidiano escolar dagueles meni- os e meninas Em algumas escola, a palmatiria s era utilizda em relagio& aprendizagem em dias de sabatina ou, em dias comuns, para punir comportamentos considerados inalegua dos (OLIVEIRA, sd, SEIXAS, 1972), No entanto, durante toda ajomada escolar o objeto ficava exposto em cima da banca, ".esperando apenas os momentos de correio", Os me- ninos olhavam para "ese instrumento de humilhagio com a prevencio de vitimas" (OLIVEIRA, sd:122), Na escola em que etudou MADRUGA (1961222), a palmatéria “pesida e negra também ficavaem cima da mesa do professor. Se, ao serem aplicados os boos, nio fsse produzido um "asobio,ocasionado pelo furo que trazia em seu centro, a aplicagio do castigo era repetida, que a auséncia do barulho demonstrava que 0 bolo no hava sido bem aplicado, Em outa ecoas a palmatoriafcava pendurada na pared, reve: landose extremament eficaz na prevengo -ameacando - dos comportamentos indesejados: "Uma palmatoriaenvernizada antes de moer a palma dos discipulos moiahes a vista.” (COMES,198029) Para alguns adultos naradores, asim como para os pais dos alunos da époc, a prestnca da palmatdrasignifcava a seguranga de que aagio da escola seria eicaz. O melo atuava como elemento de aprendizagem: "Paeceme, porém, que 0 maior apoveitamento que obtive foi numa escola onde a palmatria extra sempre em servo, esmagando as 198 1mios dos alunos, por qualquer asnera."(LEAL96:99). A auséncia da palmatri, estima lada pelos novos métodos pedagogicos em algumas escola, parecia ocasionar, para alguns, 0 pouco "adiantamento de seus alunos: sala ganhando a "vadigio da infinca inconscien- te’ (OLIVEIRAd:117). Naquela socedade, como se vi, a erianga, assim como os outros ‘membros da familia, agia em fungio do poder do pai/proprietiio de tras, que comu- mente aplicava castigs fscos naqueles (os trabalhadores do engenho, muitas vezes ex- escravos) que deveriam obedecer as suas ordens para que fosse posiel o funcionamento da produio. Ness context, pareia natural que, para a fica de uma agio modifcadora de corpos e alas, foss indispensivel 0 uso do castigo fisco Ji na Antigidade, constatase 2 presenga dos castgos fiscos na escola, como meio de aprendizagem e de modificagio de comportamentos, No Egito antigo, entre 2654 ¢ 2600 C, os ensinamentos morais ¢ comportamentais transmitidos de pai paafilho e do reste escrba para seus discipulos, no interior da classe dominante baseavam- na rept 0 € na utlzagio de castigos comporais. MANACORDA (1992) mostra como, em docu rmentos da época, exstiam prescrigées, para os alunos, como a seguinte; "Nao passes o dia na ociosidade ou seis surado’. Para os mestes, a indicago era de que a".orlha da ct- nga fica mas sus costs e cla prestaatengio quando ¢ sutras." (MANACORDA,199232) CComportamentos consderados inadequados para os estudants, como “andar i toa’ ow "eair na gandsia" também consttuiam motivos ara a aplcagio dos castigos Fsicos, 0 jo- vem indisciplinado quase sempre era comparado a animas rebeldes que necesitavam de chicote para serem domestiads (MANACORDA,1992:39). Hava ainda, outros coretivs, como a relusio e os grilles. Na Grécia antiga, embora as les de Solon prescevessem que 6 escravo- em geral o professor de primeiras letras - no poderia bater na cranga livre, “achicotes e vires, como entre os epipcios eas hebreus, eam 0 meio principal de intrugo. Pnturas de vsos provam isto: 05 colegassepu- ram, pelos brags e pels peas, a criangaa ser punids,levantada com 48 costs para cima, enguanto um tercere, sob as ordens do meste, 2 chicoteia (.) Numerosos textos ¢ fagmentos liters demonstram ‘sso também" (MANACORDA, 199235859) Fri, no entnto, a partir do surgimento do colégio meoderno que apritica dos castigos fscos se generalizow nas escola, consttuindose em meio fundamental de apren- Amansando Meninos 19 dizage,Atéo final do século XIV, as aluses as coregdes corporis sio muito raas, Nessa época, durante todo 0 periodo medieval, a pena corporal tava estreitamente relacionada 20s atos de resignacio, arependimento e autoflagelagio des santos e das autoridades mo- nisticasnio tinha ainda o cater humilhante que assumiri depos (ARIES,1988) Durante os séculos XV e XVI, entretanto, 0 castigo fisico se tomou cada vez mais freiente no coti diano das escolas,assumindo, por vezes, um cariter brutal, No mesmo petiodo, o profesor tomouse cada vez mais identficado com a hierarquia a autordade e instauaramse a delago ¢ o principio da vgilincia constante, A generalizacio do castigo corporal no esp go escolar acontezeu 20 mesmo fempo em que na sociedace europtia se diseminow uma concepcio hierrquica eautoiria de governo, que teve stn expresso mixima no absolu tismo monarquico (ARIES,1988). No século XVII, as corregies ou punigdes passaram a ser consideradas um meio pedag6gico indispensivel. ARIES erumera as cinco principais ma- neiras de pratiar correc: as proprias palavras, a peniténi, a férula,o chicote ¢ final mente, a expulsio (ARIES,1988). A generalizagio da pena nio foi exclusiva, no periodo, da insttugio escolar. Como se viu apatir da modernidad,vgilinca, disciplina, controle e