PIEDADE POPULAR
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MARIA ALEXANDRE LOUSADA
ESPACO URBANO, SOCIABILIDADE E CONFRARIAS.
LISBOA NOS FINAIS DO ANTIGO REGIME
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CENTRO DE HISTORIA DA CULTURA
‘TERRAMARESPAGO URBANO, SOCIABILIDADES E CONFRARIAS.
LISBOA NOS FINAIS DO ANTIGO REGIME,
Maria Alexandre Lousada*
As confrarias so associagdes de leigos com fins religiosose asssten-
ciais que conheceram uma ampla difusdo desde a Idade Média. A sua multi-
fancionalidade permitia-Ihe congregar gente das mais diversas condigSes,
sociais. Na segunda metade do século XVII, 0s efeitos conjugados do ter-
ramoto, da mudanga nos padrées de piedade e do surgimento de novas prti-
‘eas e novos espacos de sociabilidade (quer populares, quer de elite) terdo
provocado uma diminuicio sensivel das confrarias lisboetas. Neste texto
procura-se, de um modo exploratério e breve, situar estas confrarias no
espago urbano lisboeta nos finais do Antigo Regime’
1. Sociabilidades, espacos e tempos urbanos
Os espagos e os tempos condicionam as préticas e as formas de socia-
bilidade e estas, por seu turno, transformam-nos pelo seu uso. Os espagos
(s tempos urbanos sao diferentes dos do campo, tem uma especificidade
propria que lhes advém das caracteristicas da cidade e da vida urbana, Dessa
diferenga tinham consciéncia os contempordneos, como sucedia com Francis-
co de Mello Franco que, em 1813, comparava os usos do tempo na cidade
‘no campo nos seguintes termos: “Uma das causas mais notaveis, que conser-
‘yam a gente do campo vigorosa, € inquestionavelmente a regularidade, com
{que se distribui as horas do dia, e da noite, aquelas para os diferentes traba-
Ihos isticos, e estas para o repouso, e sono. S6 nas grandes cidades € que se
vé aeeste respeito transtomada a ordem geral da natureza, pois aqui se dorme
de dia, ese véla de noite, Pessoas ociosas, engolfadas em todas as qualidades
de distracgdes as mais das vezes viciosas, imitando as aves nocturnas,
dormem a maior parte do dia, para poderem suportar as vigilias da noite”.”
Para além desta dualidade temporal entre a cidade e o campo, existe na cidade
uma dualidade topogeifica ~ temporal e familiar ~ das praticas de sociabili-
Dep. de Geograts, Pculdade de Letras de Lisboa
"Est ago retoma, com aleragSes, parte do texto da mina dssertapio de dowtoramento, Matin
‘Aesandre Laws, Espocor de sociable em Lsboo: fois do aéouo XVI a 1834, Lisbos,
Fac de Letras 1995,
Francisco de Mello Franco, Elements de Hygiene, ou Dicames Theorcos,e Pratcos para con
seriara sade ¢ prolongar a vide, Lisboa, 183, p. 262 5 sublinhados slo meus).
937dade. Maurice Agulhon’ demonstrou-a para as classes populares parisienses
durante 0 século XIX. Em Lisboa, nos finais do século XVIII e nas primeiras
décadas do século XIX, detectou-se igualmente essa dualidade, No que se
refere as tabernas, casas de pasto ¢ estabelecimentos afins, as do centro eram
sobretudo locais de sociabilidade didria masculina e as dos arrabaldes eram
frequentadas preferencialmente aos domingos e dias feriados, em familia. Bra
‘o que sucedia em 1830 junto a Val Pereiro, onde as casas de venda de vinho &
comida “ordinariamente estio desertas aos dias de semana; aos Domingos €
dias Santos de Guarda costuma de tarde (estando o tempo bom), ajuntar-se
alguma gente ordindria a comer e beber’*. Existe pois uma uma geografia das
sociabilidades quotidianas que nio coincide com a das sociabilidades