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ber tS a SL MALI Ral lie ait Branca Moreira Alves er MeCN Jacqueline Pitanguy } BE Totem aCure (hg O que é FEMINISMO Histérico do movimento feminista: 40 da mulher na sociedade medieval e moderna. jinismo enquanto movimento politico: as primeiras lideres. O movimento sufragista. A luta pelo voto feminino no Brasil bate do feminis ualidade e violéncia, satide, ideologia, formagao } 4 ll e mercado de trabalho. 2 hoje. Abril Oflitural / Brasiliense Agradecemos companheira Leila Linhares Barsted 4s critcas e sugestbes, além do apoio amigo que recebemos dela {de todo 0 Grupo Ceres para este trabalho, (que é frato também de nossasreflexdes sobre o movimento feminista e sobre nds mesmas. INTRODUGAO E diffcil estabelecer uma definigio precisa do que seja feminismo, pois este termo traduz todo lum processo que tem raizes no passado, que se ‘constr6i_ no cotidiano, e que nao tem um ponto predeterminado de chegada. Como todo proceso de transformagao, contém contradigées, avancos, recuos, medose alegrias. (© feminismo ressurge num momento histérico fem que outros movimentos de libertagéo denun- de formas de opressdo que ndo itam ao econdmico, Saindo de seu isolamento, rompendo seu siléncio, movimentos negros, de minorias étnicas, ecologistas, homossexuais, se organizam em torno de sua’ especificidade © se completam na busca da supera¢io das desigual: dades sociais. Esta complementago ngo implica fem uma fusdo de tais movimentos, que mantém ‘Branca M, Alves/ Jacqueline Pltangusy 0 que ¢ Feminismo @ sua autonomia e suas formas proprias de organizacio. Entretanto, nfo so movimentos desvinculados entre si, pois as fontes da discri- minagéo néo so isoladas. Existem, nesse sentido, conexées significativas entre tais _movimentos, que se somam na busca de uma nova sociedade. ‘Ao afirmar que o sexo $ politico, pts contém tanbinek later dee a feet ‘in_ot_modalos politica, tradicional aoe atribuem ume nevtraldede ao espaco individual ¢ ue deinen ome pole unkaments see abies, “objetive”. Desta forma, 0 "di i tat _pata_o cardter também subjetivo da opressdo, e para os s emacio- fait_dasonscincle.-rmiala-or- lane ees entig_at_flacées_infemasoal_2-0-oromnizsip police paola. cotnneenie eee oe cuca ee interpessoais_contém também _um componente lia (homens versus mulheres, pais versus filhos, brancos versus negros, patrdes versus operérios, hetero versus homossexuais, etc), enquanto 1t0,_sul € pelo autoritarismo, Assim, 0 movimento femi- niista no se organiza de uma forma centralizada, @ recusa uma disciplina Gnica, imposta a todas as militantes. Caracteriza-se pela auto-organizago das mulheres em suas miltiplas frentes, assim como em grupos pequenos, onde se expressam a8 vivéncias préprias de cada mulher © onde se fortalece a solidariedade. Os pontos de vista e as_iniciativas séo_vélidos néo porque se originem de_uma_ordenacio_central, detentora_de_um “monopélio da verdade”, mas porque sio_fruto da_prética,_do_conhecimento_¢_da_experiéncia ‘espectfica e comum das mulheres, Isto ndo significa que o feminismo no tenha uma organizagdo, Esta se manifesta nos grupos feministas que se mobilizam em torno da promogao de cursos, debates, pesquisas, campanhas, na formacao de centros, editoras, clinicas de sade, SOS, Casas da Mulher, manifestagdes culturais € fas maltiplas outras formas de expresso e prética do movimento. Entretanto, o feminismo néo é apenas 0 movimento organizado, publicamente visivel. se também na esfera doméstica, no s_esferas_ef es recriar prisma_onde_¢_feminino_ngo_seja_o_menos,_o desvalorizado. ‘© feminismo busca repensar e recriar a identi dade de sexo sob uma dtica em que o individuo, ‘eja ele homem ou mulher, nfo tenha que adaptar- se_a modelos hierarquizados, e onde as qualidades Feminine” ou "oneeulInge” salar stbutoe de ee rarer sooo dear eh Honowio. 3 tera pos afiorar sem constran- gimentos nos homens e serem vivenciadas, nas Branca M, Alves Jacqueline Pitanguy mulheres, como atributos desvalorizados, Que as diferengas entre os sexos nfo se traduzam am_relogbes Ge bodar- que parent a ae homens e mulheres em todas as suas dimensées: no trabalho, na participaggo politica, na esfera familiar, etc, Para a realizacio desta proposta no existem respostas_prontas, acabadas, Estas se constroem na reflexdo e na prética deste movimento recente © vivo, cujos rumos se orientam a partir da experiéncia coletiva que se acumula a cada momento. Neste trabalho procurou-se, em simples pince- ladas, recuperar a presenga da mulher na hist6ri ‘ragando-se um esbogo de sua condigio e suas lutas, pouco estudadas pelas ciéncias sociais. De fato, a mulher tem sido uma parte silenciosa da memoria social, ausente dos manuais escolares € dos registros hist6ricos. Neste esboco, a procura de um passado silenciado, abordou-se @ condi¢go da mulher na Grécia e em Roma, na Gélia ena Germania, na_Idade Média e no’ Renascimento. Buscou-se também registrar as primeiras vozes femininas de insurrei¢do, assim como 0 sufragismo @ as formas contemporaneas de organizaglo do feminismo, suas reivindicacdes e seus objetivos. HERANGA DO SILENCIO "Que as mulheres sprendam no stn ‘lo a sua suelo..." ‘Sho Paulo Apéeolo Na Grécia a mulher ocupava posiggo equiva- lente & do escravo no sentido de que to-somente estes executavam trabalhos manuals, extremamente desvalorizados pelo homem livre. Em Atenas ser livre era, primeiramente, ser homem e néo mulher, ser ateniense e no estrangeiro, ser livre € nfo ‘escravo, A afirmacgo de Plato expressa ber esta realidade: “Se @ natureza nio tivesse criado as mulheres e os escravos teria dado 20 tear a propriedade de fiar sozinho’ Tendo como funcio primordial a reprodugo da espécie humana, a mulher néo s6 gerava amamentava e criava os filhos, como produzi Branea M, Alves/ Jacqueline Pitanguy B tudo aquilo que era diretamente ligado a subsis- téncia do homem: fiagio, tecelagem, alimentagdo. Exercia também trabalhos pesados como a extrago de mineraise o trabalho agricola A esa divisio concreta de_atividades corres- Pondiam valoragies diversas. O “fora de casa”, ‘onde se desenvolviam as atividades consideradas mais nobres — filosofia, politica e artes — era © campo masculino ‘Ao afirmar que “os Deuses” criaram a mulher para as fungbes domésticas, 0 homem para todas 4s outras” Xenofonte, no século IV A.C., exprimia um tipo de argumenta¢go naturalista que ainda hhoje demarca espagos para os sexos. Por outro lado, o mesmo Xenofonte, tratando da educagao da mulher, revela o quanto ¢ sociale ‘Soercitive o aprendizado destes fungdes,"naturais”: “"... que viva sob uma estreita vigiléncia, veja o ‘menor niimero de colsas possivel, ouga o menor rndmero de coisas possivel, faga o menor numero de perguntas poss(vel” Estando assim limitado o horizonte da mulher, era ela exclu(da do mundo do pensamento, do conhecimento, tio valorizado pela civilizagdo sgrega. Excegdo feita das hetairas, cortesés cujo cultivo das artes tinha como objetivo torndslas agradéveis companheiras dos homens em seus momentos de lazer, a mulher grega néo.tinha ‘acesso 3 educa¢o intelectual. O unico registro 4 Branca M, Alves/ Jacqueline Pitanguy 15 hhistérico_de_um_centro_para_a_formacio_inte- lectual_da mulher foi a escola fundada por Safo, poetisa_nascida em | no Qs _fragmentos _conhecidos de _poemas seus, cantando os deuses e o amor, justificam colocd-la entre os grandes nomes da literatura da Grécia antiga. No que se refere a civilizagfo romana, seu cédigo legal, por sua vez, legitima, com a insti- tuiggo juridica do paterfamilias, a quem era atribu/do todo 0 poder sobre mulher, filhos, servos, escravos, a discriminago da mulher. Entretanto, 05 discursos_com que diferentes culturas_tém procurado _assegurar_@_ sujeicéo da mulher, revelam, 20 mesmo tempo, adimensio de sua resisténcig. ssim, NO ano 195 D.C., mulheres dirigiam-se a0 ‘Senado Romano protestando contra a sua exclusio do uso dos transportes piblicos — privilégio ‘masculino — e a obrigatoriedade de se locomove- rem a pé. Diante deste protesto assim se manifestou © senador Marco Pércio Cato: “'Lembrem-se do grande trabalho que temos tido para manter nossas mulheres trangiilas e para refrear-thes a licenciosidade, 0 que foi possivel enquanto as leis nos ajudaram. Imaginem o que sucederé, daqui por diante, se tais leis forem revogadas e se as mulheres se puserem, legalmente, considerando, em pé de igualdade com os homens! (s senhores saber como so as mulheres: facam-nas suas iguais, e imediatamente elas quererdo subir tis suas costas para governd-los”. Estas palavras expressam com clareza a relacSo de_poder entre os sexos, No é de complementa: ridade_e sim de dominio e submissa0, de coercéo ¢_resisténcia, que Catéo fala. O Direito aparece, assim, _nitidamente,_come_um_instremento-_de perpetuaco desta _assimetria, legitimando inferioridade da posigo social da mulher romana. Desmistificando a idéia de que a sujeicgo da mulher seja um destino irrevogével, a-histori @ universal, levanta-se a experiéncia da relagéo entre os sexos existente na Gélia ena Germénia Eram estas sociedades tribais, cujo regime comuni- trio designava 4s mulheres um espaco de atuaclo semelhante 20 dos _homens. Conjuntamente, faziam 3 quer’, participavam dos Conselhos Tribais, ocupavam-se da agricultura e do gado, cconstrufam suas casas. As mulheres funcionavam, também, como jufzas, inclusive de homens. Os ronistas romanos, como Técito e Estrabéo, rgistram com surpresa a posicéo da mulher nessas sociedades. Da mesma forma, os cronistas europeus do século XVI, chegando 8 América, se surpreendem com a relevancia da posigio da mulher entre os Iroqueses_e _Hurons, Nestas sociedades de cacadores_e coletores_néo_havia uma_divisio_estrita_entte economia _doméstica @ economia social, Inexistia o controle de um sexo sobre _o outro na_realizacio de tarefas_ou_nas 16 Branca M. Alves Jacqueline Pitanguy 0 que ¢ Feminismo "7 tomadas_de_decisSes._As_mulheres_participavam smente_das_discussdes_em_que_estavam_em jogo os interesses ds comunidade; Durante os primeiros séculos da Idade Média, enquanto no haviam sido reintroduzides os principios da Legislagéo Romana — 0 que ocorre do século XIII em diante — as mulheres gozavam de alguns direitos, garantidos pela lei e pelos costumes. Assim, quase todes as profissBes eram-thes acessiveis, bem como o direito de propriedade e de sucessio. No que se refere 4 atuagéo politica, hé exemplos de mulheres da burguesia participando de assembiias, com direito a voto. Em Bigorre (Franca), desde 0 século XI, existiu o sufrdgio universal, e as mulheres, quando roprietérias, participavam das discussées dos ‘contratos da comunidade. Estudos demogréficos revelam que havia na Idade Média uma disparidade na distribuigio da opulacdo por sexo, com predomindncia do contingente ferninino adulto. De fato, envolvidos fem