castigo tornaram se extensivos aos diversosespacos do corpo social: "Na oficina, na excol, no exrcito funciona como represora toa uma ‘micropenalidade do tempo (atrasos,anséncia,interuppdes das tare ais), da atividade (desatengio, negligéna falta de zelo), da manta de ser (grosseria,desobediénia, dos discos (tagarelice,insoléncia, do compo (attudes‘nconeas, gests nio conforms, sujira, da sexual dade (imodéstia,indecéncia) Ao mesmo tempo & utilizada, a titulo de ppunizi, toda uma série de procesos suis, que vao do castigo fisico leve a privagdesligeras e pequenas humilhagdes" (FOUCAULT, 1987159) Na Paraiba o uso da palmatéria foi aconselhado como meio de aprendizagem ¢ cde modifcago de comportamento pela primeira ver, oficialment, em 1837, em decreto da AscembléiaLegilatva,legislaio que regulamentou o ensno piblico no Estado depois da cide 15 de Outubro de 1827, Apesar de instituir como obigago dos professores tratar os alunos com "dociidadee prudéncia' determinava que, em 280 de infacio de alguns dos deverespresritos, pelos estudants (que inclufam a obediéncia aos metres 0 *siléncio € a 200 ‘Ana Maria de Oliveira Galvo decéncia precisa durante as lige ano promunciagio de palavas obscenas nem a prtica de agdesindecorosas, etc, estes deveriam ser “admoesados" em até duas vere. A partic de enti, 0 profesor tinka a permissio de aplcar até “cs palmatoadas* por dia "usando porém deste castigo com a necssria moderasio ¢em proporcio 3 idade dos alunos’. Nos dias de argumento ou em "desaios’ entre os alunos, o mero de bolos seria de, no mit 1mo, doze por dia, Aos professores e professoras cabia ainda organizar um regulamento imterno de cada esol, onde fossem minuciosamentedesritos os castigo correspondentes 20s deltas (PARAHYBA,1897).Jéem 1848, o Presidente da provincia, em mensagem envi ada Assembleia, criticaa a prtica dos castigos fscos nas escola: “0 castigo corpéreo nio & 0 meio de ensnar, s6 a barbaridad pode adotélo; ele alm de nao preenchero fim, enewva as fongas dla e tornao énimo propenso a dures e hibits desumanos, o metre deve ensinar 0 menino e conduzilo pela brandura da palavrae pelo exem- pil, aproreitando com habildade asilusés prépriasdaidade, para en- ssinar a boa doutrina." (VASCONCELOS apud MELLO, 1956:34). No entanto, uso da palmatdria perdurou na pritcacotdiana das escolas ainda por muito tempo. Nas escols privadas, sua utlizago perdurou pelo menos até os anos 30 deste século. Quando as familias dos alunos chegavam ao INSC para matrculélos,eram awvisadas pelo Diretor que ali meninos eram castigados para que pudessem aprender (REGO,1977), apesar de, desde o século XIX, muitos condenarem o uso do castigo corporal do ensino: o Bardo de Macaibas, por exemplo, dono de um dos colégios mais famosos no Brasil Impirio o Abilio, no Rio de Jani, hi muito condenava a utilizacio da pena fisica como meio de aprendizagem (POMPEIA,1986, MOISES,1988, SANTOS,1988, NUNES, 1993). Nas escoaspiblicas, na Paraiba, seu uso fi, poco a pouco,abandonado, e conside- rado inadmissivl a pati do final da primeira década dete séulo, com a introducio dos novos métodos pedagégicos. Medida que nlo deixou de receber cttcas por pare de inte lectuas famosos no Estado, como o historidor Coriolano de Medeiros que, em carta 20 Presidente do Estado, Castro Pinto (1912-1915), a0 argumentar que as escolas recebiam alunos de"..todas as espcise de todas as asses, indicava que Amansando Meninos 201 "pura obstar que a erianga vciada continue pel trilha do ero, ¢ para Jmpedir que outra sea contaminada, necessiio éo recurso do castigo corpora, porquanto para esesentezinhos jédespids de sentimentos ¢ para os ue ndo podem ainda compreender o hortivel do ero, si in (ciss palavas." (MEDEIROS apud SEIXAS.1972:178) [No engenho, nas fras,Carlinhos verfcou que a condenacio da utilzagio dos castgos corporas na priticaeducatva era conhecida também de alguns de seus parents, como o tio Juca: “Diss a papa para le tirar de li. Hoje nose castiga mais menino com bolos estécondenado pelos livros. Mas o que o velho quer & que vocéaprenda, Bolo para cle nfo quer dizer nada.’ (REGO,1977:107).. Como j se viu, no era privilégio do professor a utilizagio da palmatoia, Os alunos que demonstrasem maior aprendizado também aplicvam bolos nos colegas (SEIXAS.I972, GOMES,1980, ALMEIDA,I986, CARVALHO,1975, OLIVEIRAsd). 0 professor, nesses momentos, paecia tomado de prazerdiante do espticulo: "A palmatdria cantava na mao dos rudes e vadis. A mestra reclamava o bolo aplicado com mio lev. Mandava repetiro gos, ameagando castigo para 0 que estava levando o servo na cama radagem." (OLIVEIRASA:122), Muitas vee, 0 aluno esperava 0 momento da sabatina pata vingarse do outro por motivs diversos: "Quem guardasse maigoa por isto ou aqulo, «speravaaquele ene, para uma vinganga lealzada" OLIVEIRA, s4:122) [No entanto os instrumentos de punigio utlzados na escola na época io se li mitavam & palmatdria, Muitos outros recursos eram usados na tarefa de punir de amansa, de transforma -meninos. ASSIS (1979) registra a prsenga da vara - “uma vara comprida’-aplcada nos alunos pelo profesor ra escola