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o7ior2020 0 conceitos na histria: consideragées sobre o anacronismo OpenEdition QV Journals Ler Historia 71 | 2017 Varia Espelho de Clio. Os conceitos na historia: consideragoes sobre o anacronismo Concepts in history: considerations about anachronism Les concepts dans histoire : considérations sur 'anachronisme José D’AssUNCAO BARROS. p. 155-180 https:l.org/10.4000Vlerhistoria.2980 Resumos Portugués English Frangais Propie-se discutir a questo do anacronismo na Historia, em sua relagio com a especificidade do discurso historiogrfico como texto que lida com duas ordens de linguagens e discursos: a do historiador, e a das fontes historieas ¢ época examinada, Indaga-se por que certos conceitos produzidos hoje, na pritica historiografica, adaptam-se tio bem a anilise de épocas em que nio existiam, e porque outros jé produzem incontorndveis inadequagdes. Intenta-se compreender estes aspectos refletindo sobre os potenciais generalizadores diserénico e sincrénico dos coneeitos. Para apoiar as reflexes de cariter geral, exemplos histéricos especificos so diseutidos. The article discusses the issue of anachronism in historical writing, considering both types of discourse that this one deals with: the historian’s language and the language that comes out directly from sources and each historical epoch. Why do some current historiographieal concepts adapt so well to the analysis of different historical times, while others, quite the opposite, sound so inadequate? The intention is to understand these questions by reflecting on the possibilities of Fechar hitps:l/ournals openediion or/lerhistora!2990 o7rt0r2020 0s conceitos na histria: consideragées sobre o anacronismo Entradas no indice Mots-clés: anachronisme, historiographie, histoire des concepts, synchronie, diachronie Keywords: anachronism, historiography, history of concepts, synchrony, diachrony Palavras chaves: anacronismo, historiografia, historia dos coneeitos, sincronia, diacronia Texto integral A Historia, entre as eiéncias humanas, constitui um caso particular no que se refere a0 uso dos conceitos. Tal especificidade tem sido intensamente estudada por diversos historiadores ligados a teoria da historia e & histéria da historiografia, entre os quais Reinhart Koselleck (1979), e também por autores que examinaram questées conceituais relativas a aspectos especfficos, como as anélises de Elias Palti sobre a politica contemporanea (2007), as anilises sobre o vocabulério do Antigo Regime elaboradas por Pedro Cardim (2005), ou as obras de Antonio Manuel Hespanha (1982, 2002) sobre 0 conceito de absolutismo e sobre o direito no inicio da era moderna. Mais recentemente, destaca-se a tese de Sami Syrjamaki, na qual se desenvolve uma cuidadosa tipologia de anacronismos na pratica historiogréfica (2011, 96). Igualmente importantes so as coletineas em torno das discusses sobre conceitos, acerca dos problemas historiogréficos a cles vinculados ~ seja em forma de livros ou em dossiés de revistas importantes -, as quais também tém surgido erescentemente.' Por fim, jé temos inclusive estudos sobre a necessidade de problematizagio das proprias coletneas que claboram andlises conceituais, bem como dos chamados dicionérios politicos, tal como propie e dirige Javier Fernandez Sebastian (2004, 2009). Neste artigo, nossa intengao é situar a questo do anacronismo em uma perspectiva mais geral, ligando-a A propria singularidade da escrita do texto historiografico, ¢ trazendo alguns exemplos para ilustrar estas observagdes. Podemos resumir a especificidade da Histéria em relacio & possibilidade de que se produzam conceitos anacrdnicos nos seguintes termos: somente a Historia, por tratar na especificidade do seu discurso com duas temporalidades distintas ~ a época do proprio historiador, ¢ a 6poca diferenciada & qual se refere o objeto de estudo ou proceso examinado — apresenta uma complexa questo a ser examinada: a concomitincia de dois niveis distintos de conceitos a serem considerados pelo historiador. Vejamos este problema de perto. ‘A presenga da alteridade no diseurso historiogréfico est intimamente ligada a questo da dupla temporalidade. O historiador jamais parece realizar um monélogo, em todos os sentidos que possa ter a palavra. Seu texto se mostra sempre desdobrado sobre si mesmo, Por um lado, o historiador costuma frequentemente dialogar com os outros historiadores, e também com cientistas sociais e humanos, de modo geral. Seu texto, alias, é freqiientemente atravessado por notas de pé-de-pigina, através das quais faz Temiss6es de diversos tipos a outros autores, presta esclarecimentos adicionais, e, sobretudo, indica as referéncias rigorosas de suas fontes. Por outro lado, ¢ principalmente, 0 texto do historiador desdobra-se necessariamente sobre textos de ontra época (aquela que inscreve seu objeto de estudo). O historiador nao se vé apenas tentado, mas instado, ou mesmo obrigado, a trazer para diante dos olhos do leitor os discursos de outro tempo, seja sob a forma de disenrsn direta entre asnas. sein reorvanizado-n em forma de naréfrases? 0 cme ocarre Fechar hitps:iournals.openediion or/lerhistora/2090 ane o7rt0r2020 Os concsitos na histéria:consideragdes sobre o anacronismo outra época, apartada da sua — precisa trazer em seu texto aquilo que torna viva essa época, que permite reapresenté-la quando ela ndo esté mais presente (representi-la, literalmente). O discurso do outro precisa estar contido ou referido no proprio texto do historiador, j4 que cle iré analisé-lo sistematicamente. Importa certamente 0 que 0 historiador pensa. Mas também importa o que pensa 0 outro (0 “outro histérico”, multipartido em seus varios personagens). Importa, ainda, o que o historiador pensa a respeito do que 0 outro pensa. O texto do historiador é explicitamente dial6gico. Pode-se dizer que o historiador esta como que suspenso entre duas épocas. Ele alternadamente sobe a uma ¢ desce a outra, com a rapidez da eserita, Estas duas épocas —a sua propria, de historiador, e a do processo histérico examinado, nomeadamente @ das fontes ¢ do objeto em estudo ~ tém cada qual sua linguagem, seu conjunto de feixes discursivos. Aqui chegamos ao nosso ponto. Podem as duas ser a mesma linguagem na aparéncia mais imediata, se considerarmos que o idioma do historiador é 0 mesmo idioma das fontes escritas, e que as palavras empregadas pelo historiador e pelas fontes sejam as mesmas. Mas, sim, sao duas linguagens. Essa é a questio a ser abordada, 1. Dois niveis de conceitos A dupla natureza do texto historiogréfico ~ um tipo de texto que € construido a partir do entremeado de dois feixes de diseursos, e que se desdobra a todo o momento sobre si mesmo — seré o fator primordial para abordarmos 0 uso dos conceitos em Histéria e compreendermos a sua especificidade frente ao uso de conceitos em outros campos de saber. A Histéria € a principal ciéncia eujo objeto se acha diretamente mergulhado em outro tempo, 0 qual jé desapareceu e apenas deixou sinais visiveis de sua passagem através das fontes histéricas, dos vestigios e discursos que nos chegam do