You are on page 1of 15
Todos os direitos das organizadoras. ‘A responsabilidade sobre imagens e textos so das respectivos autores. Diagramasfo/Capa: Magno Nicolau Iustragdo da Capa Retirada da pagina da L B com autorizagao das organizadoras. Dados Intemnacionais de Catalogagdo na Publicagdo (CIP) de acordo com ISBD_ L755 Lingualgens) e discursos: pesquisas e vivéncias em sala de aula lara Francisca Araijo Cavalcanti, Dalva Lobao Assis, organizadores. — Jo3o Pessoa: Ideia, 2019 218p.i. ISBN 978-85-463-0489-9 1. Linguistica, 2. inguagem.3. Praticas discursivas - sala de aula. |. Cavalcanti lara Francisca Aragjo. Il. Assis, Dalva Lobéo. IV. Titulo. cpu: 8142:37 Fiche Catalogrificaclaborada pela Bibliotecria Gilvanedja Mendes, CRB 15/810 aia EDITORA www ideiaeditora.com.br ideiaeditora@uol.com.br 197 ANALISE LINGUISTICA NA EDUCAGAO DE JOVENS E ADULTOS Renato de Araujo! Linduarte Pereira Rodrigues” fRODUCGAO Grande parte dos alunos que frequenta os bancos escolares da EJA ingressou no mercado de trabalho logo cedo e, por isso, ndo conseguiu concluir seus estudos na faixa etdria adequada. A maioria desses alunos busca na escola uma forma de mudanga de vida através da aquisigdo de conhecimentos que os permitem a realizagdo de atividades que exigem o conhecimento da lingua. Muitos alunos pretendem mudar de emprego, tirar a carteira de habilitagdo etc., mas ndo conseguem pelo fato de no saberem ler nem escrever e buscam na EJA uma chance de adquirir os conhecimentos necessérios para uma atuagdo saudavel na vida contempordnea. Portanto, a escola precisa permitir uma formagdo que desenvolva competéncias de leitura, fala, escuta ¢ escrita, tomando 0 texto como ponto de partida para as aulas de lingua materna, haja vista serem os textos formas de atuagio dos sujeitos na sociedade; isto é, praticas socioletradas. Comumente, a sociedade sofre mudangas por conta da diversidade e pluralidade de pessoas que pensam e agem de forma diferente, interagindo com o meio em que vivem, Pod we enxergar 0 homem como sendo um produtor de texto que se constréi no meio social pela pratica de textos, pontes entre 0 eu e o outro, relago de interagdo de sujeitos produtores de sentidos, construtores de mundos. Mediante esse pensamento, nossa pesquisa objetivou identificar a influéneia da fala no processo de tessitura textual de alunos do 4° ano EJA, em processo de aquisigdo da eserita, Insere-se também como relato pessoal produzido por alunos em sala de aula, E finalmente desenha uma “E graduado em Letras (Lingua portuguesa) pla Universidade Estadual da Paraiba. Professor da educaso bisica do Estado da Paraiba EE mestrando do Programa de Pés-Graduaco em Formagao de Professres (PPGFP) da Universidade Estadual da Paraiba. Grupo de Pesquisa: Teorias do sentido: discursos e significagdes. E-mail: renatoozem @ gmail.com 2 doutorem Linguistica pela Universidade Federal da Paraiba. Professor do curso de Lioencitura em Leta (Lingua Portuguesa) edo Programa de Pés-Graduasdo em Formagdo de Professors (PPGFP) da Universidade Estadual da Parafba ~ Campus. Ata com ensino «pesquisa em estudos semintios, pragmatics, dscusivos ¢ semidtins, bem como nus priticas e nos procesos de leramento ‘mediados por géneros tetuas, com énfasenaferma3o docente (iniciale continuada). Grupos de Pesquisa: Memoria e imaginério das vozes e escrituras; Linguagem, interagdo, géneros textuais ¢ ou discursivos; Estudos em letramento, interagao ¢ trabalho; Teorias do sentido: discursos e significag6es. E-mail indvartepr@gmail.com SUMARIO ISBN 978-85-463-0489.9 198 proposta de letramento utilizando o texto como possibilidade de acontecimento de um evento de letramento na EJA. Partimos do reconhecimento profissional de que na Educag#o Basica o aluno inicia seus estudos tendo contato com os contetidos gramaticais e chegam ao ensino superior ainda com dificuldades de compreenso do funcionamento da linguagem para a atuagdo frente aos textos que circulam em Ambito académico. Por isso, indagamos: até que ponto a escola, a disciplina de lingua portuguesa e 0 professor de lingua materna contribuem para o estudo dos recursos/fendmenos linguisticos e para a formagdo de cidadios leitores e produtores de textos em sociedade letrada? Nossa hipdtese era que o processo letramento, partindo das experiéncias de vida dos alunos para a produgio de textos orais e escritos, bem como a anilise linguistica, pode surtir efeitos positivos na EIA, Para confirmarmos essa hipétese realizamos uma pesquisa exploratéri |. em que nos pomos na