onde estudou, Além da vara simp, uiizavase da vara com carl, que “tocave fogo na orelha dos insubordinados' (GOMES,198030) e que, * quando baia na cabxga do fltoso, Ihe ia artancando os cabelos, 0 que fazia com que, numa pritica defensva, todos os meninos usassem a cabega bem raspada" (BELLO,1978:141), Essa mesma pritica também foi encontrada no interior de Sio Paulo, como rgistrou Arthur Ramos (NUNES,1993). ‘A aplicacio do castigo nas mios era feta, por vezes, sem o aunilio de qualquer instrumento: o tabefe ca utilizado na escola em que etudou ASSIS (1979). Em outros 202 ‘Ana Maria de Oliveira Galvao casos, a régua substtua a palmatri, aplcada no aluno em divesas partes do corpo: na cabega, nas mios, etc. (CARVALHO, 1975, GABINIO,1984, REGO. ¢ 1977). Hivia ainda outros mos insttucionalizados para penlizar os meninos trans- sressors,Ficar de pé no meio da sala ou perto da banca do professor era castigo comum aplicado aos alunos insubordinados. Pungo que poder dura o dia inteto, no cao dos alunos intemnos (MADRUGA,I961; REGO,1977, GOMES,1980; OLIVEIRAsa). Havia variagBes nese tipo de castigo: ficar de pé com um tamborete (CARVALHO,1973), um pacote de livros ou um "capacct (GOMES,198033) na cabega e bragos estendidos (ALMEIDA,L986), tanto na sala de aula como na porta da escola, "ante 2 chacota dos, passantes" (GABINIO,1984:57). Os meninos também ficavam, no meio da sala, em cima de uum tamborete¢, dependendo dos motivos que provocavam a punigio, “de cosas viradas para as meninas* (REGO, 197739). Na porta da escola, também ficavam 05 meninos de joelhos ou de bragos abertos (GABINIO,1984), ra comum ainda que se pusesse na cbeqa dos alunos indisciplinados um par de orelhas de burro (BELLO,1978. ritual da tortura ou do suplicio, com a exposicio piblica dos condenados, ‘como demonsttou FOUCAULT (1987), tem por fungio principal tomar explicit, para os demais membros da instituigio ou da sociedade (como acontcia na Idade Média), que certos comportamentos ¢ atitudes nio sio deseéves (porque questionam e abalam) no interior de determinada ordem social "0 prjulzo que um crime traz a0 corpo social & a desordem que in trodue nele: 0 escindalo que suscita, 0 exemplo que di, a incitagio a recomesar se nio & punido, a possibildade de genealizagio que taz consigo, Para ser ilo castigo deve ter como objetivo as consequénct as do crime, entendidas como a série de desordens que este &capaz de abrir” (FOUCAULT, 196785}. [Nese sentido, a pena a ser aplicada no indviduo culpado pasou a ser pensada, a partir da modernidade, no em fungio do crime que foi cometido, ou sa, em relao a0 pasado, mas sua possivel repetigo, a fim de que fossem evitadas desordens futures. Era preciso fizercom que o riminosonio tvesse vontade de tornar 2 cometraatitude con- denada nem inspirsse a conduta de posiveisimitadores pun passou a ser entio uma ante dos feito" (FOUCAULT, 198785). Nese sentido, arecorréncia a exemplos e modelos ‘Amansando Meninos 203 passou a fazer parte do cotiiano das prticas educatva, como meio de aprendizagem ¢ de ‘modificasio de comportamentos, “Tambéi pelas memirias analisadas sabese da existéncia da cfua em algumas es cola, No INSC, 0 isolamento no "quarto do meio" era puniio frequente para aqueles que cometessem 5 aos considerados mais graves. olados em um cdmodo minisculo, sem jancls, sentados em um tamborete, sem falar com ninguém. Em muitos dsses momentos, 2s informagies obtidas nas aulas de ctecismo Yistavam 0 menino que evitava dese modo, pensamentos e comportamentos consierados perigosos © proibidos pela moral predominante na época, como a masturbacio (REGO,1977). Para Carlinhos, era © pior castigo que hava no colegio: "Passar hora ¢ horas sem uma palavr, com a boca seca ouvindo li por fora 0 rumor da conversa dos outros. Quando sozinho esperava os ca nirios, no Santa Rosa, era com uma dnsia de cagador que me puna na cexpectativa. Bons siléncios que niio me dofam! Agora, no quarto de castigo nha que procurar os recursos da imaginagio para povoar 0 ‘meu isolamento, Exgotava assuntos interes. Essas conversas comigo ‘mesmo me enfistavam. A principio o assunto me absorvia, Mas logo depois néo encontrava nada mais em que pensar. Recomegava com os ‘mesinos fitos,voltava ao principio. O mew interlocutor escondido cansavame como os conversadores impetinentes. Quera fig del. ‘Mas como?" (REGO, 1977:42). A. pati do séulo XIX, a instiuigio carerria generlizows em todo o mundo cident A cela, originiria das insttuigGes monistca, 20 basearse no isolamento dos individuos, pasou ase constitu em uma unidade fundamental na puniio ¢ correo dos calpados. DUCPE:TIAUX (apud FOUCAULT,1987), a0 tratat, no period, sobre a condi- 0 Fisica e moral dos jovensopetiios,indicava que a principal das puniéesinflingdas 20s suits que apresentassem comportamentos desviantes era 0 encaceramento em cela, i que'oisolamento & 0 melhor meio de agi sobre o moral das crangas; ai principalmente que a vor da religio, mesmo se nunca houvess flado a seu coragio, recebe toda a sua forsa e emogio! (DUCPETIAUX apud FOUCAULT,1987:258). A associagio eligi en carceramento tem sido