constantes guerras e longas viagens, ou recolhi- 0s 4 vida mondstica, era freqiente o afastamento dos homens. Em sua ausincia, as mulheres assumiam os neg6cios da. familia, sendo-thes Portanto _necessério entender de_contabilidade € legislagdo, para efetuar com eficiéncia as transa- ges comerciais e defender-se em jufzo, Histori camente, a_maior_participacéo_da_mulher_na esfere_extradoméstica_esteve_sempre_ligada a0, afastamento_do_homem por motivo de guerras. Tal fato se repetiu inclusive nas duas grandes ‘guerras mundiais deste século, quando a mulher participou expressivamente na forca de trabalho. Na dade Média, a mulher participou também das corporagdes ‘de oficios, atuando como aprendiz e, excepcionalmente, por morte do marido, como mestre. O acesso 8s corporagdes significou também a possibilidade de receber instrugdo profissional, direito que ela viria a perder nos séculos posteriores e que seria uma de suas bandeiras de luta. A ascenso da mulher 0 cargo de mestre sofria, no entanto, restrigées, ‘Assim, ela s6 poderia ocupé-lo, quando vidiva, pelo perfodo de um ano, em alguns burgos, ou, fem outros, enquanto no mantivesse relagdes sexuais com outro homem. Hé registros de mulheres exercendo tarefas ditas masculinas, como a serralheria e a carpintari ‘apesar_de que se concentravam sobretudo nas rofissBes “femininas”” como a tecelagem, a costura, 05 bordados. Participavam do comércio, ao lado de seus maridos e, freqientemente, permaneciam ‘como comerciantes apés a sua morte. Por outro lado, a indistria doméstica — ligada principalmente 4’ produgdo de alimentos e a tecelagem —, domi- nada pelas mulheres, era muitas vezes sua principal fonte de renda ou uma complementagao necesséria do orgamento familiar. Podendo, também, exercer © direito de sucessdo, néo era incomum uma 16 Branca M, Alves/Jacqueline Pitanguy 0 que ¢ Feminismo ” tomadas de_decisées. As mulheres participavam ativamente das discusses em que estavam_em foqo os Intresss da comunidad Durante os primeiros séculos da Idade Média, fenquanto no haviam sido reintroduzidos os Prine(pios da Legislaco Romana — 0 que ocorre do século XIII em diante — as mulheres gozavam de alguns direitos, garantidos pela lei e pelos costumes. Assim, quase todas as profissées eram-thes acessiveis, bem como o direito de propriedade e de sucesso. No que se refere atuagdo politica, hd exemplos de mulheres da burguesia participando de assembléias, com direito a voto. Em Bigorre (Franca), desde © século XI, existiu o sufrdgio universal, e as mulheres, quando Proprietérias, participavam das discusses dos contratos da comunidade, Estudos demogréficos revelam que havia na dade Média uma disparidade na distribuiggo da Populacdo por sexo, com predominancia do contingente feminino adulto. De fato, envolvidos: fem constantes guerras e longas viagens, ou recolhi- dos a vida mondstica, era freqiiente o afastamento dos homens. Em ‘sua auséncia, as mulheres assumiam os negécios da familia, sendo-lhes portanto_necessério entender de contabilidade e legislagao, para efetuar com eficiéncia as transa- ges comerciais e defender-se em ju/zo. Histo camente, a_maior_participaco_da_mulher_na jera_extradoméstica_esteve sempre _ligada ao fastamento_do_homem por motivo de guerras. Tal fato se repetiu inclusive nas duas grandes guerras mundiais deste século, quando a mulher participou expressivamente na forca de trabalho, Na Idade Média, a mulher participou também das corporagées de oficios, atuando como aprendiz e, excepcionalmente, por morte do marido, como mestre. O acesso as corporagdes significou também a possibilidade de receber instrugo profissional, que ela viria a perder nos séculos posteriores e que seria uma de suas bandeiras de luta. A ascensio da mulher 40 cargo de mestre sofria, no entanto, restrigdes ‘Assim, ela sé poderia ocupé-lo, quando vidva, pelo perfodo de um ano, em alguns burgos, ou, fem outros, enquanto ngo mantivesse relagdes ssexuais com outro homem, Ha registros de mulheres exercendo tarefas ditas masculinas, como a serralheria e a carpintaria, fapesar_de que se concentravam sobretudo nas profissdes “femininas”” como a tecelagem, a costura, 08 bordados. Participavam do comércio, ao lado de seus maridos e, freqiientemente, permaneciam como comerciantes apés a sua morte. Por outro lado, a indistria doméstica — ligada principalmente 4 produgo de alimentos e a tecelagem —, domi- nada pelas mulheres, era muitas vezes sua principal fonte de renda ou uma complementagdo necesséria do orgamento familiar. Podendo, também, exercer © direito de sucesso, no era incomum uma ii} Branca M, Alves} Jacqueline Pitanguy. herdeira gerir sua propria renda, ainda que casada. Mulheres economicamente auténomas, comercian- tes ou exercendo outras atividades, independente de seu estado civil, aparecem nos anais de corpo: rages ¢ nos registros administrativos, Entretanto, o trabalho feminino sempre recebeu remuneragio inferior a0 do homer. Esta desvalo- Tizago, por outro lado, provocou a hostilidade dos _trabalhadores homens contra 0 tabalho da mulher, pois a competi¢ado rebaixava o nivel salarial_geral. Assim, em determinados periodos, surgiram restriges & participagio da mulher ‘no mercado de’ trabalho, como em Londres, no ano de 1344, quando a corporacdo de alfaiates proibiu seus membros de empregarem mulheres que ndo fossem suas esposas ou filhas. No campo da educagéo, embora minoritari mente, hd. registros de_mulheres frequentando tniversdades. Assim, em Frankfurt, no século XIV, quinze mulheres estudaram medicina e exerceram a profissio, enquanto em Bolonha algumas mutheres formaramse em Medicina e Direito, Ainda no século XIV, uma escritora francesa, Ghristine de Pisan, torna-se a primeira mulher & ser indicada poeta oficial da corte, Pode ser condi derada_como_uma_das_primeiras_feministas, no a_dos direitos da_mulher. itores de renome na época, defendendo a igualdade entre os sexos. Afirmou 0 que ¢ Feminismo 4 necessidade de se dar as meninas uma educagdo lintica a dos meninos: “Se fosse costume mandar as meninas & escola e ensinar-lhes as ciéncias, como se fazem aos meninos, elas aprenderiam dda mesma forma que estes € compreenderiam as sutilezas das artes e ciéncias, tal como eles”. Vidva aos 25 anos, Christine sustentou a fami Iie, dois irmfos e 3 filhos, e manteve-se economi- camente independente por sua profissio de scritora Escreveu_o que seria talvez_o primeiro tratado feminista: A Cidade das Mutheres, onde afirma verem homens e mulheres iguais por sue propria fiatureza. Refuta_as generalizagSes que imputam inferioridade a0 sexo feminino e condena a dupla moral, pela qual_o mesmo ato é crime quando praticado pela mulher e apenas pequeno defeito ‘Quando pelo ‘Apeser da signficativa participago da mulher na vida social e econémica da Idade Média, a idéia que prevaleceu foi a transmitida pelo romantismo dda cavalaria: uma mulher frdgl e indolente, entre- tida em bordados e bandolins, & espera de seu tavaleiro andante. Esta imagem, que_por_um Jado exclui_a grande massa_de mulheres até de ‘uma_representasio-simbéliea—or_outro-raflate uma visio distorcida do que_seria_o gotidiano Se ee tntre_a_posicfo _concreta_da_mulher_na_vidg cotidiana ea representagdo_simbélica_de_ seu 9 20 Branca M, Alves/ Jacqueline Pitanguy DO que ¢ Feminismo a papel. intensa partic ‘da mulher no mercado de ‘trabalho durante a Idade Média néo the conferia no entanto prestigio social posto que, a diferenca do Que aconteceré no Renascimento € na Reforma, 0 trabalho, bem como as artes e 0 conhecimento tific, no eram entéo considerados como valores em si, nem tampouco eram instrumentos de ascensio social. O poder, monopélio da nobreza € do clero, baseava-se na posse da terra e na ascen- déncia espiritual ‘Ao fazer este breve relato da posi¢go da mulher na Idade Média néo se poderia deixar de comentar @ perseguigdo que se abateu entéo sobre ela @ que ficou conhecida como a “capa as bruxas", Neste erfodo, essencialmente teoldgico, a “‘maldigéo biblica de Eva” acompanharia mais que nunca @ mulher. Se bem que exista uma contradigéo interna no pensamento da Igreja medieval no que concerne & posico da mulher, oscilando entre as figuras de Maria, exaltada, e Eva, denegrida, 0 que prevalece na mentalidade eclesiéstica da época € 2 formacio eo triunfo do tabu sexu Eva é responsével pela queda do homem, @ é jerada, portanto, a instigadora do mal Esse estigma, que se propaga por todo 0 sexo) feminino, vem a se traduzir na perseguigo implacével 20 corpo da mulher, tido como fonte: de maleficios. ‘A chamada “caca as bruxas”, verdadeiro geno- @{dio perpetrado contra 0 sexo feminino na Europa # nas Américas — t8 pouco estudado e denun- clado —, ¢ que se iniciou na Idade Média, exacer- jando-sé no século XVI, inicio do Renascimento, parte da heranca de siléncio que recobre a historia da mulher. As mithares de mulheres wassinadas e torturadas (para cada dez bruxas @ontava:se um bruxo) pouco despertaram a uriosidade dos historiadores. Cabe perguntar: fo este genocidio tivesse sido perpetrado essen- Glaimente sobre 0 sexo masculino, no seria ele ‘objeto de andlises mais profundas? ‘A Inquisicdo nfo perseguiu tdo-somente a bruxaria. Também 0s hebreus, considerados hreges, foram duramente atingidos pelos tribunais Wolesiésticos, Esta perseguicgo, a0 contrério da ‘que se abateu sobre a mulher-bruxa, foi no entanto Fogistrada pela historia, Existe, nessa ir mento claro_de_luta pela manutengdo de uma de poder por parte do homem: a mulher ix@,_Supostamente_possuiria_conhe- spavam ao dominio masculino, © proprio discurso cientifico esté impregnado deste estigma. Ambroise Paré, médico e cientista Hlustre do século XVI, vé no organismo feminino prova da inferioridade da mulher: “Porque o fe 0 homem tem externamente a mulher 0 tom internamente, tanto por sua natureza quanto fgimentos que lhe confeririam espacos de atuacio, Branca M. Alves/ Jacqueline Pianguy por sue imbecilidede, que nfo. pode expel ara fora ete pure Acredcar cha fuels fominines tomar as mulheres “Sst vergonhosas quando nuas” e, em relagdo & menstruagdo, afirma: “Porque as mulheres séo de vtaroperatire. 