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HOWARD S. BECKER \ METODOS DE PESQUISA EM CIENCIAS SOCIAIS TRADUGAO MARCO ESTEVAO RENATO AGUIAR REVISAO TRCNICA MARCIA ARIEIRA Quarta Edigao EDITORA HUCITEC Sao Paulo, 1999 46 SOBRE METODOLOGIA que nao entra em choque com quaisquer dos fatos que temos a nossa disposi¢ao. ‘CONCLUSAO ‘Nao tentei compilar uma lista completa de problemas ‘metodo- Tégicos ignorados. Poderfamos ventas realizar isso através de uma andlise Iégica das fases envolvidas na pesquisa sociolégica, uma andlise que seria, ‘contudo, baseada nas fases que os socidlogos aon idade atravessam, na medida em que possam ser derivadas Tn experiéneia de pesquisadores na prética.®° Poderiamos simul: taneamente abordar aquelas dificuldades vivenciadas pelos pes- quisadores como problemas priticos, tentando encontrar seu ca- ater genérico e seu hagar em alguin esquema légico, Precisamos, de qualquer modo, continuar & acrescentar a este inventdrie de problemas, ndo mais ignorando aqueles que néo podem ser convenientemente ‘enfrentados de maneiras conven- cionalmente “rigorosas”. Nao esolvemos ou nos livramos de um problema ignorando-o; fazendo-o, apenas deixamos que seus eh tos operem sem serem observados e criem dificuldades desconhe- cidas para o nosso empreendimento cientifico comum. ‘Se fizermos frente nos nossos problemas de método e de téeniea com uma combinagdo de andlise logicamente rigorosa o de ‘compreensiio spcjologica da pesquisa como um empreendimento coletivo, talvex possamos finalmente criar uma eiéneia vidvel 30 Ver Blumer, op. cit. CAPITULO 2 Problemas de Inferéncia e Prova na Observacao -Participante* O observador participante a 3 a inte coleta dado: le sua) partipapao na vids etna do grapo ou organiza pe ot a observa as pessoas que estd estud: : si studando para ver as situagies com que se deparam normalmente ¢ como se comporta sine das Entbul covering com alguns a ts varticipantes desta situagao e descobre as intery Ge tm sobre os acontesimentos que observow Ieee nig ermitam-me descrever, como um exemplo expesfco de tees rears mane © que meus colegas ¢ eu fizemos ao estudar — eee aties na. Assistimos semindrios com estudantes Santamos es haber rs 1s = anos de ciéncia basica e fre- jos nos quais passavam a maior seu temp, estimulando-ose ineiando convereagbes casuals ene * Reimproto graces permis d Zim rmiato dn American Soilgieel Review, CGozembra de 1988), 652-60. Copyright © 1958 American Sotolageal Re. Tete ensat nasen de mia experi Wt como nase de inh xsi pena epi o we 8 cer er, Braet. Hughes e Amel Stay in Whe Stade Calta inl Scho Cheng: Unveryo Chiegy Fr 186) labor! toques prea com Blanche Ger Depals rover nate etnia sre olaplo cna Teportada em Becker, Geer e Hi or @ Academie Side eer «Hughes, Mehing the of Gage Ti ra Se oh Wey a na, 00), No pep Beni edu, em grande pra, cm 9 pra ab Gl eo de “par. hnte comm snr nwo me ects ale 5 Re sn ine spi oo Fao a Ra Se i Obervatins: Sol es 38 tng te 980), 27.8 48 PROBLEMAS DE INFERENCIA E PROVA quanto dissecavam cadaveres ou examinavam casos em patologia. ‘Acompanhavamos estes estudantes em suas residéncias univer- sitérias e estévamos com eles quando discutiam suas experié na universidade. Acompanhamos estudantes em seus anos de cli- nica em plantées com médicos que os assistiam, observando-os vam pacientes em enfermarias ¢ nas clinicas € avam de grupos de estudo ou prestavam exames ‘orais. Comemos e dormimos segundo sua rotina. Andamos no en- calgo de internos e residentes em seus apertad ios de aula ou de atendimento clinieo. Permanecemos em companhia de um yequeno grupo de estudantes em cada servigo por periodos que iam de uma semana a dois meses, despendendo com eles muitas jornadas de tempo integral. Nas situagdes de observagio, havia tempo para conversas, e nés aproveitamos isso para entrevistar estudantes sobre coisas que tinham acontecido e que estavam em vias de acontecer, e também sobre suas préprias experiéneias an- teriores e suas aspiragdes. Normalmente, os socidlogos usam este método quando estéo | especialmente interessados em compreender uma organizagao es- peeifiea ou um problema substantivo, em vez de demonstrar re- lagdes entre varidveis abstratamente definidas. Eles se esforgam | para dar um sentido teérico a suas pesquisas, mas presumem que a priori nao conhecem o bastante sobre a organizagéo para jentificar problemas e hipéteses relevantes, e que precisam des- | eobri-los no decarrer de sua pesquisa. Embora a observago par- da para testar hipéteses a priori e, por conseguinte, nao precise ser tio pouco estruturada quanto no \ exemplo que dei acima, ndo é isto que em goral ocorre. Minha ‘discussdo se refere ao tipo de estudo de observagao participante jque busea tanto descobrir hipéteses quanto testé. ‘Appesquisa baseada em observago produz um montante imen- detalhadas; nossos arquivos contém aproxim: 7 paginas em espago um deste tipo de mater ©, enti, apresentar suas conclusdes de modo tal que idade. A observagao participante (na lise qualitativa de Todo geral) nao se saiu bem com este problema e, geralmente, as evidéncias completas para NA OBSERVAGAO PARTICIPANTE 49 as conclusdes e os processos através dos quais elas foram alcan-\ gadas nao sao apresentados, de modo que os leitores se véem em \ dificuldades para fazer sua propria avaliagao sobre elas e tem ‘que confiar em sua fé no pesquisador. J tento descortinar e descrever as operagées analiticas basicas realizadas na observacéo participante, por tes razses: tornar estas operagdes mais clara’ para aquléles que nao esto ‘izados com 0 método; ao tentar uma descrigéio mais ex- istematica, ajudar aqueles que trabalham com o método a organizar suas proprias pesquisas; e, o que é mais importante, propor algumas mudaneas nos procedimentos analiticos’e, parti- cularmente, no relato dos resultados, mudangas as quais tornardo mais acessiveis ao leitor os processos através dos quais as con- clusdes 0 aleangadas e fundamentadas. - A primeira coisa que observamos nas pesquisas baseadas em observacdo participante 6 que a andlise é conduzida segilen- cialmente,? partes importantes dela sendo realizadas enquan- to.o pesquisador esta coletando sous dados. Isto tem duas con- condicional realizado sao limitados pelas exigéncias da si do trabalho de campo, de modo que a andilise abrangente final pave nfo Ser possvel alé que o trabalho de campo estja trmi- ai Podemos distinguir trés estdgios distintos de dos no préprio campo, ¢ um quarto estégio, conduzido de _térmiino do trabalho de campo. Estes estagios sao diferenciados, ‘primeira, por sua seqiiéncia Tégica: cada um dos estagios suces- sivos depende de alguma andlise do estagio precedente. Eles sao diferenciados, além disso, pelo fato de que conclusdes de tipos diferentes so aleancadas em cada estagio, e de que estas con- eliisées sao destinadas a usos diferentes na continuagao da pes- quisa..Finalmente, eles Sao diferenciados pelos diferentes crité- 2.A este respeito, os métodos an 1s que discuto tm uma semelhanca familiar com a téenica de indusdo a Cf. Alfred Lindesmith, Opiate \ddiction (Bloomington: Principia Press, 194"), especialmente pp. 5-20, © a vratura subsequiente citada in Ralph H. Turner, "The Quest for Universals, in Sociological Research", American Sovielogieal Review 18 (dezembro de 1953) 604-11 re 50 PROBLEMAS DE INFERENCIA 5 PROVA ios que sao ut a wr as evidéncias e para chegar “aconclusées em cada estagio. Os trés est4gios da andlise de campo ‘shor Selepao ¢ definigio de problemas, conceitos e indices; 0 con- | trole sobre a freqiiéncia e a igdio de fendmenos; e a it poragdo de descobertas individuais num modelo da organizaggo em estudo.? O quarto estégio de andlise final envolve problemas de apresentagdo de evidéncias e provas. SELECAO E DEFINIGAO DE PROBLEMAS, CONCEITOS E {NDICES Neste estagio, o cbservador procura por problemas e conceitos que oferegam a perspectiva de produzir a maior compreensao da drganizagdo que ele esta estudando, ¢ por itens que possam servir como indicadores uiteis de fatos que sojam mais dificeis de obser- var. A conelusio tipica que seus dados produzem é, simplesmente, que WHY certo-fenémeno existe, que um determinado acon- fecimento ocorreu em dada ocasido, ou de que dois fendmenos foram observados para serem relacionados em uma instancia; a conclusao nada diz sobre a freqiiéncia ou distribuigdo do fendmeno observado. ‘Ao colocar uma observagao tal no contexto de uma teoria so- jolégica, o observador seleciona conceitos e define problemas investigagsio, Ble constréi um modelo teérico para dar Jo a luz de com o seguinte: “O estu de seus pacientes como “pitistico”.* O observador pode entio r Tacionar esta descoberta com uma teoria sociolégiea que sugira que os ocupantes de uma categoria si i dlassificam membros de outras categorias através de critérios de- rivados do tipo de problema que esta outra categoria coloca no relacionamento. Esta combinagao de fato observade e teoria 0 con- 3 Minha discussio sobre estes estigios ¢ abstrata ¢ simplificada, ¢ nao tenta lidar com 0s problemas praticos e téenicos do estudo baseado em ob- ‘participante. O leitor deve ter em mente que a prética da pesq\ envolvera todas estas operagées simultaneamente, com referéneia a proble- mas especificos diferentes. '¢ Os exemplos que nosso observador hipotético utiliza foram retirados de Boys in White NA OBSERVAGAO PARTICIPANTS 51 duz a procurar por problemas na interagéio estudante-paciente, indicados pelo termo “pitidtico”. Ao descobrir especificamente 0 que os estudantes tém em mente ao empregar o termo, através do questionamento e da observagio continua, ele pode desenvol ver hipéteses especificas sobre a natureza destes problemas in- teracionais. Conclusoes sobre um acontecimento tinico também eonduzem 0 observador a decidir sobre itens especificos que lizados como indicadores® de fenémenos menos fat vados. Um dado item 6, pelo menos numa instan estreitamente a algo menos facilmente observavel; assim, 0 pes- quisador descobre possiveis atalhos que facilmente o qualificam para observar varidveis abstratamente definidas. Por exemplo, ele pode decidir investigar a hipétese de que os calouros de Me- dicina sentem que tém mais trabalho do que seria possfvel rea- lizar no prazo que Ihes ¢ concedido. Um estudante, ao discutir este problema, diz enfrentar tanto trabalho que, em contraste com seus dias de estudante de graduagdo, é forgado a estudar muitas horas durante os fins de semana ¢, mesmo assim, néio acha que é suficiente. O observador decide, com base neste exem- plo, que poderia utilizar as queixas sobre o trabalho de fim de semana como um indicador das perspectivas do estudante sobre utilizado como indieador de alguma ‘menos; ou ele pode ter em mente o problema mais amplo, e buscar indicadores especificos para utilizar em seu estudo. 50 problema de indicadores ¢ discutido por Paul F. Lazarsfeld ¢ Allen Barton, “Qualitative Measurement in the Social Sciences: Classification, Ty- pologies, and Indices”, in Daniel Lerner e Harold D. Lassw: The Policy Sciences: Recent Developments in Scope and Method (Stanford: Stanford University Press, 1951), 155-92; “Some Functions of Qu: “Analysis in Sociological Research", Sociologica 1 (1985), 924-6 tante ensaio se 52 PROBLEMAS DE INFERENCIA E PROVA Esteja ele definindo problemas ou selecionando coneeitos e in- dicadores, o pesquisador esta, neste estdgio, utilizando seus dados somente para especular sobre possibilidades. Operagses posterio- res nos estsgios seguintes podem forg4-lo a abandonar a maioria de suas hipéteses provisérias. Todavia, problemas de evidéneia se colocam mesmo neste ponto, pois o pesquisador precisa avaliar 08 itens individuais nos quais suas especulagdes estdo baseadas, de modo a nao desperdigar tempo seguindo pistas falsas. Neces- sitaremos, finalmente, de uma definigdo sistemética de leis para ser aplicada aos itens individuais de evidéncia. Mas, na falta de tal definigdo, consideremos alguns testes comumente emprega- dos. (Tipicamente, o observador aplica estes testes medida que parecem razoaveis durante este estdgio no campo e 0 sub- seqiionte. No estagio fi jes si utilizados, de forma mais sistemética, na avaliagao global das evidéncias para uma dada conelusao.) A credibilidade de informantes (~ Muitas evidéncias consistem em declaragbes feitas por mem- bros do grupo em estudo sobre algum acontecimento que tenha aeorrido ou esteja bm processo. Assim, estudantes de Medicina fazem declaragées sobre 0 comportamento do corpo docente que formam parte da base para conclusdes sobre as relagdes corpo docente/aluno, Elas no podem ser levadas em conta por seu valor eral; nem tampouco podem ser descartadas como desprovidas “valor Ema primeiro lugar, 0 obsérvador pode utilizar a dle i idado através dos critérios que um historiador utiliza ao @xaminar um documento possoal.® Teria o informante razdes para montir ou esconder uma parte do que considera como sendo a | verdade? Vaidade ou conveniéncia o levariam a distoreer infor- ‘mages sobre seu préprio papel num acontecimento ou em relagao a cle? Teve ele realmente a oportunidade de testemunhar a ocor- réncia que descreve, ou é a boataria a origem ‘de seu conheci- © Cr. Louis Gottschalk, Clyde Kluckhobo ¢ Robert Angel, The Use of Per NA OBSERVAGAO PARTICIPANTE 53, mento? Seus sentimentos sobre as questées ou pessoas em dis- cusso o levam a alterar sua histéria de alguma maneira? Em segundo lugar, mesmo quando uma declaragdo assim exa-) minada se mostra seriamente defeituosa como relato minucioso | de um acontecimento, ainda pode fornecer evidéncias titeis para | um outro tipo de conclusdo. Ao aceitar a proposigao sociolégica \ de que as declaragses ¢ deserig5es que um individuo faz sobre } ‘um acontecimento so produzidas a partir de uma perspectiva a qual 6 fungio de sua posisiio no grupo, o observador pode inter- pretar tais declaragses 0 descrigbes como indicagBes da perspec.) tiva do individuo sobre 0 ponto em questo. Declaragées dirigidas ou esponténeas Muitos itens de evidéncia consistem em observagées feitas pe- Jos informantes aos observadores sobre eer solace! tros, ou ainda sobre_algo que Ihes tenha acontecido; estas decla- ragdes vao desde aquelas que sao parte da evolugdo normal de uma conversa casual do grupo até aquelas que surgem num longo @ intimo téte-d-téte* entre o observador e o informante. O pesan sadar-avalia o valor de-evidéncia de tais declarages de maneira ~ muito ita itemente do observador (espontaneamente) ou terem sido dirigidas por uma pergunta sua, Um ealouro de Medicina pode comentar com o observador ou com um outro estudante que tem mais material para estudar do que tempo disponivel para fazé-1o; ou 0 observador pode perguntar, “Ved acha que te deram mais trabalho do que vocé pode agtientar”, e receber uma res- posta afirmativa, Isto levanta uma importante questo: até que ponto a decl ago do informante seria a mesma na auséncia do observador, seja ela feita espontaneamente ou em resposta a uma pergunta’ A declarago espontinea parece menos propensa a refletir as reocupagdes do observador e possiveis biases do que uma decla- ragao feita em resposta a alguma agao do observador, pois a pro- pria questio do observador_pode.levar o informante a dar uma esposta que poderia nunca the ocorrer de outra maneira. Assim, * Em frances no original (nota dos tradutores). 