pensada, pois, como meio eficaz na punigio dos condenados. Em 204 ‘Ana Maria de Oliveira Galvdo tuita instituigdes, obserase a inscrigio, na ceas, da fase ‘Deus o v8’ (FOUCAULT, 1987:258). A sensagio de estar sendo vigiado tem se mostrado eficaz na modificagio da conduta dos individuos Em muitas escola, aluno icava prso na sala de aula até que acertase as lces (REGO,1977, MADRUGA,1961), Outros tipos de penalidades também eram utilizados, como colocar nota baixa na cadereta, notadamente quando a escola nfo adotava o uso de castigos fisicos (OLIVEIRA.s<,) e proibir que um aluno falasse com outro (REGO,1977). ‘A pritca dos castigo fa parte do sistema de privilégios de qualquer institugio ‘A punigio muitas vezes significa, para 0 membro do estabelecimento, a privasio de cetas vantagens que Ihe sio oferecidas. Esas possblidades, que no INSC tomnavamse eftvas «em atividades como os banhos de tio duas vees por semana ou a ida aos cinemas aas do- ‘mingos proibidas para os alunos transgressores (REGO,1977), tornam-se, muitas vezes, as refeéncas sobre as quais 0s individuos se prendem no contexto de um universo muitas vezes host ou indiferente aos seus desejs: "Apresentadas ao internado como possibilidades, esas poucas recom quistasparecem ter um efit rentegrador, pois restabelecem as rela- ses com todo 0 mundo perdido ¢ suaviam os sintomas de aist- ‘mento com relagio a ee e com relagio zo eu perdido pelo individu. Principalmente no inicio, aatengio do internado pas a fxarse nesses, recursos € 2 ficar obcecada por ele. Pode passar um dia, como um fi- nitico, em pensamentos concenrados a respeito da possibilidade de conseguir ais sates, ou na contemplagio da hora em que devem ser distribuidas' (COFFMAN, 199250) Recursoextremo de punigio também adotado nas escola da época era aexpulsio do aluno, No INSC, Elias foi expulso depois de agrdirfisicamente o profesor Maciel "No outro dia garam Elias para fora do colegio. Seu Maciel dse na aul, com ar compungido: Foi primeiro aluno que expulsi do meu cokgio. Ensino hi quaren- {a anos, ponhorme em cima desta cadeira para corresponder& confian 4 que me depositam, Por af afora exstem alunos meus que me respe- Amansando Meninos 20s fam, que me prezam. Até ontem, nunca me desspeitaram. Nunca perdi um aluno asim, Todos tém trado lucro do meu ensino. Melancolias de um domador de feras que vise um tigre real fugindo de sua aula" (REGO,197782). (Outi priticas também foram observadas nas escola da época, como o intero- gatbrio€ confisso, A procura do culpado por atos considerados graves, chegava a mobi- liar todos os membros da insttuigio. A confissio era a ini possbildade de isengio do ‘menino da punigio, Quando o Ditetor do INSC descobriu que alguém escreveu ¢enviow uma carta em nome de Carlinhos para sua familia, iniciou a busca daquele que infingi as normas da casa: "Instaurouse um inquérito, com interrogatéios de potas Fechadase pal matéria ameagando na mio! (REGO,I977:24). Do mesmo modo, quando o namoro de Clovis e PioDuro tornouse expicio, ointemato todo, submetido a interrogatiios, ficou de castigo, “Odiretr me chamou para perguntas. Recei o chamado com alarm -Ento, Seu Carlos de Melo, o senhor também andava em segredos com Cli? ‘Nao, néo andava em segredos. -Fahva com ele como flo com os outros. Que conversivao enhor com ele? -Coisas itoa. Ele me contava histérias de casa. Eo Senhor Mendonga, o que conversa? -Nip sc nio senhor. Nunca ouvi nada. Bat bou!O senhor no ouvia nada, nio ® -Nio senor. Ele viviam em cochichos. Viembora, E mande agi o Senor Heitor. Depoischegou Heitor chamando Chico Vergara. E owviese, vndo li de dentro, 0 tinido do bolo. Até Filipe andava com medo, O diretor botara a culpa para cima dele, Nio tomava conta de nada ra um le sein." (REGO,197795). 206 ‘Ana Maria de Oliveira Galvo A pritica do interrogatério, mais uma forma de exposigio do eu no interior das insituigs, revestiase de medo: a posbilidade de punigio atingia a todos, inclusive aos que estavam a servigo do poder. "Temos medo da delago e da tortura, da tag e da censura, Da wr didura cerrada onde a violéncia- para enredi-e no poderio do censor, 1a pertidia do delator e na forga nua do torturador que, paradoxo hor- rendo, desintegra a vitima para que dela brote uma palara integra, f- ve, verdadirae pur, como se ela Ihe pudesseofertar 0 dom fantistico que o absolera 20 fata submergir no silénco da fila traidora, Te sms medo da culpa e do castigo; do pergo e da covardia; do que fie- ‘mos ¢ do que deixamos de fzer; dos medrosos e dos sem-nedo; das alamedase dos becos onde até 2 cangio medrosa se parte se transe ¢ calase" (CHAUL, 1987:37). Diversos eram os motivos apresentados para justfcar a punigio dos alunos. O amas generalizado dele reeriase & no aprendizagem dos contedos escoltespropriamen- te ditos.Os errs na lgio eram conigidos e prevenidos, na maioria dos casos, pela aplic- <0 do castigo fisico; "O velho Mace inka rario. Em pouco tempo aiantarame bastante, © medo do bolo vencera o rude da Dona Sinhazinha® (REGO,197733), Prencher os cx dernos de calgrafia tornouse, por muito tempo, um suplicio para Catinhos,temeroso das consejincias de sua no aplicagio, de eu reconrente"nervoso’, Como acontciaconstan- temente a palaras humilhanteseram pronunciadas, publiamente, em paralelo A aplic 0 do castigo corporal *Seeste caderno vier borado amanh o senor sarepende. ia borado, Caprichaa,esforaveme, mobilzaa toda a minha pac- aca no fi a pena obedeca2os meus pobres nervos, ea tints mar- cavame a condenagio do bolo. Fzia os crercicios na prépria mesa do diretor, ele me dava com a régua nas mios para conseriar a posigéo deformada dos dedos a cnet: +O senor parece um paraltico escrevendo."