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POS-MODERNIDADE DINHEIRO: O DUBLE DA VIRTUDE Tendo a sociedade autenticado um poder aquele que o acumula, e onde 0 feio fica belo, 0 ignorante fica inteligente e até mesmo a virtude pode ser comprada, a busca por dinheiro tornou-se um dos grandes predicados de nossa época RENATO NUNES Brrrexcourr £ DOUTOR EM FILOSOFIA, ELO PPGF-UFRJ, PROFESSOR DO CURSO bE CoMUNICAGAO Sociat Da, FACULDADE CCAA, DA FACULDADE FLAMAE Do DEPARTAMENTO pe FILOSOFTA DO ‘Gorécio Pepzo Il. Filosofia é um valioso ins- trumento na compreensio dos fenémenos econémi- cos, em especial na deci fragio da esséncia do nheiro e suas influéncias imediatas no comportamento humano, € as quest6es abordadas por pensadores como Aris- tételes, Marx, e mais recentemente, Mi- chael Sandel comprovam essa tese. © problema do dinheiro e sua impor- tancia fundamental no desenvolvimento: das relagies sociais de modo algum € questo exclusiva para a investigacao dos economistas e especuladores financeiros; alids, talvez tenha sido justamente 0 ex- cessivo poder concedido a essas classes no avanco do sistema capitalista um dos fatores que motivaram a erupgéo das di- ‘versas crises financeiras que assolaram 0 mundo no decorrer das ultimas décadas. ‘A moderna tecnocracia capitalista carac- terizou-se por vislumbrar a emancipagio das atividades econémicas de qualquer elemento que nio fosse exclusivamente associado aos parametros pecuniarios. Nessas condi¢des, a Filosofia foi alhea- da radicalmente do ambito econdmico, rompendo-se o elo forjado no pensamen- to filoséfico grego através de contribui- des importantissimas de pensadores tais como Xenofonte, que considera a Econo- mia a administragio do patriménio fa- miliar'; ou ainda Aristételes, para quem a fungao da arte econémica ha de consistir em estabelecer a casa ¢ também fazer uso dela?, Em ambos 0s filésofos encontramos investigages sobre o justo ordenamento ea organizacao material do espago domi- ciliar, demonstrando assim uma relagio indissociavel com a Etica. ‘XENOFONTE, Eeondmico, 1 3. PARISTOTELES, Os Eeondnices, 1343, POS-MODERNIDADE EM ADAM ‘SMITH (1723- 1790) ha um profundo substrato filos6fico na redagao de sua A Riqueza das Nacoes. Entretanto, esse vinculo indissocidvel entre Filosofia e Economia se quebrou com o advento da fragmentacao dos saberes em sua maxima, especializagaio com o aparecimento da doutrina positivista COMO SENTENCIARA ARISTOTELES, A FELICIDADE NAO PODE SER PRODUZIDA POR MEIO DE CAUSAS EXTERNAS, SENDO ANTES UMA EXPERIENCIA DE BEATITUDE ENDOGENA, INTERIOR No advento da era moderna, a Economia se metamorfoseia numa iéncia que analisa 0s fluxos de pro- dugao de riqueza de uma sociedade € 05 procedimentos técnicos conve- nientes para a manutengio ¢ am- pliagao do poder financeiro de um dado organismo politico-social SOCIEDADE DE MERCADO ‘Uma das consequéncias negativas dda quebra que ocorre coma fragmen- taco dos saberes consiste no direcio- namento da vida social moderna aos parimetros normativos da acumula- ‘go desenfreada de capital, eliminan- do radicalmente toda consideragio ética na relagio do ser humano com a ordem de mercado, legitimando as- sim priticas inescrupulosas que pre- judicama establidade da sociedade e aexploracéo humana por um sistema econdmico que impede o alcance da genuina realizagio pessoal. A esfera Os estucos de Xenofonte, grande pensador da grécia antiga, deveram servir para paramentar a Economia, que hoje se afastou da Filosofia ppiblica cedeu lugar aos paradigmas dda sociedade de mercado, que, con- forme argumenta 0 fildsofo estadu- nidense Michael Sandel (1953), é um modo de vida em que os valores de mercado permeiam cada aspecto da atividade humana. E um lugar em Capitalismo e humanidade: valores paradoxais ‘A moderna economia da civilizacdo capitalist prospera por meio das mazelas humanas. Em nome do. progresso fi- nnanceiro, guerras s80 forjadas pela defesa da “justia” e da “liberdade” (quando, em verdade, a motivacdo € puramente. ‘econdmica e chega-se ao ponto de inventar argumentos legals, <@ justficar invasées militares). Sem 0 medo difuso nos centros urbanos, investimentos em seguranca seriam. do a faléncia cde empresas