54 PROBLEMAS DE INFERENCIA E PROVA. no exemplo acima, ficamos mais seguros de que os estudantes estao preocupados com o montante de trabalho que lhes foi con- ferido quando eles o mencionam por iniciativa prépria, e menos quando sentimos que a idéia pode ter sido estimulada pela per- gunta do observador. A equacao grupo-informante-observador ‘Tomemos dois extremos para estabelecer o problema. Uma pes- soa pode dizer ou fazer alguma coisa quando esta sozinha com o observador ou quando outros membros do grupo também estao presentes. O valor de evidéncia de uma observagao deste com: portamento depende do julgamento do observador para determi- nar se © comportamento pode igualmente ocorrer em ambas as situagées. Por um lado, um informante pode, enquanto est so- nho com o observador, dizer ou fazer coisas que reflitam com exatidio sua perspectiva, mas que seriam inibidas pela presenga do grupo. Por outro lado, a presenga de outros pode estimular comportamentos que revelam mais exatamente a perspectiva da pessoa, mas que ndo seriam verifieados exclusivamente na pre- senga do observador. Assim, estudantes de Medicina, em s anos de internato ico podem expressar sentimentos profun- damente “idealistas” sobre a Medicina quando a sés com 0 ob- servador, mas se comportam e falam de modo muito “cinico” quan- —do cercados por seus companheiros estudantes.{Uma alternativa ao julgamento de uma destas situagdes como mais confidvel do > | que a outra é ver cada dado como valido em si mesmo, mas uti- Jos de forma relativizada quanto a diferentes conclusdesNo | exemplo acima, podemos coneluir que os estudantes tém senti- ‘mentos “idealistas”, mas que as normas do grupo podem nao san- \ cionar sua expresso.” | ___f , Naavaliagdo do valor de itens de evidéncins, também devemos “) leva em-consideragiio © papel do observador_no_grupo, pois a maneira como os sujeitos de seu estudo definem este papel afeta o que diréo para e 0 que o deixarao ver. Se o observador realiza sua pesquisa incdgnito, participando como um membro plenamente integrado ao grupo, ele privard de conhecimentos que 7 Ver este volume, pp. 79-83. poor ov NA OBSERVACAO PARTICIPANTE 55 normalmente sao compartilados por estes membros e que devem ser escondidos de alguém de fora do grupo*. Ele poderia, perti- nentemente, interpretar sua prépria experiéneia como a de um membro hipotético “tipico” do grupo. Por outro lado, se sabem que ¢ um pesquisador, ele precisa descobrir como 0s membros do grupo o definem e, especificamente, se acreditam ou ndo qué Gér- tos tipos informagdo e acontecimentos deveriai r mantidos: em_segredo em relagao a ele. Ele pode interpretar evidéncias mais exatamente quando as respostas a estas questdes so conhecidas. CONTROLE DA FREQUENCIA E DA DISTRIBUICAO DE FENOMENOS O observador, de posse de muitos problemas, conceitos e it cadores provisérios, deseja agora saber quais deles vale a pen Perseguir como focos principais de seu estudo. Em parte, ele faz descobrindo Se os acontecimentos que incitaram seu desen- volvimento so tipicos ¢ disseminados, ¢ observando como estes| acontecimentos estado distribuidos entre as categorias de = e subunidades organizacionais. Chega assim a conchasdes que sa essencialmente quantitativas, utilizando-as para deserever a or ganizasao que estuda. Observagées participantes tém sido ocasionalmente coletadas numa forma padronizada capaz de ser transformada em dados estatisticos legitimos.* Porém, as exigéncias do campo geralmente impedem a coleta de dados num formato que se adéqiie as pre- missas dos testes estatisticos, de tal modo que 0 observador lida com o que tem sido chamado de “quase-estatistiea”®, Suas con- ¢lusées, ainda _que_implicitamen icas, no requerem quantificagao precisa. Por exemplo, ele pode coneluir que os mem- 5 das associagées de calouros de Medicina tipieamente se sen- tam juntos durante palestras, 20 passo que outros estudantes se sentam em grupos menores menos estaveis. Suas observagies po- dem indicar uma disparidade tao disseminada entre os dois gru- os neste aspecto, que a inferéncia fica garantida sem uma ope- * Outsider, em inglés (nota da revisora) 8 Ver Peter M. Blau, “Co-operation and Competition in a Bureaucracy”, American Journal of Sociology 59 8 Ver a discussio sobre quase-estat Functions of Qu: 56 PROBLEMAS DE INFERENCIA E PROVA tagdo de contagem padronizada. Ocasionalmente, a situagio de campo pode The permitir fazer observagies semelhantes ou per- guntas semelhantes a muitas pessoas, buscando sistematicamen- te um fundamento quase-estatistico para uma conclusio sobre | freqiiéncia ou distribuigao, ‘Ao avaliar a evidéncia para uma tal conclusio, 0 observador segue o exemplo de seus colegas estatisticos, Ao invés de argu- » mentar que uma conclusao ou é totalmente verdadeira ou total- nente fal de, se possivel, qual a probabilidade de que Siia conclusto sobre a freqiléncia e distribuigo de um_fendmeno ‘qualquer seja uma quase-estatistica precisa, exatamente da mes- ‘ma maneira que um estatistico decide, com base em valores va- ridveis de um coeficiente de correlagéio ou de um valor de signi- ficdncia, que sua conelusto tem mais ow menos possibilidade de ser exata. O tipo de evidéneia pode variar consideravelmente, “0 grau de confianga do observador na conclusdo variard de ma- . Ao chegar a esta avaliagéo, ele langa mao de al- guns dos eritérios descritos acima, assim.como daqueles critérios oriundos adotados das téenieas quantitativas. Suponha, por exemplo, que 0 observador conclua que os estu- dantes de Medicina compartilhem a perspectiva de que sua escola deveria thes fornecer a experiéneia clinica e as praticas técnicas necessérias para um clinico geral. Sua confianga na conclusio variaria segundo a natureza da evidénicia, a qual poderia assumir cada tima das seguintes formas: (1) Todos os membros do grupo disseram, em resposta a uma pergunta direta, que esta era a ma- neira como viam a questao. (2) Todos os membros do grup pressaram espontaneamente para um observador que era assim que enearavam a, questo. (3) Uma dada parcela dos membros do grupo ou respondew uma pergunta direta ou forneceu espon- taneamente a informagao de que compartilhava esta perspectiva, ‘mas néo foi perguntado a nenhum dos outros ou nenhum deles exprimiu espontaneamente alguma informagao sobre este assun- to, (4) Todos os membros do grupo foram interrogados ou forne- ceram informagées espontaneamente, mas uma dada parcela dis- ‘se que encarava a questo a partir da perspectiva diferenciada de uma possivel especializagao. (5) Perguntas nao foram feitas a ninguém e nem informacdes espontaneas foram fornecidas, porém observou-se que todos os membros adotaram comportamentos ou NA OBSERVAGAO PARTICIPANTE 57 fizeram outras declaragdes a partir dos quais o analista inferiu que a perspectiva do clinico geral era utilizada por eles como uma premissa bdsiea, embora ndo declarada, Por exemplo, todos os estudantes podem ter sido observados queixando-se de que 0 Hospital Universitario recebou um niémero demasiado elevado de doengas raras, que os generalistas raramente encontram. (6) Observe que uma dada parcela do grupo utilizava a perspec- geral como uma premissa bdsica em suas ativida- des, mas néo se observou 0 restante do grupo envalvendo-se em tais atividades. (7) Observou-se que dada parcela do grupo se en- volvia em atividades que implicavam a perspectiva do generalista, idades que 7 vam a perspectiva de uma possivel especializagao. bial O pesquisador também leva em consideragio_a possibilidade de que suas observagses Ihe fornegam ncia de diferentes pos sobre o_ponto em questde. Do mesmo modo” qiié fea ma convencido se tiver muitas evidéncias do que se tiver poucas, ele ficard mais convencido sobre a validade de uma conclusdo se deneia." Por exemplo, ele pode estar espec muitos tipos d mente persuadido de que uma determinada norma existe e afeta © comportamento do grupo se a norma for nao somente descrita pelos membros do grupo, mas também se puder observar acon- tecimentos nos quais a norma pode ser “vista” em operagio — estudantes Ihe dizem que esto pensando em se tornar generalistas e se observa, também, suas queixas sobre a falta de casos de doengas comuns no Hospital Universitario. © potencial de gerar conclusées que advém da convergéncia” de muitos tipos de evidéncia reflete o fato de que variedades se- paradas de evidéncia podem ser reconceituadas como dedugdes feitas a partir de uma proposi¢ao basiea, que, agora, foram veri ficadas no campo, No caso acima, o observador pode ter deduzido_) 0 desejo de ter experiéneia com easos do tipo dos que sto tratados por generalistas a partir do desejo de praticar este estilo de Me- dicina, Ainda que a dedugdo seja feita depois do fato, sua confir- magao reforga o argumento de que a perspeetiva do elinico geral constitui uma norma de grupo. 10 Ver Alvin W. Gouldner, Patterns of Industrial Bureaucracy (Gl Mz Free Press, 1954), 247-69. " Graney 58 PROBLEMAS DE INFERENCIA E PROVA Dever-se-ia lembrar que estas operagdes, quando levadas a cabo no campo, podem ser cbstrufdas de tal forma devido a imperativos da situagao de campo, que néo podem ser conduzidas de forma tao sistemética quanto dev ser. Quando isto ocorre, a avaliagaio global pode ser adiada até 0 estagio final da andlise pés-campo. CONSTRUGAO DE MODELOS DE SISTEMAS SOCIAIS J O estégio final de andlise no campo consiste na incorporago | de descobertas individuais ao modelo generalizado do sistema ou da orga nizagao. lectual basico para a sociologia moderna. O tipo de observagao participante discatido aqui esté dirctamente relacionado a este conceito, explicando fatos sociais especificos através de referéncia | explicita a seu envolvimento num complexo de varidveis interco- | nectéveis que o observador constréi eomo um modelo te6rico da organizagao. Em seu estégio final, o obstrvador concebe um mo- delo descritive que melhor explica os dados que reuniu. . ‘A conclusao tipica deste estdgio da pesquisa é uma afirmagao sobre um conjunto de complicadas inter-relagdes entre muitas va- \ | ridveis. Embora algum progresso venha sendo realizado na for- malizacdo desta operaro, através do uso da andlise fatorial e da andlise de relagaes para dados de “survey”,"? os que trabalham com a observacéo geralmente encaram as técnicas estatisticas correntemente dispx como inadequadas para expressar suas concepgées, e acham necessério utilizar palavras. As conclusées mais comuns neste nivel abrange que me chamou a atengao para a relagao entre SPiuttne sts sbervegto partspente, Vor serSame Observations on Syeemate Teo Hana ter Teagan, Socllgy nthe United Stas of America Parr UNESCO, MEE Seen ectheoeteat Requlyements ofthe Applied Socal Sones”, American Sociological Review 22 (fevereiro de 1957), ae Analyt Fe Akin Wt Gouldner Coampoltansand Lael Toward an Analyse sont 80 "3 2 (dezembro de nS sign te 1080, 424-80, « Tamer Coleman, “Relational he Sady of Soa Sacre wih Survey Methois, Human Or dentin a6 NA OBSERVAGAO PARTICIPANTE 59 (2) Afirmagdes complexas sobre as condigbes necessérias e su- ficientes para a existéncia de algum fenémeno, O observador pode concluir, por exemplo, q tudantes de Medicina estabelecem ‘um consenso acerca dos limites do montante de trabalho que de- verdo realizar porque (a) enfrentam um grande volume de tra- balho, (6) se envolvem em atividades que criam canais de comu- Ao entre todos os membros da classe e (c) enfrentam perigos imediatos sob a forma de exames definidos pela Escola. irmagées de que algum fendmeno é um elemento “impor- tante” ou “basico” na organizagao. Tais conclusées, quando ela- boradas, apontam em geral para o fato de que este fendmeno “exerce uma influéncia persistente e continua sobre diversos acon- scimentos. va que a ambigso de tornar- se um generalista é “importante” na Escola de Medicina em es- tudo, querendo com isto dizer que muitos julgamentos e escolhas especifias sao feitos pelos estudantes em fungao desta ambigao, @ que muitos aspectos da organizagao escolar so ajustados no sentido de levé-la em consideragao. (3) Afirmages que identificam uma situagio como um exemplo de algum processo ou fenémeno descrito miais abstratamente na ‘eoria sociolégica. Teorias postalam relagdes entre muitos fend- ‘menos abstratamente definidos, e conclusdes desse tipo implicam que relagées postuladas de forma generalizada se sustentem neste exemplo especifico, Por exemplo, 0 observador pode afirmar que generalista é uma norma cul- expressar um desojo de tornar. tural dos estudantes de Medicina; ao fazé-lo, assevera, com efeito, Tormas e sobre os. 0 tida como verdadeira em geral, é verdadeira neste caso especifico. Para chegar a este tipo de conclusées, 0 observador caracte- risticamente comega construindo modelos de partes da organiza- so a medida que entra em contato com elas, que descobre con- ceitos e problemas, assim como a freqiiéncia e distribuigdo da- queles fenémenos que chamaram sua atengao. Depois de construir um modelo que especifique as relagdes existentes entre os varios elementos desta parte da organizagio, o observador busca maior Precisdo através do sucessivo refinamento do modelo, de modo a levar em consideragio evidéncias que nao se encaixavam na sua 60 PROBLEMAS DE INFERENCIA E PROVA { formulagéo anterior", através da pesquisa de exemplos negativos (evidéncias que entram em contradigao com as relagdes hipotéti- cas do modelo), os quais poderiam forgar uma tal reviséo e através da pesquisa intensiva de interconexdes in vivo dos varios elemen- tos que ele conceituou a partir de seus dados. Ao mesmo tempo que o modelo condicional pode dar mostras de suas falhas através de um exemplo ni ivo que se desenvolva inesperadamente no curso do trabalho de campo, o observador pode inferir que tipos de evidéncias seriam capazes de confirmar ou refutar seu modelo, e pode pesquisar intensivamente para encontrar tal evidéncia.'