passado. Por isso o historiador, que tem a tarefa de analisar e trazer ao leitor esse feixe de discursos diversos que The chegam mediadamente do pasado, precisa incorporé-los de alguma maneira, torné-los visiveis ou perceptiveis para o leitor como uma alteridade discursiva que é sua missio analisar. Esses textos das fontes historicas, os quais se apresentam ao historiador de varias maneiras, sao escritos em outra linguagem ou dialeto discursivo que no os do historiador. Ou, pelo menos, so textos que apresentam outro lugar- momento da mesma linguagem que ele, historiador, utiliza. A linguagem das fontes é por vezes traigoeira: ela se utiliza amplamente das mesmas palavras das quais hoje o historiador se utiliza. Mas estas palavras, ancoradas em outra época, podiam ter entio outros signifieados, outros usos, outras entonagoes, outros modos de terem sido um dia pereebidas pelos seus ouvintes e leitores. & preciso decifrar a linguagem da fonte quase como esta se fosse, metaforicamente, uma lingua estrangeira, Anteciparei aqui uma questo. As palavras (e também os conceitos) tém uma historia. Com a passagem do tempo, elas podem mudar de sentidos, adquirir novas nuances ou mesmo receber significados totalmente distintos. £ claro que, na sua maior parte, as palavras nfo mudardo tanto assim no interior de uma mesma lingua, de modo que é possivel a qualquer individuo ler um texto em sta lingua mas de outra época e compreendé-lo adequadamente. Mas é significativo e relevante o potencial de mudanga de algumas palavras. A expressio “anacronismo”, ou “anaerdnico” ~ “fora do tempo” ou ainda “contra 0 tempo” — é empregada quando ocorre a utilizagao estranha ou inadequada de algo, em nosso caso de ima nalavra ananda imnortada de iw nara o ontro temna (Svriamaki Fechar hitps:iournals.openediion or/lerhistora/2090 ana o7rt0r2020 0 Os concsitos na histéria:consideragdes sobre o anacronismo £ importante ja antecipar que freqiientemente encontramos palavras de hoje (e que no existiam em outra época) e que funcionam perfeitamente bem para descrever uma situagdo em um passado histérico. Ou seja, o uso de uma palavra de hoje para analisar 0 passado nao produz necessariamente anacronismo. Pode produzir, mas pode também no produzir. Mais adiante, darei alguns exemplos de conceitos ou de usos inadequados de palavras que produzem anacronismo, e outros que no produzem. Por ora, ainda no abordaremos o problema dos conceitos, mas apenas 0 das palavras comuns. Por exemplo, o personagem histérico que é conhecido como Papa Gregorio (540-604 4.0), ou ainda pela alcunha de Gregério Magno, ndo era na verdade chamado de papa na época, uma vez que a palavra “papa” nfo era entio usada exclusivamente para designar 0s pontifices romanos. No entanto, é admissivel utilizar a palavra “papa”, com o sentido de hoje, para designar os lideres da igreja catélica em uma época em que a palavra ainda nao tinha este sentido. Esta operacio, por alguma razo, no provoca anacronismo. Ou melhor, tanto no produzido nenhum desconforto ou estranhamento quando ouvimos um antigo bispo de Roma ser chamado de “papa” nos livros de Historia, como nao parece haver nenhuma deformagio da historia neste uso. Entretanto, soa bem estranho usar a palavra “guerrilheiro” - muito familiar nos dias de hoje — para designar individuos pertencentes a seitas beligerantes do passado distante que praticavam a tocaia, a sabotagem ¢ outras formas de luta contra um poder estabelecido. Néo hé muita explicagdo sobre porque algumas palavras dio certo e outras no; isto é, sobre porque algumas das palavras de hoje — ao serem usadas para nos referirmos a outras sociedades histéricas — parecem produzir de imediato a inadequacéo anacrénica, ¢ outras nao, O historiador precisa desenvolver um feeling para o correto uso de palavras de um tempo em outro. Nao ha uma receita para isto. Por ora, queremos retornar a questio dos conceitos. Koselleck dizia que o historiador trabalha com dois niveis de conceitos. O primeiro nivel - que aqui chamaremos de “nivel 1” ~ 6 0 nivel no qual se encontram os conceitos oriundos da propria comunidade cientifica na qual se inscreve o proprio historiador. Vamos entender esse nivel como a Epoca conceitual do historiador, mas deve ficar claro que aqui estardo todos os conceitos que séo utilizados atualmente como um repertério vivo de possibilidades pelos historiadores e cientistas sociais, mesmo que estes conceitos venham eventualmente de outros séculos mais recentes (ou mesmo mais distantes) Por exemplo, “modo de produgio” ¢ um conceito que remonta a Karl Marx Friedrich Engels em meados do século XIX, € 0 mesmo se pode dizer do conceito de “ideologia’, que nao foi propriamente um coneeito cunhado pelos dois fundadores do materialismo histérico, mas que com eles adquire sentidos especiais. Passados 170 anos da publicagéo da eélebre obra A Ideologia Alema (1846), escrita conjuntamente por Marx e Engels — bem como de outras obras nas quais estes autores propuseram um certo ntimero de sentidos para os conceitos de “modo de producio” e de “ideologia” -, estes conceitos seguem sendo amplamente utilizados por cientistas sociais e humanos de hoje. Se so utilizados como conceitos atuais, & porque os nossos autores contempordneos consideram que estes conceitos funcionam bem nas anélises em geral, a0 menos no interior de certa perspectiva tedrica que 6 a do materialismo histérico, Modo de produgao ¢ ideologia, embora conceitos cunhados no século XIX, podem ser por isso considerados conceitos atuais, sendo muito utilizados em pleno século XXL. A compreenso destes conceitos pode variar um pouco, ou mesmo mais significativamente de autor a autor, e autores diversos podem ter proposto novas Fechar hitps:iournals.openediion or/lerhistora/2090 ane o7rt0r2020 0s concsitos na histéria:consideragdes sobre o anacronismo contempordnea de historiadores e cientistas sociais. Para nossa discussio, também estes conceitos devem ser considerados atuais. Um dos niveis de conceitos ao qual se refere o historiador alemio Reinhart Koselleck, deste modo, é 0 dos conceitos que nos dias de hoje so instrumentalizados pelos historiadores. Entrementes, existe o outro nivel. Este é 0 que esta ancorado no universo das fontes e do processo histérico examinado (os conceitos de época, por exemplo, os quais eram pensados de certa maneira pelos contemporineos deste ou daquele processo histérico do pasado). O que produz esta singular dicotomia entre dois niveis de conevitos a serem enfrentados pelos historiadores é 0 problema que comegdmos a discutir anteriormente: a Historia é uma ciéncia humana que trabalha com uma outra época. 0 historiador est suspenso entre duas temporalidades, ¢ 0 texto que ele produz € um texto desdobrado sobre si mesmo: um género textual que precisa trazer, aos olhos do leitor, 0 discurso do “outro histérieo” (seja através de transerigdes das fontes entre aspas, seja através de pardfrases delas). Esse iiltimo aspecto — trazer o discurso das fontes — nao visa simplesmente reproduzi-lo, mas sim analisi-lo, problematiz4-lo, construir um conhecimento sobre estes discursos de uma outra época e, através desse conhecimento, compreender os processos histéricos que a atravessavam, bem como a especificidade das sociedades que nela viveram. & porque o texto do historiador desdobra-se sobre si mesmo ~ oscilando entre as andlises do historiador ¢ o dar a ler das fontes, ou entre a linguagem do historiador ¢ a linguagem das fontes — que estes dois niveis de conceitos aparecem com tanta clareza no texto especificamente historiografico. 