do ramo, ata- $5 atual conjuntura social; 0 que seria do capitalismo tardio se nao existissem as intimeras doencas que exigem quantias vultoses na compra de rey pagamento de carfsimos planos de satide, cujos investidores, pressionam politicos para que estes mantenham 0 sucatea- mento precério dos hospitais pablicos? Os fracassos das de- liberacées acerca dos problemas ambientais comprovam a. impossibilidade de frear a exploracdo abusiva dos recursos naturals, pois o desenvolvimento sustentavel néo coaduna de modo algum com a maximizagao dos luctos industria ‘que as relagbes sociais slo reformata- das a imagem do mercado’. Na experiéncia prosaica, muitas vezes enunciamos o ditado popular segundo o qual “dinheiro nao traz felicidade”. Analisando-o a rigor, podemos referendar tal tese, pois de fato 0 poder aquisitivo nao é capaz de nos proporcionar a ansiada feli cidade, mas, quando muito, a satis- facao psicofisiolégica de nossos de- sejos por meio do gozo oriundo do usufruto de bens materiais adqui- ridos gragas ao dinheiro, sem que necessariamente tenhamos a ex- celsa felicidade. Como sentenciara Aristételes, a felicidade nao pode ser produzida por meio de causas ex- ternas, sendo antes uma experiéncia de beatitude endégena, interior’ Georg Simmel (1858-1918), por sua vez, considera que nem 0 alimento nem a habitagio, nem o vestuério rem 05 metais preciosos 20 valo- tes per e, mas tornam-se tais s6 no processo psicolégico da sua estima- tiva, como demonstram os casos em ‘que a ascese ou outras constituicées animicas geram a total indiferengaa seu respeito’ dinheiro nos permite, portan- to, participar do sistema de trocas de bens materiais 20 qual depositamos qualidades especiais de gozo, satisfa- ‘40, prazer, sem que necessariamen- te esses atributos estejam acoplados aos objetos. O sistema capitalista transmite a ilusio de que existe c nexio imediata entre bens materiais a satisfacao interior proveniente do consumo dos mesmos. Para Georg Simmel, visto que a maioria dos ho- ‘mens modernos, ao longo da maior "SANDEL, Oguee dinero nao compro ites moras da mercado, p. 16. *ARISTOTELES, Ec « Nicbmacs 1 10048. *SIMMEL, Psicologia do Dinh, p. 28-29. Coma falta de reflexdo sobre o capitalismo e a acumulagao de capitals, bd uma grande exploragio humana pelo sistema econdmico que autentica as praticas inescrupulosas parte da vida, tem diante dos olhos © ganho do dinheiro como o objeti- vo mais imediato do desejo, surge a ideia de que toda a felicidade e toda a definitiva satisfacao da existencia estio intimamente ligadas & posse de um dado montante monetétio: de simples meio e condigao prévia, 0 dinheiro converte-se, interiormente, em fim diltimo’, A sociedade capitalista, por meio a sua miriade de oportunidades de consumo e ofertas de produtos, es- timulou a ampliagéo da capacidade desiderativa do homem moderno em sua Ansia pela obtengao de mais prazer a cada instante. Como os de ssejos brotam constantemente em um ritmo tecnicamente incapaz de ser adequadamente satisfeito, a abas- tanga financeira alivia essa tensio psiquica e serve de mecanismo social de distingdo. No lugar de diminuir a produgéo de desejos e assim con- seguir desenvolver uma vida mais frugal, o homem moderno se esfor- a sofregamente para adquirir cada vez mais dinheiro para satisfazer os seus infindaveis desejos, imergindo SIMMEL, 0 Dinke a Culture Moderna, p53, assim em um processo de alienagao existencial do qual se torna incapaz dese emaneipar, resultando nao raro no seu proprio adoecimento, Georg Simmel pondera que, assim como os meus pensamentos tém de revestir a forma da lingua compreendida por todos, para favorecer, por meio des. te desvio, os meus objetivos priticos, assim as minhas agdes ou os meus haveres se devem entranhar na for- ma de valor monetirio, para auxiliar a persecugao da minha vontade’”. INTERMEDIADOR DE RELACOES Em uma relagio social dial6gi- ca, caracteristicamente isonémica, 0s individuos interagem entre si por meio de parametros axiolégicos do amor, da amizade, da camaradagem, da ajuda miitua. Mas, quando o di- nheiro se interpée entre ambos, essa interagio se artificializa, tormando-se uma relagao hierirquica nitidamente tepressora, onde quem detém 0 po- der financeiro tudo pode, e quem 1ndo o detém se submete docilmente. Georg Simmel afirma que o dinhei- * SIMMEL, Picola do Dinheiro . 