1) wr reapSa eos hana tis alinertapaa reais enetorrs si aa bom, tanto que a maior parte se torna indigesta cow. transfer eniimerotruestes, Gusta mulher sadia se purga e se limpa’’. Francois Rabe- is, outro grande médico, adota idénticas posigées, concluindo que 0 corpo “hstérico”” da” Mie $6 pode conduzite & dosrdem moral Sgieetin wade ads Bae algo ecu e ilere 5a) peer a ee como ua neu mesuina aun aoa @ monopélio do saber e do poder de cura. E o Savoassobretudo peli -peequicks a prey feminine do ato com fervese do stendltnents 203-pa ‘mulher, curandeira_e parts, eens ea eaetan cate Ce Sen ea ¢aabecnone ar eae ae cabo afi reali Gue-o- Tura de Toque do se instaura no século XIV, quando profundas transformagSes econémicas e politicas desestru- turam as bases do modo de produto feudal, pa qual, como foi dito, ‘a mulher participava ativa~ mente. Tais transformagées — mercantilismo, @ formagdo dos Estados Nacionais, @ reintroducdo do Direito Romano — afastam a mulher da esfera publica. Ao mesmo tempo, o poder eclesistico que_se_afirma pela Inquisicgo &essencialmente masculino: progressivamente,_a_mulher_se_viu ifastada da hierarquia e da atuaco nos ritos desta instituiggo_religiosa. Este_alijamento_néo_teria jo realizado sem resisténcia por parte da mulher. mbora seja dificil recuperar os tracos desta tesisténcia, dado o siléncio que recobre este fendmeno, poder-se-ia supor que a busca pela mulher _de_outras_formas_de_conhecimento_e de_atuaco,_castigada_ como “bruxaria”, caracte No que se refere 20 discurso inquisitorial a festreita associagio que este tribunal estabelece entre bruxaria e mulher se explicita pela atribuicao de conotacdes nitidamente sexuais aos ritos do ‘sabé"” — culto a0 deménio: nestes as mulheres eopulariam com o diabo. E portanto_pelo sexo que ela se faz bruxa, sexo este considerado, “por hatureza”, impuroe maléfico, Leonard de Vair, Inquisidor, assim descreve, em 1883, amenstruago, no livro Trois Livres des Charmes, des Sorcelages ‘at Enchantements: ""Mensalmente elas se enchem de elementos supérfluos e o sangue faz exalar vapores que se elevam e passam pela boca, pelas narinas e ‘outros condutos do corpo, lancando feiticos sobre tudo que elas encontram”. Branca M. Alves|Jacqueline Pitanguy Due ¢ Feminismo 3s s wares de mulheres queimadas nfo so distinguiriam das demais por possu(rem uma “natureza diversa". Elas teriam, t8o-somente, exercido determinados maleficios que seri inerentes a qualquer mulher. Era, portanto, @ ‘natureza”” feminina que ardia nas fogueiras que se acenderam pela Idade Média e 0 inicio do Renascimento, “Se hoje queimamos as bruxas, ¢ por causa de seu sexo feminino”, diz Jacques Sprenger, inquisidor e te6rico da demonologia, que publica, no final do século XV, um manual de base do cagador de bruxas, 0 Malleus Maleficarum, no qual se remete 20s textos, sagrados para comprovar a inferioridade feminina, Afirma assim qi “A mulher & mais carnal que 0 homem; vemos isto por suas miltiplas torpezas... . Existe um defeito na formago da primeira mulher, pols ela foi feita de uma costela curva, torta, colo- cada em oposico a0 homem. Ela é, assim, um ser vivo imperfeito, sempre enganador”, ‘Ao longo do século XVI se sucederam demo- n6logos lancando sobre a mulher a suspeita de satanismo. Um destes, Nicolas Remy, se jactava de haver mandado queimar 900 bruxas, Q adventa do_protestantismo _ngo_significou_uma do__protestantismo _néo_significou_uma_queda hnesia_perseauicéo. Ao contrério, tanto Lutero quanto Calvino _aderiram_a_mesma, apoiados_na_ boo indo alguns autores chegou-se mesmo 0 estabelecer_uma _competico_ent roligibes Jules Michelet, em Sobre as Feiticeiras, trans- reve ndmeros estarrecedores: por ordem de seu bispo, a cidade de Genebra queimou, no ano 1515, em apenas 3 meses, nada menos que 600 mulheres; na Alemanha, 0 Bispado Bamberg ‘queima de uma s6 vez 600, e 0 de Wurtzburgo, 900. As confiss6es eram extrafdas sob tortura f mesmo contra qualquer evidéncia, como afirma Michelet: 0 processo é simples. Comecar por utilizar a tortura para as testemunhas... Extrair a0 ‘acusado, 8 custa de sofrimentos, qualquer confisso... Uma feiticeira confessa ter rou- bado do Cemitério 0 corpo de uma crianca . Desenterram-no e ld 0 encontram dentro do caixio, O Juiz porém resolve, contrariando o que os olhos Ihe dizem, que se trata de uma ‘aparéncia, um engano do Diabo . . . Ela é quei- mada”. Nao apenas_as_instituic6es da Inquisicéo e da ‘medicina_condenam _a_mulher. Discursos_de intelectuais_e _humanistas, como Jean Bodin, twmbém_a estigmatizam como inferior e impura gontribuindo_para_a_justificagéo jca_de jesvalorizagao. - ‘Branca M, Alves/Jacqueline Pitanguy wir © seu espago de atuacéo politica, posto gue esta se realizava sobretudo a nivel comunal, A centralizagio.do poder vai de par mento de mute dct pin, “°° a8 "or outro lado, a reintrodugso da legis romana implcoy uma redueto dos dros OM de mulher. Surgem entforestig6es vo seu drlt de ns por heranca, reger seus prOprios representar-se na Justica, ‘Se durante a Idade Média a mulher atuou em Praticamente todas as profissSes, a partir do fenascimento determinadasatividades vo radativamente tornando-se do. dominio maseu: lino, 20 mesmo tempo que. as Corporagdes de cio se fecham 8 participagéo feminina, & lustamente durante _este_perfodo, quando trabalho se valoriza como Inst mo _instrumento_ de. Tormacd : j0_do mundo pelo homem, que Te Th tamente ~ ° determinadas _profissées, —Profissées,_tece-s@ ‘ambém_toda_uma_ideologia_de_desvaforizagio da.mulher que trabalha. selon, oo feats aaa coe ee ae lor io _do trabalho feminir : D que ¢ Feminismo n rida_concretamente_na_atribuigéo de _menor pagamento a _mSode-obra_feminina_que_& ae cane sae Ties no ooo OS ‘encontra sua légica_no_processo_de fnoumulagao_de_capital, Soret eo do trabalho_da_mulher_(e do menor) cumpre funcdo especiica Nao houve portanto um afastamento da mulher da esfera de trabalho e sim formas proprias de sua incluso na mesma. Ela é totalmente alijada de determinadas atividades, tal como 0 fabrico de cerveja, de velas, e os offcios de serralheria fundigo. Ainda que permaneca de forma significativa ‘em determinados ramos de produgo, como a inddstria da seda e t8xtil em geral (em 1790 a mio-de-obra ocupada na indistria de la na Franca se distribufa da seguinte forma: 45,6% de mulheres, 35% de criancas e 19,3% de homens), desempenha as atividades menos qualificadas e de mais baixa remuneracdo. de tais empecithos a sua participacdo no mercado de trabalho adquire faceta peculiar: a partir do século XVII e sobretudo no século XVIII contin gentes cada vez maiores de mulheres passam 2 fealizar trabalhos a domicilio, contratadas por intermediérios. Este tipo de trabalho ¢ ainda hoje largemente exercido pela méo-de-obra feminina, particularmente na inddstria de confeceao. Vai de par com a valorizacdo da idéia de traba- tho ocorrida neste perfodo, o respeito nascente pela ciéncia e a preocupacdo com a aquisicao Branca M. Alves/ Jacqueline Ptanguy do conhecimento. No entanto, ao mesmo tempo em_que_se_desenvolve_a instrugio_masculina ei vitios niveis, a educacio da mulher sofre revezes, do. fissional, quanto No _da_formaego intelectual. Nao se tem registro de mulheres frequentando universidades até meados do século XIX. Desaparecem as mulheres médicas, cirurgids, advogadas. A obstetricia, como um ramo do conhecimento cientifico 20 ual s6 os homens tinham acesso, vem retirar das mulheres © monopélio da profisséo de parteira, secularmente seu, ‘Ao mesmo tempo em que o ensino piblico e Privado se expande na Europa, a defasagem entre © nimero de escolas masculinas e femininas é enorme: em 1790, na Diocese de Rouen, por exemplo, a relagio entre escolas para meninos ¢ Para meninas € de 4 por 1, Tal defasagem se dé do somente em termos’ quantitativos como também no que se refere a qualidade do ensino ministrado. O currfculo das meninas enfatizave © aprendizado das prendas domésticas e sua escolarizacdo no as preparava para o ensino Superior, que, alids, sequer thes era acess{vel, Nao € de se estranhar, portanto, it yozes_de_contestacio feminina que a historia ‘Moderna _fegistra_se_dirijam justamente contra a dexigualdade savual no aes educagdo e a0 trabalho, O FEMINISMO COMO MOVIMENTO POLITICO Primeiras vozes Na América o século XVII, que antecede a sentes Taeneea's tno ode eee eee een sens arena sie aay 30 Branca M. Alves} Jacqueline Pitanguy. feminina que a Hist6ria Americana registra. Profundamente religiosa, Ann congregou em torno de si uma comunidade que se reunia para ouvir as suas pregagdes. Afirmava que 0 homem @ @ mulher foram criados iguais por Deus, contra- riando assim os dogmas calvinistas da superioridade masculina, Acusada de: “Ter sido mais um marido que uma esposa, um pregador que um ouvinte, uma autoridade que um sidito (...)" e de ter “‘mantido reunies em sua casa,... um fato intolerdvel diante de Deus e impréprio para seu sexo”, foi condenada, em 1637, 20 banimento. No século XVII, a idéia de igualdade de direitos para a mulher, mesmo que téo-somente a nivel do religioso, era ainda intolerdvel, ‘Marcado pela intensa participago das massas nna esfera politica, 0 século seguinte ¢ 0 século das revolugdes. As idéias de liberdade do ci frente 20 arbitrio do Estado e a consciéncia de jue _esta_s6_se_constr6i_com_a participagio do individuo-na_esfera politica, se afirmam enquat rineipios_da_ideologia_liberal,_que_eneontram, ‘na propriedade ua base material Nos Estados Unidos, a luta pela libertacio fez do principio bésico da igualdade a expresso primeira de sua Declaragdo de Independéncia: “Todos os homens foram criados iguais”. Temendo que o conceito de “homem’” contido na Declaraggo abarcasse téo-somente 0 sexo masculino, Abigail 0 quer Feminismo ‘Adams escreve a seu marido, John Quiney Adams, ider de Guerra da Independéncia, uma carta em {que reivindica sejam estendidos a seu sexo aqueles direitos: ... Espero que no novo Cédigo de Leis vooés se lembrem das mulheres e sejam mais generosos que seus antepassados. (...) Se néo for dada especial atencao as mulheres, estamos resolvidas a nos rebelar e no nos considerare- mos obrigadas a cumprir leis, diante das quais indo temos nem voz, nem representacdo”. A resposta sarcéstica de John Quincy Adams ver reafirmar ndo incluséo do sexo feminino (@ de outras minorias) na idéia de igualdade definida pela Declarago de Independéncia uanto 20 seu extraordinério Cédigo de Leis, ‘eu 56 posso rir, Nossa luta, na verdade, afrouxou 05 lacos de autoridade em todo o pafs. Criangas @ aprendizes desobedecem, escolas e universide des se rebelam, indios afrontam seus guardides f@ negros se tornam insolentes com seus senhores. Mas a sua carta é a primeira intimagao de uma outra tribo, mais numerosa e poderosa do que todos estes descontentes (...) Esteja certa, nds somos suficientemente Idcidos para néo abrir mo do nosso sistema masculino”. 