¢ Depois que observador tiver acumulado varios modelos par- ciais deste tipo, ele busca as conexées existentes entre eles e, deste modo, comega a construir um modelo global da organizagao como um todo. Um exemplo retirado de nosso estudo mostra como esta operagao é efetivada durante o periodo do trabalho de campo. (O leitor observard, neste exemplo, a maneira como séo utilizadas descobertas tipicas dos estagios anteriores da andlise.) Quando, pela primeira vez, escutamos os estudantes de Medi- cina aplicarem o termo idtico” aos pacientes, fizemos um es- forgo para entender precisamente o que queriam dizer com isso. Descobrimos, através de entrevistas com estudantes sobre exem- plos aos quais tanto eles préprios quanto o observador haviam presenciado, que o termo se referia de maneira pejorativa a pa- cientes com muitos sintomas subjetivos, mas com patologias fi- sicas nfo discerniveis. Observagies subseqientes indicaram que este uso da palavra era uma caracteristica sistematica do com- portamento dos estudantes, e, portanto, que deveriamos incorpo- rar este fato a nosso modelo do comportamento estudante/pacien- te. O eardter pejorative do termo sugeria especificamente que in- vestigAssemos as razées pelas quais os estudantes nao gostavam destes pacientes. Descobrimos que esta aversio estava relacio- nada ao que descobrimos ser a perspectiva dos estudantes da Escola de Medicina: a opinido de que estavam na _universidade “Comment "American NA OBSERVAGAO PARTICIPANTE 61 para ganhar experiéneia no reconhecimento e no tratamento de doengas comuns, que tinham maior probé lade de serem en- contradas na prética generalista. Os “pitidticos”, que presumivel mente ndo tinham doengas, nao podiam proporcionar tal expe- riéncia. Fomos assim levados a especificar as conexées existentes na relagdo estudante-paciente e a viséo da proposta de sua edu- cago profissional. Questées relativas & génese desta perspectiva _ levaram a descobertas sobre a organizagdo do corpo discente-¢ sobre a comunicagéio entre estudantes, fendmenos que vinhamos: atribuindo a outro modelo parcial, Visto que a aversao pelos “pi- tidticos” advinha do fato de que néo davam oportunidade aos es- tudantes de assumirem responsabilidades médicas, podiamos ain- da ligar este aspecto do relacionamento estudante/paciente com uum outro modelo especulativo do sistema de valores e da orga- nizagdo hierdrc da universidade, modelo no qual a respon- sabilidade médica desempenha um importante papel Deve-se destacar, ainda uma vez, que andlises deste tipo sao », levadas a cabo no campo, & medida que o tempo que a construgao de um modelo 6 a operagéio ani timamente relacionada com as técnicas ¢ os interesses do obser- vador, geralmente ele despende um grande periodo de tempo pen- sando sobre estes problemas. Porém, geralmente nfo é capaz de ser t&o sistematico quanto desejaria até que atinja o estégio final da andlise, ANALISE FINAL E A APR NTACAO DOS RESULTADOS A anilise sistematica final, realizada depois que o trabalho de campo est completo, consiste na rechecagem e na reconstrugac dos modelos, tao cuidadosamentae com tanta” salvaguardas quanto permitirem os dados. Por exemplo, ao controlar a precisdo de déclarages sobre a freqiiéncia e a distribuigio de aconteci- ‘mentos, o pesquisador pode indexar e organizar seu material de forma tal que todos os itens de informagdo sejam acessiveis © considerados na avaliagio da preciséo de qualquer concluséo. Ele pode se beneficiar da observagao de Lazarsfeld e Barton de que a “andlise de ‘dados quase-estatisticas’ pode provavelmente ser feita de modo mais sistematico do que foi no passado, se se eon- seguir pelo menos ter em mente a estrutura légica da pesquisa 62 PROBLEMAS DE INFERENCIA & PROVA io deste tipo de evidéncia € 0 estagio de conéeitualizacao do problema no qual o observador a & © se encontea no momento em que o item de evidéncia 6 coletado. . 0 (0 observador pode ter seu problema bem trabalhado e estar pro- curando ativamente por evidéncias para testar uma hipétese, ou pode ndo estar ainda tdo consciente do problema. O valor de evi- déncia dos itens de suas observagdes de campo vai variar em fungao disto, sendo que a base desta avaliagao serd a possibilidade de descobrir exemplos negatives da proposigéo para cuja formu- subseqiientemente, utiliza 0 materi /-evidéncia pode ser exatamente aquela que foi coletada da maneira \ -miais impensada, quando o observador simplesmente registrou 0 Vitem, embora ele no fizesse parte do sistema de conceitos e hi- pétoses que estivesse trabalhando no momento, pois possivel te contém menos bias produzido pelo desejo de dar substancia _ou repudiar uma idéia em particular. Por outro lado, uma hipdtese bem formulada possibilita umabusca deliberada por exemplos negativos, particularmente quando outros conhecimentos suge- rem areas provaveis nas quais procurar tais evidéncias. Este tipo de busca requer uma conceitualizagao avangada do problema, e | “evidéncias coletadas deste modo podem ter um peso maior para | certos tipos de conclusdes. Ambos os procedimentos so relevantes \_em diferentes estagios da pesquisa. "No estagio de andllise pés-trabatho de campo, o observador pros- segue de forma mais sistematica na operagao de construgao do modelo. Considera 0 cardter de suas conclusées e decide sobre 0 tipo de evidéncia que poderia causar sua rejeigao, derivando tes- tes posteriores através da dedugao de conseqiiéneias légicas e da avaliagao sobre se os dados sustentam as deduces ou no. Ele considera hipdteses rnativas razodveis, e avalia se a evidéncia as refuta ou ndo.'® Finalmente, ele completa seu trabalho de es- 15 “Some Functions of Qualitative Analysis..., op. eit, $48. 16 Um método para fazi-lo, particularmente adaptado ao teste de hipéteses distintas sobre mudanga em individuos ou pequenas unidades seciais (emb imitado a esta aplicagan), é “The Technique of Discerning”, descrita por Mirra Komarovsky in Paul P. Lazarsfeld e Morris Rosenberg, NA OBSERVACAO PARTICIPANTE 63, epois de completar a andlise, o observador enfrenta o com. icado problema de como apresentar suas conclusdes e suas reg. \ pectivas evidéncias. E comum e justifiedvel que leitores de rel torios de pesquisa qualitativa se queixem de que pouco ou nada ¢ dito sobre as evidéncias para conclusdes, ou sobre as operagies * através das quais elas foram avaliadas. Uma apresentagao mais adequada dos dados, das operapses de pesquisa e das inferéncias do pesquisador pode ajudar a resolver este problema. Porém, dados qual i lentos analiticos — em. contraste com os quantitativos — sdo dificeis de apresentar ade- quadamente, Dados estatisticos podem ser resumidos em tabelas ¢ medigdes descritivas de varios tipos; assim como os ‘midtodos através dos quais elas foram maruseadas podem, com freqiét ser relatados de maneira precisa no espago necessdrio para im. primir uma férmula. Isto ocorre porque, em parte, os métodos foram sistematizados de tal modo que ¢ possivel se referir a eles nesta forma reduzida e, em parte, porque os dados foram coleta- dos para um niimero fixo e geralmente pequeno de eategorias — ‘ apresentagaio dos dados nao precisa ser mais do que um relatério sobre o ntimero de exemplos a sor encontrado em cada uma das categorias. Os dados da observacao participante nao se prestam a tal re- sumo pronto. Eles consistem freaiientemente de tipos muito di-\ ferentes de observagdes, as quais nfo podem ser simplesmente categorizadas e contadas sem perder algo de seu valor como evi- | - déncia — pois, como vimos, muitos pontes devem ser levados em consideragdo a0 se utilizar cada dado, Todavia, esta claramente fora de questao publicar todas as evidéncias. Nem tampouco é solugo, como sugerix Kluckhobn para 0 problema semelhante de apresentagao de material relativos a histérias de vida,"? pu- blicar uma versdo reduzida e tornar acessfvel todo um conjunto organizadores, The Language of Social Research 449-57. Ver também a cuidadosa discussio sobre utilizagio de consequéncias deduzidas como prova posterior Opiate Addiction, passim, 17 Gottschalk ef al, op. cit, 160-6. 64. PROBLEMAS DE INFERENCIA E PROVA em microfilme ou nalgum outro meio barato, pois assim se ignora o problema de como apresentar provas. ‘Ao trabalhar no material sobre o estudo da Escola de Medi ‘uma_possivel_solugdo para este problema, com a qual estamos fazendo uma experiéncia, 6 uma descri¢do da histéria natural de nossas conchusées, apresentando as evidéncias tais como chega- ‘am A atengdo do observador durante os sucessivos estagios de a conceitualizagao do problema. O termo “histéria natural” néo | jmplica a apresentagao de cada um dos dados, mas somente das formas earacteristicas que os dados assumiram em cada estégio da pesquisa. Isso envolve, levando em consideragao as leis dis- cutidas acima, a forma que tomaram 0 dados e qualquer excegao significativa na apresentagio das varias afirmagoes de descober- tas, assim como das inferéncias ¢ conclusdes esbogadas a partir delas. Desse modo, a evidéncia é avaliada A medida que a andlise substantiva 6 apresentada. Se este método for empregado, o leitor sord capaz de acompanhar os detalhes da anéllise e ver como € em que bases se chegou a qualquer das conclusses. Isto daria a0 leitor, como dio os métodos estatisticos de apresentagdo atuai fa oportunidade de fazer seu préprio julgamento quanto & ad ‘quagio da prova e ao grau de confianga a ser atribuido & con- cluséo. coNcLUSAO imeiramente, tentei deserever 0 campo analitico caracteris- tico da observagao participante, de modo a trazer & tona o fato de que a técnica consiste em algo mais do_que-meramente mer- (_Bulhar 6m dados e “ter insights”. A diseussio pode servir igual- “mente para estimular aqueles que trabalham com estas ¢ outras técnicas semelhantes a tentar uma maior formalizagao ¢ siste- ‘matizagao das varias operagdes de que fazem uso, de modo que “a pesquisa qualitativa possa tornar-se um esforgo de tipo mais \“cientifico” e menos “artistico”. Finalmente, propus que novos mo- delos para relatar os resultados fossem introduzidos, de modo que seja facultado ao leitor maior acesso aos dados e aos proce- dimentos nos quais foram baseadas as conclusdes. CAPITULO 3 Evidéncias de Trabalho de Campo idade das conclasdes derivadas de dados| csletado pele rabatnode sama? Secatannoa eee eae | na vida das pessoas que estudamos, i ; et » participarmos de sua rotina didria de atividades e observarmos os cendrios ¢ locais onde ocor- rem; se conversarmos com elas tanto informalmente quant entrovistas relativamente organizadas; se investigarmos ea gistros da organizagtio, os documentos oficiais, os meios de co- ‘manieagdo publics, cartas, agendas e quaisquer outros registros € artefatos que possamos encontrar; se registrarmos sistemati- camente tadas a8 informagoes que adquirirmes por estes meios e, fina >| e? Ou devem achar que 6 arriscado dar cote como evidéncia a eonclustes assim obtidas? 's antropélogos podem achar a questi tol ‘ola, porque fazem uma grande parte de seu trabalho desta maneira e porque tantos de seus clissicos dependem deste tipo de evidéncia; mas uma mino- ria dentre eles, possivelmente uma minoria em crescimento, po- ' Problemas da validade dos dados de trabstho d i 's dados de trabstho de campo foram discutidos em Arthur J. Vidieh, “Participant Observation and the Collection and Inter- 66 EVIDENCIAS DE TRABALHO DE CAMPO deria ver algum sentido na questo, sentindo que as técnicas de trabalho de campo antropolégico sao exce: mente desestrutu- ~fadas para produzir eonhecimento confidvel. Os psicélogos, por oatro lado, consideram a questio significativa e, de fato, a estao sempre levantando 1 do & pesquisa sociolégica, “Soa muita interessante, até mesmo plausivel’, eles dizem, mas, “é verdade? Como podemos ter certeza?” Os socidlogos tremem. Todos 0s seus classicos reconhecidos — Street Corner Society, The Polish Peas- ant, The Urban Villagers — se bastiam em tais métotos, Porém, stituimos aos deuses do rigor e da preciso, ¢ 08 proce- Pree sarontemente-indseiplinados do trabalho dé campo no dhegam propriamente a & adoquar as exigéncias desta “Um motivo pelo qual as pessoas se preocupam com a possibi- lidade de as conclusdes dos estudos de campo no serem confidveis 4 que os agentes de campo As vezes surgem com caracterizagdes ©“ astante diferentes de instituigdes, organizagdes ou comunidades jdénticas ou supostamente semelhantes. Se os métodos. so cop- fidveis, dois estudos da mesma coisa nao deveriam produzir uma descrigdo semelhante? Porém, 0 Tepoztlan de Oscar Lewis parecia muito diferente do de Robert Redfield, a Escola de Medicina que meus colegas e eu estudamos parecia muito diferente da que fot estudada por Merton et al., € estes nao sao os tinicos casos. Estas disparidades podem ocorrer simplesmente Dora as or- ganizagdes ndo sio de fato as mesmas. A passagem do tempo pode ter mudado Tepoztlan substancialmente; isso nfo seria de surpreender. A Escola de Medicina da Universidade de Kame que estudamos difere da Escola de Medicina de Cornell que Aa ton et al. estudaram em localizagéo, Teerutamento de corpo do- conte o discente, fontes de apoio e em muitos outros sentidos que poderiam facilmente justificar as diferengas entre as nossas les- eriges. Nunca devemos pressupor que duas_instituigdes so <) iguais simplesmiente porque pertencem & mesma categoria social sy) SB ivencionalmente definida; algumas escolas primérias podem se er, Byart Hoge ¢ Analy ee Boge in While (Ch ego: University of Chicago Press, 196), Raber Sean a fore Dre Kendal erga, The Stadent Pct (Cambridge: Harvard University Press, 19: 1951); « Howard S. Bi DENCIAS DE TRABALHO DE CAMPO 67 assemelhar a prisdes, outras a clubes de campo, enquanto ainda outras de fato tém a aparéneia de escolas comuns. Se dois estudas) revelarem estas diferengas, o resultado s6 seré anémalo se insis tirmos que as coisas que so chamadas pelo mesmo nome sd0, por decorréncia, a mesma coisa. Porém, suponhamos até mesmo que dois pesquisadores estu- dem uma organizagdo idéntica e ainda assim a deserevam de modo bastante diferente. Na pesquisa de laboratério, pensamos ~~ que é muito improvavel que as pessoas déem deserigées muito diferentes daquilo que ocorreu no mesmo experimento. O expe: rimentador fez isso, os participantes Szeram aquilo; pode-se dis- cutir a interpretagao, mas raramente se contesta a descrigdo. Por- tanto, descrigdes distintas da mesma organizacdo perturbam pes- ¢ soas acostumadas a pesquisa modelada no paradigma experi-~ mental. 