2. De onde vém os conceitos da Historia? Os conceitos historiogriticos, tal como ja comegamos a entrever, so oriundos de ambientes diversos. Podemos representar estes ambientes conforme o esquema da figura 1 Figura 1: De onde vém os conceitos da Histéria 2 Do patriménio 1 [<=] conceital consoldado Bis Josie a es pela historiografia realidades historicas examinadas 3 L Fo once -VEM Da criagdo pessoal 6 Da Vida comum OS CONCEITOS de historiadores, em de hoje DA HISTORIA cobras especificas 4 De rigragies 5) oriundas de outros eta Se conceal consclidado Fechar hitps:iournals.openediion or/lerhistora/2090 sna o7rt0r2020 0s concsitos na histéria:consideragdes sobre o anacronismo historiogréfico. Os gregos antigos — os atenienses, por exemplo ~ chamavam a suas cidades ¢ as suas comunidades politicas de “polis”. Os historiadores que tomam por objeto de estudo a antiguidade grega costumam se apropriar instrumentalmente da conceituago de polis desenvolvida pelos préprios gregos. Este exemplo, ao qual voltaremos oportunamente, remete-nos a um primeiro ambiente do qual provém os conceitos historiogréficos: as préprias fontes histéricas [1]. Em seguida, devemos considerar que a comunidade historiogréfica — aqui compreendida como o grande conjunto formado pelos historiadores de todas as épocas € por toda a sua rede de pesquisas ¢ obras - vai consolidando ao longo da propria historia da historiografia um vocabulério conceitual muito proprio e especifico da Historia, Esse vasto repertério conceitual também é formado a partir de extratos de origens diversas; mas uma vez, que alguns conceitos se consolidam no repertério hhistoriogréfico devido ao seu uso bem-sucedido, tendemos a nos esquecer das diferentes origens dos conceitos que 0 constituem e passamos a utilizé-los como um repertério autorizado pela propria comunidade historiadora, Muitos destes conceitos no possuem autoria discernivel, embora em muitos casos possam ser historiados se houver um interesse de pesquisa neste sentido, “Antigo Regime”, por exemplo, foi um. conceito criado nos meios literarios, juridicos e politicos do século iluminista para se referir ao modelo social, econémico ¢ politico da Europa no periodo anterior Revolugio Francesa, Posto isto, os historiadores das geragies seguintes passaram a utilizar 0 conceito em suas anélises e este uso segue até hoje, obviamente com direito a cviticas de alguns setores internos a propria comunidade historiadora © mesmo pode ser dito do conceito de “populismo”, nogio de autoria desconhecida cujo uso se generalizou para variadas realidades politicas, até adquirir um sentido especial em alguns dos estudos sobre os governos latino-americanos que se estabelecem a partir dos anos 1930. 0 uso do conceito para o regime de Getilio Vargas, no Brasil, estendendo-se em algumas anélises até perfodos subsequentes, tem suscitado polémicas na historiografia sobre historia do Brasil, com partidarios a favor ou contra sua operacionalizago para o estudo destes diversos periodos. Em outras palavras, es em discussio 0 préprio uso do conceit de “populismo” (da expresso em si), a sua compreensdo (as notas que o definem), ¢ os limites do seu potencial generalizador (as possibilidades de uso em uma extensio mais ampla, para o caso de periodos diversos da historia da América, sem contar 0 universo mais vasto de possiveis usos do conceito para realidades histéricas que véo da Rissia de fins do século XIX as modernas repiblicas latino-americanas). A discussio sobre um conceito, seja qual for a origem de seus materiais, é sempre historica, e deve se atualizar permanentemente. Nos anos 1960, comecam a aflorar na historiografia brasileira os estudos histéricos mais consistentes sobre o populismo e, sobretudo, as obras teérieas de reflexdo sobre esta formulacdo conceitual (Weffort 1978). As disputas em torno do coneeito, e também em favor do seu abandono, tém se mostrado particularmente acirradas, e por vezes evolvem confrontos entre instituigGes € centros de pesquisa. De todo modo, 0 conceito jé faz certamente parte de um repertério historiografico possivel, nos dias de hoje. Uma rica diseussio sobre as definigdes possiveis de “populismo” perpassa uma historiografia que tem no Brasil apenas um dos seus muitos lugares de producéo.? Populismo, Antigo Regime, bem como indmeros outros conceitos, fazem parte de um extrato conceitual que se disponibiliza como um patriménio produzido no seio da comunidade historiadora [2]. ‘Vamos seguir adiante em nosso quadro sobre as instdncias e ambientes que fornecem Fechar hitps:iournals.openediion or/lerhistora/2090 ena o7rt0r2020 2 4 Os concsitos na histéria:consideragdes sobre o anacronismo substituigao ao antigo centralismo imperial. O Coronelismo ¢ este sistema no qual 0 poder se vé partilhado verticalmente da figura do “coronel” (um fazendeiro com grande poder local) até outras instancias como a dos governadores, de ld culminando em um Presidente da Repiiblica cujo poder, na verdade, termina por se resignar a uma politica determinada principalmente ao nivel dos governos dos estados. © significative poder conferido pelos governadores aos “coronéis” ~ que passam a deter poderes de vida e de morte sobre a comunidade em que atuam ~ e a articulagio da rede de “coronéi torno de cada governador, a verdadeira fonte do poder a eles delegado, da a tonica desse novo sistema, que vive particularmente da dinamica de barganhas estabelecida entre os governadores e os corontis, Muito se estudou e se escreven sobre 0 mundo politico concernente ao Brasil da Primeira Repiblica — sendo a propria designagio deste periodo objeto de intensa diseussdo conceitual (“Repéblica Velha”, “Primeira Repéblica”, “Brasil Repiiblica”?). A comecar pela propria oscilagao de designagées concernentes a este periodo histérico, um variado vocabulério historiografico tem sido empregado nas andlises desenvolvidas pelos pesquisadores. O conceito de “coronelismo”, entrementes, é um destes que foram muito bem-sucedidos, e gracas a isto obteve longa vida na historia da historiografia. No Brasil, a comunidade historiadora o assumiu — ao lado de outras nogdes como a de mandonismo ¢ de clientelismo ~ no interior do repertério conceitual mais utilizado para a discussio dos problemas sociais tipicos da Primeira Reptblica. Ha uma viva discussdo sobre a mais adequada compreensdo do coneeito (0 que ele significa, as notas que 0 caracterizam), bem como sobre a sua extensdo aceitivel (os casos que a ele podem se referir), e também sobre as relagdes deste conceito com outros como o de mandonismo ¢ o de clientelismo.4 Hé de fato uma viva polémica em torno do conceito, ¢ hé muitos historiadores que preferem rejeité-lo criticamente, ao lado de outros que o instrumentalizam.sMas ninguém discorda que, optando-se ou nfo o seu uso, a expresso tomou-se parte de um vocabulério que pode ser mobilizado pelos historiadores do tema, Trata-se de um bom exemplo de como um coneeito criado pessoalmente — um conceito batizado e de nascimento datado em uma obra especifica ~ passou dai a um repertério conceitual mais amplo [3] ‘Nao é nada raro que a Histéria extraia seus materiais conceituais das demais ciéncias hhumanas [4]. A Antropologia, a Sociologia, a Ciéncia Politica, a Geografia, a Lingiiistica, a Psicologia, e outras areas de estudo em formagio como a da Meméria social, tém fornecido aos historiadores um rico manancial de conceitos. Por fim, existe mesmo a possibilidade de conceituais oriundos de campos de saber fora do eixo das ciéncias humanas [5]. 