posigao de professores pesquisadores para a aplicagdo de um plano de aula que contemplava a produgio de um texto com base nas experiéneias de vida dos alunos ¢ a reflexdo ortogrifica da lingua como modo de aperfeigoamento da escrita. Este trabalho foi desenvolvido numa turma da EIA constituida de alunos do 1° a0 4° ano. Entretanto, a coleta de dados culminou na selegao do material produzido por uma aluna do 4° ano que gravou em voz uma histéria de sua infancia e depois a transereveu para o papel mediante o recurso da escrita. Evidenciou-se 0 fato de que o aluno em processo de aquisigao da escrita tende a escrever da mesma forma que fala. Desse modo, poderiamos pensar em uma proposta de trabalho que poderia enfatizar a escrita do aluno de modo a contemplar esse aspecto como uma forma de construgdo de sentido do texto. Para tanto, tomamos como orientago os direcionamentos dos PCN (1998) e Geraldi (2000), que defendem a ideia de que 0 ensino de lingua portuguesa deve se dar a partir de textos produzidos em meio social e, sobretudo, textos produzidos por alunos que refletem acerca da linguagem, sua agdo e produedo social, mediante a pratica da andlise linguistica. J Gomes (2003), permitiu-nos repensar acerca das contribuigdes da semdntica cognitiva, suas diferentes formas de estudo, em prol do aperfeigoamento da linguagem humana em instituigdo escolar, com énfase na diversidade de sentidos que os géneros textuais atualizam na pritica de utilizagdo da linguagem em sociedade letrada. SUMARIO ISBN 978-85-463-0489.9 199 2 AEDUCAGAO DE JOVENS E ADULTOS A educagdo de jovens ¢ adultos surgiu com a necessidade de aumentar 0 nimero de eleitores luma vez que no passado apenas as pessoas alfabetizadas tinham o direito de voto no Brasil. Segundo as Diretrizes Curriculares para a Educago de Jovens e Adultos do Parand, ao final do século XIX ¢ inicio do século XX, comegou-se a criar leis que enfatizavam a obrigatoriedade do acesso de jovens e adultos a0 ensino bésico para aprenderem a ler ¢ escrever, iniciando um combate a0 analfabetismo brasileiro com interesses eleitorais. Todos os cidadaos brasileiros tém direito a educagio © acesso gratuito em qualquer modalidade de ensino com profissionais qualificados orientados para desenvolver um trabalho de alfabetizagao € letramento de modo que atenda os interesses dos alunos que compoem a comunidade escolar. A educagio de jovens e adultos nao é mais vista como forma de aumentar 0 eleitorado brasileiro, mas um modo eficiente de permitir aos alunos uma melhoria da qualidade de vida por meio da educagio e da satisfagdo de aprender a lingua, ¢ utilizar a letra como possibilidade de comunicagio e interagdio com 0 outro no mundo em que vive. A comunidade escolar ¢ composta por um grupo heterogéneo de pessoas que enxergam a escola como sendo um lugar de aprendizado que facilitara a realizagdo das atividades de sua vida profissional e pessoal. Muitos cidadaos ingressam no mercado de trabalho cedo e se desviam dos bancos escolares percebendo, com o passar do tempo, que a escola traz muitos conhecimentos que 0 auxiliaria em sua vida, A EJA é procurada por um piiblico de jovens ¢ adultos que ndo conseguiram, frequentar o ensino basico na faixa etaria adequada e vem nessa modalidade de ensino uma chance de conhecer o mundo das letras, da escrita, a expresso através do escrito para mudar de emprego € ingressar no ensino superio Trata-se de um jovem ou adulto que historicamente vem sendo exeluido, quer pela impossibilidade de acesso a escolarizagio, quer pela sua expulsio da edueagio regular ou mesmo da supletiva pela necessidade de retomar aos estudos. Nao é s6 0 aluno adulto, mas também 0 adolescente; no apenas aquele ja inserido no mercado de trabalho, mas © que ainda espera nele ingressar; nfo mais © que vé a necessidade de um diploma para manter sua situago profissional, mas o que espera chegar ao ensino médio ou & universidade para ascender social e profissionalmente (PAIVA et all, 2007, p 18) Muitos alunos enxergam na EJA a possibilidade de mudar de vida através da educagao. Sao pessoas que, na maioria das vezes, precisam trabalhar para sobreviver e, por isso, no conseguiram SUMARIO ISBN 978-85-463-0489.9 | 100 frequentar o ensino regular, mas que buscam nessa modalidade de ensino uma forma de mudanga de vida, 3 ANALISE LINGUISTICA NA EJA Os alunos que frequentam a EJA buscam na escola saberes que possam ajuda-los nos seus afazeres do cotidiano. Muitas de suas atividades exigem que se tenha um minimo de conhecimento da