2 Porém, sua perturbasdo pode estar fundada num pressuposto desautorizado: de que os dois agentes de campo em questo se mobilizaram para estudar a mesma coisa, responder As mesmas-~ perguntas. As pessoas muitas vezes estudam organizagées idén- ticas ou semethantes usando métodos de pesquisa de campo, mas tem om mente teorias diferentes e perguntas diferentes, Quando“ fazem perguntas diferentes, obtém respostas diferentes. Os dados nos dois estudos serdo de fato diferentes, mas a diferenga nao indica que as informagGes nao sao dignas de confianga. Demonstra, apenas que o observador esta observando uma coisa diferente. Erroneamente pressupomos que os observadores tém que estar estudando a mesma coisa porque supomos que apenas uma es- trutura social esta presente numa organizagao ou comunidade, Isto é verdade num certo sentido mais geral. Todas as pessoas ‘que ocupam uma area geogréfica dada ou um edificio especifico que abriga uma dada organizago realmente constituem uma grande estrutura social. Porém, a estrutura global contém.uni~ dades menores, 0 a diferenga entre dois estudos de campo da“ iiesma coisa pode residir na énfase diferenciada dada a uma ou - outra destas unidades menores. Whyte e Gans descreveram bair-~ rs italianos de baixa renda essencialmente semelhantes em Bos- ton, mas suas deserigdes sio vastamente diferentes. Whyte des- reve as atividades caracteristicns de um grupo de homens jovens € nao casados e explora a relagao deles com a estrutura politica o de servigos comunitarios localizada na area. Gans descreve o que parece ser uma sociedade , que contém, além da instituigao de servigos comunitérios, “ha variedade de outras instititigées.? Porém, ninguém discutiria seriamente que a diferenga entre a descrigdo de Gans e a de Whyte demonstra que uma ou outra, ou mesmo as duas, sto implausiveis, ou que seus dados néo so _confidveis. Eles focalizaram partes diferentes da comunidade to- ~ tal e fizeram perguntas diferentes a seu respeito. Nao ha nenhu- ma razdo para que suas descrigdes sejam semelhantes. \ Do mesmo modo, dois observadores poderiam estadar a mesma ‘organizagdo ou parcela organizacional, mas com referéncia a pro- blemas diferentes. Quando Renée Fox estudou os calouros da Es- cola de Medicina, queria saber como a estrutura social da Escola de Medicina os treinava nas qualidades que provavelmente se- riam importantes para um desempenho bem-sucedido como mé- dicos; quando Blanche Geer estudou os calouros da Escola de Me- i ia saber como eles se organizavam para lidar com ‘anos de serem estudantes de Medicina. Blas estudaram a mesma coisa, mas estudaram aspectos diferentes , endo deveriamos esperar que suas descrigdes da estrutura do ano de calouro da Escola de Medicina fosse idéntica.* Em geral, ndo devemos esperar resultados idéntieos quando dois observadores estudam a mesma organizagao a partir de di- ferentes pontos de vista, ou quando estudam subestruturas dife- rentes dentro de uma organizagéo maior. O que temos o direito de esperar 6 que as duas descrigdes sejam compattveis, que as conclusées de um estudo nao contradigam implfeita ou explicita- mente as do outro, Desse modo, podemos ver que Whyte e Gans descreveram essencialmente 0 mesmo tipo de comunidade, pois a descrigiio de Whyte dos rapazes da esquina se integra perfei- tamente a descrigdo feita por Gans das unidades familiares da comunidade; as familias que Gans descreve sic simplesmente as lam Foote Whyte, Street Corner Society (Chicago: University of Chicago Press, 1955), e Herbert J. Gans, The Urban Villegers (Nova York: Free Press, 1962) 4 Ver Merton et al., op. cit. e Becker et al, op. cit EVIDENCIAS DE TRABALHO DE CAMPO 69 familias das quais esperamos que os rapazes da esquina sejam fentes e que virdo a eriar cles préprios quando tiverem a e. Aproximamo-nos agora do coragao do problema, o qual tem a ver com a falta de regras de procedimento rigorosas para guiar as atividades de coleta de dados de um pesquisador de campo. Suponha-se que dois observadores fagam a mesma pergunta e Telagéo a situagéo de campo que observam e usem também mi todos de andlise semelhantes. Nao ser’ possivel, e até mesmo Provavel, que a falta de formalizagio das técnicas de coleta de dados dard margem a que quaisquer {biases que o investigador tenha venham a modelar os dados qué-eoleta? Nao estard el com efeito, simplesmente estudando seus préprios preconcei os dados de tal maneira pervertidos pela sua influéneia (prov: velmente inconsciente) que tio podemos usé-los como evident cientifica? A questo relativa aos dados de trabalho de campo tem sido freqiientemente levantada, mas ganhou nova forga por causa dos estudos que demonstram o efeito dos biases do investigador em situagdes muito mais controladas. Estudos feitos pela equipe do NORC* e por outras instituigdes demonstraram que as caracte- visticas e biases dos entrevistadores em “surveys” exercem um efeito considerdvel sobre as respostas que eles recebem dos in- formantes.> Ainda mais chocantes, os estudos de Rosenthal sobre 0s biases do experimentador demonstraram.que 0 conhecimento do experimentador em relacio 4 hipétese que estd testando e & concluséo a que ele espera chegar afeta as respostas dos sujei- tos-objeto de experimentos sécio-psicolégicos. Rosenthal relata até mesmo que o bias do experimentador afeta o resultado de expe- rimentos em animais.® Se os biases do pesquisador podem afetar | + National Opinion Research Center (nota da revisora). 5 Ver Herbert H. Hyman et al, Interviewing in Social Research (Chicago: University of Chicago Press, 1954); e Mark Benney, David Riesman e Shirley “Age and Sex in the Interview", American Journal of Socielogy 62 43-52. 8 Robert Rosenthal, Experimenter Eifecte in Behavioral Research (Nova ‘York: Appleton-Century-Crofts, 1966). Alguma controvérsia tem surgido em 10 A generalidade das conclusdes de Rosenthal, mas nfo acho que os gumentos contra ele sejam convincentes. Ver T. X. Barber e M. J. Silver, 70 BVIDBNCIAS DE TRABALHO DE CAMPO “fos dados coletados nestes estilos mais controlados de pesquisa, 2°, nao terdo eles muito mais probabilidade de fazé-lo em técnicas s| nio-formalizadas de trabalho de campo, onde o observador tem um \\ mimero infinitamente maior de oportunidades de fornecer pistas () que afetam aqueles que estuda e de escolher, em meio a tudo 0 que "est acontecendo, apenas as evidéncias que The so convenientes? Ha boas razdes para acreditar que 0 contrério é verdade. A observagaio de campo tem menos probabilidade, em relagiio aos métodos mais controlados de laboratério e entrevistas de “sur- veys", de permitir que o pesquisador influencie com seus biases 0s resultados que obtém nas dirogdes sugeridas por suas préprias cexpectativas, crengas ¢ desejos. Quase todo pesquisador de campo acredita nesta proposigao, geralmente porque ele ja teve muitas vezes que sacrificar idéias e hipéteses que lhe eram caras diante dos fatos recalcitrantes nas suas notas de campo. Antes de dis- cutir as caracteristicas da eoleta de dados no campo que produzem estes fatos recaleitrantes, quero introduzir a experiéneia pessoal que me convenceu a este respeito. Minha dissertagao lidava com 0s padrdes de earreira dos pro- fessores de escola puiblica de Chicago.’ Sabia, antes de comegar a entrevistar professores, que a maioria d jciava suas car- reiras nas escolas negras e dos guetos e fazia esforgos hercdleos e geralmente bem-sucedidos para fugir para as escolas de classe média. Um dos meus maiores problemas era saber por que faziam isso, Mou orientador, Everett C. Hughes, tinha uma teo a este respeito. Esperava que eu conclufsse aquilo que ele e seus alunos haviam concluide em relapdo a outras profissdes: que 0 prestigio profissional mais alto pertencia aos que tinham clientes de status social mais alto. Os professores prefeririam escolas de classe média porque as encaravam como os lugares de maior pres- tigio em que um professor poderia trabalhar. Eu acreditava fir- memente que a teoria do professor Hughes era correta; mesmo ee tor Bias Effect", Pryehological Bulletin Robert Rosenthal, “Experimenter of the Null Hyphotesis Decision “Pact, Fiction and the Experi Monograph Supplement 70 (196 Expectancy and the Reassuring Naty Procedure”, ibid., 30-47; e Barber e Silver, “Pitfalls in Data Analysis and Interpretation: A Reply to Rosenthal”, ‘bid, 48-62. 7'Os resultados desta pesquisa sio relatados nos capftulos 9-11 de Socio- logical Work: Method and Substance EVIDEN IAS DE TRABALHO DE CAMPO. 71. que no pensasse assim, a sabedoria ardilosa dos alunos de pés- graduagdo ditava que eu fingisse que acreditava e fizesse todos 0s esforgos para comprové-la. Quando entrevistei os professores, contudo, eles se recusaram a dar sustentagao & minha expecta- tiva. Deram muitas boas razées para ndo gostarem de escolas negras e do gueto, em resposta As minhas perguntas mai ‘™menos nao direcionadas, mas nenhuma delas tinha alguma coisa a ver com prestigio profissional. Mesmo quando, no final da en- trevista (quando isto nao podia mais prejudicé-la), eu pressionava 0s professores com perguntas diretas e condutoras, eles simples- mente negavam que o prestigio tivesse alguma coisa a ver com suas atitudes. Minha expectativa, firmemente baseada na teoria,~ _na crenga e naquilo que eu considerava como sendo mew interesse Préprio, néo teve efeito sobre os dados. (Quando, com alguma / inquietagao, relatei meus resultados ao professor Hughes, ele se mostrou muito mais pronto a abragar o8 novos resultados e re- visar sua teoria do que a minha cultura de aluno de pés-graduagaéo me havia levado a crer: grande ilustragdo da sabedoria ardilosa dos alunos de pés-graduagao, O fato de que a minha visdo de ‘meu préprio interesse estivesse incorreta, todavia, nao moderou em absoluto sua influéncia sobre 0 que eu esperava encontrar ou a ineapacidade de minhas expectativas para influenciar a reali- dade.) “Porém, as conviegdes mais firmes dos pesquisadores de campo, baseadas éxatamente em epis: desse tipo, ndo convencem os descrentes_nem explicam anal imente os motivos pelos quais ‘deveriamos levar a sério como evidéncia os dados de trabalho de campo. Estes motivos se enquadram em duas eategorias, as quais me proponho a examinar agora. Primeiro, as pessoas que o pes) quisador de campo observa sentém-se, em geral, constrangidas “© ~ @ agir como o fariam na auséncia do pesquisador, pelas préprias “* es sociais cujos efeitos interessam a ele; consequentemen- ~ tem pouca chance, em comparagiio com os que ut outros métodos, de influenciar 0 que os abservados faze hé forgas mais poderosas em operagdo. Segundo, o pesquisador ~ de campo, inevitavelmente, devido a sua presenga continua, coleta | 44 muito mais dados e, num certo sentido a ser explicado, faz e tem condigdo de fazer mais testes de suas hipéteses do que os pes- | \9 ‘isadores que usam métodos mais formais. “ oe 72 EVIDENCIAS DE TRABALHO DB CAMPO RESTRIGOES Rosenthal, Friedman, Orne, Rosenberg © outros demonstra- ram, na minha opinigo de modo bastante conclusivo, que os su- jeitos de experimentos psicoldgicos cuidadosamente controlados Teagem nao — esp cave pe sone rrimento, mas também a uma variedade de outros estimulos Gitontrados'em sua relagdo com 0 experimentador. Por acred tarem na ciéncia e quererem ajudar o cientista, os sujeitos reagem As “caracteristicas dé-demanda” do experimento e fazem coisas 5 que dé éiitro modo ndo fariam — como dar choques elétricos apa- ‘rentemente letais nos prepostos do eee pent estore : rece, e “se espera” que eles fagam. litarem {hos peslogos poder descobrir coisa a rempito de uma pssea € partir de fragmentos de comportamento aparentemente inocen- tes e nfio quererem parecer “doentes”, “pouco intel ligentos? 0 qualquer outra coisa ruim que um psicélogo pudesse ter eae de discernir, respondem de maneiras que, na sua opinio, far jlogo tenha uma boa impresséo deles.® Por motivos claros, eles alteram seu comportamento de modo aconfirmar a hipétese ‘0 experimentador espera que seja con- ida. : RE aa gue on exporimentadores tantam influenciay os su jeitos apenas dos modos especificados nas suas concepgies, os Te- seiadoe desta pesquisa assinalam que os tjelasreagem a pistas o 8 Ver M. T. Orne, “On the Social Psychology of the Psyc! "7 sen Barts Btn t Demen Caren aa The alo” Arnrien Peychalogiet 17 (1962), 76-88; MT. Orne e KB. Bacsthe Contribution af Nonprivation factors in the Prluction of Sensory Birt Stee Te Dyehloy tthe ante Baton, Journal of A Prion Social Pchatgy 68 (96), 232; Stanley Milgram, *Groop Pre and Acton Agana’ a Porn” bid. 69 1864) 19748. 