0 discurso de John Quincy Adams revela, com inusitada clareza, os limites da ideologia liberal at 32 Branca M. Alves/Jacqueline Pitanguy 0 que €Feminismo 33 conforme delineada_naquele século de ascensio ja_burguesia, Fi excluidos dai ie a jade,_de forma irreversivel — porque em nome do sexo e da raga, fatores biolégicos insupe- réveis — gs mulheres, 0s negros, os indios. A este contingente discriminado, adicionava-se também o homem branco de baixa renda, cuja exclusio no era no entanto irremedidvel jé que, teoricamente, oderia ascender financeiramente e ter direito 20 voto, Na_Franca, neste_mesmo século_marcado por revolugdes, a mulher, que participa _ativamente ‘¢_lado_do_homem_do_processo_revolucionario, 30_lado_do_fomem_do_processo revoluciondtio, 1ndo_vé_também_as conquistas_politicas_estende fem-se_a0_sou sexo, E_neste momento historico gue_os_contrariam, o movimento feminista, na Franga, assume_um di jo, que afirma a.especificidade X ‘As mulheres revolucionérias francesas dirigem-se 4 Assembléia, peticionando a revogago de institu: tos legais que submetem o sexo feminino a0 domfnio masculino. Reivindicam, assim, a mudanea da legislaggo sobre o casamento que, outorgando 20 marido direitos absolutos sobre 0 corpo e (9s bens de sua mulher, aparecethes como uma forma de despotismo’ incompativel com os Principios gerais da Revolucdo Francesa, Em 1789, apresentam Assembléia Nacional um documento no qual afirmam: “Destrusstes os preconceitos do passado, mas permitistes que se mantivesse 0 mais antigo, que ‘exclui dos cargos, das dignidades das honrarias , sobretudo, de sentar-se entre vés, a metade dos habitantes do reino. (...) Destruistes o cetro do despotismo . ..e todos os dias permi is que treze milhdes de escravas suportem as cadeias de treze milhdes de déspotas”. Neste perfodo, sfio_publicadas ras_bro- churas sobre a situacgo da mulher, abordando os temas do_trabalho, da_desiqualdade_legal,_da participacio politica, da prostituicdo, Esta atingia em Paris cifras assustadoras. Segundo registros, no final do século XVIII, para cada 5 mulheres solteiras, uma era prostituta, Olympe de Gouges, escritora jS conhecida na 6poca, por sua defesa dos ideais revolucionérios, sentindo-se profundamente decepcionada a0 constatar que estes ndo inclufam preocupagées com relago a situagdo da mulher, publica, em 1791, um texto intitulado Os Direitos da Mulher @ da Cidadé, no qual afirma: “Diga-me, quem te deu o direito soberano de ‘oprimir 0 meu sexo? (....) Ele quer comandar como déspota'sobre um sexo que recebeu todas as faculdades intelectuais. (.. . ) Esta Revolugao 86 se realizaré quando todas as mulheres tiverem Branca M. Alves/ Jacqueline Pitanguy O que é Feminismo 35 ‘consciéncia do seu destino deplorével © dos direitos que elas perderam na sociedade”, Parafraseando 0 discurso revolucionério, die: “A mulher nasce livre e permanece igual a0 homem em direitos. (....) Esses direitos inalie- ‘dveis e naturais sf0: a liberdade, a propriedade, ‘ soguranca e sobretudo a resisténcia & opressio. (...) 0 exercicio dos direitos naturais da ‘mulher s6 encontra seus limites na tirania que 0 homem exerce sobre ela; essas limitages devem ser reformadas pelas leis da natureza e da razéo”. © discurso de Olympe de Gouges néo é uma critica 20s principios fundamentais do liberalismo. ‘Ao contrério, esté profundamente imbu/do destes prinefpios e é em nome do “‘direito natural” que exige sejam estes estendidos 0 sexo feminino. Este discurso, que prope a insergo da mulher na vida politica e civil em condigéo de igualdade ‘com os homens, tanto de deveres quanto de direitos, serd repetido durante todo 0 século XIX pelas ferinistas, na sua luta pelo sufrdgio.. Olympe de Gouges foi guilhotinada em 3 de novembro de 1793. A sentenca que a condenou ‘acusava‘e de ter querido ser um homem de Estado @ ter esquecido as virtudes préprias @ seu sexo, ‘A ampla participaggo da mulher na vide péblica durante_o_perfodo_revolucionétio_—redigicam menifestos, _mobilizeram-se_em_motins_contra a_carestia, participaram_dos_principais eventos da_Revolucdo,_ formaram_clubes_politicas — reprimida por um decreto de 1795, da Assembiéia Nacional, que a circunscreve ao &mbito doméstico: “"Decreta-se que todas as mulheres se retirardo, até ordem contréria, a seus respectivos domicr. ligs. Aquelas que, uma hora apés a publicagéo do presente decreto estiverem nas ruas, agrupa- das em ndmero maior que cinco, serio disper. sadas por forga das armas e presas até que a tranqiilidade publica retorne a Paris” Feche-se assim, formalmente, o acesso da ‘mulher & participagao na esfera pablica, de acordo, afinal, com 5. proprias idgias de Rousseau — Principal ideslogo da Revolugo — para quem o mundo masculino seria, por natureza, o mundo extemo, @ 0 feminino, 0 mundo interno. Segundo Rousseau, a mulher deveria ser educada e encontrar sua realizagéo “natural” e colocar-se a servigo do homem, desde a inféncia até 8 idade adulta “"Toda a educago das mulheres deve ser relaci nada ao homem. Agradélos, serthes util, fazer- se amada e honrada por eles, educélos quando jovens, cuidé-1os quando adultos, aconselhé-los, ‘consolé-los, tornar-hes a vida til e agraddvel — so esses 03 deveres das mulheres em todos ‘08 tempos e o que Ihes deve ser ensinado desde a infancia’” (Jean Jacques Rousseau). Na Inglaterra Mary Wollstonecraft, defensora dos principios rousseaunianos de respeito 20s 36 Branca M. Alves/ Jacqueline Pitanguy 0 que ¢ Feminismo 37 "direitos naturais” do individuo, porém, levando estas idéias de libertagdo as suas dltimas conse- qiiéncias, destaca-se como uma das mais relevantes vozes da histéria do feminismo. Denunciando as idéias de Rousseau com relagéo @ mulher escreve, em 1792, um livro intitulado Defesa dos Diteitos_da_Mulher, Nele. contesta que existam diferencas “ne Z na intelic ‘de_meninos e meninas. A inferioridade da mulher, sequndo ela, adviria unicamente de sua educacdo, Propde, portanto, que se ofereca as meninas idénticas oportunidades de formacdo intelectual @ desenvolvimento fisico que as existentes para (0s meninos. “Para que a humanidade seja mais perfeita e feliz, é necessdrio que ambos 0s sexos sejam educados segundo os mesmos principios. Mas ‘como seré isso possivel, se apenas a um dos sexos 6 dado o direito 4 razdo? ... ¢ preciso ‘que também_a_mulher_encontre sua virtude onhecimento, o que. vel se for educada com os mesmos objetivos que os do homem, Poraue- é-a-hmnorinea que" Tor a ignorsncia que a tora ferior No século XIX, a consolidago do sistema capi- talista traré conseqUéncias profundas tanto para 0 processo produtivo quanto para a organizacdo do trabalho como um todo, e para a mgo-de-obra feminina, em especial. O sistema de produgio Wile A desvalorizagao da forea de trabalho feminina 38 0 que é Feminism 39 manufatureira e, posteriormente, fabril, 0 desen- volvimento tecnolégico e a introduggo cada vez mais significativa da maquinaria, véo afetar o trabalho feminino, transferindo para as fébricas tarefas antes executadas a domictio, e aumentando enormemente 0 contingente feminino da méo- de-obra operaria, Compartindo com 0 homem as terriveis condi es de trabalho vigentes naquele per‘odo, como jornadas de 14, 16 © até 18 horas, as mulheres (assim como 0s menores) sofrem ainda uma superexploragio advinda das diferencas salariais. Em Paris, 0s saldrios femininos eram em_média de 2,14 francos e os masculinos, de 4,75; na Alemanha, na inddstria do papel, os homens ganhavam’ de 18 a 20 marcos, e as mulheres, de 9 a 12; em Massachusetts, na indstria de calgados, 08 salérios variavam de 37 délares para as mulheres 2-75 para os homens. A justificativa ideol6gica para esta superexploracdo era de que as mulheres necessitavam menos trabalho e menos saldrios do ‘que os homens porque, supostamente, tinham ou everiam ter quem as sustentasse. tina._que_vinha se processando_a_partir_do Benascimento, vem delegarthe, em _goral,_ as fafefas_menos quelificadas e_‘ais_subalternas da produgao fabri. Por outro lado, a desvalorizaglo da forga de trabalho da mulher acarretava um rebaixemento do nivel salarial geral. Desta forma, movimentos ‘operdrios do século pasado repudiaram o ingresso das mulheres no mercado de trabalho, fechando- thes as portas dos sindicatos recém-formados, vendo-as como “concorrentes desleais". L{deres operdrias como Jeanne Deroin e Flora Tristan afirmavam a necessidade de que a mulher se_educasse_e_se_organizasse para defender seus inferesses, proGurando fazer com que as organiza- ‘operérias masculinas compreendessem que estes eram comuns a toda a classe trabalhadora. Jeanne Deroin, operdria francesa autodidata, esereve em 1848 um Curso de Direito Social para {as Mulheres, no qual pretende apontar as préprias mulheres a passividade por elas assumnida: “A mulher, ainda uma escrava, permanece em silencio. (...) Subjugade pelo dom{nio mas culino, ela nem sequer aspira a sua propria libertagdo; © homem & que deve liberté-a” Lutando para que homens e mulheres se consa: grassem em toro da sua condicéo operéria ‘comum, Jeanne elabora um Jeanne elabora um projeto de uma Unido ase ae epee eames Ao promover reuniées para realizacdo desta Unido, Jeanne e seus companheiros foram presos. Apesar Re ice areca ener i eciciecpose heeciaiacoa iad Selecnmalcns actmese iaceonoral age Branca M. Alves/ Jacqueline Ptanguy a em, 40 Branca M, Alves/ Jacqueline Pitanguy O.que ¢ Feminismo 4a nascente movimento por uma lideranga feminina, Jeanne dobra-se 20 preconceito que tanto combs tera, no assumindo a autoria do projet. Contemporanea de Jeanne Deroin, destaca-se a figura de outra \(der operéria, Flora Tristan, que publica, em 1843, um trabalho intitulado Unido Operdria. Planejava a criacéo de centros de orge- nizagdo e educaréo moral, intelectual técnica do operariado, a que chamava “Palécio dos Trabalhadores”. Lutou, ainda, em 1844, pela corganizagéo de uma intemacional do Trabalho. Em uma carta dirigida 20 lider socialista Cons dérant, Flora reconhece ter todos contra si: “Os hhomens, porque reivindico a emancipario das mulheres; 0s proprietérios, porque reivindico a emancipagdo do proletariado”. No século XIX, caracterizado pelos movimentos reivindicat6rios @ revoluciondrios, estruturam-se as bases da teoria socialista, A partir da andlise das relagdes de produgdo do sistema capitalists, entende-se a condigo da mulher como parte das relagBes de exploracdo na sociedade de classes. Neste sentido destacase a contribuigio de dois ‘autores: Friedrich Engels (A Origem da Familia, da Propriedade Privada e do Estado) © August Bebel (A Mulher sob 0 Socialismo). Engels baseia-se em estudos de relagdes familiares em sdades primitives efetuados por antropélogos ‘como Lewis Morgan. Contrapondo estas socieda des, em que a propriedade 6 comunal, em que no existe aparelho de Estado e que seriam regidas ppor lagos de parentesco matrilineares, &s sociedades apitalistas, conclui que a base da inferiorizagio ‘da mulher encontra-se no surgimento da proprie- dade privada, Desta forma, o casamento © a sujeigéo da mulher surgiriam como gerantia para {a transmissfo da propriedade (heranca). ‘Apoiando-se nos argumentos de Engels, Bebel equipara a sujei¢do da mulher & da classe operdria no sistema capitalista, j4 que a causa é comum: © surgimento da propriedade privada. Afirma ssim que “o poder de uma classe sobre a outra terminaré e, com ele, terminaré também 0 poder do homem sobre a mulher Através de uma luta constante por sous direitos, as_mulheres_trabalhadoras_romperam_o_ silencio ¢¢_projetaram suas reivindicacoes na esfera publica. © avanco das lutas operdrias conarega homens e mulheres nas organizagSes sindicais. Com eles fas_mulheres participaram des greves e, como eles, foram vitimas da repressio. O dia 8 de marco, depois proclamado Dia Internacional da Mulher, faz parte desta historia de luta Em 8 de margo de 1857 as operdrias da industria téxtil_ de Nova lorque empreenderam uma marcha pela cidade, protestando contra seus baixos salérios @ reivindicando uma jomada de trabalho de 12 horas. Violentamente reprimidas pela policia, muitas tombaram presas e feridas. Passados 51 anos, no. mesmo dia 8 de marco, em 1908, ainda na Branca M. Alves/ Jacqueline Pitanguy lade de Nova lorque, operdrias novamente saem 4s ruas denunciando as mesmas condicdes degra: dantes de trabalho e acrescentando as suas reivindicagdes a exigéncia de legislagio protetora do trabalho do menor e 0 direito de voto as mulheres. A dentincia da sua situago enquanto trabalhadoras acrescentam a dendncia de sua exclusio da participacdo nas decisdes piblicas enquanto cidadas. O movimento sufragista O século XIX se caracterizou por duas frentes de luta do operariado: a luta por melhores condig6es de trabalho (salério, redugo da jornada, repouso semanal, condi¢des de higiene), e a luta pelos direitos de cidadania (o direito de votar e ser votado sem o critério censitério e a reivindicago de remuneracgo para os cargos do Parlamento, Posto que, como estes nio eram retribu(dos, somente os que tinham altas rendas poderiam desempenhé-tos). © sufrdgio universal foi uma das principals conquistas dos homens da classe trabalhadora Ro final do século pasado, consolidada, dep« de muita luta, por reformas legislativas que elimi- naram o voto qualificado por renda A luta pelo sufrdgio universal, pela ampliaglo Oque Feminismo O direito de votar “a Branca M, Alves/Jacqueline Pitanguy O que ¢ Feminismo 45 dos direitos da democracia, néo inclufa, no entanto, © sufrdgio feminino. Esta foi uma lute especifica, que _abrangeu_mulheres de todas as classes. Foi uma luta longa, demandando enorme capacidade de organizacgo_e_uma_infinita_paciéncia, Pro- longou-se, nos Estados Unidos e na Inglaterra, por 7 décadas. No Brasil, por 40 anos, a contar da Constituinte de 1891. Mobilizou, nos momentos de dpice das campa: rnhas, até 2 milhdes de mulheres, o que torna esta Tutaum dos movimentos politicos de_massa_de, alain ioekoa ait ee merece dos _livros_de_Hist6rla, quando n30_¢ Sia ee aaeeiaatiee eke nota de pé de pdaina, Iniciou-se 0 sufragismo, enquanto movimento, nos. Estados Unidos, em 1848. Denuncia a exclusio da mulher da esfera publica, num momento em que hé uma expansio do conceito liberal de cidadania abrangendo os homens negros © 08 destitu(dos de rend, No século XIX, naquele pa(s, a luta pela aboli do da escravatura mobilizou parcelas significativas de mulheres que, até ento, ndo haviam, de forma téo massiva e organizada,_participado da esfera politica. A conscientizacéo da submissio do negro trouxe-hes, a0 mesmo tempo, uma medida’ de sua propria sujeigao. ‘Apesar de ser sempre dificil estabelecer momen- tos iniciais para acontecimentos que fazem parte de processos histéricos, cabe, no entanto, destacar ‘@ Convencfo dos Direitos da Mulher convocada fem Seneca Falls, no ano de 1848, como um dos ‘marcos iniciais do movimento sufragista americano, Nesta Conven¢io foi redigida uma paréfrase da Declaragéo de Independéncia dos Estados Unidos, iniciando-se com a frase ““Acreditamos serem estas, verdades evidentes: que todos os homens emutheres foram criados iguais Depois de intensos debates, foi aprovada, nesta convenco, uma mogéo que afirmava ser 0 dever de toda mulher americana a luta pelo sufragio. Desde entéo repetiram-se as Convencdes, os abaixo-assinados, as peti¢des a0 Congresso Nacio nal e 3s Assembléias Estaduais, para a reforma das Constituigdes Federal e Estaduais a fim de se permitir 0 direito de voto & mulher. O movi ‘mento, que abrangeu 3 geragSes numa luta incan- savelmente retomada, adquiriu, nos ultimos anos da_campanha, uma feicdo violenta, tendo as sufragistas sofrido indmeras pris6es. Somente em Setembro de 1920 foi ratificada a 19% Emenda Constitucfonal, concedendo 0 voto as mulheres, terminando assim uma luta iniciada 72 anos antes. ‘Na Inglaterra, em 1865, John Stuart Mill apre- senta ao Parlamento um projeto de lei dando 0 voto as mulheres. No ano seguinte, funda-se em Manchester 0 Comité para 0 Sufrdgio Feminino. Neste pa(s, a luta pela conquista do voto proces sou-se de forma semelhante & americana, tendo Branca M. Alves/Jacqueline Pitanguy O que é Feminismo ” no entanto se revestido em sua etapa final de caracter sticas mais violentas, © esforco para a organizago das diversas ativi- dades era imenso: campanhas de mobilizago da opinigo pablica, busca de apoio de parlamentares € partidos, passeatas, atos piblicos, abaixo-assi- nados. Todo este trabelho esbarrava freqiente- mente na indiferenca e galhofa da maioria dos legisladores, obrigando a um eterno recomecar da luta a cada nova legislatura, Em 1903 fundase, também em Manchester, @ Women’s Social and Political Union que, abando- nando gradativamente estes métodos tradicionais de atuacio, passa a adoter, pressionadas pela propria violéncia do governo, uma prética mais agressive. As sufragistas interrompiam os comicios eleitorais perguntando aos candidatos se dariam voto 4 mulher. Presas por “desordem publica”, eram_recolhidas na qualidade de presas comuns (eno politicas). Iniciou-se assim uma série de pris6es e greves de fome em protesto. 0 Governo dé ordem para que sejam alimentadas forea, por um método doloroso — introdugio, pela rnarina de um tubo de borracha até o estémago — que constitute verdadeira tortura. Por volta de 1913 0 movimento sufragista inglés se divide nas suas téticas de luta, entre as “‘pacifistas” e as chamades suffragettes que, radicalizando cada vez mais sua atuagao, passam 4 efetuar atos de dano a propriedade e bens materiais como forma de chamar a atengio para a causa. (O que as mulheres reivindicavam era tdo-somente um direito defendido, em tese, pelas idéias liberais, € recusado, na pratica, por um governo composto pelo proprio partido liberal, S6 o alcangaram em 1928, como conseqiiéncia de uma luta que se estendeu por mais de seis décadas. ‘A luta pelo voto feminino no Brasil no teve as caracteristicas de movimento de massas, como ocorreu nos Estados Unidos e na Inglaterra, Iniciou-se bem mais tarde, em 1910, quando a professora Deolinda Daltro funda, no Rio de Janeiro, 0 Partido Republicano Feminino, com © objetivo de ressuscitar no Congresso Nacional © debate sobre 0 voto da mulher, que nao havia sido retomado desde @ Assembléia Constituinte de 1891 Em 1919 Bertha Lutz funda a Liga pela Eman- cipagdo Intelectual da Mulher, posteriormente denominada Federago Brasileira pelo Progresso Feminino, organizagdo que levaré adiante a luta pelo sufrdgio. ‘As principais téticas utilizadas pela Federagio sio a do lobbying (presso sobre os membros do Gongresso) ¢ a divulgacdo de suas atividades pela Imprensa, para e mobilizag3o da opinigo pablica Em 1927, gragas 4 influéncia do Presidente do Rio Grande do Norte, Juvenal Lamartine, este Estado inclui em sua Constituiggo um artigo 48 ‘Branca M, Alves/Jacqueline Pitanguy permitindo 0 exercicio do voto as mulheres. A partir daf intensificase a mobilizagio das mulheres, que. requerem, em todo o Pais, seu alistamento eleitoral, provocando acirrados debates juridicos. direito a0 voto foi sendo alcancado paulati- namente nos Estados. Desta forma quando, em 1932, Getulio Vargas promulga por decreto-ei © direito de sufrdgio as mulheres, este jé era exercido em 10 Estados do Pais. Se_o movimento sufragista no se confunde.com © feminismo ele foi, no entanto, um movimento feminista, por denunciar a exclusio da mulher da possibilidade de participagao nas decis6es pablicas. Dipaives scieide meu cbetacreoinste ace = esta_prdtica de luta de massas estava fadada a desaparecer. Ha assim_uma_desmobilizacao_das mulheres. Entretanto, 0 questionamento da-sua iscriminaggo__prosseque, _incorporando _outros aspectos_que configuram a condiggo_social_da ‘toulher, PARA ALEM DO VOTO: O MOVIMENTO FEMINISTA ATUAL Sexo e cultura: o masculino e o feminino (Os anos de 1930 e 1940 representam um perfodo fem que, formalmente, as reivindicagées das mulheres haviam sido atendidas: podiam votar & ser votadas, ingressar nas instituigées escolares, participar do mercado de trabalho. O sistema social e politico (tanto o capitalista quanto o socialista) absorvera, de alguma forma, estas onquistas, que implicam no reconhecimento de sua cidadania. Nestas décadas ocorre um reflux na organi zagio das mulheres, Nos pafses em que ocorre 50 Branca M, Alves} Jacqueline Pitanguy a aszensio do nazifascismo este refluxo pode ser também compreendido pelo forte esquema Fepressivo que ebafava qualsquer outras formas Ge. contestarao social. Este periodo é marcado pela preparagdo ¢ pela eclosfo de uma nova guerra fundial Assim, a afirmacSo da igualdade entre Ot soos val confi_com #3 neasdades econ micas daquele_mc mais" do. que aunea,-a-participaglo da mulher sfera_ do trabalho, no-momento_em_que. se sculing pata as frentes de betalha, Tal processo se dé, em particular, nos pales diretamente envolvidos no Conflito, em especial os EUA e a Inglaterra, E com o final da querra e. de sciosh mesa agen elon a lois a diferenciagSo de papéis_por sexo, atribuindo & 5 0, € forte: ra mulher do ‘bara_que cede sou lugar aos homens. As mensagens veiculadas pelos meios de_comunicacdo_enfatizam_a_imagem da “rainha ficacio_do_papel {tabalho extern da mulher @ desvalorizado, tido como suplementar a0 Simanedde Geauunis,escrevendo no final da déca- de de 1940 0 lio intitulado O Segundo Sexo, 6 uma voz isolada neste momento de transi¢ao. De: ttuncia as reizes culturais da desigualdade sexual 0 que é Feminismo Simone de Beauvoir e 0 porco chauvinista 31 52 Branca M, Alves/ Jacqueline Pitarguy 4 0 quee Feminism 53 centribuindo com uma andlise_profunda na_qual ‘tata de questées relativas 8 biologie, & psicandlise, educacio._para_o_desvendamento desta questo, ‘Afirma ser_necessério estudar a forma pela qual @ callgr male cancion Wage ee ul 22 r ‘Simone de Beauvoir estuda a fundo 0 desenvolvi- mento psioolégico da mulher e os condicionamen- tos que ela sofre durante o perfodo de sua socializa- 0, condicionamentos que, a0 invés de integré-la a Seu 0X0, eee ae fa, posto que é trein para ser mero apéndice do homem. Para a autora, ‘em nossa cultura é 0 homem que se afirma através de sua identificacso com seu sexo, e esta autoafi ‘magdo,_que o transforma em sujelto, é feita sobre @ sua_opdsiciio com o sexo feminino, transformado ae eee oat ‘A andliss de Simone de Beauvoir constitui um marco na medida em que delineia