0 aproveitamento de materiais conceituais vindos de outros campos de saber, que nao os campos mais vizinhos das ciéncias humanas com os quais 0 didlogo quase evidente, nao é de modo algum estranho & Histéria, e tampouco as demais cigneias sociais e humanas. Pode ocorrer tanto a migracéo direta de um conceito jé utilizado em outros campos da saber, como a migracio de um componente para formar um conceito maior. Para este limo caso, j mencionamos o caso do coneeito de “densidade demogrifica”, que extrai a sua componente “densidade” do campo da Fisica. Neste, a densidade corresponde a uma relagdo entre massa e volume, da mesma forma que na sociologia, na geografia ou na historia, a “densidade demogréfica” iré corresponder a uma relagao entre a populagao e o espago por ela ocupado. Pode-se lembrar ainda a importagdo do conceito de “crise” para areas diversas dos estudos histérieos e sociais. “Crise econdmica’, “crise social” ou “crise politica” apresentam como componente inicial uma noo que jé era, ha muito, utilizada na Fechar hitps:iournals.openediion or/lerhistora/2090 78 o7rt0r2020 26 a Os concsitos na histéria:consideragdes sobre o anacronismo como o de “segregacao urbana”. Este, como outros conceitos, também entraram para a Tinguagem comum, eotidiana, para a lingua viva utilizada por todos. Este aspecto, alids, permite que possamos dar uma volta completa em nosso quadro [6]. Os cientistas esto sempre mergulhados na vida (ou deveriam estar). Tanto ajudam a criar a Imgua viva com que todos nos comunicamos, como extraem da lingua viva jé existente materiais para as suas formulagdes conceituais. Com os historiadores, ndo diferente. Se alguns conceitos podem ou puderam ser extraidos das préprias fontes (ou da lingua viva do passado), também a propria lingua viva de hoje pode servir de inspiragdo para a cria¢do de conceitos a serem utilizados pelos historiadores atuais. 0 mundo das fontes — constituido de vestigios, discursos e fragmentos de discursos - chega-nos, alis, de uma realidade que um dia jé foi a propria vida viva, pulsante, diversificada ¢ cotidiana. No futuro, da mesma forma, este universo que constitui a realidade de hoje terd passado ao campo da experiéneia — ao passado histirico - continuard a inspirar os historiadores a usarem certas expressdes como conceitos titeis para as anélises historiogréficas. O ponto sexto retorna ao primeiro. Esse é 0 trabalho dos historiadores — estes cientistas cujo discurso, ele mesmo, passard um dia ao mundo das fontes, ensejando um circulo perfeito. 3. O potencial generalizador dos conceitos, no tempo e no espago Os problemas relacionados a anacronismos conceituais nos textos historiogréficos podem surgir, como jé ressaltémos, de dois sentidos diferentes: do mundo das fontes para o mundo do historiador, e do mundo do historiador para o mundo das fontes. Consideremos, por ora, apenas o primeiro caso. © historiador esté tentando compreender outra época, e encontra-se envolvido na andlise de suas fontes e de seu tema histérico. De repente, ele langa mio de uma palavra ou expresso de sua época para se referir a certos processos ¢ situagées de outra época em que esta palavra nao existia ainda como coneeito.%0u, também pode ocorrer, utiliza-se de uma palavra que existe hoje, mas que nio tinha exatamente 0 mesmo sentido na época examinada historiograficamente. Nossa preocupagio é com a operagao de escolher conceitos de hoje para analisar uma situag&o hist6rica, “Ideologia’, por exemplo - um coneeito que foi cunhado pela primeira ver. por Destutt de Tracy (1801), € que logo seria reapropriado por Marx e Engels com novos sentidos, é habitualmente empregado para se referir a perfodos para 0s quais esta palavra néo fazia parte nem do vocabulério de escritores da época, nem do inguajar da gente comum. Medievalistas recentes como Georges Duby e Jacques Le Goff, por exemplo, utilizam a expresso para se referir & “ideologia das trés orden: aquela que levava os homens medievais a enxergarem a sta sociedade como tripartida em trés ordens especificas: os bellatore, os laboratore e os oratore.’De modo geral, ninguém estranha este uso do conceito de ideologia para o estudo de visdes de mundo e formagies discursivas de periodos que vio da antiguidade ao moderno, Também é dificil que se oponham ao uso, para épocas recuadas como a do império romano, do conceito de “crise” — 0 qual somente entra para o vocabulario historiogréfico na tereeira década do século XX, quando Ernst Labrousse publicou A Crise da Economia Francesa no Limiar da Revoluedo (1943). Fechar hitps:iournals.openediion or/lerhistora/2090 ana o7rt0r2020 ” Os concsitos na histéria:consideragdes sobre o anacronismo coneeitos, construidos no mundo atual, provoquem estranhamento anacrénico ao serem direcionados para o vocabulério de andlise com vistas a sociedades mais antigas? E porque outros conceitos, cunhados na mesma época, ja nfio provocam esses mesmos estranhamentos? Nao existe uma explicagdo — uma férmula ~ que permita entender por que alguns conceitos contemporaneos funcionam bem para anélises de sociedades do passado, e outros nao funcionam. Por enquanto, como jé foi ressaltado, tudo ¢ uma questio de feeling historiogratico Mas podemos perceber que, em muitos casos, 0s conceitos de hoje que produzem anaeronismo so aqueles que, quando sao utilizados, pressupdem equivocadamente que os agentes histéricos da época examinada pensavam como um homem moderno. Ou seja, habitualmente, os conceitos de hoje que provocam anacronismo ao serem aplicados a objetos ligados a sociedades antigas so aqueles que néo levam em conta 0 anaeronismo inverso de pressupor que um homem antigo ja pensava literalmente como um homem moderno. Também ha casos em que o conceito utilizado provoca anacronismo por se referir a um movimento muito datado, como é 0 caso do feminismo, ou como seria o caso do “nazismo” se aplicado para eventos anteriores & onganizacao institucional do proprio nazismo. J4 conceitos como o de “crise” nao pressupdem, da parte daqueles que sofreram o que hoje chamamos de crise, uma certa maneira de pensar. Os homens do império romano podiam dar outro nome as perturbages, distérbios e disfungGes pelas quais a sua sociedade estava passando & época da sua fragmentagdo politica e do surgimento de novos padrées sociais