(REGO,1977:3). 207 ‘Amansando Meninos Se, por vezes, a percepcio que tinha o mestre de seus alunos estava expicitada nas orehas ou no chapéu posto sobre suas cabeas, isso também se dava no modo como, cotidianamente, se dirigia a cls: "= Nunca vi menino mais burro do. que este!” (REGOsd:62), Em outs atvidades patrocinadas pea escola e que necessariamente nfo mant inham relacio com a aprendizagem dos conteidos, os meninos também eram punidos se a clas nio se adaptassen, Calinhos, no INSC, experimentou, por diversas vezes, a dor sia € ‘moral - provocada pela humilhagiopiblica e pela aplicagio de cstgos conporas- por nio se adapar aos execcios militares "O velho me fei mortalmente com o olhar: =O senhor siga para 0 colégio, Espere li que eu chego. dao se meteracomigo oura ver. Desde que chegara das Rrias no tinha ainda apanhado, Somente agora, por causa daquelesexercicio, ameagado de quando em vez.) Senteime na porta esperando o dire tor. (.) Com mais um pouco, pontou o dretor numa esquina. Vinka no passo largo, com vontade mesmo de chegar em casa. Fu espero na sala de alas. Ouviaos passos dele na cals...) Jéestaa ritando: Onde estéo senhor Carlos de Melo? Viu-me junto & mesa - Bato 0 senbor quer anarquizar os exerciios? -Nio senor, ndo tenho jeto. No quero conversa, seu doudo, Néo quero converss (.) = Que farioso que nada! Isto é um estabelecimento de ensina. Aqui se castigam os insubordinados. Quem quiser que se mude, E passowme o bolo." (REGO, 1977:150-151). Punigio por comportamento inadequado também era comum nas escols da época. Conversar durante as alas nio era permitido; os alunos que assim fizessem eram punidos. As palavas humilhantes acompanhavam o castigo fsico e pareiam dar maior eficicia os objetivo da puniio: penaiat, cori, prevenir os pssves transgressors 208 __Ana Maria de Oliveira Galvio * Que conversa so estas? Nao quero maroteias aqui E seis bolos cantaram nas minhas mios. Fguei de pé na frente da ‘mes, oprimindo os solugos que se elevaram com o protesto de mina sensibilidade machucada ~ Seu doudo [ele nio chamava doido), quer fazer do meu colégio baga- ceira de engento Esté muito enganado, E a palmatéria exposta em cima da mesa, pronta para a agi0, com 0 cabo torneado como objeto de arte. Aquele outro babaquara me pga! ‘Nio se ouvia nem um susurro no sali, enquanto esas friaschega- vam as suas exploséesviolentas. Cada um sentiae um condenado 20 castigo, embora a mais cindida inocéncia 0 envolvese. E mesmo no havia inocentes entre todas aqueles que o Senhor chamava com tanto gosto 20 seu regaco. Talver que tvesserazio a pedagogia do velho em descobrir em cada um de nés um pequeno monstro em formagio. O seu sistema de educa, a ferro fogo, sem dvida que lho aconselhava a cexperiéncia de meio século de trato com anjos." (REGO,1977:17). (Cartostipos de relagées entre os alunos também eram proibidase se ocorressem, deveriam ser punidas. Os protagonists de historias de amor entre meninas € meninos ainda de forma mais grave, entre meninos, eram severamente castigados (REGO, 1977). Os ‘meninos apanhavam também por terem st comportado de manera inadequada no dia anterior e fora da sala de aula, no momento em que o decurio assumia o lugar do profes: sor (REGO,197), Finalmente, os alunos também recebiam punigSes por condutas apresen- tadas fora da escola, consderadas inadequadas ao papel de estudante, Pedro Muniz, luno ‘externo do INSC, recebeu bolas de palmatéria por haver fumado e jogedo bifhar na rua (REGO,1977). A vigilincia do comportamento dos meninos estendiase para além dos mu- 10s da escola O olhar pandptico encontravase em muitos lugares e era execido por muitas pessoas, ‘As punigGes,noentant, no eram aplicadasigualmente em todos os alunos. Em algumas escolis, como era 0 caso do INSC, a5 meninas no recbiam castigo fsico: °O velho tinha bem vontade de mandarhe o bolo, porque quando passva adiante, para o seu sando Meninos 209 colega de junto, se nio respondia a pergunta, apanhava por sii por Lisette” (REGO,1977:40), Fcavam de pé ou presas na sala até que acrtasem as lies, mas nio spanhavam, Em outras escolas,entrtant, reeebiam o mesmo tratamento dos meninos (OLIVEIRA Sd), ‘Alunos de diferente classes sociaisrecebiam diferentes punigSes. Na aula pilica de Pilar, Dedé nunca sofeu castigo corporal, embora, como tantos outros alunos, nio hhouveseaprendido as lige. Por outro lado, era constantemente escohido pelo profesor, que devia favores ao coronel Jost Lins, para aplicarbolos de palmatéria nos outros meni nos - pobres, em sua maioria (REGO, 1992a e 1977. Medo, humilhagio, angst, teror, dor, choro, Sentimentos que se reper nas desrigdes dos autores nos momentos que antecediam ou quando aconteciam as punigées. CCarlinhos jogou uma ped:a em um menino da cidade que chamara o colega Ausélio de papaig; sabia, entretanto, que seu ato teria consegiincias. Aguardou com expectatira a chegada do ttano, do carrasco, do domador de fra: "Ouria o barulbo na porta da rua ~Mandem chamaro Professor Maciel.) Exa como se me disesem: =O seu crrasco jf vem. Deite-me na cama porque as pernas néo me seguravam mais. meu sangue cori rio pelo corpo. O coraio aos pulos, como ¢ eu tives dado uma carrera de gus. Onde est esse doudo? Foi o que eu ouv, vindo Ide fora Vinka chegando 0 meu suplci. Os minutos agoniados dos que esperam a hora da morte na forcadevi- am ser ass, com este tremor do corpo todo ¢ ese amolecimemt de todasasfbras. Seu Carlos de Melo, Seu Aurélio, passemse para cd CCaminhei para 0 patibulo, com pernas que pareciam nio ser as mi- as, ¢ nio sei se os olhos cheios de ligrimas viam alguma cai (REGO, 1977:15). 210 ‘Ana Maria de Oliveira Galvao J no primeir dia de aula, como parte do conjunto das boasvindaspreparadas para 0 novato,Calinhosexperimentou a dor do castigo fsco, acompanhada do pavor ¢ da angista que caracteizavam os métodos de ensino na época "Uma impressio de terror oprimia metodo.) De tarde fui dar a ligio. Levava o corago aos salts, como nas noites em que acordava com 0 quarto as ecuras, Muitas vezes a vlha Sinka- ina me deivava esta impress de pavor. Coma velha, porém, havia jeito de fag a suas ras. Aqui mudava muito para pio. Ere a ligéo toda. Sabia quase que decorada a histéria de Jia, a boa mie! O ‘medo, no entanto, fzia a minha meméra corer demais e saltava as Tinhas «Leia devagar. Para que esta pres? Foi pior. A lingua nio me ajudava. Quando vi fo ele com a palmaté- ria na mio. - Levante. 'Nio soube mais 0 que fiz. Senti as mas como se estvesse com um formiguero em cada uma, Como 0 Chico Vergara, apanhava no meu (primeiro dia de aula." REGO,1977:11). Medo, Sentimento que acompanhava o menino durante grande parte de sua permanéncia na escola, Inquietagio qu cone dante de "todos os entes reas e imagin’- rrios que sabemos ou cremos dotados de poder de vida ¢ de exterminio.." (CHAUI, 198736). sando Meninos 2ut CAPITULO VI OUTRAS EXPERIENCIAS EDUCATIVAS 6.1. "0 PESCOGO DA GENTE CRIAVA LODO": VIVENCIAS NO INTERIOR DA ESCOLA ‘A experitnia de esolarizago, particularmente quando era vivida em regime de internato, proporcionava zo aluno uma stie de aprendizagens que exrapovam os limites do prescito pla instituigio ultapasando o que era ensinado e aprendido em sala de aula, ‘As festas de final de ano faviam parte da rotina das insituigdes esclares na épo- ca, Ness ocaies soles, além de experimentarem comida e bebidas, os alunos recitavam poesas ou proferiam discursos scolhidos ou esctitos por seus professores (GOMES, 1980; GABINIO,1984), No INSC, as fatvidades se concentravam em torno do Grémio Liteitio da escola. Neses momentos tus, 0 alunos escolhidos plo professor Maciel pronuncia ‘Yam dscursos - que sempre tnham uma ctago em francs -escritos pelo proprio mestre: "Pagava cada aluno um tosto por semana, (.) Armavam a tribuna no meio da sale assesses do Grémio NSC. se relizavam. O diretor f- cava de long.) Também dita a0 Grémio a minha contribuigi: a minha colcha de ro- sas vermelhas seria de forro para atrbuna dis solenidades. Nao me cobria com ela. Ficara um objeto coletivo para as festas. No fim do ano havia sesso solene. O promotor da cidade fzia um discurso, O cole 212 ‘Ana Maria de Oli <0 se enchia ds familias ds alunos, Esperavse este dia com ansiede cde, pois seria otilkimo de internato" (REGO, 1977162). Ess rituais ofereciam oportunidades de aproximacio entre os grupos, promo- vendo novas formas de socalzago e exprmindo a solidariedade, a unidade e 0 compro- isso em relacio &instiuigio (GOFFMAN,1992). Através da festa, os membros de um upo evocam através de dversos rites aqui que os eine (MAFFESOLI,I984). A cotii- ano escolar & marcado pela presenga de ituais:solenidades de formatura, exames, forma: Go de fils, chamada escolar, a propria rotiné ritualzada (McLAREN, 192). Uma outra aprendizagem, que grande marca adquitiu na socialzagio de Catl ‘hos no INSC, refers ao papel da alimentagioe da refegio no interior do interato, O conttaste entre a fartura do mundo do engenho, onde cada refegio, como se vu, ultrapas sava a necesidade bilbgica, ea abstinéncia tipica do colégio, foi sgnificativo no proceso dle compreensio ¢andlise da reidade pelo menino, Mesmo com saudades da abundincia dda comida de cas, o aluno nio tina esclha, No internato, a comida também era impos- ta; oaprendizado da obedincia se dava em todos os momentos da permanéncia dos mi nos na escola: "Engoli temperads com o sal de minhas ligrimas, a mapracarnedesol com farofa de todos os dias" (REGO,1977:18). O jejum imposto pelo colgi, as vésperas da primeira comunbio dos alunos, cotibuiu, ainda mais, para a peceprio viva de uma sen- sacio que, emborafizesse parte do mundo do menino, nunca Ihe parecera concrete rel. jecdo. O povo esti morrendo pelasestradas. E verdade, Seu Coronel. 