lingua para a execugdo. Assim sendo, o discente imagina que a escola pode ajudé-lo a adquirir esses conhecimentos. Embora se conhega 0 perfil do alunado da BJA, a escola ¢ 0 professor de lingua matema ainda continuam com priticas pedagégicas e conteiidos que desestimulam os alunos. E 0 ensino/estudo de lingua portuguesa pode correr © risco de entrar para a lista das disciplinas julgadas pelo aluno como componente curricular que nao acrescenta em nada na vida cotidiana. Para que So nao acontega é necessério que a disciplina de lingua portuguesa seja ministrada de modo que 0 aluno perceba que os seus ensinamentos propiciam um aprendizado que o auxilia no dia a dia na produgdo de textos que os permite interagir eficientemente com o outro e com o mundo que o rodeia, Ao partirmos do estudo dos textos, tendo em vista a observagio de determinados aspectos para sua existéneia, estaremos trazendo para sala de aula a pritica da andlise linguistiea, visando niio apenas compreender os aspectos da lingua que contribuem para a produgo de sentido no texto, mas também investigar 0 porqué desses elementos gerarem determinados efeitos de sentido quando inseridos em contextos distintos, O estudo da linguagem humana esté muito além dos estudos gramaticais, pois envolve aspectos linguisticos e extralinguisticos fundamentais para que um texto possa ser entendido pelos como pritica social. Por isso, é importante promover, [...] uma pratica constante de escuta de textos orais e leitura de textos escritos e de producio de textos orais © eseritos, que devem permitir, por meio da andlise © reflexio sobre os imiiltiplos aspectos envolvidos, @ expansio ¢ construgfo de instrumentos que petmitam a0 aluno, progressivamente, ampliar sua competéncia discursiva (PCN, 1998, p. 27) E por meio da andlise linguistica que o trabalho com o texto deve ser ministrado, pois permite um estudo aprofundado do texto, atentando para a situagdo de produgdo, interlocutores, estudo do contetido do texto (mensagem), intertextualidades pos iveis, intengdo do locutor e reflexdo sobre a linguagem utilizada, atentando para a sua contribuigdo na construgo do contexto de atualizagdo do texto/discurso. I importante que o aluno enxergue 0 texto como atualizador de SUMARIO ISBN 978-85-463-0489.9 | 101 discursos que é modelado e produzido pelo falante e que serve como ferramenta de comunicagiio e interagdo entre os sujeitos e o mundo. “Deve-se ter em mente que tal ampliagiio ndo pode ficar reduzida apenas ao trabalho sistematico com a matéria gramatical” (PCN, 1998, p. 27), por isso, no cabe ao professor tomar como base de suas aulas apenas as orientagdes da gramatica tradicional, utilizando exemplos que nao passam do nivel da frase, oragdo ou da palavra, mas ir além dessas propriedades. O estudo da gramética na sala de aula da EJA concorre ao risco de se tomar 0 conhecimento Eum da lingua para “conseguir tirar notas boas na prova” e assim “conseguir mudar de série”. curriculo desatualizado que gera no aluno um pensamento de que a disciplina de lingua portuguesa no contribui muito para a sua formagio e para a sua vida. F. importante criar situag6es de reflexdo € andlise linguistiea, em que os alunos so postos em contato com os textos que produzem e os que circulam socialmente, compreendendo e verificando a arquitetura textual e linguagem investida que contribui para a produgo de sentido e ago sociointerativa: ‘A atividade mais importante, pois, é a de criarsituagdes em que os alunos possam operar sobre a propria linguagem, construindo pouco a pouco, no curso dos virios anos de cscolaridade, paradigmas proprios da fala de sua comunidade, colocando atensdo sobre similaridades, regularidades e diferencas de formas e de usos lingUistios, levantando hipéteses sobre as condigdes contextuais e estruturais em que se dio (PCN, 1998, p. 28). © aluno precisa ser motivado a utilizar a lingua para refletir sobre ela e 0 mundo, observando os textos produzidos no meio social por outras pessoas ou por ele mesmo, o que pode ¢ deve ser aperfeigoado pela escola por meio da anilise linguistica, Sendo assim, o aluno perceberd que a pritica de letramento realizada na escola e mediada por textos que circulam socialmente proporciona competéncia ¢ seguranga na produgdo dos textos que produz no seu cotidiano. O aluno da EJA vem buscar na escola nao apenas um diploma, mas conhecimentos que possam auxili-lo no ambiente de trabalho, na vida pessoal e profissional. E necessario que se estimule os alunos na pratica de produgdo textual