que talver. tenham parecido perturbadores e dolorosos para os individuos pertencentes a determinados grupos sociais. Para alguns, era como se 0 seu mundo estivesse desmoronando, De todo modo, certamente os habitantes das sociedades agrupadas politicamente pelo Império nio utilizavam o conceito de “crise”, que ja vimos ser uma construgo recente. Mas 0 uso deste conceito nao deturpa o seu pensamento. Ademais, alguém pode viver uma crise sem nomear assim 0 que esté vivendo, da mesma forma que pode ter um “mal stibito” sem que precise conceitué-lo, modernamente, como um “ataque cardiaco”. Morria-se de pneumonia antes que os ‘médicos conceituassem esta doenga. Consideremos que todo conceito, necessariamente, deve possuir um ‘potencial generalizador’. Ha por exemplo os ‘conceitos agrupadores’, que sdo aqueles nos quais este potencial generalizador se manifesta sob a forma de uma capacidade de enquadrar ou de agrupar outros conceitos ou um certo mimero de casos. O conceito de “ser vivo”, por exemplo, é suficientemente generalizador para agrupar as categorias “animal” e “vegetal”. De sua parte, 0 conceito “animal” partilha-se através de diversas classes, como a das aves, mamiferos, répteis, peixes, insetos, vermes, etc. Estes iltimos conceitos, os quais também séo agrupadores, desdobram-se em ordens diversas, ¢ assim por diante, Também temos conceitos agrupadores nas ciéncias humanas. Assim, © conceito de “revolugao” pode ser entendido como capaz de agrupar pelo menos dois tipos de revolugées sociais ~ as revolugdes burguesas e as revolugGes socialistas (este & 86 um exemplo, nao necessariamente aceito por todos). As “revolugGes socialistas” (ou 0 conceito de revolugdo socialista) permitem que sejam agrupados, por fim, certo niimero de casos. Nao mais conceitos, mas agora casos especificos: a revolugio russa, revolugio cubana, a revolugéo chinesa, Estas nao so mais conceitos, pois so casos histéricos tnicos, eomo jé discutimos anteriormente. HA também coneeitos que possuem o potencial de generalizagio porque so capazes de se referir transversalmente a diversos casos. 0 conceito de “colonialismo” permite Fechar hitps:iournals.openediion or/lerhistora/2090 one o7rt0r2020 2 36 6 0s concsitos na histéria:consideragdes sobre o anacronismo ‘Ao pensarmos no potencial generalizador de um conceito, podemos nos perguntar & safda se este conceito apresenta um ‘potencial generalizador diacrdnico’. Isto & importante para os conceitos aplicéveis instrumentalmente & Histéria, e também para aqueles que podem ser objeto de estudo da Hist6ria. Proponho que nos indaguemos, através da nogao de ‘potencial generalizador diacrdnico’, se certo conceito em anélise possui menos ou mais capacidade de ser extensivel para situagdes histori diferenciadas (situagdes que se sucederam no tempo). Por outro lado, também posso perguntar pelo ‘potencial generalizador sincrénico’ — a capacidade de um coneeito ser aplicdvel a sociedades distintas no mesmo tempo (espacos diferenciados de anélise em uma mesma época, por exemplo). Vamos a alguns exemplos, que tudo ficara mais claro. O conceito de “revolugio” apresenta um alto potencial generalizador diacrénico, uma vez que varias revolugdes j& ocorreram ao longo da historia — ou, melhor dizendo, uma vez que no decorrer da historia j4 ocorreram intimeros easos que podem ser bem compreendidos através do conceito de Tevolugio. Ao lado disso, 0 conceito de “revolugao” também apresenta um bom ‘potencial generalizador sinerdnico’. Na primeira metade do século XX, diversas sociedades experimentaram processos hist6ricos que so avaliados como revoluges de acordo com algumas das compreensdes bem aceitas para este conceito. Tivemos a Revolugdo Mexicana (1910), a Revolugao Russa (1917), a Revolugao Chinesa (1949), por exemplo. Quase tivemos uma revolugdo socialista bem sucedida na Alemanha (1918- 1919). Espagos diferenciados, portanto, conheceram processos historicos importantes que podem ser considerados revolucionatios. Vamos nos concentrar, por ora, na reflexio sobre o ‘potencial generalizador diaerdnico’ de um conceito. O conceito de “crise”, j4 exemplificado, apresenta altissimo ‘potencial generalizador diacrénico’. Se tomarmos uma definigéo proposta por Antoine Prost, ou ao menos certo feixe de notas caracteristicas sugerido por este historiador francés para o conceito, “o termo crise designa um fendmeno relativamente violento ¢ sdbito, uma mudanca repentina, um momento decisivo, mas sempre penoso ou doloroso” (Prost 2006, 119). A drea médica também contribuiu para o delineamento do coneeito, na verdade pioneiramente, indicando notas caracteristicas da compreensio deste conceito que também foram mais tarde trazidas para a area sécio-historica, A crise € uma “disfun¢do”, 0 “mau funcionamento” [sibito] de um érgio, [de uma sociedade, de uma instituigio]. A crise, ainda seguindo a perspectiva médica, é uma situagao de mudanga que exige da pessoa, do grupo, do corpo em crise, um esforgo suplementar para manter ou recuperar o equilibrio (ou para sueumbir ao colapso, caso © equilibrio no possa ser retomado).*A crise envolve ainda “perdas”, ou a necessidade de substituigdes © readaptagdes répidas. Envolve também um momento decisivo, inclusive no sentido de que, diante da crise, invariavelmente é preciso tomar alguma decisio que poderé — ou deveré — mudar os destinos do corpo, do individuo, do grupo ou da sociedade em crise. O conceito de crise implica em uma compreensio que pode envolver combinadamente as seguintes caracteristicas: perturbacio, disfungio stibita, interrupgéo em um processo autorregulado, riseo de colapso, momento decisivo, duragio proviséria (tendente A recuperacdo do equilibrio com mudanga, ou & extingdo através do colapso), sensacio de perda, processo vivido de maneira penosa ou dolorosa, oportunidade de mudanga. ‘Todas as sociedades conhecidas, bem como todos os corpos vivos, ou todas as vidas pessoais, podem ou devem vivenciar crises algumas vezes. De fato, para ficar apenas no Ambito dos estudos de Historia, todas as sociedades que ja existiram, em diversos Fechar hitps:iournals.openediion or/lerhistora/2090 sone o7rt0r2020 38 2° Os concsitos na histéria:consideragdes sobre o anacronismo social que tem a sua origem datada (do fim, ainda nada sabemos, mas supde-se que ocorreré quando desaparecer o par antagénico que 0 gerou como resisténcia, 0 “machismo”). 