56 quem come naquels bandas é urubu. Ficava pensindo em como se poderia morrer de fome, se néo era mes. smo mentira do vaquitoSalviano, ( jejium no colegio vinhame insruirarespeto da fome, de pobres, de seca, Sabia agora por que os sertangjs cortavam a boca com great, ‘por gue cafam pelos caminhos os retrantes,e de que morrera 0 gado do meu avé." (REGO, 197762). [Apritca da higiene na escola também adquiru significado importante na soci izagio dos meninos no interior da instuigio. A compreensio de que o concsto de higie te nio eta tinico, mas assumia um significado diferente para cada grupo fi, talver, © mai- Amansando Meninos 213, or aprendizado que 0 convivio no intermato posilitou aos alunos. As pritcas higiéncas no INSC incluiam lavaro rost todos os dias de man, com bacia ecopo, e tomar banho dduasvezes por semana (REGO,1977. Para Catinhos, era incompreensivel a ambigiidade do conceit presente no internato, O professor Maciel, segundo o nartador,".tinha a ma tia da limpeza da ca’, apanhando os paps que encontrava pelo cho brigando com os criados ¢ 2 mulher 20 encontrar moves suos de pocira, No entanto, ndo dispensava 0 ‘mesmo tratamento aos alunos: "Tanto luxo com os méveis e a casa e no entanto nos detava na mai or imundicie. Os panos da cama passvam meses sem se laat, E 0s erceejos engordavam no nosso lombo. Banho duasvezes na semana, De cia, quando no famos 20 rio. O sabio estava na éguasalobra da cacimba,e os pialhos multplcavamse nas nosascabegas. Era sb cogar (0s cabelos com forza, e les cafam em cima dos livros abertos, nas ho- rasde aul. Apostavese com o nimero de mortos: + Matei vinte hoje. Extalavamse na ponta das unhas os bichinkos gordinhos. Nos que domiam em rede os percerejos fziam ginisticas pelos punks, fedo- ‘entos, imundos, mas com os quais nos habituivamos a dormir. Os lenis se tngiam do sangue dos que morriam de acidents com a8 re virevoltas que divamos na cama, As vezes escaldavam as camas-de- vento no quintal. Ficaram elas de peras para o a, para a matanga dos bichos, que se escondiam até da égua fervente. O pescogo da gente cx- ava lodo, Mas suissemos a roupa antes do dia marcado, que 0 bolo lembraria a0 pobre que o sabio do ditetorcustaa dinkeiro. Os panos dla cama de Aurdlio fediam,dizise Ii, Mas qual de és estria livre do ‘maa cheiro dos cobertores de meses? E ninguém caia doente.O clima dda era talvez que ajuasse a Seu Maciel no seu deseixo. Aas domin- {gos €ds trys, depois do banho, engraxSramos as botnas. Ele queria veros seus meninas de roupaescovad esaptos lips.” (REGO,1977:65). 214 ‘Ana Maria de Oliveira Galvio A falta de higiene nas instituigies fechadas é uma das queixas mais comuns dos seus membros, na media em que contribu paraadiseminagi de doengas. Sem que pos sua outa escolha, pos fora da insttuigfo podria optar por privarse dese tipo de convi- véncia, o interno vése obrigado a relacionarse cotidianamente com pessoas e objetos que the causa repula, situagio que GOFFMAN chama de exposiio contaminadora: "Uma forma muito comum de contaminagio se reflete em queixas a respeito de alimento suo, locas em desordem,toalhas sujas,sapatos ¢ roupas impregnados com o suor de quem os usou antes, privadas sem assentos ¢ instalagdes sujas para banho." (GOFFMAN, 1992:33). No quarto de Carlinhos, cusandothe por vezes medo, dormia também Aurli, 6 Papago, de quem todos tinham nojo: "Mal pegava numa cosa, ninguém a queria co- ‘mer. Tinha um caneco proprio para beber gua. E diziam que os panos da cama dele Fedi- am." (REGO,1977:13), Marcantes no mundo do engenho, as experiéncias sexuais também teriam grande importincia no interior do intemnato, tanto na relagio que os meninos stabeleciam com os adultos quanto com os colegs, Esa vivéncia, muitas vezs,nio inclia o contato fic. ‘Assim Carlinhos viveu sew amor por sua primeira profesor, por sua colega Maria Luisa ¢ pelo amigo Coruja, como se veri (REGO,1977). Como no engenho, eta principalmente com as negrastrabalhadoras que os meninos viviam sua sexuaidade no coléio: "A negra Paula tina sempre um menino preferide para os seus agra dos, Botava mais cosas no prato dele, na mes. (.) Namorava asim a negra, Era uma fort: repelia as impertinéncis de Seu Coelho, e quan- doo velho Maciel aise com os seus gritos, s6 fia dizer: Quero ir embora.Sé estou aqui por casa de Mila. Eo diretor, que mandava em nés todos como um deéspota, cedia is ameacas de Paula, Seu Coelho uma ve andou se botando para el. foi quase um escin dalo no colégio. A prea gritou, chamowo de velho que nio se dava a0 respeito! Mas tinha namoro com os meninos. No comeso era com José Augusto, nuns agrados interessados demais. Zé Augusto era um mole “Amansando Meninos 215 Ela passowse para outro mais decdido, um dos que moravam no quar- tinho dos grandes. Chico Vergara me dise uma ve A nega etéfazendo safeza com Joio Cinco, De fito, Joao Cincio andava passando de principe: tapioca, mangas, pedagos de carne maiores no almogo, cocadas. A negra gostava de ho- ‘mens com forga para o amor. Eu, porém, nio