com uma visio de escrita como processo que se dar mediante varias etapas, em que a andlise Linguistica se insere como etapa fundamental em todo o processo de aquisigo da letra. E nesse momento que precisamos utilizar a gramética a favor da expresso das ideias do alunado, afinal “o ensino gramatical somente tem sentido para auxiliar 0 aluno. Por isso, partir do texto dele” (GERALDI, 2000, p. 74). Dessa forma, as aulas de portugués ficam mais faceis © atrativas, uma vez que se estuda © modo como produzir efeitos de sentido no texto, O aluno se sentiré estimulado porque SUMARIO ISBN 978-85-463-0489.9 | 102 saber que a lingua possui “artificios” fundamentais para que 0 processo enunciativo acontega ¢ 0 seu pensamento seja transmitido. A gramatica pode ser trabalhada em sala de aula, mas, como diz Antunes (2003, p. 97), “nao adianta muito saber os nomes que as conjungées tém. Adianta muito saber o sentido que elas expressam, as relagdes semanticas que elas sinalizam”, sendo importante estudar ¢ perceber os efeitos de sentido que elas provocam quando usadas dentro do texto, este inserido num determinado contexto, Assim feito, o texto ndo estar sendo utilizado como pretexto para o ensino de regras ¢ nomenclaturas gramaticais, e sim, estard servindo como objeto de reflexio dos assuntos que sustentam as ordens sociais, utilizando a lingua e seus recursos para dizer, expressar-se competentemente, fazer sentido em momentos especificos da pritica sociolinguistica. Para tanto, o professor precisa ter a consciéncia de que 0 processo de aquisigio da linguagem escrita precisa est em conformidade com as experiéneias de vida do aluno e partindo do texto dele, fruto de uma discussio prévia acerca de temas do dia a dia dos préprios alunos, Depois de todo um trabalho de produgo do texto, o professor pode intervir na escrita do texto selecionando alguns problemas linguisticos e debatendo-os em sala de aula, Esse trabalho ganha ainda mais vida quando toma como base os estudos semanticos, que fundamentam o trabalho de sala de aula com a linguagem, no que se refere & produgGo do texto como sendo uma pratica social e discursiva que 0 auxilia no processo de produgdo /atualizagao dos sentidos do texto. 4 A SEMANTICA COGNITIVA Na teoria gerativa, Chomsky entendia que as informagdes sobre a estrutura dos enunciados, fornecidas pela gramética gerativo-transformacional, eram fundamentais para a sistematizagao da construgdo dos significados, uma vez que seria impossivel extrair de um texto o significado sem a presenga da sintaxe. Na produgdo dos diversos efeitos de sentidos que se dé no proceso da enunciagdo, faz-se necessério & articulagdo de conhecimentos linguisticos e extralinguisticos, isto é, elementos gramaticais da lingua em uso num meio sécio-histérico © cultural dos sujeitos discursivos. Para Chomsky, os estudos gramaticais acerea das sentengas eram importantes para a denominagao do significado do enunciado, mas esse pensamento ndo ¢ suficiente para o estudo € anilise de uma lingua materma, uma vez que as informagdes gramaticais sobre a estrutura das sentengas constitui apenas uma parte do sistema comunicativo, E necessério muito mais que conhecimentos de regras gramaticais e estruturas de frases no processo comunicativo. O contexto social, histérico ¢ cultural bem como a intengo comunicativa do emissor ¢ os conhecimentos do ;ptor so elementos extragramati s para a efetivagio do uso eficaz da lingua SUMARIO ISBN 978-85-463-0489.9 | 103 Os niveis de representagio linguistca organizam ¢ expressam 0 significado das sentengas, determinando a mancira com que ele & interpretado, Essas informagdes, no entanto, constituem apenas uma parte do significado das sentengas, pois o significado do todo ddepende das informages fornccidas por sistemas extragramaticais, como o sistema de crengas, por exemplo (GOMES, 2003, p. 77). © homem esta envolvido no meio em que vive e sempre sentiu necessidades de se expressar por meio de conversas, autofalantes, redes sociais, cartas etc., além de realizar ages como comprar, vender, ler cartazes, jornais, cardépios, sites de intemet, sms e virios outros géneros/suportes de texto que circulam no meio em que vive. Desse modo, ele esté participando ativamente do mundo em que vive, pondo-se como sujeito que pensa e se expressa sobre os eventos e fatos de seu cotidiano, Para isso, utiliza-se de informagdes que jé foram empregadas por outras pessoas para formular um discurso que atenda as suas exigéncias comunicativas, permitindo o pensamento