2-24 www.portalcienciaevida.com.br + Filosofia cenciaswida * 27 POS-MODERNIDADE 10 deslocou a oportunidade de o individuo satisfazer de modo mais completo os seus desejos para uma distincia muito menor ‘e muito mais cativante. Oferece a oportu- niidade de adquitir, por assim dizer, de um 96 golpe, tudo aquilo que geralmente surge como desejével, interpde entre o homem € 0 seus desejos uma fase de mediagio, um ‘mecanismo facilitador, uma vez.que com a sua consecucéo se tornam alcancaveis in- finitas outras coisas. Nasce a ilusio de que todas essas se podem obter de modo mais ficil que 0 habitual, O dinheiro estabelece ‘uma espécie de relago comunicacional ar- tifical entre os individuos e suas inerentes trocas de objetos, circunstdncia que eviden- cia seu cariter “mediocre”, pois tudo 0 que écomum anula a singularidade, a excegao, 'SIMMEL, © Dinheto na cultura moderna p. 5. O DINHEIRO ESTABELECE UMA RELACAO ARTIFICIAL ENTRE OS INDIVIDUOS E SUAS INERENTES TROCAS DE OBJETOS, EVIDENCIANDO SEU CARATER “MEDIOCRE” a exceléncia, Nesse contexto, Georg Simmel destaca que 0 dinheiro é “vulgar”, porque & ‘0 equivalente de tudo e de cada coisa; s6 0 individual é nobre; 0 igual a muitos é igual a ‘mais baixa de todas as coisas e, por isso, ar- rasta também aquilo que é mas excelso para o nivel do que é mais baixo. Tal é o cardter trgico de todo o nivelamento: leva imedia- tamente & condigao do elemento mais bai- 0, pois o mais elevado pode sempre descer ppara este, mas quase nunca o mais baixo se pode alcar ao elemento mais alto’. Aristote- Tes, als, jd dissera que o dinheiro nos serve também como uma garantia de permutas no futuro; se nao necessitamos de coisa al- guma no presente, ele assegura a realizagao da permuta quando ela for necesséria; com feito, ele preenche os requisitos de algo que ‘SIMMEL, 0 Dinero wa culture moderna, p51. podemos produzir para pagar por aquilo de que necessitamos, de maneira a podermos obter 0 que nos falta; 0 dinheiro, agindo como um padrio, torna os bens comensur- vels €0s igualiza, e néo haveria comunidade se nao houvesse permutas, nem permutas se nao houvesse igualizacio, nem igualizagio se nao houvesse comensurabilidade” QUEM NADA, TEM NADA E A partir do desenvolvimento do regime capitalista, os produtos fabricados em es- cala industrial adquirem propriedades que nao correspondem mais imediatamente 08 seus caracteres funcionais; tanto pior, as proprias relagdes interpessoais passam a ser mediadas pelas coisas, ou seja, quem nada tem nada é; decorre dai todas as dis- tingdes sociais provenientes da exaltacio das posses materiais. Passamos a projetar nos objetos qualidades fantasmagéricas € estas interferem nas relagdes sociais, inter- pondo-se entre os individuos, originando- -se dai 0 fenémeno denominado por Karl Marx (1818-1883) como “fetichismo da mercadoria”. Os objetos adquirem como que vida propria e se tornam mais impor- tantes do que a propria singularidade hu- mana. De um modo geral, toda estrutura ideolégica da sociedade capitalista segue princfpios fetichistas: 0 Ambito do consu ‘mo, as praticas publicitirias, os veiculos de entretenimento, a pressio social pelo pro- gresso profissional, dentre diversos outros itens, que encontram em comum justa- mente 0 efeito narcotizante do poder pecu- nidrio. Marx, ao desmistificar 0 dispositivo falseador capitalista presente na dinamica social do dinheiro, afirma que ele é 0 bem supremo, logo, é bom também o seu pos- suidor. O dinheiro me isenta do trabalho de ser desonesto, ¢ sou, portanto, presumi- do honesto. Sou tedioso, mas o dinheiro é0 espirito real de todas as coisas, como pode- "ARISTOTELES Ei a Niciacos, V, 1133) "MARX, O Capital List, Vol. Lp. 98 siaa @ ria seu possuidor ser tedioso?!? Tiremos toda fama e fortuna das cele- bridades e certamente suas amantes e ami- gos interesseiros lhe virardo as costas. Tire- mos 0 automével do individuo arrogante e toda sua falsa poténcia vital, conquistada artificialmente gracas ao impacto visual promovido pelo veiculo, se esvanecerd: no a toa que pessoas