os fundamen: tos da reflexdo feminista que ressurgiré a partir da década de 60. E assim que Betty Friedan, apoiando-se nos postulados teéricos do estudo de Beauvoir, recolhe nos Estados Unidos uma série de depoimentos de mulheres de classe média que corresponderiam 20. ideal da “rainha do lar”. Neste trabalho, publicado sob o titulo A Mistica Feminina, detecta 0 que chamou de "o mal que no tem’ nome” e que se traduziria por uma frustraggo constante e indefinida. Afinal, por que se queixavam aquelas mulheres, em suas cozinhas modernas, com seus carros na garagem, seus filhos saudéveis, sua seguranca econémica? Como encai xar esta insatisfacdo na auto-realizaggo que, teorica- mente, deveriam sentir? Como conviver com uma frustrago que se torna mais evidente quando, em sua maturidade, a mulher vé os filhos seguirem seu proprio caminho e a dimenséo do vazio de suas vidas se alargar? Para Friedan, éo papel ‘tradicional de _mulher_que_esta _ insatisfago ‘questiona, Peralelamente a esses depoimentos, ‘analisa 2 veiculacdo, pelas revistas femininas do pés-guerra, da ideologia que se oculta sob a mistificag2o da ‘‘feminilidade” e que propie como realiza¢do plena da condi¢éo feminina a dedicago exclusiva & vida doméstica. No final dos anos sessenta jé estavam dados of primelros patios na constructo de uma teria Kate Millet publica 0 livro Politica Sty sc cn alae tae icamente_as relacbes entre os sexos, afirmando que o sistema patriarcal 4_um_ sistema universal_de_dominacéo prevalente netra as reli Ieis._costumes de todas as civilizacdes. Prope-se. fazer uma andlise politica das relagbes de sexo, Aborda, _neste__sentido, aspectos ideoldgicos, iol6gicos,_sociol6gicos, econdmicos,_antropol6- jicos_e_psTool6gicos_dacondicfo_da_mi batriarcalismo. 54 Branca M, Alves Jacqueline Pitanguy O que é Feminismo 3S Nesta mesma época Juliet Mitchell publica A Condicio do Mulher. Busca formular uma compreender tanto 05 aspectos gerais da. discriminaggo de sexo quanto a sua txpeciticidade nas diferentes classes sociais, Faz lm historioo dos escritos sobre a mulher, atic: mando em sua_andlise que a liberacio_deverd se dar_nos quatro niveis que caracterizam_a dis tminapio: as esferas da producio, da reproducio da sexualidade e da educaco, No Brasil, também neste momento, Heleieth Saffioti publica A Mulher na Sociedade de Classes, fem que faz uma andlise da condigo da mulher no sistema capitalista, afirmando que esta no ecorre unicamente das relagSes econdmicas, posto que se verifica também dentro da autonomia Felativa das outras estruturas. O livro retraga @ evolugdo histérica da condigéo da mulher no Brasil. Trataze de um trabalho pioneiro do ponto de vista da contribuic¢Zo das ciéncias sociais ao estudo da mulher neste pais. ‘A partir da década de 60, 0 feminismo incorpora portanto_outras frentes de _luta_pois, além_das teivindicagdes voltadas para_adesigualdade no exercicio de direitos — politicos, trabalhistes, civis_—, questiona_também_as_ra(zes_culturals estas desigualdades.Denuncla, desta forma, a fnistea de um “stam feminino"=-ou sola crenga_na_inferioridade “natural” da_mulher, calcada_em_fatores biolégicos. Questiona_assim idéia_de_que_homens_e_mulheres_estariam eterminados,—por_sua_prOpria_natureza, eae ae ae mundo externo; 8 mulher, por sua fungfo pro: criadora,._o_mundo_interno,_Essa_diferenciacSo de_papéis_na_verdade._mascara..uma..hierarquia, ‘que delega ao homem a posigao de mando. ‘A politica, o sistema juridico, a religido, a vida Innlectinl-aartitice sl sonstches Ge \ma_cultura_predominantemente_masculina,_ O. movimento feminista_atual_refuta_a_ideologia que_legitima_a_diferenciacgo_de_papéis, reivingi- igualdade em todos_os_niveis, seja_no Runde externas sefa no Abia comastien, Healy ‘que_esta_ideologia_encobre_na_realidade_uma relago_de poder entre os sexos, ¢ que a diferen- Giago de papéis baseia-se mais em critérios socials ee ea ee oe ee ‘que biologicos. Como afirma Simone de Beauvoir, “ndo se nasce mulher, torna-se mulher”. Q_‘masculino” eo ‘“feminino” so_criagdes is_e, como. tal, s40_comportamentos. apreendidos através do proceso de socializacao Saal ere Guimprirem funees soclals-expectficas diversas, Essa aprendizagem é um processo social. Aprende- ‘mos a ser_homens ¢ mulheres ea aceitar como ‘A menina, assim, aprende a ser doce, obediente, passiva, altru/sta, dependente; enquanto o menino, aprende a ser agressivo, competitivo, ativo, 56 Branca M, Alves} Jacqueline Pltanguy independente. Como se tais qualidades fossem parte de suas préprias “naturezas”. Da_mesma forma, a mulher seria emocional, sentimental, incapaz para as abstragdes das ciéncias e da vida intelectual em geral, enquanto a natureza do homem seria mais prop/cia 8 racionalidade. Esta “naturalizagéo” que inferioriza um dos sexos 6 um argumento também utilizedo pelas teorias racistas. Os negros, os {ndios, seriam “por natureza’” inferiores e, como tal, ser mantidos sob comando, alijados da participaggo politica, econémica e social. Da mesma forma, os te6ricos da discriminaggo de sexo apelam para a “natureza” da mulher para justificar sua posicao social subaltena, Sendo ela, “por natureza”, um ser frégil_e dependente, legitima-se a assime sexual. Este _reducionismo_biolégico _camufla Ris ienece areas i wee ie nee ae natureza ‘novo _debate_feminista SE ee (ialdede Bia © ino Tate dein promos hist6rico_e, como. tal, pode ser_combatida_e suberasin Ser Hida ote iatoreee ¢ pea de transfor No entanto, 0 discurso que afirma a naturalidade da discriminago esté de tal forma internalizado, que é dificil & propria mulher romper com a imagem de desvalorizagéo de si mesma por ela introjetada. Ela aceita como natural sua condi¢éo que ¢ Feminismo de subordinada. Vé-se, assim, através dos olhos masculinos, incorporando e| retransmitindo a imagem de si mesma criada pela cultura que a discrimina, ‘A luta contra a discriminagao implica, assim, na recriagao_de_uma_identidade propria, que supere as Teprauid do Torts © do-tace ao ste eee do Torte e do fraco, do ativo e do passive, Identidade esta em que as diferencas entre os sexos sejam de complementaridade e no de dominagio. Em que forca e fraqueza, atividade e passividade nao se coloquem como pdlos opostos definidores do masculine e do feminino, @ sim como parte da totalidade dialética, contradit6ria, do ser humano, Sexo e politica: as formas de organizagao 19 ferinis rm st dos fundamentos da assimetria sexual, analisando 4 produgio,_internalizaco e reproduglo da ideo- logia_de discriminacgo, Voltou-se, do mesmo modo, para a recuperacao das formas de resisténcia Besa tatielas eat elheeerncifcrnies cs ies feeaiiea ae mite verre eee tives _de_exercicio_do. sido relevante neste campo a contribuigdo da antropologia, que, analisando culturas especfficas, 37 58 Branca M, Alves/ Jacqueline Pitanguy O que é Feminismo Procura descobrir que outras formas de exerc{cio de poder so desenvolvidas pelas mulheres apesar de seu afastamento da esfera formal de poder. Tal perspectiva 6 importante porque supera o simplismo de andlises que colocam a mulher na condi¢éo nica de vitima passiva a0 longo da historia, ‘A década de 60 caracterizou-se por intensa mobilizagdo na luta contra 0 colonialismo, a discriminac3o racial, pelos direitos das minorias, pelas reivindicagdes estudantis. Estes moviméntos ampliaram 0 campo do politico, alargando a ‘compreensio das contradigées sociais para além do estritamente econdmico, revelando a existéncia de outras formas de exercicio do poder. Tais movimentos trazem 0 individual para 0 campo do politico, tornando-o coletivo, demonstrando que o ser social ndo se esgota na experiénel de sua classe. No € apenas por relagdes sociais de produgo que o individuo esté impregnado, mas também por relagdes de sexo, raga, inst estas que também se coneretizam numa buigdo desigual de poder. €_neste momento histérico de contestaciio ¢ de_luta_que_o_feminismo_ressurge_como_um movimento de massas que passa a se constitulr, a partir da década de 70, em inegavel forca politica com enorme potencial_de_transformagao_social, ‘Surgem assim indmeras organizagdes qué atuam como niicleos congregadores de grande numero istri- de mulheres. Desenvolvem atividades permanentes = grupos de trabalho, pesquisas, debates, cursos, publicagées — e participam das campanhas que levaram milhares de mulheres as ruas por suas reivindicagGes especiicas Frentes de luta Apesar de que as frentes de luta do movimento feminista variam de acordo com 0 momento histérico e as caracter(sticas sécio-econémicas e politicas do pais em que se desenvolvem, alguns temas tém sido levantados de forma generalizada por constituirem reivindicagées bésicas das mulheres. Estes podem ser agrupados — grosso ‘modo — em algumas categorias: ~ Sexualidade e Violéncia — Saiide = Ideologia — Formaco Profissional e Mercado de Trabalho Sexualidade e violéncia ‘A_contencio_exercida sobre a sexualidade da mulher_é_a primeira forma_de_limitagdo_de_sua jotencialidade. Apoiando-se no dado biolégico, a Mega erfancs) © Capervalotsay ai tues Branca M, Alves| Jacqueline Ptenguy O que ¢ Feminismo ot reproduedo, que passa a se confundir com a prépria esséncia do “ser mulher’ ‘A seguranga da paternidade depende do controle da atividade sexual da mulher. Este controle se atualiza em tabus e proibigdes sexuais que cercam © corpo feminino, impregnando a experiéncia concreta de vida da mulher. Sua referéncia, seu modelo, ndo é a liberdade, e sim a contengio. Em nome da “honra” da mulher estabelece-se um duplo modelo de moral, pelo qual se define sua sexualidade através da limitaedo, enquanto que a do homem definida pelo desempenho, A, virgindade, a castidade, a passividade sexual, a carga de tabus e preconceitos, constituem ‘os principais elementos socializadores da sexualidade feminina. Vé-se esta ainda submetida a orientagées governamentais, que decidem sobre o corpo da mulher, restringindo ou expandindo a sua repro- dugdo através de politicas demogréficas. Assim, durante 0 nazi-fascismo incentivou-se a fungao procriadora da mulher, que deveria “dar muitos filhos a pétria”. Da mesma forme, manipula-se seu corpo com campanhas de contracepgio, quando a politica econémica assim o exige. Qmovimento feminista denuncia a manipulago do corpo damulher ea violéncia 2 que é submetido, tanto_aquela_que_se_atualiza_na_agressio_fisica = espancamentos, estupros, assassinatos — quanto _que_o coisifica_enquanto objeto de consumo, Denuncia_da_mesma forma @_violéncia simbélica s2u_sexo_um objeto _desvalorizado. Reivindica a autodeterminag¥o quanto ao exercici da_sexualidade, _da_procriagao, da_contracepeao. Reivindica, também, 0 direito a informacdo_e a0_acesso_a_meétodos_contraceptivos _seguros, fneseiinoene-Terininee: Protea; prncoarnanta ue 0 _exer ja_sexualidade _se_desvincule da_fungdo_bioléaicade_r dessa forma_o direito_ eo prazer sexual ea livre opcao_pela maternidade, Neste sentido, advoga o fi ides tradi em_que_o desempenho_sexual_da_mulher_vem sendo_encerrade, A proposta do. movimento feminista no é a utilizacdo do aborto como método contraceptivo, e sim como ditimo recurso 430 qual as mulheres devem ter seu direito asssogu- ado, no sentido de garantir que a maternidade seja 0 resultado de uma opcio consciente e néo de uma fatalidade biolégica. Sade Diretamente relacionado a questo da colocago da mulher como sujeito de sua sexualidade, 0 movimento feminista_voltou-se_para_o campo da_saude, onde propSe_uma_reapropriagae onhecimento.