7 ‘8 Ver Milton J, Rosenberg, “When Dissonance Fails: On Eliminating Eval- SETS Polo 1 (968), 28-42, or eon htonhension, te Ty Ropenthale B. Rosnow., orgs, Sues of Artifact in Social Research (Nova York: Academic Press, 1970). fer ocenthal, ExprimonerBfectem BovtratRezrch mi Neil Friedman, The Social Nature of Paychological Reork ive 7 Hoa L967}, e Susan Path Sherman, "Demand Chora sesnoniment on htieude Change, Soriomery 20 (1967, 24661 BYIDENCIAS DE TRABALHO DE CAMPO 73 muito leves, que néo apenas néo tém a intenedo de provoear efeito algum, mas que nunca se imaginou que pudessem vir a fazé-lo, Variagdes menores no enunciado das instrugdes, mudangas no nome das organizagées patrocinadoras diretas da pesquisa ou no nome dos testes administrados, diferengas no mimero de vezes que o experimentador sorriu — idades como estas confan- diram os resultados de pesquisas experimentais, De modo semelhante, os pesquisadores que fazem “surveys” descobriram que os atributes sociais, assim como as atitudes crencas dos entrevistadores de “surveys”, afetam as respostas que seus informantes dao. As pessoas respondem a perguntas sobre aga de maneira diferente quando os entrevistadores séio de uma ‘cor ou de outra, ©, da mesma forma, respondem de forma diferente 4 perguntas sobre sexo e doonca mental em fungdo da idade ¢ do sexo do entrevistador. Os entrevistadores obtém as respostas\ que esperam obter, do mesmo modo que os experimentadores ob- | ~ tém as reagdes que esperavam obter.!! ce Nao est muito claro se as influéncias sobre as respostas de “surveys” vém de estimulos triviais que influenciam os experi- ments. Por um lado, os entrevistadores trabalham em uma si- tuapao menos supervisionada; nao podemos observé-los enquanto fazem a tarefa atribufda a eles e geralmente confiamos em seus éprios relatérios do que so passou. Por isso, eles esto mais livres do que os experimentadores para se desviarem de suas ins- ‘trugées e podem fazé-lo de maneiras bem grosseiras, Parte da “vari ma-fé do entrevistador. Ainda assim, as apdes revistadores séo restringidas pelas suas instrugdes e pelas erguntas, eujo enunciado,e ordem so fixos nas programagées que adiministram, de modo que seu efeito sobre as respostas deve re- sultar de variagées relativamente pequenas de comportamento, Os pesquisadores de campo tém muito mais liberdade do que 0s experimentadores ou os entrevistadores de “surveys”. Eles po- ‘dem perguntar a qualquer pessoa qualquer coisa que quiserem perguntar, podem usar as perguntas mais desearadamente con- dutoras © os enunciados mais mareados por biases; podem ter varios tipos de atitude, que vao da pequena variagao no mimero de sorrisos que afeta os resultados do experimentador até as in- 11 Ver os itens citados na nota 6, supra | i | 74 BYIDENCIAS DE TRABALHO DE CAMPO tervengées muito mais acintosas no funcionamento de uma orga- nizagiio; podem indicar no apenas uma avaliagao indireta ¢ si- Tenciosa das ages de outrem, mas também o tipo mais direto de avaliagdo positiva, como quando eles se juntam em alguma ati- vidade controvertida do grupo. Eles podem, em suma, produzir festimulos que geram bias de forma bastante grosseira, muito mais grosseira do que os que se demonstrou terem efeitos sérios em estilos mais controlados de pesquisa. Como podemos levar a sério conclusdes baseadas em dados assim produzidos? 'Até agora, focalizei a liberdade do pesquisador, em varias tée- nieas, de adotar formas de comportamento potencialmente gera- doras de bias vis-a-vis as pessoas que estuda. Mas supor que 0s sujeitos da pesquisa de campo sejam afetados pelo bias do obser- vador, e modelem suas atitudes e palavras segundo aquilo que pensam que ele quer, 6 supor ndo apenas que eles estejam dis- postos a se comportar assim, mas que eles tém liberdade para jsso. B supor assim que eles néo estejam sob nenhuma outra restrigéio e que, portante, podem seguir a sua disposipao para serem prestativos, se tal disposigao tiverem. Mas esta liberdade G encontrada de modo caracteristico sobretudo no experiment “de laboratério, onde o ideal de controle é precisamente remover todas as influéneias que néo aquelas com as quais o experimen- tador quer operar. Os experimentadores neutralizam as restrigées externas, isolando os sujeitos de seus experimentos de sou am- iente habitual, experimentando sobre tépicos nfo vinculados a nenhuma erenga que o sujeito professe, e assegurando ao sujeito que seu comportamento no experimento, a despeito de seu de- sempenho, nao terd nenhuma influéneia sobre a sua vida fora do laboratério experimental, Preeisamente no grau em que estas me- tas forem concretizadas, os sujeitos ficam livres para dar forma fa suas palavras ¢ fatos de acordo com as indicagées inadvertida- mente fornecidas por um experimentador marcado por biases. ‘Em certa medida, a mesma liberdade est dispontvel para 0 respondente em uma entrevista de “survey”. Ele é abordado por ‘alguém que nunea viu antes e nunca espera ver de novo, 0 qual, the faz uma série do perguntas sobre suas atitudes em relagso ‘a uma variedade de tépieos, sobre os quais ele ndo exerce nenhum controle ou tem alguma responsabilidade. Suas respostas nao te- {ao o menor efeito (e é isso que Ihe assegura o entrevistador bem EVIDENCIAS DE TRABALHO DE CAMPO 75 treinado) sobre coisa alguma em sua vida real. Us no 6 constrangido por nada além das presses que eungem na sete inediata ss entrevista face a face, estas presses ‘em probabilidade de exercer um efeito de geragao de 6 fabro 0 que ele dz, Daf vém os resultados dos estudos sore ox iases do entrevistador. Os brancos ficam envergonhados de ad mitir sentimentos preconceituosos para um entrevistador negro? ‘As mulheres hesitam om discutir sexo com um entrevistador ho mem e jovem? les estao livres para se entregar a estas vergonhas « hesitagées, pois Ines foi assegurado que a franqueta de sis Fespostas (ou, por conseguinte, a falta de franqueza) nfo terd nenhuma conseqiiéncia que ultrapasse a situagao imediata. Por es a vergonha, ja que o que se diz nao faz nenhuma Considere, em contraste, as pessoas que um pesquisador de”) campo estuda. Elas estao enredadas em relagdes sociais que sio | importantes para elas, no trabalho, na vida da comunidade e em qualquer outro lugar. Os eventos de que participam importam Para clas. As opinibes e agdes das pessoas com quem interagem m que ser levadas em consideragao, porque elas afetam estes eventos. Todas as restrigdes que as afetam em suas vidas comuns, continuam a operar enquanto 0 observador observa. Quor a pessoa que esta sendo observada saiba o que o obser- vador espera dela ou néo, ela no se atreve a responder a esta expectativa. As coisas em que esti envolvida no momento da ob-| servardo sdo, via de regra, muito mais importantes para ela do| “ que o observador. Se eu observar um estudante universitdrio res, pondendo a um professor numa sala de aula, observo uma pessoa Para quem as minhas reagdes sio muito menos importantes do que as do professor — que é quem pode Ihe dar uma nota baixa —e mesmo que as dos demais estudantes, cuja opinido sobre ela tem conseqiiéncias por muito tempo depois de ele ter-me visto pela tiltima vez. Ela pode nfo se importar com o fato de eu con-4 sideré-la estipida, ingénua ou ardilosa; mas é melhor que eu pen- Se assim do que aqueles cxjas opiniGes so muito mais relevantes’ do que a minha."? Da mesma maneira, quando Skolnick observou "2 Ver Howard 8. Boker, Blanche Geer «Everett Grade (Nova York: John Wiley, 1968), 63-79. ane 76 {ENCIAS DE TRABALHO DE CAMPO policiais, eles estavam ocupados fazendo coisas para ganhar pro- ‘mogGes (ou pelo menos evitar as repreensdes) de seus superiores, coisas para manter sua posigdo no departamento e vis-d-vis os infratores da lei, tais como prostitutas, com quem cles tinham contato constante. Talvez. gostassem de fazer com que Sko tivesse uma boa opinido sobre eles, mas queriam muito mais fazer com que seus superiores tivessem uma boa opinido deles, fazer com que as meretrizes os respeitassem o bastante para fazerem 0 que Ihes era ordenado e assim por diante."* Em suma, a presonca na situago observacional das mesmas restrigdes sociais que o soviélogo normalmente estuda torna dificil para as pessoas que clo observa fabricarem seu comportamento segundo 0 que acham que 0 observador poderia querer ou esperar. Por mais que queiram, as conseqiiéncias reais de se desviar da- quilo que, em outro contexto, poderiam se desviar sto tao grandes, perda de uma promogiio ou de reputago aos olhos de membros da sua comunidade — que eles nao podem fazé-lo, is outros comentdrios sao pertinentes. Primeiro, a andlise acima no se aplica, é claro, quando as pessoas obseryadas en- caram 0 observador, na realidade, como importante a ponto de se constituir numa ameaga, e, portanto, agir como uma restrigtio da vida real sobre 0 que fazem. Quando acreditam nisso, ence- narao um show para ele bastante semelhante ao que poderiam, por razées diferentes, oncenar para um experimentador ou en- trevistador de “surveys”. Os gerentes de indistrias, por exemplo, podem desconfiar que os achados de um socidlogo, quando apre- sentados e interpretados por seus superiores, revelaréo questées que profeririam manter em segredo, e, portanto, terdo conseqiién- cias para suas situagées imediatas ¢ carreiras futuras, Dalton sugere que um bom niimero de pesquisadores ja foi conduzido a0 enderego errado por gorentes desconfiados.'* Os professores de escolas ¢ seus alunos muitas vezes colaboram para encenar de- monstragdes de eficiéncia, diligéneia e harmonia para um 13 Jerome H. Skolnick, Justice Without Trial (Nova York: John Wiley, le Dalton, Men Who Manage (Nova York: Jot 0 ‘Preconceptions and Methods in Men Who Manage", org., Sociolagiste at Work (Nova York: Basic Books, 1 Wiley, 1959), he j EVIDENCIAS DE TRABALHO DE CAMPO 77 tante, porque temem que ele possa fazer um relatério ruim para © diretor, fazendo com que eles todos sofram. Qualquer situagao) em que os participantes possam colocar o observador no papel de inspetor-geral contém esta dificuldade. 4 Uma cura para a doenca consiste em convencer as pessoas que yoo nao 6 importante, que aqueles que controlam o destino delas do conhece vocé ou, se conhece, nao se importa muito com o que vocé diz. Miller conta uma ocorréncia divertida, na qual os médicos internos que ele estava estudando perderam o medo de ele ser um espido a servigo dos administradores do hospital quando um dos administradores 0 acusou indiretamente de ser o interno que su- postamente estava roubando comida das bandejas dos pacientes. Miller foi alvo da acusagao por ser de um tamanho que tornava esta acusagao plausivel, e ridente convenceu os internos de que nenhum de seus superiores 0 conhecia, e que ele era, portanto, ino- fensivo.'5 Mais adiante considerarei um segundo tipo de cura. Quando um pesquisador de campo é bem-stcedido em conven- cer as pessoas que estuda de que o que ele vé no terd maiores conseqiiéncias, isso paradoxalmente tem o efeito contrario ao que sucesso semelhante tem numa situagdo de pesquisa, mais contro- lada. Nesta, quanto mais as pessoas acreditam que nao faz diferenga~, ‘© que 0 observador os vé fazer ou dizer, mais abertos fieam a serem ~ influeneiados por ele; no trabalho de campo, quanto mais as pessoas acreditam que 0 pesquisador ¢ pouco importante, mais livres se sen- © tem para reagir as outras restrigSes que os ceream e pressionam, © principio geral, entio, é que, na situagdo de pesquisa, os sujeitos reagem mais as coisas que parecem ser mais importantes para eles. Se voe8, 0 pesquisador, for muito importante — seja \porque cuidadosamente se preveniu para garantir que nada mais, importante interferisse, ou porque eles temem que seus achados se tornarao conhecidos pelas pessoas que podem afetar seus des- tinos —, seus dados refletirdo esta importancia, no sentido de !8Stephan J. Miller, Preseription for Leadership (Chicago: Aldine Publish- ing Co., 1970). Morris Zeldtich, Jr., chamou minha atengao para o fato de que este € um caso especial de uma situagao mais geral, na qual diferentes rapos ou participantes mantém as coisas em segredo um do outro, de modo que os segredos sao ocultados do pesquisador nao porque ele possa informar ‘o mundo exterior, mas porque ele pode informar outras Taegbes ou segmentos. SAN 78 EVIDENCIAS DE TRABALHO DE CAMPO que os sujeitos polidamente conformam suas respostas as pistas que vocé Ihes da do que precisa ser dito ou mostrado. Se vocé for menos ou nada importante do ponto de vista deles, eles faraio o que fariam se voc8 néo estivesse ld. Os dados de trabalho de ‘campo tendem a se aproximar deste ultimo extremo, os dados experimentais e de levantamento do extremo anterior; mas estas ligagdes, embora nao acidentais, nao so uniformes, de modo que os pesquisadores de campo precisam ser cautelosos, enquanto os usudrios de métodos mais estruturados podem aproveitar a com- paracdo para criar salvaguardas apropriadas. ferencas entre os dados obtidos das pessoas no campo quando elas estio na com- panhia de outros ¢ quando esto a s6s com o pesquisador de cam- po. Os observadores relatam que as pessoas dizem uma coisa e fazem outra, ou dizem uma coisa em um ambiente e outra coisa ‘em outro. Mais especificamente, podem emitir uma opinido “pa- blica” em puiblico, quer eles a pratiquem ou néo, e outra opinido bem diferente quando falam em caréter privado com o pesquisa- dor am uma descrenga na cultura comum. Gorden, por exemplo, demonstrou que as atitudes dos membros de uma uni- dade cooperativa habitacional universitdria em relagio a Ruissia variavam, dependendo de se clas eram expressas em discussées de grupo com outros membros, em entrevistas privadas ou num interpretassemos uma ou outra dessas ex- pondo de lade a outra como mera dissi- presses como a “real”, mulasdo, Tomo a liberdade de reproduzir aqui uma discussio an- terior sobre este ponto, que surgiu a partir de minha experiéneia estudando alunos de Medicina. Ela indica quando ¢ como 0 ob- servador pode notar ou até mesmo provocar estas variagées, @ como elas podem ser interpretadas."” 16 Raymond L. Gorden, “Interaction Betwoen Attitude and the Definition of the Situation in the Expression of Opinion’, American Sociological Review 17 (3952), 508, 170 material seguinte apareceu diferente, como Howard S. Becker, “Interviewing Medical Stude can Journal of Sociology 62 (1956), 199-201. estudo dos alunos de titado aeabou sendo relatado em Becker et al., Boys in White, op. ci primeira vez, sob form: EVIDENCIAS DE TRABALHO DE CAMPO. 