de que a produgdo de sentido no se efetiva apenas por meio de regras gramaticais, estruturas sentencias ou os significados dicionarizados dos vocdbulos, mas acontece por meio do uso da lingua em contextos extralinguisticos-multiculturais-multimodais. Enquanto Chomsky estuda o significado das sentengas, tomando como base a estrutura gramatical das frases, Katz e Fodor buscavam estudar o significado das sentengas a partir da soma da seméntica com a gramatica gerativo-transformacional, em que as propriedades gramaticais se mesclam com o significado dos vocdbulos fornecidos pelo diciondrio. Segundo Gomes (2003), esses autores enveredaram nos estudos da semantica cognitiva, propondo uma teoria que tratasse da interpretagdo seméntica da sentenga, articulando o significado dicionarizado dos vocabulos com as regras gramaticais estabelecidas pela sintaxe: “A interpretagdo seméntica de uma sentenga era jicado de seus itens lexic determinada a partir do signi e de sua estrutura sintatica” (GOME 2003, p. 80), como assumia a teoria semantica proposta por Katz e Fodor ser humano fala/escreve para interagir com o outro em um determinado contexto social e cultural participando de diversos eventos e acontecimentos que o permite se expressar livremente, utilizando as diversas possibilidades textuais disponiveis que propiciam experiéneias responsaveis pelo entendimento e aprendizado de muitos conhecimentos. Os elementos gramaticais ¢ extragramaticais so importantissimos no processo de enunciagio, pois € utilizando os conhecimentos da lingua, em contato com o mundo, que se torna possivel criar um sistema conceitual. Diante disso, Lakoff, apoiando-se nos estudos da psicologia cognitivista experimental dos anos 70, preocupou-se com 0 modo como sdo apreendidas as experiéncias humanas ¢ a forma © sentido das coisas. Sendo assim, “o como a razo atua sobre a realidade, para de ela extr SUMARIO ISBN 978-85-463-0489.9 | 104 significado adquire significatividade, que as pessoas vivem e experenciam em seu ambiente sociocultural” (GOMI 2003, p. 91), entrando em contato com o mundo e organizando os conceitos das palavras, empiricamente, conforme contexto em que for usada. ‘A semantica cognitiva tem como niicleo a teoria dos modelos cognitivos idealizados (MCI) que visa dar forma e conteiido a realidade por meio de diversas estruturas comunicativas, O homem atenta para a recriagGo da realidade, construindo empiricamente os conceitos ¢ conhecimentos presentes no meio social e os usando como contetidos no proceso comunicativo: “O significado & 0 resultado de uma construgdo de um processamento humano de natureza cognitiva ¢ social” (FELTE . 1992, p. $2. apud GOMES, 2003, p. 92), que depende de muitos elementos da sociedade para a extrago das informagées necessrias na construso dos significados de um enunciado. Seguindo 0 desenvolvimento dos estudos seménticos cognitivos, o linguista Jackendoff s do mundo em forma de conceito: buscou demonstrar que a mente humana organiza as informag; “E, t4 claro que 0 mundo fornece o conteiido de nosso conhecimento, ¢ esse contetido tomaré a "” (GOMES, 2003, p. 94), permitindo ao suj forma prevista pela nossa cogni to, produtor de sentidos, expressar seus conhecimentos em forma de palavras organizadas sintaticamente, formando sentengas carregadas de significados. Por isso, ele acredita que “estudar a linguagem é estudar a estrutura do pensamento”, como afirma Gomes (2003, p. 93), uma vez que expressamos nossos pensamentos através de palavras sistematizadas em uma determinada estrutura sintética 5 ANALISE LINGUISTICA NO CONTEXTO DA EJA: UM ESTUDO DE CASO A clientela das escolas publicas & composta por alunos de classes sociais, culturas, estilos ¢ gostos diferentes. Em muitas instituigdes, o espago da sala de aula é composto pelos alunos que gostam de ler livros ¢ os que nao gostam, os que tém facilidade em aprender e os que ndo tém, os que 1ém acesso aos recursos tecnoldgicos e os que ndo tém condigo financeira de ter um aparelho 0, 0 professor enfrenta um grande desafio em que possa permitir © acesso a internet. Diante dis lecionar para um piiblico composto por jovens e adultos que, muitas vezes, podem interpretar mal 0 contexto social modemo e sto desestimulados nos caminhos do conhecimento. A escola deve sensibilizar os sujeitos sociais no conhecimento de diversos géneros textuais a fim de desenvolver habilidades de escuta, fala, leitura ¢ escrita como defendem os documentos oficiais. Entretanto, em muitas escolas, 0 aluno & orientado