-do~ corps. 0 desconhecimento ja_mulher_sobre seu corpo_gera_uma_alien: Uma_perda da capacidade de controle sobre suas eo Branca M, Alves/ Jacqueline Ptanguy funcdes, tais como a menstruagio, a reproducio, ieee or ec etal ee ‘menopausa, ete. Pioneiro neste sentido foi o trabalho realizado ‘em 1971 por um Coletivo de Mulheres de Boston, intitulado Mossos Corpos, Nos Mesmas: em linguagem simples e com. ilustragbes fornece informagdes a respeito da anatomia e da fisiologia da mulher. Trata também do controle da natalidade, do aborto, da gravidez, parto e osparto, da menopausa, de doencas venéreas. © livro ‘traz, ainda, depoimentos de mulheres a respeito da vivéncia de sua sexualidade: relagBes hetero e homossexuais, bem como sobre os diversos aspectos da maternidade. Esta frente de luta tem-se concretizado néo apenas através de publicages diversas, voltadas 2 compartir com a mulher este saber, mas também pela criagdo de clinicas de sade e grupos de autoajuda, em que a mulher é informada e mobi- lizada para participar dos aspectos relacionados a seu corpo, sua sade, Ideotogia Circunscrevendo a sexualidade feminina e determinando uma posicSo social inferiorizada para a mulher, existe todo um conjunto de idéias, de imagens, de crengas, que legitima, perpetua 0 que é Feminism reproduz 2 hierarquizagdo de papéis sexuais. Mascara, dessa forma, 0 seu conteddo cultural ‘em nome de aspectos naturais que se fundamentam na biologia movimento feminista_vem_travando_uma luta_no_sentido de_denunciar_o conceitos_de "masculino” e “feminino” na_sua_oposiego_de “superior” e “inferior”. sta _hierarquizecao entre_o masculino — “superior” — eo feminino oe oe ee ae See ae ea igasts pala LS an i ee Se a ee eae ee ee nie a ee SEE ee ee eee Ee ee ac ea ae cot See eee ging fem pose aca eee itadicional ds mulher e confirmam a diferenciacso de_papéis tanto_no lar quanto na esfera_profis: signal; a mulher costura ou cozinha ou varre, 0 homem Ié o jornal; a mulher é enfermeira ou secretéria, © homem, médico ou executivo. Demonstrar_como_as_histdrias_infantis_também eproduzem os _papéis_diferenciados: @ mulher € passiva, espera que 0 homem, ativo, a “salve”; 6 Branca M. Alves/ Jacqueline Pitanguy O que é Feminismo 6s 6 passivamente dada em casamento como prémio, sem que se cogite de sua vontade. Demonstrar ‘como a publicidade reforca esta divisfio sexual dos apéis sociais, além de manipular o corpo da mu: her eniquanto objeto de consumo, O que se procu- ra, em suma, 6 denunciar, desvendar e transformar construcae ‘da mulhi Aeapes tear cocnecte io teen woke tissimo, enquanto mie e professora, na transmissdo desses valores tradicionais e, portanto, na sua Perpetuagéo. Dessa forma, a_superacio_do machismo_na_educacio_tem_sido_uma_das prip- 2 2 Formacao profissional e mercado de trabalho Nao ¢ tdo-somente na circunscrig#o ao ambito doméstico que se atualiza a ideologia da femit lidade. Ela ultrapassa a porta da casa e se verifica também no tipo de formacio e de atividade profissional da mulher. Demarca assim espacos femininos e masculinos no mundo externo, Determinadas carreiras ou fungdes seriam proprias & mulher, na medida em que se adequariam & sua “‘natureza”. No Brasil, por exemplo, o trabalho profissional da mulher concentra-se, majoritaria ‘mente, no setor de prestacdo de servigos. Quer se) ‘como empregada doméstica, onde ela substitui outra mulher nas tarefas que seriam especificas a0 in snr inn tit aro. certs ager es aida nee arc traina, Terobém na aewignde fabri sla ener te b votagalesgiiecincitentgc ee finde, imobilidede, cacriffetos que subosemants Sprott emenaiog sah guitar, senda Wie tine “cxsitedesinarfomens’ un onto 6 Gime “uillzaclo. a) rkade-obea arbre Thats eltrOnie, naa area de malor precio, (Bllsia derieroacho. da tuncteal corretcondel itd devrlortendle oe wrgtas ona altrencecio noe te gees eee erie es eect ea ietece esac ae eee eee ee ee Wipe ce cle sxerconsa.canss da ee. ee eee ea eae Diante-desse quadro, o movimento feminista ie iecace como banderas ca twa: oan. nis ee cee o cisey eae uae Pee Paia ns eeeee oo nae aac a ascensdo e aprimoramento profissional, Todas gate ee eee fisslo. de ruler de seu proprie_valor-e-da ee eee ere depen MaesatPerieitoda.tace «ce tratstorrisc| MR ebsch pacsis sosiarseruais ndo eto ainda Mates or veuhores se voor astecbad BE face tue possrors = curmern, ane IAlndoicom\o homer © fustento da fern, mas 66 Branca M, Alves/Jacqueline Pitanguy néo partilhando com ele os encargos domésticos. E verdade que jé se véem tentativas individuais de estabelecimento de uma nova relagio homem- mulher, mas estas experiéncias sio ainda isoladas, no constituindo uma prética social generalizada, Neste sentido, @_luta_estende-se também. pare a superagao da “‘dupla jornada de trabalho”, que jbriga a mulher a acumular os encargos profissio- is e 08 de_dona-de-cata, Reivindica se, assim, mente, ‘com 0 homem dos encargos domésticos; a eriagéo de creches nos locals de moradia e de trabalho, e de servicos publicos {Que facilitem a realizagdo destas tarefas, No que 2 refere ao trabalho domé: de estudos vém colocando em questdo as andlises tradicionais que afiemam sero trabalho realizado na esfera doméstica nio produtor de valor social Grupos de reflexao © movimento _feministe_atual_trouxe ainda uma-nova_tética-deluta, surgida da propria espe: Cificidade “do movimento de mulheres. $8003 chamados_“grupos_de_reflexio"” ou de “at consciéncia”, grupos —pequenos —e —infocmais, Constitufdes unicamente _por_mulheres. Esta atica desenvolveu'se espontaneamente, Suraiy ppela_necessidade de_se_romper_o_isolamento_em, que vive ¢_maior parte des mulheres nas_socie: Oque é Feminismo dades_ocidentais, nuclearizadas_em_suas_tarefas ‘domésticas, em suas experiéncias individuais vividas litariamente. A mulher constituiu assim um espago proprio para_expressar-se_sem_a_interferéncia masculina, para _compreender-se voz € Ga voz de suas companheiras, para desco: sua identidade_e conhecerse, Nestes grupos a mulher descobre que sua experiéncia, suas di ficuldades, frustragSes e alegrias no so isoladas nem fruto de problemas unicamente individuais mas, a0 contrério, so partilhadas por outras mulheres. ‘A descoberta dessa experiéncia comum, a trai ‘macio_do individual em coletivo, forma a base do movimento feminista. PartiIhando com outras suas vivénoias, a mulher réconhece a sua forca e cons- cientiza-se da dimensao politica de sua vide par- ticular. A definigdo da esfera doméstica como mbito especifico do femir politico”, passa a ser questionada. Desmistifica-se a diferenciagzo entre o pdblico eo privado, 0 politico e o individual. Se o que era aparentemente individual e isolado se revela, na_verdade, como uma experiéncia coletiva, concretiza-se a possibili- dade de luta e de transformacso. ‘Seguindo os passos pioneiros de Simone de Beauvoir, so publicadas nestas duas ultimas décadas ‘indmeras obras feministas que analisam @ especificidade da opresso da mulher, denui clando a totalidade e a generalidade da assimetria sexual para além das diferencas de classe, raga, 67 68 Branca M. Alves Jacqueline Pitanguy O.que é Feminismo “ cultura, geragio. E necessdrio esclarecer que esta perspectiva ‘no implica em negar a relevancia de tais caracte- risticas na conformagdo do comportamento e da visio de mundo dos individuos. O que ela enfatiza ¢ que discriminanéo_de_ sexo. mesmo. que__verificandoe_diferentemente segundo _a classe social, a raca, a cultura, ou a geracdo, é {ine Constante cue = sobre oa ee seterminantes. Grupos organizados ‘A partir da década de 60 multiplicaram-se os grupos organizados, que congregam as atividades do movimento feminista em torno de pontos comuns de ago. Tais grupos surgiram inicialmente nos Estados Unidos, e em seguida na Europa. Estas organizagdes, que muitas vezes divergem quanto 20 enfoque tedrico do feminismo, tém, em comum, 0 fato de se colocarem de forma autonoma frente aos partidos politicos. Isto Porque a luta da mulher tem um cunho espectfico ‘que ultrapassa os limites das diferentes correntes Politicas. O que ndo implica, no entanto, que ‘© movimento feminista ndo atue ao lado daqueles partidos que também denunciam as desigualdades sociais e se propdem a superé-las, 0 movimento feminista_trouxe_para_o_interior_dos_partidos politicos 2 questo da mulher. Naess eer eae aot rnismo alcancou o status de um movimento de massas. Formando uma consciéncia a respeito da importancia da transformagdo da condicéo da mulher, legitimou, desta forma, o debate em torno da questo, antes relegado a um plano marginal, tanto a\ntvel do politico quanto do cientifico Algumas conquistas foram alcangadas. Sem pretender fazer um balango completo, pode-se destacar a legalizacdo do direito 20 aborto nos Estados Unidos e vérios pafses europeus; o estabelecimento de uma proporco minima de mulheres em cargos do funcionalismo pdblico © universidades nos Estados Unidos; a proliferaggo de departamentos de ensino e pesquisa université: rios voltados para o estudo da condi¢ao da mulher. ortante, tem_sido_a de concretizar_a solidariedade entre as_mulheres através da formacdo de centros de apoio, que adquirem as mais variadas feicdes, baseados fundamentalmente no trabalho volun: tério, _Multiplicam-se, desta forma, espacos culturais — livrarias, editoras, cursos, exposigdes de arte, simpésios, congressos, etc. — que buscam a divulgagao e o intercambio da produgdo feminina fem seus varios aspectos. Criaram-se também Casas da Mulher, onde se desenvolve um trabalho de apoio {juridico, médico, psicolégico, cultural) 70 Branca M, Alves/Jacqueline Pitanguy O que ¢ Feminismo 1 e de conscientiza¢ao; ol/nicas de sauide, onde a mulher encontra um atendimento ginecolégico e obstetricio voltado para a aquisi¢go de um conhecimento de sua biologia, de sua sexualidade; centros de socorro (SOS-Violéncia) onde a mulher, vitima de violéncia fisica, encontra um suporte imediato. Nestas duas décadas houve uma significativa expanso da literatura cientifica e de ficeio @ respeito da mulher. Multiplicaram-se os jornais ¢ revistas, panfletos ¢ outras publicacdes feministas, Para a grande parte das sociedades ocidentais ‘© movimento feminista constitui hoje uma reali dade e uma inegavel forca