79 Os valores de qualquer grupo social so um ideal do qual 0 comportamento real pode as vezes se mente incorpora integralmente, Para com a tensdo entre o ideal e a realidade, ha duas atitudes polares possiveis em relagao aos valores. Os individuos podem ser idealistas, aceitar os valores ardentemente e de todo 0 co- ragao, sentindo que todos podem e devem segui-los e que so nao s6 “certos” como “préticos”. Ou ser ctnicos, coneebendo 08 valores como absolutamentte ndo-praticos e impossiveis de se- rem seguidos; podem achar que qualquer um que aceite estes valores de corardo est enganando a si mesmo, e que é preciso fazer concessbes para atender as exigéncias da vida cotidiana. Provavelmente 0 caso mais comum é que as pessoas se sen- tem das duas maneiras ao mesmo tempo em relago aos valores de seu grupo; ou de uma maneira em algumas situagdes e de outra maneira em outras, Em qual destas disposigdes de es- frito elas respondem ao entrevistador que est em busca de informagGes sociolégicas? Ou, para voltar a atengdo para o pré- prio entrevistador: qual destas ests ele procurando nas pessoas com quem fala? Qual resposta quer trazer A tona? Os socidlogos tém tido pendor para a revelagao desde os tem- pos das demtincias comprometedoras. O entrovistador tipica- mente sai para obter a “verdadeira histéria” que concebe estar escondida por tras dos lugares-comuns de qualquer grupo e dé forte desconto a quaisquer expresses , busea pela organizarao informal de um grupo reflete maxima de Merton de que a contribuigso mais earacteristica de funcées latentes, pode estar subjacente a um idealismo f es, os entrevistados o percebem como pessoa potencialmente perigosa e, temendo que descubra segredos que seria melhor esconder do mundo exterior, lancam mao da “linha oficial” para manter seu esforco inquisitivo delicadamente & distancia. O entrevistador pode contornar estas tatioas fingindo-se também 14 Robert K, Merton, Social Theory and Social Structure (Glencoe: Free Press, 1949), 68, 80 EVIDENCIAS DE TRABALHO DE CAMPO de cinico, de modo que o entrevistado seja levado a acreditar que 0 primeiro aceita sua prépria visio publicamente repro- vavel das coisas, ou confrontando-o com a evidéncia de suas préprias palavras ou de eventos relatados que nao se coadunam com as vises que apresentou. Pode haver talvez outras ma- neiras, pois esta drea ainda nao foi bem explorada. Convencido de que a conversa ide: | 6 sincera, mas meramente uma di ) | menos respeitavel, o entrevistador se esforca para olhar por tras do que 6 dito e chegar ao “real”. Se estiver usando um roteiro, pode ser instrnido ou achar necessério usar uma “son- < da”, Uma entrevista 6 freqtientemente qualificada de bem-su- fem que consegue trazer & tona ~ satitudes cinieas e no idealistas. Uma pessoa entrevistando casais com a intengao de avaliar sua adaptacao provavelmente daria menos crédito a uma entrevista em que ambos os cén- juges insistissem que 0 casamento deles era perfeito do que a uma em que Ihe dissessem que “a lua-de-mel ja terminou”, Por mais que a preocupagao do entrevistador com o problema seja importante e justificada, ela cria a possibilidade de que -\ele interprete erroneamente 0 idealismo sinceramente apro- >) sentado a ele, ou, por seu modo de fazer perguntas, fabrique ~~" um papel para ele préprio na entrevista que incentive o cinismo e desencorage o idealismo, pois os modos € 0 papel do entre- vistador podem afetar tao fortemente o que as pessoas decidem _ The dizer, quanto a situagdo em que a entrevista é realizada. Conversando com alunos de Medicina, nao tive difieuldade ; tais declaragdes tem grande probabilidade de ocorrer sem muita ajuda da parte do entre- vistador. O verdadeiro problema 6 bastante diferente — 0 de se certifiear que néo se impeca a expresso de atitudes mais idealistas, mas que se ajude o entrevistado a dizer tais coisas se 6 0 que ele tem a dizer. Usando o enfoque semicinico que eu havia verificado ser util para quebrar 0 idealismo institu- cional dos professores de escola," ao entrevistar os alunos in- formal ¢ casualmente no meio dos grupos de alunos que estava 19 Descrevo este procedimento mais adiante. Fn BYIDENCIAS DE TRABALHO DE CAMPO 81 observando, néo fui bem-sucedido em dar-lhes a oportunidade de-expressar se: smo pessoal oculto. Ao ser simpatico e permissivo, ao expressar as préprias no- ses idealistas e incentivar sutilmente sua expressdo por parte do aluno, poder-se-ia muito bem coletar um conjunto de dados que tragariam 0 perfil do aluno como alguém que quer “ajudar a humanidade”, sem interesse por recompensas financeiras da pratiea da Medicina, intrigado com os mistérios da atormentado por diividas quanto sua capacidade de fazer avaliagdes seguras em questies de vida ou morte — conjunto de dados, em suma, que exploraria intensamente esta parte do repertério de emogdes conflitantes do aluno, Se os alunos fossem vistos a didria, a prob: aluno ndo pode expressar bem tais pensamentos para os colegas ou diante deles, pois sio quase que ritualmente.cinicos ¢, talvez ainda mais importante, sua atengio esté focalizada nos problemas imediatos da vida de estudante, e néo nos pro- blemas dos quais forgosamente teréo que tomar consciéncia iediata apenas quando, jovens médicos, assumirem respon- lidade médica integral. Ao desempenhar este papel ade- quadamente, 0 entrevistador pode ajudar os alunos a expres- sarem esta parte submersa da pessoa do médico e tornar-se caixa de ressonncia para sua metade mais bem reprimida. Ao comecar meui trabalho de campo, entrei numa relagdo com os alunos que teria inibido a expresso de sentimentos idealistas para mim, mesmo que eu estivesse oporando com uma estruturagdo de referéncia “idealista” ao invés da “realis- ta” que na verdade usei. Estava com eles a maior parte do tempo, assistindo aula com eles, acompanhando-os nas situa- ges de aprendizado, observando enquanto assistiam a opera- ses ou a partos, almocando com eles, jogando cartas e sinuca com eles, e assim por diante. Isto queria dizer que eu estava com eles principalmente em grupos maiores, onde 0 cinismo era a linguagem dominante, e o idealismo poderia. ser ridicu- Tarizado; este falo emprestava suas cores as situagdes mais brivadas ¢ intimas, Mais sutilmente, ao estar com eles tanto,) dia apés dia, eu provavelmente veria as concessées e violagdes inevitaveis dos ideais elevados decorrentes do papel de estu- 82 EVIDENCIAS DE TRABALHO DB CAMPO dante. Um aluno poderia esperar que eu acreditasse numa afir- magao de que 0 bem-estar do paciente deve ser uma co deragao primordial para ele (para dar um exemplo hipotét 0) quando ele sabia que eu o havia visto dar menos do que tempo integral a seus pacientes por causa de um exame imi- nente? Meus dados oferecem um quadro bastante diferente do que © tragado pelo nosso hipotético pesquisador “idealista”. Final- mente, tomei consciéncia de que havia subestimado sistema- ticamente 0 idealismo dos homens que estava estudando, ao encontrar evidéncias dele nas minhas préprias notas de campo. Alguns homens faziam referéncia implicita quase que continua, rnos seus comentérios sobre médicos praticantes que haviam visto trabalhar, a um padrdo extremamente alto e “impratico” da pratica médica, mais bem representado pelos seus profe sores elinieos. Outros faziam grande esforgo para adqui conhecimento sobre t6picos especificos que néo eram exigidos nem pelos seus interessos imediatos préticos como estudan- tes, nem pelos interosses materiais de mais longo prazo re- lacionados a seu futuro na Medicina, Pacientes especificos vistos em enfermarias de ho: ificavam certos dile- mas dificeis do idealismo médico, e, ante um exemplo con- creto, alguns alunos revelavam suas préprias preocupagées for- temente idealistas sobre que poderiam fazer se estivessem diante de dilema semolhante quando se tornassem médicos. Vendo isto, comecei a incentivar deliberadamente a expres- so de tais pensamentos. Passei mais tempo com os alunos engajados em atividades realizadas a s6s, levantando questdes de modo simpatico muito diferente do que utilizava nos grupos. Brineava menos com eles, fazia perguntas de maneira intere sada sobre tépicos nos quais tinham interesse “impra assim por diante, Nem todos os alunos exibiram “idealismo forte; uns poucos, na realidade, nao responderam de modo idea- lista em absoluto, a despeito do quanto eu buseasse ou de que situagdes tentasse investigar. Mas agora eu havia procurade; ‘se ndo 0 encontrei onde estava de fato presente, nao foi porque minhas préprias agées suprimiram sua expressfo. ‘A longo prazo, obtive ambos os tipos de dados dos alunos. ‘Tinha eontato com cles ha tempo suficiente para obter por outro EVIDENCIAS DB TRABALHO DE CAMPO 83 meio 0 idealismo que perdi no inicio e assim acabei conseguindo um quadro deles que inclufa ambos os aspectos de seu “eu”, A moral técnica a ser extraida do episédio é'talvez que se deve) pressupor que as pessoas possuem ambas as variedades de sen- timentos acerca dos valores subjacentes as relagdes soci estudo, e que se deve estar consciente de manipular con: - temente estes elementos do papel e da situagao que prometem trazer A tona um sentimento ou outro, A moral técnica forga uma moral tedrica também. Podemos. pressupor répido demais que pessoas que estudamos serao fa- cilmente classificadas quanto a “tipos de atitude”,e mais ou ™menos coerentes na visio que tém de coisas relevantes para ‘nosso estudo. Afinal, é este pressuposto teérico que explica a Tevelagao, com sua énfase na descoberta de atitudes assim como a atitude “Pollyanna” oposta, com crenga inques- tiondvel de que pessoas so tio boas quanto dizem que so. Pode ser mais util comegar com a hipétese de que as pessoas podem apresentar cada uma das atitudes, em um momento ou. outro, e deixar que esta nopo oriente um estilo de entrevista mais flexivel. DADOs RICOS Muitas vezes dizemos que 0s dados de trabalho de campo sio “sieos”, pretendendo com isso descobrir um certo dom de salvagdo nna nossa ineapacidade de colet-los sistematicamente ou de usar igdes precisas, Pensamos em dados ricos como aqueles que contém grande especiicidade e detalhamento a respeito dos even- tos estudados, tanto quanto um historiador poderia querer se es- tivesse interessado nos mesmos eventos. O adjetive também su- gere que, como um molho, pode ser algo em excesso, mais do que alguém precisa ou de que possa fazer bom uso. Porém, os dados ricos e detalhados produzidos pelo trabalho de campo tém um uso importante. Eles combatem os perigos gé- meos da duplicidade do respondente e do bias do observador, por tornarem dificil para os respondentes a produgdo de dados que fundamentem de modo uniforme uma conclusio equivocada, da ‘mesma forma que tornam dificil para o observador restringir suas * No original “of their selves” (nota da revisora). 84 EVIDENCIAS DE TRABALHO DE CAMPO. ~observagées de maneira a ver apenas o que sustenta seus pre- ~conceitos e expectativas. JA sugeri que normalmente observamos oy! pessoas sujeitas a todas as restrigdes estruturais das vida cotidia- na, de modo que elas nfo podem moldar suas agradar. Mas suponha-se agora que surja uma ocasido no campo, como as vezes acontece, em que as pessoas fiquem momentanea- mente livres destas restriges. E suponha-se que, justamente num momento tal, o observador apareca, faga suas observagées e parta antes que as coisas voltem ao normal. O bias do observador po- deria entdo influenciar o que o observador vé, sou estudo estariam livres para reagir a suas vador observasse apenas nestas ocasides, ou em umas poucas oca- sides que por acaso fossem deste tipo, estaria na posigaéo do ex- perimentador que faz uma série limitada de observagdes quando seus sujeitos estao livres de restrigdes externas. Porém, 0 pesquisador de campo tipieamente coleta seus dados por um perfodo prolongado de tempo, em uma variedade de si- ‘mages, usando diversas maneiras de chegar A questo em que est interessado; todos estes aspectos que reduzem 0 perigo do Por observar durante um perfodo longo de tempo, ele teré ficuldade de ignorar a massa de informagdes que sustenta uma hipétese apropriada que ele pode nem ter esperado ou desejado, do mesmo modo que as pessoas que estuda teriam dificuldade, se quisessem engané-lo, de manipular tal massa de impressoes a ponto de afetar sua avaliagio da situagdo. Devido ao fato de que ndo restringe a si mesmo com regras de procedimento deta- Thadas e inflexiveis, ele pode usar uma variedade de expedientes. _Para trazer & tona declaragées e agdes de seus sujeitos. Em suma, 0 niimero muito grande de observagées ¢ tipos de dados que um observador pode coletar, como também a possibi- lidade resultante de experimentar com uma variedade de proce- dimentos para coleté-los, significa que suas conclusdes finais po- dem ser testadas mais freqiientemente e em mais sentidos do que é comum em outras formas de pesquisa. Conseqiientemente, agimos corretamente quando depositamos grande confiabilidade nas evidéncias de trabalho de campo. Observacdes numerosas. Os pesquisadores de campo normal- mente passam muito tempo coletando seus dados. Os estudiosos de uma comunidade geralmente computam seu tempo em termos EVIDENCIAS DE TRABALHO DE CAMPO 85. de anos: Whyte passou quatro anos em Cornerville, Gans passou dois anos em Levittown, Suttles trés anos no Near West Side de Chicago, todos eles morando na 4rea, de modo que suas obser- vagées prosseguiam vinte e quatro horas por dia.*” Os estudiosos de organizagées gastam um pouco menos de tempo, a diminuigéo muitas vezes sendo resultado do simples fato de que as pessoas néio moram numa fébrica ou escola, assim como do uso de varios observadores ou de ambos os fatores. Ainda assim, Dalton*! pas- sou varios anos coletando material sobre a organizagdo industrial; ‘meus colegas e eu passamos mais de trés anos-homem estudando uma escola de Medicina e mais de sete anos-homem estudando uma faculdade.”® Os relatérios de trabalho de campo as vezes~ ir a massa de dados coletados anunciando o ni-~ mero de paginas de notas de campo que foram submetidas a and-~ lise; em estudos de grande porte, o mimero pode chegar bem na ~ cial. Qualquer conclusdo baseada nestes dados foi consoqiiente- mente submetida a centenas e ontes ¢ depoimentos que servem como evidéncias para nepar ipé. teses alternativas provaveis. Portanto, nés no s6 ouvimos os estu- dantes universitdrios falarem sobre a importancia das notas e os vimos fazendo coisas que refletiam est vimos e ouvimos coisas que indicavam que eles nao utilizavam ou- tras perspectivas alternativas provveis, como uma perspectiva vo- cacional ou de humanidades. Talvez mais importante, néo conse- guimos ver © nao conseguimos ouvir aquolas coisas que teriam si- nalizado a existéncia e importdncia de perspectivas alternatives — toda a variedade de idéias e agdes interligadas que poderiam ter constituide uma perspectiva humanista, por exemplo — e esta im- 20 Vor Whyte, op. cit; Herbert J. Gans, The Levittownere (Nova York: Pantheon Books, 1967); ¢ Gerald D. Suttles, The Social Order of the Slum tan, Men Who Manage (Nova York: John Wiley, 1959). 