ao estudo gramatical ¢ suas propriedades de modo descontextualizado, com frases soltas, em que se trabalham os limites da palavra, frase, oragio ¢ periodo, reproduzindo o pensamento de Chomsky, Katz e Fodor, valorizando © estudo dos elementos gramaticais e 0 significado dicionarizado das palavras. SUMARIO ISBN 978-85-463-0489.9 | 105, Pensamos que 0 significado deve ser estudado levando em conta a jungdo dos elementos estruturais de um enunciado com os elementos extralinguisticos do meio social, como defende Lakoff. As aulas de lingua portuguesa tém sido ministradas de forma tradicionalista, por isso, essa pratica é ligada aos conhecimentos de regras e estruturas das sentengas, deixando de lado o contexto ¢ toda sua condigao de produgdo. E comum, entre muitos professores, 0 relato de que os alunos, quando postos diante de uma aula inovadora, fazem a seguinte pergunta: “Quando € que a aula vai comegar?” Por se est convencionado para o aluno que estudar portugués é exercitar a meméria para ter o conhecimento de gramética e resolver exercicios, fica dificil qualquer mudanga de orientago metodolégica. Cabe ao professor condicionar o alunado para uma mudanga também de mentalidade, a que compreende que a disciplina de lingua portuguesa precisa ser ministrada a luz dos estudos linguisticos contempordneos, a exemplo dos estudos seménticos, visando formar cida ios com habilidades de escuta, fala, leitura © escrita, bem como para o exercicio de compreensdo/reflexdo dos aspectos linguisticos ¢ extralinguisticos que compdem a linguagem ¢ 0 exereicio da competéncia pessoal e profissional na vida social. © professor de educagio bisica enfienta grandes desafios no processo de ensino aprendizagem dos alunos dos anos iniciais do proceso de letramento na educagdo de jovens ¢ adultos. A alfabetizago € 0 periodo em que os alunos esto entrando em contado com a escrita, descobrindo e aperfeigoando a grafia de novas palavras e percebendo, por meio do professor, que as palavras no so escritas do mesmo modo que falamos. Por isso, é comum nessa fase da educagdo a concorréneia de varios problemas ortogrificos, visualizados no texto dos alunos, que vao desaparecendo com o passar do tempo no processo de alfabetizagao bem como nas séries seguintes, em que © aluno comega a perceber que atuar socialmente com a escrita é diferente de falar. Podemos identificar isso no texto gravado e transcrito por uma aluna da Educagdo de Jovens ¢ Adultos de uma escola da zona rural da cidade Fagundes — PB. A escola funciona no turno da noite € os alunos so de faixa etéria entre 30 a 50 anos, os quais assistiam as aulas ministradas pelo professor pesquisador que ensinava alunos do 1° ao 4° ano. Tendo em vista o contexto social em que esto inseridos os colaborados da pesquisa, 0 professor destaca que introduz a aula falando e relembrando 0 tempo de crianga, em que se procuravam diversas formas de diversdo através de algumas brincadeiras, depois de realizar as atividades domesticas. Para tanto, estimula os alunos a relembrarem as brincadeiras que realizavam no seu tempo de erianga e eles disseram que, apesar de terem uma infancia voltada para o trabalho, ajudando os pais nos servigos de casa, ainda sobrava um tempo, muito pouco, para brincar de bola de gude, boneca, carrapeta, pinhio, carrinho, toca, bola, casinha, ete., com os irmaos e amigos vizinhos. SUMARIO ISBN 978-85-463-0489.9 | 106 De inicio sugerimos que um deles se candidatasse para comegar dando seu depoimento contando uma histéria marcante de alguma brincadeira da infancia. Uma aluna se disp6s a comegar, gravando no celular. Em seguida, todos ouviram, atentamente, a histéria da aluna, servindo como estimulo para que os alunos contassem oralmente suas historias. Depois disso, pedimos para que os alunos contassem seus depoimentos e depois os escrevessem no cademo, enquanto a estudante transcrevia 0 que havia gravado. O professor segue auxiliando 0 manuseio do equipamento, ¢ incentivando-a a escrever do modo que ela achasse que deveria ser materializada a escrita, Durante © processo de escuta e escrita, observamos que ela tinha a preocupagio de que iria escrever algumas palavras “erradas”, ao passo que nos pedia ajuda, quando sentia dificuldades no ato da escrita de algumas palavras, mas sendo estimulada para a continuagdo do proceso, ficou tranquila, escrevendo da maneira que 0 outro entendesse 0 que deveria perpassar a sua escrita, Segue o texto fruto da transcrigdo da aluna da EJA: Figura 1: Texto transcrito por uma aluna do 