acteditava em Chico Vergara Agora sozinko no colégio, num dia em que estaa trancado no ba hero, bateram devagarna porta: - Abra, Carlos. Perguntei quem er + Sou ex, aba Eo diabo me visto ali em came e oso. O povo tinka sudo, Comeceientio a comer melhor. A negra Paula me elegera para o seu conagio. Era agora 0 favorito daguela Catarina Segunda de tachos ¢ panelis. E quando o diretor sua de tarde, me chamando, eu nio queria ir, D, Emilia ia com ele E 0 amor ficave me ensinando a crescer, a fi car homem de verdide. A negra tinba 0 mal dentro. Uma, dus, és vezes, me lerava paa fora deste mundo, nos arancos de sua vigorost animaidade, Depois ew pegavaa pensar que diria Deus de tanto peca- do, Luis, Zefa Cj, negra Paul, o diabo dew a vots tres poderes aque eu rio sabia resist. O mundo aonde vocts me leavam era um canto bem diferente da terra das minkas mégoas e dos meus desconsolos. ‘Mas & que esas viagens perigosis me deixavam decompo mole como se tivesse andado caminkida de Kguas, Um corpo lasso de velho © as ‘mios tremendo, E ainda afundado na minha melancolia. Negras que ‘me ensinaram a amar, bem cedo voces me istuiram no que hava de precirio ¢ de amargo no amor, Foram passados assim, entre Deus ¢ 0 Diabo, os dias de minha qui- resma, Mais com 0 deménio, que se mostrava para mim nos dentes brancos e nas hoas canes ds negra Paula. Deus Fcava ainda de longe, 216 ‘Ana Maria de Oliveira Galvdo bem de longe, no medo de que a cumecra case sobre inka cbera, na longingua desconfianga dos castigos. (REGO, 1977.66-67). Como se viu, na tradigio colonial, a figura da mulher negra estava profunda- ‘ante asocada & sexuaidade, Enquanto em relagio is brancascultivavase a imagem da pureza, is nepras asociarase 0 pecado, o desregramento sexual, a promiscuidade, Para Gilberto Freyre e seus seguidores, tal situagio parciainevitive, intinseca e natural 20 regime patraral. AS elagdes entre homens/brancoy/propietiios de tetas e mulhe- res/negras/trabalhadoras eram consideradas harmoniosas (realzadas com o consentimento de ambas as partes) e no abusvas, expresso das relages de poder presentes naquea socie dade (GOMES,1994) Priticas homossexuais também eram vividas no internato. Os personagens de PioDaro e Clos, no INSC, personifcam es tipo de intrago tio freiente em colégios interno "Bite Pio-Duro) agora anda todo pegado com o Cli, enganando 0 menino com doces¢ pedigas de quejo, num chalirismo que nas deiara preocupades. PioDuro também tna coragio, Mas néo era porque Cloris fose pequeno, nio tvesse mie: era porque Clévis era bonito. Aos domingos pasara o dia vendo as revistas do menino, Tendo para ele as histéras do Tico-Tico, que o pai Ihe mandava pelo conta, Agente queria le, mas Clivisndo deixar: -E para Mendonga. PioDuro tnha inimgos crtis(.) Os seus amores encoatrariam espi- as impiedosos. Ele drmia com Clévis no mesmo quarto. A rede de tum, junto da cama de cortnado do outro. Ninguém via cousanenhu ‘ma, senio PioDuroestavadesraado,Imeginavase somente.(.) Ginco dias antes. dis fris etourow 0 escindalo de Pio-Duro com Clovis (.) 0 namoro de Pio-Duro dava na vist. Btava a cabesa de Clovis nas pena pare catarpiolhos + Cloris estéempesado,dsfrgara, Extou limpando a cabeca do bichi- sho, ‘Amansando Meninos 217 E aquele cetar de piolhos levava o reereio todo, Era quem arrumava a male do menino, engraxava os sapatos,pregava 0s botdes na roupa D.milia nao tinha cuidado com ele, - Se fossem irmios, néo seriam tao unidos, diaia ela, pensando que Pio-Duro fosse capaz de interesse de irmio por alguém. velho Coelho era um homem da via. El sabia medir até onde ia a amizade e onde comerava a maliciat Amul esté me cheando a fescura ‘No banho de rio nio deixava Clovis sar de junto dele. io-Duro fca- va ondando todos de olhos compridos, dando mergulho para estourar debaixo do menino, E este tinha umas risadinhas de quem tivesse cé- cogs ‘Maso dia de PioDuro chegou, ou melhor, a noite de Pio-Duro, Ele pensiva, como todo apaixonado, que 0 mundo tinka os olhos e os ou- vidos fechados:- 56 eles existiam, 56 eles viam e ouviam: 0 resto era ‘mud ¢ cego. Clvise ele dormiam no mesmo quarto e os inimigos de PieDuro néo dormiam, E deuse 0 escindalo, Parece que foi Joio Cincio quem gritou de madrugads: Seu Maciel, Mendonga esté na cama de Cl6vis." (REGO, 1977:92-93-94), ‘A vivéncia secual também era marcante nos momentos em que o menino cstava sorinho, A masturbacic aparece como pritca comum, apesar do medo da posiel punigio e das probicdes que a rligio agora impunbs, incorporada zo univeso do menino: "Oschiro da mie de Licurgo me recordava as vistas das primas do Re- cif ¢ as primas Maria Clara e Maria Clara, as minhas diabruas do Santa Ros, sexo me viitava nas noites fas do colegio. A chuva ba- tia forte no telhado, Corriam as biqueiras como nas noitsinvernosas cdo Santa Rosa, E os maus pensamentos rondavam-me, como passaros «que procurassem nino quente para pousar. Zefa Cai andara por per to E me esqucia de Coruj, do diretor, do lvro de kitura, dos boos. -Acama de Doidinho estétremendo, diziam no quart.

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