0 conceito de feminismo, surgido nas iltimas décadas do século XTX mas consolidado ¢ intensificado em sua aplicagio a partir do século XX, nao parece ser aplicado a outros momentos histéricos (anteriores ao momento em que este conceito surgiu). Pode ser aplicavel para tempos futuros, desde que as sociedades vindouras 0 atualizem com suas praticas. Para casos como este, proponho que nos expressemos nos termos de um “baixo potencial generalizador diacr6nico”. Temos aqui conceitos cuja extenséo s6 se aplica a certo periodo de tempo. O “nazismo” corresponde a outro conceito que se aplica a este caso. O conceito surgi, datado, com a instalagao e atuagio do partido nazista alemao (um acontecimento que, destarte, pode ser colocado sob a égide de fendmenos mais amplos, neste caso demareado por conceitos mais generalizadores, como o de “totalitarismo”). Nao hé sentido falar em nazismo para periodos anteriores & fundagio do partido nazista. Quando fazemos isso, produzimos um anacronismo da espécie “de ontem para hoje”, O nazismo também teve seu fim datado (o que nao ocorreu para 0 caso do feminismo). Quando a Alemanha foi derrotada, em 1945, 0 nazismo se extinguiu como fenémeno histérico e estatal mais especifico, embora possamos falar hoje de “neonazismo: E verdade que nao é raro que se utilize o conceito de nazismo para fendmenos atuais, mas de modo um pouco inapropriado, sendo preferivel mesmo a designagio “neonazismo”. De todo modo, parte significativa dos estudiosos do tema concordaré em dizer que 0 nazismo foi um fendmeno histérico datado na sua origem e no seu final - sobretudo se considerarmos o fendmeno mais especifico do “estado nazista” hitlerista. Neste sentido, 0 nazismo ¢ um conceito de bai imo ‘potencial generalizador diacrdnico’. Cometemos anacronismos que saltam a vista quando o exportamos para outros momentos da histéria - por exemplo, quando procuramos no pasado onginquo, ou mesmo menos distante, precursores do nazismo, Situagdo curiosa acontece com o seu conceito-irmao, 0 “fascismo”. © “fascismo italiano” surgiu como a primeira experiéncia que confluiria para um estado totalitario. ‘Mesmo Hitler reconheceu essa primazia em relagdo a Mussolini, a quem admirava. Um pouco por isso, aconteceu & expresso “fascismo” uma dupla historia. H4 um conceito ais restrito de fascismo, que se refere ao caso especifico do “fascismo italiano” - que, nesses momentos, se equipara em nivel légico ao “nazismo alemo” — ¢ hé um uso ampliado do conceito de “fascismo", no qual a palavra fascismo tendeu a se transformar, alternativamente, em uma categoria mais abrangente na qual cabem os diversos casos histéricos de fascismos especificos, inclusive o nazismo alemao, 0 fascismo italiano, e outros movimentos que incluem, para 0 caso brasileiro, 0 movimento do “integralismo”. Ou seja, em uma de suas acepgies, 0 fascismo se transformou em um ‘conceito agrupador’. Nesta segunda acep¢io, mais ampla, o faseismo se tornou um conceito com razodvel ‘potencial generalizador diacrénico" para fendmenos contempordneos similares, aplicando-se a casos posteriores & dissolugao do fascismo italiano de Mussolini. De todo modo, para momentos histéricos anteriores a0 surgimento dos movimentos pré-totalitérios de direita, o “fascismo” nfo apresenta qualquer potencial generalizador diacrénico (tal como vimos ocorrer para o conceito de “feminismo”). Quando usamos o conceito de fascismo visando um momento anterior ao séeulo XX, caimos na armadilha da inadequagio conceitual anacrénica. Existe forte tendéncia a produgao de anacronismos quando tentamos exportar para Fechar hitps:iournals.openediion or/lerhistora/2090 ne o7rt0r2020 4% “4 4 0s concsitos na histéria:consideragdes sobre o anacronismo generalizador que, a certo momento, ele encontre o seu limite: no interior de um mesmo tempo (ou seja, em uma referéneia sinerénica), aplica-se a diversas sociedades ou espacos sociais, mas nfo a esta ou Aquela sociedade mais especffica. A argumentacao 6 similar 4 que foi desenvolvida para a discussfo do ‘potencial generalizador diaerénico’, s6 que agora voltada nio para sociedades dispostas em momentos diferentes do tempo, mas sim para sociedades dispostas em espacos distintos no interior de um mesmo horizonte temporal. Limitar-nos-emos a dar um exemplo, pois toda a argumentagao seria similar & que foi desenvolvida no item anterior. Exemplo cléssico de empenho em aplicar um determinado modelo conceitual a diversas sociedades, diferenciadas em maior ou menor medida, é 0 que temos com o conceito de “feudalismo”. Vamos considerar a compreensio do conceito proposta por Mare Bloch em A Sociedade Feudal (1939). Um esquema que elaboramos pode resumi- Ja (figura 2). Figura 2: Exemplo de compreensao e exten: de um conceito (feudalismo) yore & % 2 Comproensio | a om $ 2 ov” Os limites do ‘potencial generalizador sinerdnico’ do conceito de feudalismo comegam a ser especialmente testados quando o situamos diante de sociedades que se afastam do niicleo mais clissico da feudalidade europeia (Franga, regiées de lingua germanica, e outras). Um primeiro teste surge diante das tentativas de aplicagdo do coneeito de feudalismo as sociedades ibéricas do perfodo medieval, para ainda ficarmos, por enquanto, meramente no ambito das sociedades europeias. © que traz um contexto bem diferenciado s sociedades ibéricas & 0 movimento histérieo que ficou conhecido como Reconquista, presente durante toda a Idade Média. So considerdveis as implicagdes sociais e politicas do fato de que coube aos monarcas de Portugal, Leao ¢ Castela capitalizar os esforgos bélicos na luta contra os arabes instalados desde fins do século VIII em Al-Andaluz. A necessidade do concurso de todos os segmentos sociais na luta contra os mouros, ¢ a maneira como estes diversos segmentos se aglutinaram em torno de um monarca encarregado de centralizar os esforgos de guerra, permitiu que se desenvolvesse em Portugal e Castela um modelo ‘bem distinto do feudalismo tradicional. Aqui, o rei nfo hesitava em utilizar “esquemas feudais para estabelecer lagos pessoais com alguns nobres”, mas procurava desprivilegiar a possibilidade de se formar algo como uma “pirdmide feudal” a partir dos escaldes inferiores (Mattoso 1985, 145). Em ‘itima instancia, todos eram vassalos do rei. Em Portugal, “ricos-homens, cavaleiros e até esendeiras recebiam ima anantia (on contin). também denominada maranedis do Fechar hitps:iournals.openediion or/lerhistora/2090 vane o7rt0r2020 4“ 50 Os concsitos na histéria:consideragdes sobre o anacronismo no-aristocrata. Essa figura, tipica das sociedades ibéricas da Reconquista, parece embaralhar muito o tradicional imaginario feudal das trés ordens que era tipio de paises como a Franga, no qual os nobres tendiam a se identificar com a ordem dos que guerreiam, ¢ demarcar melhor o espago social dos bellatore perante as ordens dos laboratore e oratore. No esforgo histérico da Reconquista, no qual os reis ibéricos, precocemente centralizadores, precisaram comandar um exéreito mais unificado contra © inimigo islamico instalado no Andaluz, 0 cavaleiro-viléo, nfio-nobre, assumiu um papel especial. Ao mesmo tempo, associado por vezes a atividades produtivas ¢ ‘mereantis em franea ascensio, e sem os entraves imaginarios que parecem encerrar a nobreza dentro de um repertério feudo-vassélico de alternativas para o seu sustento, 0 cavaleiro vilio 6 muitas vezes mais resolvido economicamente que diversos nobres. A presenga do cavaleiro-vildo nas sociedades ibéricas ¢ nas lides da Reconquista cria um elemento complicador para a extensfo, para os espagos sociais portugués e castelhano, do conceito de feudalismo — 0 qual, em contrapartida, apresenta um bom potencial generalizador sinerdnico para as sociedades europeias de além-Pirenéus, Além disso, no que se refere & base econdmica, material e juridica que foi o suporte destas sociedades muito especificas que so as ibéricas-medievais, hé uma extensa polémica sobre a validade ou nao de se falar em um feudalismo portugués ou em um feudalismo castelhano, a qual depende dos critérios com que se define a feudatidade. Mais polémica ainda é a possibilidade de aplicagio do conceito para outras sociedades, agora ndo-europeias. A construgao do coneeito de feudalismo com énfase nos lagos de dependéncia horizontais — as relagdes feudo-vassélicas entre suseranos e vassalos, todos pertencentes & nobreza — ou nos lagos de dependéncia verticais (relagao entre 0 senhorio e a servidio), pode levar a rediscutir a sua compreensio, com implicagSes na extensio do mesmo.