4° ano EJA, sq;woo'peopao nn Gembnatuaqea Leantcca ata omina tu Eagar a B Rinaden aaeeOce ‘Ao analisarmos o texto percebemos que a aluna, apesar de esté na alfabetizagdo e ter muita dificuldade na leitura, possui um “bom” desempenho na escrita, se considerarmos seu grau de escolaridade. Mas sua escrita ainda deixa aparecer muitos problemas ortogrificos e de pontuaydo, naturais no estigio de aquisigio da escrita em que se encontra a aluna da EVA, Em seguida, temos a transcrigdo do texto gravado pela aluna da EJA: [..J] eu vou conta uma historia da mi a infancia: Quando eu era crianga cu bricava de buneca com minha amiga cumade sonha agente saia Pra o Sitio perto de casa la Pros Pe de caju Procurar nin de passarin nus galhos. eu pegava levava Pra casa amarrava upe i Falava que cera a galia eu matava coziava debaixo de um pe de jaca ila Fazia a Festa do batizado da SUMARIO ISBN 978-85-463-0489.9 boneca minha mae era muito simplis nfo (inka condigao de compra uma boneca Para min ‘eu Pegava Pano emrrolava e drobrava i fazia uma moneca colocava nu brago iassi et bricadeira, | 107 Cagliari (2009), ao estudar os textos produzidos no processo de alfabetizagdo, entende que os alunos ao escreverem cometem alguns deslizes naturais para essa fase. Sendo assim, na maioria das vezes, os acentos grificos bem como pontuagdo raramente estdo presentes nos textos. Também & comum a queda ou troca de uma letra por outra, ou entéo, a juntura de palavras. Com base nos estudos de Cagliari (2009) e Mirian (1989), para facilitar a compreensio dos fenémenos presentes no texto, identificamos e ocorreram no texto produzido pela aluna da EJA. ‘Figura 2: Tabela de sistematizagao dos fendmenos encontrados no texto Sistematizagio dos “erros” ortogrificos do texto Nome do fendmeno Exemplos do texto Correto A B Gg o1 | Juntura Mpalavra termina | Pros; iassi Para os; e assim intervoce- | com vogal ea Bular segunda inicia com vogal. a Ipalavra termina | Upe; ila Opéeela com vogal ea segunda inicia com consoante. 03 | Uemvez deo U; nus; buneca; cumade | O; nos; boneca; comadre 04 | Lem vez de EB 1; simplis E; simples 05 | Queda do NH Coziava; galia Cozinhava; galinha matizamos, na tabela abaixo, alguns problemas ortogrificos e que Para andlise do corpus colhido, selecionamos alguns problemas ortograficos comuns nessa fase de ensino como jungdo de palavras, troca de letras, queda de letras ete. Desse modo, temos em B1 e B2 palavras que, ao serem pronunciadas, parecem ser ditas juntas e que 0 aluno em processo SUMARIO ISBN 978-85-463-0489.9 | 108 de letramento as escrevem causando o fendmeno chamado juntura intervocabular, a juntura de dois vocdbulos. Em B1 temos a palavra “pros” que € a juntura da preposig’o “para” mais o plural do artigo “os”, ou seja, a juntura de duas palavras sendo que a primeira termina com vogal ¢ a segunda inicia também com uma vogal. J4 em B2 houve a unido de duas palavras, 0 artigo “O” e 0 substantivo “Pé” formando “upe”. ‘Também ¢ frequente a troca e queda de letras no texto da aluna ainda inexperiente ao ato de © em B3 0 “0” foi escrita, Se observarmos em BA, pereebemos que 0 “E” foi trocado por “ substituido por “U”. No caso de B3, isso acontece pelo fato de pronunciarmos “U” em vez de “O”, 0: mas grafamos “O”, como & demonstrado em B3, em que a preposigao & pronunciada “ Por essa razio, a aluna escreveu “Nus” em vez de “Nos”. Em AS, temos outro caso bastante comum no texto da aluna, a queda do “NH”, como podemos perceber nas palavras “coziava” ¢ “galia” que foram grafadas sem a presenga do “NH”, por haver uma confusio de identificagdo de som motivada pelo fato dessas duas letras possuirem sons semelhantes, dificultando, assim, a percepgdo da presenga sonora das duas. Percebe-se que a escrita do texto produzido pela aluna ¢ influenciada pela fala, A aluna ainda esti no processo de reconhecimento da escrita do texto adequado ao sistema ortogrifico da lingua, podendo adquirir essa habilidade com a experiéncia com a leitura e produgo do texto escrito. Destaca-se 0 fato de que apesar de ndo conseguir escrever utilizando os recursos ortogrificos, j4 consegue perceber que em sua escrita existe algo a ser acrescentado. Sendo assim, em outro momento esse trabalho ortogrifico poderia ser contemplado, de acordo com as necessidades apresentadas no texto dos estudantes. Seria possivel destacar alguns dessas dificuldades ortogrficas e gerar uma reflexdo acerca, por exemplo, de como as palavras destacadas na tabela acima poderiam ser escritas utilizando os