22 Becker et al, Boys in White, op. cit; e Making the Grade, ope 86 _EVIDENCIAS DE TRABALHO DE CAMPO ‘a nossa permanéncia no campo. (A impossibilidade encontra uso como evidéneia na consideragao pelo pesquisador de campo do mimero e explicagdo de evidéncias negativas.) Na medida em que muitas evidénc dados sustentam a mesma conclusdo, pode-se deixar de lado algumas objegdes im- portantes aos resultados da pesquisa. Por exemplo, um estudante universitério poderia dizer, num momento de ressentimento, que nao se importava com o que acontecia em nenhum de seus cursos ou com quais seriam suas notas. Se tivermos apenas uma ex- pressio de sua porspectiva, a expressa durante aquele momento, poderiamos apropriadamente nos preocupar com até-que ponto isto representava com precisdo a perspectiva que ele utilizava cotidianamente durante o ano escolar. Se tivermos trinta expres- ses de tipos variados — conversa, agies, coisas feitas ou ditas em particular, coisas feitas e ditas na companhia de outros — que revelem a mesma perspectiva, preocupamo-nos menos com de de nossa conclusdo. Em geral, as obser- vagdes miiltiplas nos convencem de que nossa concluséo nao est baseada em alguma expressdo momenténea e passageira das pes- soas que estudamos, sujeita a circunstdncias efémeras e inco- muns. De modo semelhante, as circunsténcias que cercam as ages das pessoas As vezes mudam de acordo com uma programagao temporal regular: os estudantes universitérios fazem exames no final do trimestre ou semestre, as induistrias tém épocas de ati- vidade e épocas de marasmo, ¢ assim por diante. As pessoas po- dem nao ter consciéneia da temporalidade de seu comportamento, ‘mas 0 pesquisador tom que ter, pois os dados coletados em épocas diferentes refletem realidades diferentes. As estudantes de en- fermagem que Davis © Olesen® estudaram tinham uma nogiio nova em relagao A escola, A profisséo e a suas carreiras depois de retornarem de suas primeiras férias, que Ihes revelou exata- mente o quanto estavam agora isoladas do mundo dos homens ¢ 28 © exemplo ¢ baseado em Making the Grade, op. cit, especialmente paginas 76-9 ¢ 121-8. 124 Pred Davis e Virginia L. Oloson, “Initiation into a Woman's Profession”, Sociometry 26 (1963), 89-101, on EVIDBNCIAS DE TRABALHO DE CAMPO 87 do casamento. Se se utilizasse apenas os dados coletados antes das férias, se pressuporia implicitamente que as perspectivas das estudantes nao variavam significativamente com o passar do tem- bo; ter dados de ambos os perfodos permite que se evite 0 erro se desenvolva uma andlise mais sofisticada da vivencia das es- tudantes. Em geral, quando observamos durante um perfodo lor g0 de tempo, acreditamos que ndo confundimos um fendmeno re ‘trito a um periodo de tempo com um fendmeno que néo muda, ¢ que tivemos a oportunidade de observar processos de mudanga que podem estar ocorrendo.* (© mais importante 6 que um trago caracteristico da organiza- $40 social se combina a um trago comum de civilidade cotidiana ara tornar improvavel tanto que as pessoas que o pesquisador estuda sejam bem-sucedidas, em dissimular 0 comportamento quanto que o pesquisador tenha condigées de ignorar evidéncias contraditérias. A caracteristica organizacional é a interligagdo da vida organizacional. O prinefpio da civilidade cotidiana 6 a falta de disposigdo das pessoas para mentir ou dissimular quando hé perigo de serem descobertas. Devido ao fato de que 0s varios as- pectos da atividade em uma organizagéo social sao interligados, torna-se di ainda mais dificil agir de acordo com ela. Uma vez que nao estéo dispostos a serem apanhados numa mentira oa em incoeréncia, elas acabam por revelar suas erengas verdadeiras, como o fariam se 0 observador nao estivesse presente. A vida numa organizacdo ou comunidade 6 um corpo \inico. O ‘que se faz numa area de agao depende e tem conseqiiéncias para outras areas. Os estudantes universitarios se preoeupam com suas notas nos cursos ndo apenas porque querem saber se apren- deram o que deveriam supostamente aprender, mas também por- que suas notas afetam sua posigdo de membro de fraternidades, suas carreiras politicas no campus, seu sucesso na pés-graduacao e suas vidas sociais. As organizagdes de campus, devido as regras de elegibilidade e outros fatores, igualmente levam em conside- % Para ver uma discusséo da utilidade de cbservagées ao longo de certo periodo de tempo, ver Zachary Gussow, “The Observer-Observed Relationship, as Information About Structure in Small-Group Research", Psychiatry 27 agosto de 1964), 230-47, 88 EVIDENCIAS DE TRABALHO DE CAMPO ragio as notas dos alunos ao tomar decisées sobre suas préprias atividades. Cada aspecto da agdo coletiva que compée a vida de ‘um campus universitério tem ligagdes com as outras partes, e a énfase nas notas geralmente forma uma das principais ligagdes. Suponha-se que, por qualquer motivo, alguns alunos desejem fazer com que um pesquisador de campo acredite que eles nao dao muita importéncia as notas, embora eles na realidade déem. Eles Ihe dizem que nao se importam com as notas e podem mesmo passar a noite em que poderiam estar estudando bebendo cerveja com 0 pesquisador, como se ndo tivessem mais nada para fazer. Se o observador conversar com os estudantes casualmente du- rante varias horas, cles acabardo precisando mentir sobre muitas outras coisas: como eles recrutam os membros das fraternidades, como usam seu tempo, 0 quanto tém sido ativos na politica do campus e todas as outras questées que servem de base a sua atividade cotidiana relativa A premissa que agora desejam negar, isto 6, que as notas sio na realidade importantes para eles. Eles, podem mentir a respeito de todas estas coisas, mas é um trabalho dificil, que exige uma mente r4pida e concentragao intensa; é pre- ciso ver as possiveis ramifieagées de eada comentario e adaptar o que se diz para levé-las em consideragao. ‘Se os alunos souberem que o observador ndo veio apenas por esta noite, mas se prope a passar 0 ano seguinte observando a eles e seus semelhantes, poderiio facilmente ver que ele em breve descobriré que estavam mentindo para ele. Digam 0 que quise- rem, ele acabaré vindo uma noite para beber cerveja e saberd que eles tém que estudar para uma prova; se ele perguntar por que, eles terao que dizer que precisam de notas melhores para permanecer na escola (on porque querem entrar na politica do campus ou na Escola de Direito ou por qualquer outro motivo). Além disso, outras pessoas provavelmente descreverdo para ele um sistema no qual a posigiio dos estudantes parecerd bizarra e incomum, de modo que ele retornaré com mais perguntas. Aca- bara por descobrir as mentiras deles, nas demais palavras que disserem, nas suas atitudes e nas palavras e atitudes de outros. As pessoas podem, é claro, constr aldeias de Potemkin" para * Grigori Potemkin, que, supostamente, construiu simulacros de aldeias ‘0 longo do itinerério pelo qual passaria Catarina, a Grande. A expresso € EVIDENCIAS DE TRABALHO DE CAMPO 89 a investigagao por forasteiros, como os sociélogos, na qual todos estes problemas foram analisados e a vida social foi organizada de tal maneira que dela emane exatamente a impressio desejada @ nada além disso. Mas a aldeia de Potemkin tem que ter como sua principal atividade enganar forasteiros, pois tudo que possa negar a impressio pretendida tem que ser suprimido, sob pena de se frustrar 0 objetivo de todo o empreendimento, As comuni- dades, escolas e fabricas que estudamos, contudo, sempre tém alguma outra atividade primordial. Sao lugares para morar, lu- gares onde as pessoas tentam ensinar a outras pessoas alguma coisa, lugares onde se supde que sejam produzidos bens. Esta outra atividade cria as restrigdes externas — a necessidade de se ajustar aos outros membros da comunidade ou organizasdio e outros que sejam importantes em outros lugares — que tornam impossivel que nossos sujeitos encenem um show continuo para nés. Embora enganar a nés possa, em certas ocasides, se tornar bastante importante, nunca é esta a primeira ou a tinica ordem ~ de atividades. Se, entéo, fizermos observacies numerosas e prolongadas por uum perfodo longo de tempo, veremos, se nao tudo, pelo menos a maioria das coisas e teremos condigées de fazer algumas conje- turas bastante boas sobre o resto. Mormente, na medida em que nossa intengao de fazer isso torna-se conhecida, as pessoas vero que ndo podem ocultar as coisas de nés para sempre sem pagar tum certo prego muito alto em eficiéneia pessoal organizacional. Provém que acabarao por ser descobertas e em seguida expostas como tendo sido suficientemente incivis para mentir e dissimular. Algumas pessoas nao se importarao de ser consideradas incivis, le modo geral, lades do tipo deserito ¢ uma sensibilidade para nogées de civilidade) numerosas obser-—” yag6es representam uma boa razdo para supormos que pouco foi ocultado do observador; e, portanto, que suas conelusdes | sdo garantidas. “ Em grande parte pelas mesmas razdes, observagées numerosas feitas durante um perfodo de tempo substaneial ajudam o obser- ipdes impressionantes para ocultar stores) 90 BVIDENCIAS DE TRABALHO DE CAMPO vador a se proteger contra seus biases conscientes ou inconscien- tes, contra “ver apenas o que ele quer ver”. Pois é igualmente dificil mentir para si mesmo. As evidéncias contraditérias apa- recom, € no aparecem sob formas sutis, mas de maneiras bas- tante gritantes, Quanto mais observagdes se faz e mais tipos di- ferentes de observagio se faz, mais dificil se torna ignorar ou criar explicagdes que anulem evidéncias que venham de encontro ‘A expectativa ou tendéncia de alguém. O observador tem assim, para criar um quadro coerente do que vé, o mesmo problema que _a pessoa estudada tem quando esta diante do observador. Muitas vezes concebemos 0 bias do observador como um pro- cesso sutil, envolvendo uma ineapacidade de prestar atengdo em pistas sutis, um ato inconsciente de ignorar eventos e comentarios pouco enfatizados, uma distorpio involuntaria de estfmulos am- biguos ou equivocos. Mas os tragos principais de uma organizacao social, como também suas ramificagdes e interconexdes, nao tem este caréter sutil e equivoco. Os estudantes universitérios que bservamos nao comentaram casual e ambiguamente sobre seu interesse nas notas; eles falaram sobre isso por boa parte do tem- po, colocaram grande énfase na questo, explicaram boa parte do que faziam em fungio do sistema de avaliagdo e, de uma ma- neira geral, mantinham esta questdo diante de nés constante- mente, Se tivéssemos observado ¢ conversado com eles s6 poucas vezes, poderia ter sido possfvel ignorarmos a questéo. Mas néo seria possivel ignorar ou deixar de registrar uma questo que 08 estudantes expunham to incessante e até obsessivamente sem agir conscientemente de mé-fé. (A mé-fé, contudo, é um problema que afeta a validade dos dados coletados por todos os métodos de pesquisa, e eu no vou consideré-la aq ‘Além disso, o cardter, 4 mencionado, de interligagdo das partes de uma organizagao significa que nossa tentativa de compreender qualquer aspecto especifico do que vemos provavelmente exige ‘que nés tenhamos algum entendimento de seus outros aspectos principais. As observagses que registramos exigem que nés pres- temos atengdo a outros aspectos observaveis, por mais que sejam inesperados ou desagradaveis para nés, para que fagam algum sentido. De modo geral, entao, ao fazermos numerosas observagdes, nés nos vemos diante dos principais tracos da atividade coletiva que EVIDENCIAS DE TRABALHO DE CAMPO 91 estudamos de modo repetido e gritantemente explicito, de tal for- ‘ma que 6 pouco provavel que inconscientemente evitemos regis- trar algumas questies importantes. Por este motivo, depositamos corretamente confianga nas evidéncias dos pesquisadores de campo. Procedimentos flextueis. O posquisador de campo, devido ao fato de que tem um contato continuo com aqueles que estuda, pode ) coletar dados deles através do variados procedimentos, em diver- sos ambientes ¢ em diferentes estados de espirito. Esta variedade cagao ¢ volte a testi-las repetidamente, de modo a poder ter cor- teza de que seus dados nao sao um produto de um procedimento especifico ou de alguma situagdo ou relagao particular. Ele nao se limita a0 que pode ser coletado em uma entrevista (mesmo que dure oito horas!),2* nem esta limitado, no que pergunta, pelo seu conhecimento e compreensio no momento; ama vez que pode entrevistar repetidamente, pode investigar diferentes questées em diferentes ocasiées. Ele podé mudar sua relag&o com as pes- dando de maneira diferente com elas A medida que forem jecendo melhor. Ele pode correr riscos com palavras e agées bilidade de procedimentos na coleta de evidéncias, para testar conclusées de pesquisa sugeridas pela experiénei fazer uso da propria experidneia como evidéncia; e (8) usar estilos agressivos e ardi- losos para provocar as pessoas a ponto de fazer com que el fam coisas que de outro modo guardariam para si mesmas. A existéncia de tais procedimentos nos dé novas razdes para confiar nas condusées baseadas em trabalho de campo. (2) Os so. gos tratam itens de dados concretos como se fos- sem instancias de classes teéricas gerais, como uma corporificacdo de alguma varidvel abstratamente concebida e mais convenien- temente medida daquela maneira. Quando usamos itens padro- 26 Ver Neal Gross ¢ Ward Mason, “Some Me Hour Interviews", Ameriean Journal of Sociol 197-204, iadological Problems of Right- (novembro de 1953), 92 EBVIDENCIAS DE TRABALHO DE CAMPO nizados de dados para medir estas varidveis abstratas, pressu- pomos que o dado concreto especifico que medimos servird como ‘uma corporificagéo adequada que perpassa uma variedade de mo- ‘mentos, lugares e pessoas. Se perguntamos pela ocupagiio do pai, na intengdo de que o dado indique alguma coisa a respeito da classe social dos pais, pressupomos que isso tem, aproximada- mente, a mesma relagdo com classe social tanto em um determi- nado momento e lugar quanto em outro, e que as pessoas a quem perguntamos todas entenderdo aproximadamente a mesma coisa com esta pergunta, Naturalmente que estas pressuposigdes as vezes falham, mas ainda assim temos fé nelas como forma de obtermos conveniéncia e comparabilidade. Nossa fé explica o uso persistente da variedade de escalas e itens que formam os ins- trumentos-padrao de pesquisa.