® Ou pode-se levar, com ressalvas eventuais, ao esforgo de estender certa compreensio do conceito com vistas a conciliar com cle outras realidades historicas e sociais. De todo modo, a indagagdo sobre os limites de ‘potencial generalizador’ sinerdnico do conceito deve ser sempre colocada. Quando, ao usar 0 conceito de “feudalismo” para certas sociedades, estamos ja diante de uma inadequagio conceitual? H4 os casos mais polémicos. Tera existido um “feudalismo japonés”? Mare Bloch (1979, 13) discute com seriedade esta possibilidade. Anacronismo, conforme assinalémos, ndo ocorre apenas quando utilizamos conceitos de hoje que se mostram inadequados para analisar problemas histéricos e sociedades de ontem, Existe também 0 movimento inverso: a importagao ingénua dos conceitos ¢ palavras de ontem para hoje, sem considerar as eventuais possibilidades de variagies historicas nos seus significados Sérgio Buarque de Holanda, em um artigo simultaneamente mordaz e saboroso datado de 1973, cita o caso de um anacronismo deste tipo em uma anélise histérica. Determinado historiador, que prefere no nomear,"° deparou-se em suas pesquisas com uma passagem contida nas fontes, na qual se diz. que “a cidade de Salvador era, das colénias do Brasil {no inicio do séeulo XIX] a mais frequentada de gente policiada’” Segue o comentério de Sérgio Buarque de Holanda sobre o deslize cometido por seu colega de oficio: Acontece que, ao ler ‘gente policiada’, o comentador [0 historiador criticado por ‘Sérgio Buarque de Holanda] nao teve dividas: Vilhena [personagem historieo, autor da fonte analisada] queria falar em polica, portanto em gente armada, portanto em militar. O estranho é que nao Ihe passou pela cabega [do historiador] ‘que a palavra ‘policiada’ pudesse ter, e no caso tinha, com eerteza, o sentido de Fechar hitps:iournals.openediion or/lerhistora/2090 rane o7rt0r2020 6 Os concsitos na histéria:consideragdes sobre o anacronismo habitualmente, contra o uso traduzido da palavra “polis”, que poderia ser reescrita, com perdas importantes, como “cidade”. Embora a polis grega possa, em algum momento, ser traduzida como cidade, nesta operacio perdem-se alguns aspectos essenciais que o conceito de polis teria para os gregos — notadamente aspectos relacionados a politica ~ e por isso tem-se adotado a incorporagio de um novo conceito, “polis”, para evitar problemas maiores. ‘A historiografia sobre a Antiguidade greco-romana tem adotado, comumente, recursos como estes: prefere-se nao traduzir o termo, para evitar 0 anacronismo, ¢ incorporé-lo, em sua forma grega mesmo, como novo coneeito. & easo também de meteco, palavra que aparece nos textos da Atenas classica e que poderia ser traduzida como “estrangeiro”, mas com perdas importantes relativas ao estatuto deste grupo social que frequentemente exercia fungdes como a de comerciante ou artesio. Os ‘metecos néo possufam nenhum direito politico e estavam impossibilitados pela legislagdo grega de contrairem matrimdnio com mulheres atenienses, além de serem obrigados @ pagar um imposto de residéneia. Por outro lado, eram considerados homens livres, aspecto importante naquela sociedade escravista. 4. Conclusao A utilizagdo dos conceitos com consciéncia de sua historicidade, conforme vimos neste ensaio, é crucial para o historiador. Compreender os dois niveis de eoneeitos com os quais devemos lidar em nosso oficio de historiadores e de cientistas humanos, a0 menos quando lidamos com objetos histérieos, que € 0 caso de todas as obras historiogréficas e também de algumas submodalidades das demais ciéncias humanas, é de fato uma operagao crucial. A sociologia histérica, antropologia histérica, linguistica historica, historia do direito, e outros campos igualmente especificos do saber, necessitam tanto da conseiéncia da historicidade quanto os préprios historiadores. Os coneeitos sao instrumentos fundamentais para a teoria ~ so meios que favorecem a produgio de saberes. Eles nio so, entretanto, os fins em si mesmos. S40 caminhos. Podemos encerrar alertando contra os riseos opostos. A paralisia conceitual pode ocorrer quando nos perdemos nessa tentativa de assegurar a consciéncia histériea através de uma busca obsessiva do coneeito perfeito. Além de “unidades de conhecimento”, conforme vimos anteriormente, os conceitos também nao deixam de ser “unidades de comunicagio”. Eles constituem um vocabuldtio problematizado através do qual podem se comunicar os praticantes de um campo de saber. Existe um ponto em que a busca obsessiva de precisio pode ser tao exagerada que pode comprometer a comunicagao, e contra isso devemos nos precaver. Sérgio Buarque de Holanda identifica o problema no artigo “Sobre uma Doenga Infantil da Historiografia” (2973). Trata-se, sim, de curioso aspecto de uma tendéncia incipiente de alguns poucos autores nossos para uma historiografia purgativa, dado que seu principal trago consiste no querer levar o vocabulirio histérico a absorver a forga os usos € costumes que possa parecer a mais rigorosa linguagem cientifica, e purgi-lo depois de qualquer expressio ambigua, imprecisa ou suspeita de inexatidio, (Holanda 2011, 419) © excesso de preciso conceitual, nao poderé, em alguns casos, levar a paralisia Fechar hitps:iournals.openediion or/lerhistora/2090 sane o7rt0r2020 59 Os concsitos na histéria:consideragdes sobre o anacronismo “unidade de conhecimento”, e quando convém utilizé-lo com maior flexibilidade, valorizando 0 seu papel como “unidade de comunicagao”, faz parte dos atributos do historiador — ou do seu feeling, por assim dizer. Conforme vimos no item anterior, 0 coneeito de escravidao ~ experiéncia histérica que permite a comparagio de intimeras formas de dominagao escravista ja conhecidas pela historia - poderia requerer, por obra de um historiador obcecado pela busca de conceitos perfeitos, termos bem especificos para cada caso. Seria interessante chamar por uma outra designagdo a0 “escravo” inserido no mercado atlantico moderno e no sistema especifico de trabalho ¢ de sujeigdo social imposto nas coldnias europeias, e por outra ao “cativo” afticano do mesmo perfodo, ao reconhecermos que temos nogdes distintas de eseravidio? A possibilidade coloca-se como alternativa para os historiadores que abordam os sistemas escravistas, Nao obstante, também sabemos que na Africa do periodo existem intimeras sociedades, muitas delas com o seu modelo proprio de eseravidio. Deveremos incorporar uma expresso propria para cada uma destas