conhecimentos ortogrificos que 0 aluno j4 domina ¢ comparado ao ditame da lingua oficial. Apesar da escrita utilizada pela aluna diferir da eserita defendida pala gramética tradicional como sendo ortograficamente © sentido do texto nao foi modificado ¢ isso precisa ser levado em consideragdo no ensino/estudo de linguas. Por isso, cabe ao professor elaborar atividades que procure aperfeigoar a escrita do texto por meio de um trabalho ortogrifico que poderia ser complementado com a atividade de mudar o género do texto produzido, ou seja, o primeiro texto produzido foi um relato pessoal, mas poderia ser sugerida a produgdo de géneros como um cartaz, trazendo informagdes sobre as atividades recreativas da infancia da turma ou listas de brincadeiras € brinquedos que eles utilizavam na infancia. E assim, na produgio desses géneros, 0 professor poderia incentivar 0 estudo ¢ a reflexdo sobre as diividas ortograficas que surgiriam na arquitctura dos géneros produzidos em sala de aula da EIA. SUMARIO ISBN 978-85-463-0489.9 [109 CONSIDERACOES FINAIS A.EJA tem sido uma oportunidade para os cidadios que nfo conseguiram concluir 0 ensino basico no tempo adequado a sua faixa etén por diversas razes. , busea-se na escola uma forma de tentar recuperar o tempo perdido na aquisigdo de conhecimentos que possam auxilis- los na interagdo dos alunos que se constituem sujeitos discursivos com o meio em que vive e com 0 outro. Os alunos que frequentam essa modalidade de ensino buscam aprender contetidos que realmente irdo servir para a sua vida e essa & uma proposta que a escola deve adotar no seu plano de ensino. © corpo discente deve ser preparado para a vida social, estudando na disciplina de lingua portuguesa 0s contetidos que realmente contribuirdo para a formagdo de alunos que utilizem a lingua como possibilidade de interagdo entre os sujeitos ¢ entre o sujeito ¢ © mundo. Por isso, 0 processo de letramento precisa partir dos textos de dominio social ou, principalmente, os textos que sdo produzidos pelos préprios alunos (GERALDI, 2000). Para o letramento na EJA, uma possibilidade seria a seméntica cognitiva, que defende a apreensdo dos conhecimentos do mundo por meio da experiéneia que temos, como afirma Gomes (2003), considerando que a experigncia dos alunos e dos textos que eles produzem e conhecem sio sso leitura ¢ escrita de grande valia para a aquisigao do pro E 0 professor da EJA precisa ter conhecimento dessas teorias inguisticas, a exemplo da seméntica, para que possa desenvolver um trabalho eficiente ¢ proveitoso com o texto em sala de aula A pesquisa permitiu colher dados em prol da identificagdo da influéncia da fala no momento de escrita de alunos da EJA, © que nos permitiu refletir acerca da possibilidade de um trabalho de letramento com foco na formagio de alunos leitores e produtores de textos que se constituem sujeitos discursivos em espago escolar proprio da EJA. Os dados analisados, frutos das experiéneias com uma aluna do 4° ano da EJA, permitiram a conelusio de que a escrita da aluna é influenciada por sua experiéncia como falante, sendo esse um proceso natural na aquisigo da lingua, Ter consciéneia desse proceso permite o desenvolvimento de um trabalho de letramento que culmina com a aquisigio da linguagem por meio da produgo e anilise de géneros textuais (orais eseritos) que adentram 0 ambiente escolar. REFERENCIAS ANTUNES, Irandé, Aula de portugués: encontro & interag0. Sto Paulo: Pardbola, 2003 SUMARIO ISBN 978-85-463-0489.9 1110 BRASIL. Secretaria de Educagdo Fundamental. Pardmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental, Brasilia: MEC/ SEF, 1998, Disponivel em: Acesso em: Setembro de 2013. CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetizago e lingdistica. 11* ed, Sdo Paulo: Scipione, 2009. GERALDI, Wanderley. Unidade Basica do ensino de portugués. Jn: GERALDI, Wanderley. (Org.) O texto na sala de aula. 3. ed, Séo Paulo, Atica, 2000, GOMES, Claudete Percira. Tendéncias da semAntica linguistica. Iu: Ed. Unijui, 2003, KLEIMA, Angela B. Letramento e suas implicagdes para o ensino de lingua materna, 2007.Disponivel em: Acessado em: 01/11/14. L Zuia tebrico do alfabetizador. So Paulo: Ki MLE, Miriam, tora Atica, 1987, PAIVA, Maria. MACHADO, Margarida. IRELAND, Timothy. Edueagdo de Jovens e Adultos: uma meméria contempordnea. ~ Secretaria de Educagio Continuada, Alfabetizagdo e Diversidade do Ministério da Educagto. Brasilia: 2007. Disponivel em: Acessado em: 02/05/2015, SUMARIO ISBN 978-85-463-0489.9

You might also like