®” { Podemos, contudo, usar outro enfoque para o problema de en- contrar corporificacdes cle nossas varidveis teoricamente defini- das. Podemos procurar as variantés locais especificas, a maneira pela qual aquela varidvel encontra expresso sob todas as carac- teristicas locais e peculiares da situagao imediata. Este procedi- mento torna a comparabilidade de certa forma mais eomplicada, mas maximiza o encaixe do conceito com o dado. Roth, por exem- plo, queria estudar como as pessoas aquiescem as regras insti- tucionais. Ao invés de usar alguma medida geral de aquieseéncia, ou alguma medida especifica para os ambientes médicos em que estava particularmente interessado, ele notou que, no hospital de tuberculose que estava observando, as pessoas as vezes obe- deciam e as vezes violavam regras rigorosamente formuladas para o uso de roupas e méscaras protetoras. Ele contou as ocasises nas quais varias categorias de funciondrios do hospital usaram ou ndo usaram uniformes protetores, e, desse modo, encontrou léncias de que a aquiescéncia é inversamente proporcional & os médicos se conformavam menos, os ajudantes mais.2* A. Roth, EYIDENCIAS DE TRABALHO DE CAMPO 93 Blau mediu padrdes de influéncia e deferéncia através da obser- vagao da freqiiéncia pela qual os fancion‘rios pediam eonselhos ‘uns aos outros. Whyte usou nadrées de local de assento como uma medida da estrutura de panelinhas. Meus colegas e eu ‘usamos uma variedade de itens para demonstrar a existénci entre estudantes universitdrios, de uma perspectiva de “médi de pontos das notas” em relagao a sou trabalho académ: tipos de perguntas que os estudantes fas seus métodos de estudo (tanto individ padrées de prestigio dos grupos residen te! Cada uma das novas medidas propostas tem que ser explicada ¢ justificada, um aborrecimento se comparado a facilidade de usar medidas padronizadas bem conhecidas. Porém, um pesquisador de campo engenhoso é capaz geralmente de inventar diversas me- teis e, desse modo, tornar mais ficil a adogao de triangu- lagtio multimétodo como um modo de verificar suas conclusées, um ganho substancial que bem vale o aborrecimento.? (2) 0 pesquisador de campo pode as vezes se aproveitar de sua ir ovidéncias baseadas na sua prépria experiéncia. De modo muito ébvio, podemos transformar em dado a maneira como as pessoas que estudamos reagem a nés como observadorés. Gussow relata ter usado a forma varié\ como foi recebido em diversas escolas como uma maneira de c preender sua estrutura, Os professores em uma escola tradici nal, por exemplo, tinham menos consciéneia de que crianga ele estava observando do que os professores de uma escola moderna (a diferenga refletia a indiferenea relativa a individualidade das criangas), e mais interessados em usar o pesquisador como uma 29 Peter Blau, The Dynamics of Bureaucracy (Chicago: University of Chi- ‘cago Pross, 1958). ‘30 Whyte, op. cit. Ver também Becker et al., Boys in White, op. eit. 31 Becker ef al, Making the Grade, op. © D. W. Fiske, “Convergent and Diseriminant Validation by the Multitrait-Multimethod Matrix", Payehologi- cal Bulletin 66 (1959), 81-108, e a aplicacéo dircta a problemas sociolégicos ‘em Norman Denzin, The Research Act (Chicago: Aldine Publishing Company, 1970). Ver também Paul Diesing, Studies in the Methods ofthe Social Sciences (Chicago: Aldine Publishing Co., 1970), capftulo 12. 94 EVIDENCIAS DE TRABALHO DE CAMPO ajuda de autoridade (a diferenga refletia de sua maior preocupa- ao com a hierarquia e 0 controle).*? Podemos também, se de fato nos engajarmos nas mesmas ati- vidades das pessoas que estudamos, fazer uso de suas Teagdes aos eventos, tarefas ¢ problemas daquele estilo de vida. Numa. tabela notavel, Roy usou seus préprios registros de produgdo numa oficina de maquinas para demonstrar quanto os trabalha- dores restringiam a produgéio e, neste processo, 0 grau em que reduziam seus proprios ganhos.} (3) Os entrevistadores freqiientemente se inibem, adotando um | estilo de conversapao brando e delicado, concobido para criar uma | Procedimento mais flexivel muitas vezes gera dados muito mi r “conduzi-los’. Um relagdo com seus respondentes e para ‘completos, na medida em que o préprio entrevistador toma posi ses sobre algumas questies ¢ usa téticas de conversagao mais . Esta flexibilidade pode também caracterizar a entre- , mas provavelmente é verdade que 0 pesquisador se ‘A vontade quando a utiliza com pessoas com quem jé vem trabalhando hé algum tempo e pode fazer uso do fato de eles saberem que ele sabe muito sobre o que estd se passando. @or outro lado, os pesquisadores de campo As vezes se preocupam mais com a possibilidade de azeder uma relagio que ter que perdurar do que os entrevistadores que néo voltardo a ver seu informante.) Mais uma vez tomo a liberdade de reproduzir, como um exem- plo expandido deste ponto, uma discussdo anterior baseada no meu proprio estudo de professores primérios.! Arnold Rose propés uma vez que os entrevistadores para pesquisas sociolégicos fossem mais experimentais ao lidar com seus informantes. Assinalou que 0 uso do questi ou de ‘um roteiro € apropriado apenas em certas situagdes de pes- 93 Gussow, op. 4 Donald Ray, “Quota Restrietion and Goldbricking in a Machine Shop", American Journal of Sociology 57 (eva 38.0 material seguinte apareceu pel monte diferente, eomo Howard S. Becker, “A Note on inte Human Organization 12 (inverno de 1954), 31-2 forma ligeira- 1g Tactics", EVIDB} AS DE TRABALHO DE CAMPO 95 quisa, particularmente quando se deseja informagées sobre a prevaléncia de uma dada atitude numa populagao definida. To- davia, quando se deseja informagées quanto a natureza de uma dada atitude, “quando a atitude do sujeito tem que ser inte- ente conhecida...”, 0 entrevistador tem que assumir um *° Q entrevistador tem que experimentar, usando aquelas taticas que parecem ter maior probabitidade de trazer & tona 6 tipo dé informarao desojada. Esta nota apresenta td- ticas que se provaram efetivas em um estudo coneebido para obter informagées sobre os problemas relatives ao desempenho de papéis entre professores de escola piiblica de Chicago.5 Os professores de escola pt \icago, como os fun- ciondrios de muitas instituigses, acham que tém muito a es: conder de um piiblico intrometido, mal informado e poter Mente perigoso. Eles tém certos problemas cuja existénci , Se admitida, provocaria comentarios publicos desfavordveis, Além disso, tm medo de fazer declaragdes sobre seus superiores e colegas que possam causar-lhes problemas e provocar retalia- g6es por parte destas pessoas. Isto torna dificil 0 processo de entrevistas a respeito das relagtes bésicas do papel de um pro- fessor. O medo os impede de serem francos e de proporcionarem um quadro sem distorgdes da realidade como a conhecem. Para superar isso, desenvolvi certas téenieas no curso da pesquisa que me permitiram obter declaragdes mais francas do que nor- malmente viriam a tona. Estas informagses podem ser m: bem descritas no contexto dos problemas especificos em relagio aos quais foram utilizadas, A entrevista geralmente comegava com perguntas de nivel de generalidade alto: “Quais so os problemas de ser um pro- fessor escolar? Que tipos de coisas podem tornar seu trabalho dificil ou desagradavel?” A maioria dos professores eram ca- pazes de falar sobre estas relagées neste nivel abstrato de dis- cussao; podiam dizer que um diretor poderia tornar o trabalho deles dificil interferindo e agindo excessivamente como um “pa- old M. Rose, Interviewing’, American Journal of Sociology 51 (setembro de 1945), 1 81 Esta pesquisa € relatada nos capftulos 9-11 de Sociological Work: Meth- od and 96 EVIDENCIAS DE TRABALHO DE CAMPO trao”, que os pais podiam ultrapassar os limites de seus papéis de varias maneiras, coisas que relutariam em dizer logo de inicio sobre pessoas especificas. Quando ja havia sido feito um certo ntimero de tais declaragées, e jd estavamos bastante en- tranhados na nossa conversa, eu assumia um ar cético © per- guntava A professora se ela poderia me dar alguma evidéncia que sustentasse estas declaragées, sob a forma de exemplos de sua prépria experiéncia, (Obviamente, nao se pode construir uma descrigdo d estrutura social apenas a partir de tais declaragées genéricas; 6 necessdério um ‘material de natureza ‘mais especifica para verificar a maneira pela qual estas ati- tudes genérieas séo expressas no comportamento.) Isto de certa forma colocava 0 enirevistado na posigdo de ter que ceder ou ealar, dar substéncia ao que disse ou admitir que eram apenas boatos. Na maioria dos casos, estas declaragdes abstratas eram generalizagies de experiéneias que a professora havia vivido, f, diante de um questionamento direto, ela normalmente apre- sentava descrigdes de situagdes ospecificas nas quais estas ge- neralidades se corporificavam. . ‘Uma vez que a drea da entrevista tivesse sido deslocada deste modo para a experiéneia pessoal, eu usava uma outra estratégia para trazer & tona mais informagoes que estavam sendo retidas. Fiz papel de burro e fingi néo compreender certas relagdes e atitudes que estavam implicitas na descri- g&o que a professora dava, mas que preferia néio declarar abertamente. Ao fazé-lo, forcei-a a declarar estas coisas, a fim de apresentar uma descrigdo coerente. Por exemple, es- tes professores normalmente renciavam: os alunos, entre eles mesmos e para eles mesmos, segundo critérios raciais e de classe social, com base nas diferengas observadas no modo pelo qual as criangas de cada tipo agiam na escola. Eles preferem nao dizer isso publicamente, particularmente para uma pessoa vinda da Universidade de Chicago, como eu, 8 por medo de serem acusados de atitudes discriminats- rias e atividades e pensamento antidemocraticas. Eu estava 38 Esta pesquisa constituin-so na minh dissertagio na Universidade de ‘Chicago, e identifiquel-me para os professores como aluno de pés-graduagio Qa universidade ¢ empregado de seu Comite de Relagdes Raciais EVIDENCIAS DE TRABALHO DE CAMPO 97 extremamente interessado om obter atitudes exatamente em torno desta questo, Para tomar uma instancia especifica, 20 descrever uma dada experiéncia com um diretor, a nogio de tais diferencas estava implicita naquilo que estava sendo dito, e era parte da etiqueta ndo-declarada da situagdo que eu deveria aceitar esta implicagao sem explicitd-la, Recusa- va-me a fazer isso e fazia papel de sonso. Se, por exemplo, ela me dissesse que havia dado aula numa escola “de cor”, onde o diretor néo era suficientemente duro com as criangas, isto significava que eu deveria entender que estas criangas precisavam ser tratadas com maior firmeza do que outras. ‘Mas eu me recusava a compreeender isso e dizia: “Por que ele tinha que ser duro? O que voes quer dizer?” Para tornar seu julgamento das agdes do diretor plausivel e razosvel, a Professora entao tinha que me explicar que infelizmente era verdade que as criangas de cor pareciam comportar-se mal mais freqiientemente que as outras. A mesma tatiea foi usa- da numa variedade de contextos. Deslocando continuamente a area de discussdo para o nivel da experiéncia pessoal conereta, e fazendo-me de sonso quanto s descriges implicitas de relardes envolvidas no relato de tais experiéneias, coagi muitos entrevistados a serem consideravel mente mais franeos do que haviam originalmente planejado. Fui bastante agressivo, muitas vezes expressando abertamente descrenga diante de declaracSes que pareciam evasivas, im- plausiveis ou inconsistentes com o que ja havia sido dito ou com meu conhecimento geral do tépieo especifico, assim como demonstrei uma clara curiosidade om relagio as coisas que eram omitidas. B certo que tal tatiea, usada exatamente desta maneira, nao funcionava com todo tipo de pessoa, Parte do sucesso atingido com professores escolares tem que ser atri- buida a cortesia e delicadeza profissionais que eles se sentiam obrigados a estender até a minha pessoa. Uma vez que a en- trevista tivesse entrado num ritmo, e a professora tivesse se comprometido a aceitar a mim e as minhas perguntas, ficava dificil para ela ser tao ofensiva a ponto de se recusar abrup- tamente a discutir certas questées ou a fazer declaragdes que ela sabia que pareceriam implausiveis ou inconsistentes para mim. Quando & ineapacidade de dizer a verdade sobre seus 98 BVIDENCIAS DE TRABALHO DE CAMPO sentimentos tornava suas declaragées cbviamente falsas ou evasivas, ela se sentia na necessidade, dentro da légica da si- ‘tuagao em curso, de dizer a verdade, a fim de evitar ser desa- graddvel comigo. Estas taticas nao serdo eficazes em todas as situagdes, nem se pretende que alguém as indiscriminadamente. Quan- do, por exemplo, sua pesquisa o coloca em contato constante com aqueles a quem esta estudando, como num estudo de co- jade de longo prazo, pode ser mais sabi i bilidade de antagonizar os informantes que é inerente a este estratagema, sobretudo porque as informagdes que poderiam ser trazidas A tona assim também poderiam, sem div coletadas com mais tato no curso de uma série expandida de entrevistas e observacées. Além disso, nem todas as relagdes entrovistador/informante abrangem tal compromisso de corte- sia pronto para uso como o aqui descrito, e muitos informantes ituacional no lo de serem plausiveis e consistentes. Acredito, eontudo, que pressées semelhantes, as quais informantes de diversos tipos so sensiveis, podem ser intensificadas se o entrevistador estiver disposto a experimentar. Finalmente, a situagdo pode ser complicada, ¢ muitas vezes 0 6, pelo fato de o informante estar numa classe social mais alta do que a do entrevistador. A ctiqueta nio declarada de tal relacionamento deixa 0 infor- mante A vontade para ser rude, através de evasivas ou im- plausibilidade, A vontade para ignorar as exigéncias de um interrogador que est4 extrapolando os limites de seu papel de deferéncia.® Os agentes de campo que experimentarem com este meca- nismo podem encontrar formas de adapté-lo para uso em si- tuagées mais dificeis, formas de eriar um vinculo entre 0 en- trevistador e 0 informante de tal natureza que o informante possa ser coagido a declarar coisas que de outro modo teriam ficado sem ser ditas. 39 Baseei-me aqui no p mente, de acordo com 0 EVIDENCIAS DE TRABALHO DE CAMPO 99. CONCLUSAO Nao devemos decidir que apenas o trabalho de campo pode fornecer evidéncias confidveis para conclusées sociolégicas, Mui- tas pessoas argumentaram de modo convineente que devertamos usar métodos apropriados a forma de nosso problema 6 ao catéter do mundo que estamos estudando,"! Onde o trabalho de campo for 0 método apropriado, contudo, o peso de minha argumentagao tem sido que podemos usar as léncias assim produzidas sem reocupacdes indevidas. Por nos formacdes sobre pessoas que atuam com base nas mesmas restrigdes sociais em cuja ope- ago estamos interessados, ¢ devido aos numerosos itens de in- formagio e procedimentos flexfveis que nos permitem testar nos- sas conclusdes repetidamente ¢ de vérias maneiras, ndo precisa- mos temer que seu carater assistematico distorga nossas desco- bertas de modo que nds, nossos leitores ou as pessoas que estu- damos consideremos convenientes, compativeis ou esperados. Zolditch, Jr. “Some Methodalogical Probleme \d Studies", American Journal of Sociology 67 (3962), 568-76,

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