experiéncias? A certa altura de seu ensaio sobre como se escreve a histéria (1971), Paul Veyne chama atengio para 0 problema dos chamados “conceitos sublunares” (relativos ao mundo humano): Quando se pronunciam as palavras classe social, o que 6 ingénuo, desperta-se no Ieitor a ideia de que essa classe devia ter uma politica de classe, o que néo é verdadeiro para todas as épocas. Quando se pronuneia as palavras “a familia romana”, sem qualquer preciso, 0 leitor é induzido a pensar que esta familia era eterna, isto 6, a nossa, enquanto que com seus escravos, seus protegidas, seus adolescentes cunucéides, seu coneubinato e a pratica de abandonar recém- nascidos, era tdo diferente quanto a familia islamica ou a chinesa. Em uma palavra: a historia ni se esereve sobre uma pagina em branco: Ié onde nada ‘vemos, supomos que hi o homem eterno; a historiografia 6 uma luta incessante contra nossa tendéncia ao contrassenso anacrénico. (Veyne 1982, 71)! © problema do anacronismo é real; o desafio de enfrenté-lo no dia-a-dia da prética historiogréfica nfo pode ser contornado. Tampouco devemos deixar que a fobia do anacronismo nos conduza a uma paralisia conceitual. H4 um ponto em que, ao buscar a ilusio da preciso, ou ao nos entregarmos & perseguigéo do conceito perfeito para cada caso, comegamos a prejudicar 0 processo possivel de comunicagio, a leveza do texto, a possibilidade de instrumentalizar os conceitos como recursos de comparagio. HA um ‘momento em que nos deixamos aprisionar pela paralisia conceitual, ou que, para 0 caso dos historiadores, sucumbimos de alguma maneira a uma “doenga infantil da historiografia’. Ha que ser considerada, por fim, a questo da leveza artistica dos conceitos, para além de sua gravidade cientifica. Em um mundo caleulista, quantitativo, propaladamente sério, por vezes demasiado duro, tendemos a esquecer muito facilmente que os conceitos nasceram de inspiradoras imagens, de audaciosas metéforas, de deslocamentos criativos de palavras, de contornos irregulares através dos quais nos empenhamos em mapear o caos. Muitas vezes, conforme nos mostra 0 fildsofo alemao Friedrich Nietzsche (1974, 56), 0s conceitos nio deixam de ser “ilusdes, das quais se esqueceu 0 que so, metéforas que se tornaram gastas e sem forca sensivel, moedas que perderam sua efigie e agora s6 entram em consideragio como metal, nao mais como moedas’. Aprisionado sob 0 seu “céu conceitual matematicamente repartido”, os historiadores e cientistas humanos obeecados com a objetividade esto sob o risco permanente de deixar escapar essa necesséria leveza. Quero finalizar dizendo que conceituar néo é apenas uma operagio cientifica, mas Este site utiliza cookies e recolhe informagdes pessoais. a mais detalhes, consulte a nossa politica de privacidade (atualizade de 2018) Ao continuar a sua navegacio, tera aceitado o uso de cookies. Fechar hitps:iournals.openediion or/lerhistora/2090 em 25 d junhe ssi o7rt0r2020 0s conceitos na histria: consideragées sobre o anacronismo Bibliografia Bloch, Mare (1987). A Sociedade Feudal [1939]. Lisboa: Estampa. Bloch, Mare (2001). Apologia da Histéria [1941-42]. Rio de Janeiro: Zahar. Cammack, Paul (1979). "O Coronelismo e 0 Compromisso Coronelista: Uma Critica”. Cadernos do Departamento de Ciéneia Politica, 5, pp. 1-20. Cardim, Pedro (2005). “Administracio e governo: uma reflexiio sobre o vocabulério do Antigo Regime’, in M. F. Bicalho, V. Ferlini (ed.}, Modos de governar: ideias e praticas politicas no Império Portugués. Séeulos XVIa XIX, Sao Paulo: Alameda, pp. 45-68. 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Jé oelentelismo guarda relagGes com os outros dois conceitos, mas deve ser utilizado para dar énfase em uma *perspectiva bilateral” (Carvalho 1997, 229-250). 5 Ver Carvalho (1997, 229-250), autor que examina a polémica sobre 0 coronclismo que se estabelece entre Paull Cammack (1979) e Amitear Martins Fitho (1984), 6“ assim, por exemplo, que se recorre a dados da teoria econémica para analisar o cpitalismo naseente com categorias que, na 6paca, eam desconhecidas” (Koselleck 1979). ‘7 Georges Duby (1994, 17) retoma a expresso “ideologia tripartida” que fora introdurida para o estudo deste imaginario por Georges Dumeail (1986, 15). Antes disto, incorpora ao seu trabalho a discussio sobre definigao de ideologia desenvolvida por Baecller (1976), para também acrescentar algumas de suas proprias formulagSes. A crise de um organismo vivo busea a recuperacio da estabilidade: ou sob a forma dinamica de um novo equilibrio metabélico, ou sob a forma da estabilidade da morte, quando 0 organismo desaparece. ‘9 Maurice Dobb, por exemplo, tendia a identificar o feudalismo com a servidio, que desta forma torna-se o trago mais saliente da sua compreensdo do conceito de feudalismo. Foi eritieado neste aspecto por Paul Sweezy. Ver o debate em Hilton, Dobb, Sweezy (1976). 10 Trata-se, na verdade, de Carlos Guilherme Mota, e da obra Atitudes de Inovagdo no Brasil, 1789-1901. O artigo gerou depois polémieas, incluindo réplicas do proprio historiador eritieado. 41 Bloch foi algumas vezes criticado por esta frase genial, até com certa razo nos momentos mais especfticos em que o objeto de pesquisa exigiria uma precisdo do conceito de “feudalidade”. Ver, por exemplo, Alain Guerreau (1980, 90-91). 12 Mais tarde, Paul Veyne faria uma discreta e moderada critica A sua antiga posiglo (Veyne 1988, 71). Indice das ilustragées ‘Titulo Figura 4: De onde vém os conceitos da Histéria = URL, __hitpilfournals.openesition orgilerhistoria/docannexe/image/2930/img- = i) Ficheiros image/jpeg, 36k ‘Titulo Figura 2: Exemplo de compreensio e extensae de um concelto (feudatismo) =) Uy __http:/ioumals openecition orgierhistorialdocannexe/image/2930img- URE bing Ficheiros imagelipeg, 26k Fechar hitps:iournals.openediion or/lerhistora/2090 wine o7ior2020 0 conceitos na histria: consideragées sobre o anacronismo 2020. URL: hitp:/journals.openediion.orgllerhistoria/2930; DOI: hitps:li.org/10.4000Vlerhistoria.2930 Autor José d’Assungao Barros Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Programa de Pés-Graduacao em Histéria Comparada da UFRYJ, Brasil jose.d.assun@globomall.com Artigas do mesmo autor Cinema ¢ histéria — as fungées do cinema como agente, fonte e representagao da hhistéria [Texto integral Cinéma et histoire — les fonctions du cinéma comme agent, source et représentation de histoire Cinema and History — the functions of the cinema as agent, source and representation of History Publicado em Ler Histéra, 2 | 2007 Anhistoriografia pés-moderna [Texto integral] LLhistoriographie postmodeme ‘The postmodern historiography Publicado em Ler Histra, 1 | 2011 Retrodicao — Um problema para a construc do tempo histérico [Texto integral] Retrodi¢ao — Un probleme pour la reconstruction du temps historique Retrodiction — reconstructing historical time Publicado em Ler Historia, 85 | 2013 Direitos de autor Ler Histéria esté licenciado com uma Licenga Creative Commons - Atribuigo-NaoComercial 4.0 Intemacional Fechar hitps:ljournals openediion or/lerhistora!2990 rene

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