politica, Entretanto, talvez waior,_mais_ien fante e menos aparente do movimento feminist esteja_na_semente de questionemento ¢ de ceivin- dicacdo_que_surge_na_consciéncia_das_mulheres vivendo _anonimamente_o_ seu i vem tentando transformé-lo e fecriar a sua relacio som_o_mundo._com_os_companheiros_com_0s filhos. consiao mesmas. O feminismo no Brasil Depois de alcancado 0 direito ao voto, em 1932, houve também no Brasil um perfodo de refluxo do movimento de mulheres, no apenas or caracteristicas intrinsecas a este, mas também pela prépria conjuntura politica que, a partir de 1937, inicio do Estado Novo, impediu qualquer 30 de’ mobilizaco popular de cunho reivindi: catério. A partir de 1945 a democratizagio do pati incluiu um ndmero significativo de mulheres nas campanhas nacionais, tais como a da anistia, a do petréleo e pela paz mundial. Além disso, as mulheres se mobilizaram também nas AssociagSes de Bairro, Estas atividades no tinham no entanto um cunho propriamente feminista, mas marcavam, de qualquer forma, a presenga da mulher na esfera publica ‘A partir de 1964, época também de desmobili zacio pelo golpe militar, ndo ha espaco para a organizacdo de movimentos populares. Algumas mulheres, no entanto, participam dos movimentos ‘organizados de oposicao ao regime, bem como das manifestages e atos publicos. E, entretanto, num movimento especifico — a luta pela anistia — que sua presenga na esfera publica é mais signifi cativa. Em 1975 foi fundado em Séo Paulo o Movimento Feminino pela Anistia, que liga sua rigem a movimento semelhante de 1945, e que rimeiro levantou esta bandeira apés 1964. Em 1975, Ano Internacional da Mulher, é promovida no Rio de Janeiro, por um grupo de mulheres, com apoio da ONU e da ABI, uma semana de debates sobre a condi¢go feminina. Deste encontro foi fundado, neste mesmo ano, 0 Centro da Mulher 70 Branca M, Alves/Jacqueline Pitanguy O que ¢ Feminismo n e de conscientizapgo; clfnicas de sauide, onde a mulher encontra um atendimento ginecolégico e obstetricio voltado para a aquisi¢go de um conhecimento de sua biologia, de sua sexualidade; centros de socorro (SOS-Violéncia) onde a mulher, vitima de violéncia fisica, encontra um suporte imediato. Nestas duas décadas houve uma significativa expanso da literatura cientifica e de ficgo a respeito da mulher. Multiplicaram-se os jornais revistas, panfletos ¢ outras publicacGes feministas, Para a grande parte das sociedades ocidentais ‘© movimento feminista constitui hoje uma reali dade e uma inegével forca politica, Entretanto, talvez waior,_mais_ien tante e menos aparente do movimento feminist @steja_na_semente de questionemento ¢ de ceivin- dicacio que surge _na_consciéncia_das_mulheres: vivendo _anonimamente _o_ seu vem tentando transformé-lo e fecriar a sua relacio som_o_mundo._com_os_companheiros_com_0s ‘tilhos. consiao mesmas. O feminismo no Brasil Depois de alcancado 0 direito ao voto, em 1932, houve também no Brasil um perfodo de refluxo do movimento de mulheres, no apenas or caracteristicas intrinsecas a este, mas também pela propria conjuntura politica que, a partir de 1937, inicio do Estado Novo, impediu qualquer 30 de’ mobilizacgo popular de cunho reivindi: catério. A partir de 1945 a democratizagio do pati incluiu um ndmero significative de mulheres nas campanhas nacionais, tais como a da anistia, a do petrdleo e pela paz mundial. Além disso, as mulheres se mobilizaram também nas AssociagSes de Bairro, Estas atividades no tinham no entanto um cunho propriamente feminista, mas marcavam, de qualquer forma, a presena da mulher na esfera publica. ‘A partir de 1964, época também de desmobili zacio pelo golpe militar, ndo ha espaco para a organizac3o de movimentos populares. Algumas mulheres, no entanto, participam dos movimentos organizados de oposicao ao regime, bem como das manifestagGes e atos publicos. E, entretanto, num movimento especifico — a luta pela anistia — que sua presenga na esfera publica é mais signifi cativa, Em 1975 foi fundado em Séo Paulo o Movimento Feminino pela Anistia, que liga sua frigem a movimento semelhante de 1945, ¢ que ‘0 levantou esta bandeira apds 1964, Em 1975, Ano Internacional da Mulher, é promovida no Rio de Janeiro, por um grupo de mulheres, com apoio da ONU e da ABI, uma semana de debates sobre a condi¢éo feminina. Deste encontro foi fundado, neste mesmo ano, 0 Centro da Mulher 2 Branca M. Alves/ Jacqueline Pitanguy O que é Feminismo B Brasileira, no Rio de Janeiro e em Sio Paulo, que constitui um marco no sentido de se propor ‘8 atuar enquanto organizagio especificamente feminista, Pouco depois, séo editados dois jornais feministas: Brasil Mulher (Londrina e posterior. mente Sdo Paulo) e Nés Mulheres (Séo Paulo). So. também formados nese momento grupos e reflexdo. NNestes primeiros anos o avango do feminismo foi lento © acompanhou a luta pela ampl do espaco democratico no Pats, No final da década de 70 0 feminismo, enquanto movimento organi: zado, expande-se consideravelmente, pela criaglo de novos niicleos em outros Estados, pelo surgi- mento de diversos grupos com enfoques e formas diferentes de atuacdo. Nos anos de 1980 e 1981 indmeros grupos foram formados por todo o Brasil, © que demonstra a vitalidade deste movimento. ‘Surge em So Paulo 0 Mulherio, jornal que vem preencher a lacuna deixada pela suspensdo da publicacdo do Nés Mulheres e do Srasi/-Mulher. Qs__gcuposdecicam-se__is_mais variades_tarefas: reflexio; publicacio_de_folhetos li jireitos da_mulher, salide: Mulher, ‘A semelhanga do ocorrido nos Estados Unidos e Europa, também aqui os grupos feminists se colocam como organizacdes auténomas, isto é, sem vinculagdo formal com qualquer’ partido politic. ‘Apesar de ainda nfo terem sido alcancadas mudancas — seja na estrutura jurfdica (no Brasil, 0 Codigo Civil de 1916, inspirad6 no Direito Romano, identificava 0 status civil da mulher casada a0 dos menores, silvicolas e alienados — tormandoa portanto civilmente incapaz. Esta legislagdo esteve em vigor até 1962, quando foi revogada pela Lei 4121/62): modificagdo da condi¢go subordinada da mulher caseda, legali- zagdo do aborto, e outras; seja na criagdo de infraestrutura social de apoio & mée e 8 crianca; Creches, escolas, satide; seja quanto aos direitos da mulher que trabalha: _profissionalizagao, igualdade salarial, acesso a cargos de responsa bilidade — 0 | movimento feminista tem-se mobilizado em torno destas questdes, trazendo a piblico este debate e denunciando a condiggo inferiorizada da mulher. Uma_das frentes de luta_do_feminismo_no Brasil_tem_sido também a dentincla da desvalori zacdo_da_mulher, manifesta _nas_iais_variadas expresbes_da_nossa_cultura A violéncia_fisica Ge-aue-€ Vine aguante + molher-stualiza da forme ries pidene site desvlorzaaio. Asim, em todo o Pais, mulheres verse organizando fem grupos de denincia a tals violéncias € de apoio as suas vitimas, Tém sido fundadas, em liversos Estados, Casas da Mulher e SOS-Violéncia, bem como grupos que desenvolvem trabalhos Branca M, Alves) Jacqueline Pitanguy ligados & preparacdo para o parto, centros de cultura, etc. Nos ‘dltimos anos ocorreu um recrudescimento dda pesquisa sobre a condi¢o da mulher, com a Publicagao de livros, artigose revistas aeste respeito, Com a ampliagéo do expaco democrdtico surgem novas esferas de atuacéo. Embora sem um cunho especificamente feminista, no se pode deixar de mencionar a participaggo da mulher em Associagdes de Bairro, de Donasde-Casa, Clubes de Mies, etc., que marca a presenca feminina na esfera publica e significa uma conscientizagdo para seus problemas especificos e suas poten: cialidades. ‘ constréi, portanto, a partir das rrotas e conquistas que com, Historia da Mulher e se coloca como um movimento vivo, cujas lutas @ estratégias estdo em permanente processo de re-criacdo, hes cae Siperocts de relagdes hierarquicas entre homens e mulheres, Sinha fade os peviventoe gee ear com ideanineeis ep iaet aignae toons a INDICAGOES PARA LEITURA + Sullerot, Evelyne, A Muther no Trabalho, Rio de Janeiro, Ed. Expressio e Cultura, 1970. ‘A autora traca uma histéria do trabalho da mu ther, da Antiguidade até 2 época atual. Trata-se de obra voltada para as lutas, conquistas e derrotas da mulher no mercado de trabalho, 4 Moreira Alves, Branca, Ideologia e Feminismo, Petropolis, Ed. Vozes, 1980. © livro retraga a historia do movimento sufra- ista nos Estados Unidos e no Brasil, comparando a ideologia do. sufragismo e do feminismo atual. + Rosaldo, Michelle, Z. ¢ Lamphere, Louise, Mu: ther, Cultura e Sociedade, Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 1979. Trata-se de uma coletanea de textos antropolé gicos onde, tanto através de resultados de pesquisas de campo quanto de anélises de aportes te6ricos da antropologia e da sociologia, & discutida a categoria 6 Branca M. Alves /Jaequeline Pitanguy mulher em seus varios desdobramentos: sexualida- de, trabalho, poder. Fundagio Carlos Chagas, Cadernos de Pesquisa, © 15, Sdo Paulo, dezembro de 1975. Namero especial sobre a mulher, dedicado a dis- cussdes sobre educacdo, e trabalho. * Saffioti, Heleieth, Emprego Doméstico © Capi- talismo, Pettépolis, Ed. Vozes, 1978. Através de uma pesquisa realizada em Ar quare, So Paulo, a autora analisa a condigao sécio-econémica e’ ideologia da empregada do- méstica e da dona-de-casa Fundaco Carlos Chagas, Vivéncia, S80 Paulo, Ed, Brasiliense, 1980. Coleténea de textos que abordam questdes relativas & condi¢do da mulher ios meios de comu: nicaedo, na sexualidade, na histéria do Brasil. . e Belotti, Elena, Educar para a Submissiio: O Des- condicionamento da Mulher, Petrépolis, Ed. Vozes, 1975. A autora analisa 0 papel da educagio na confor- magdo da identidade social de meninos e meninas. » Grupo CERES, Espelho de Vénus, Sio Paulo, Ed. Brasiliense, 1981. ‘A primeira parte do livro apresenta depoimen- tos de mulheres de diferentes idades e niveis sécio- econdmicos sobre etapas marcantes do ciclo de vida da mulher: menstruagio, defloramento, gre videz, parto, menopausa. A segunda parte consiste em uma anélise destes depoimentos, O que é Feminismo * Maria Valeria Junho Pena: Mulheres e Trabalha- doras: Presenga Feminina na Constituicso do Sis- tema Fabril. Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 1981, A autora analisa a dindmica da mio-de-obra fe- minina no sistema fabril desde a sua constituicdo, no final do século XIX até a década de 1950. Articula esta dinémica ndo s6 a légica do capita lismo industrial mas também ao patriarcalismo. ‘A colegao PRIMEIROS PASSOS aborda temas pole mics, due permitem diferentes posigees ¢ interpre tages, Os textos de PRIMEIROS PASSOS sao, assim, expressao das idélas dos intelectuals que os assinam, ‘como convites 4 reflexao, & concordancia ou & discor dancia. Mas sempre enriquecem @ explicam.”” n

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