sensuais, impetuosas € mesmo agressivas ao volante, quando se tornam meros pedestres, perdem essa ener- gia magica, apequenando-se humildemen- te na multidao solitiria. Talvez isso expli- {que 0 curioso fato de que individuos pobres de espirito somente consigam obter sucesso sexual mediante 0 usufruto dos poderes superiores do automeével; este se torna uma extensio genital do homem incapaz de dar ‘vazio plena aos seus impulsos por vias na- turais; tanto pior, esse individu manifesta mais zelo por seu automével do que pela sua parceira sexual. A posse do dinheiro satisfaz, entdo, todas as necessidades mate riais vulgares do homem. APARENCIAS MEDIDAS O dinheiro torna inteligente 0 mais inepto dos homens, o dinheiro concede status académico ao mais mediocre indi- ‘viduo, pois, em uma sociedade regida pe- los signos das aparéncias mediadas pelo capital, toda imagem individual é molda- MARX, Memscitos Beondmico- Plas, p. 158. Podemos, nese contexto, aproveitar as colocaes de Xenofonte no Econdmico,b 13, p. 6 “Aquilo de que alguém pode rar proveito € a riquez. Em todo se alguem usasse o dineiro para compea, por exempl, tums amants, por eau dela. por fara seu compo, por sa lea pice www.portalcienciaevida.com.br * Filosofia ciénciasvida + 29 Por meio da atualizacto tecnologica dos bens, 0 capitalismo mantém os desejos sempre constantes ‘eo homem sempre na busca pelo prazera ser alcancado com uma nova aquisicio POS-MODERNIDADE XENOFONTE, no Econémico, disse: “Aquilo de que alguém pode tirar proveito 6a riqueza. Em todo caso, se alguém usasse 0 dinheiro para comprar, por exemplo, uma amante, por causa dela, pior ficaria seu Corpo, pior sua alma e pior seu pattiménio.” TIREMOS O AUTOMOVEL DO INDIVIDUO ARROGANTE E TODA SUA FALSA POTENCIA VITAL, OBTIDA ARTIFICIALMENTE PELO IMPACTO VISUAL PROMOVIDO PELO VEICULO, SE ESVANECERA da pelo poder financeiro. 0 filésofo francés Paul Lafargue (1842-1911) diz que o dinheiro, naquele que o possui, substitui a virtude'. Tudo & mercadoria e tudo esta a servigo da acumulagio do capital; nao é de se espantar que o sistema educacio- nal moderno tenha se subordinado aos ditames econémicos capitalis- tas, No sistema comercialista de ensino, que regulamenta grande parte das instituigdes secundarias e universitdrias de fomento priva- do, a maior qualidade do estudante é sua capacidade de pagar em dia as mensalidades; cumprindo essa meta, ndo h maiores empecilhos MLAPARGUE, A Relgtio do Capita p. 57 Ibe dinero entre as pessoas artifcializa 0 que, isonomicamente, seria uma Sci = cooperacio, numa condicao de hierarquia onde o que tem toms mais we + Filosofia canine para a realizagio do seu objetivo maior, a obtengio do diploma de conclusio de curso, Professores academicamente exigentes que se esforgam por fazer valer os prin- cipios pedagégicos da seriedade intelectual correm risco de perder © emprego e ser substituidos por professores mais flexiveis, ou seja, submissos aos ditames dos clientes, 0 alunos. Afinal, aluno reprovado € consumidor insatisfeito, e fre- ‘gués sempre tem a razao no sistema capitalista. Conforme destaca bri- Ihantemente 0 fildsofo e educador brasileiro Paulo Freire (1921-1997), no contexto dessa realidade educa- cional norteada pelo primado eco- nomicista: “O dinheiro é a medida de todas as coisas, ¢0 lucro, seu ob- jeto principal”. FELICIDADE PLENA? Se porventura a humanidade viesse a obter por alguns dias 0 es- tado de felicidade plena certamen- te sistema capitalista entraria em tum colapso mais terrivel do que os motivados pelas crises econdmi- cas oriundas das falcatruas dos es- peculadores financeiros. Podemos assim afirmar que existe uma rela- ao indissocivel entre o capitalis- mo e a degradagio no sé da hu- manidade, mas também do meio ambiente. Na dimensio ética, a corrosio do carster gerada pela ar- EREIRE, Pedagogia do Oprimide, p51 bitrariedade do poder monetirio aumenta ainda mais as praticas de exclusio social, a criminalizagao da pobreza e, acima de tudo, evi- dencia claramente que os direitos sio destinados para aqueles que so capazes de pagar por eles. O dinheiro concede todos os direitos possiveis para os seus detentores, reservando para os desvalidos apenas os deveres. Michael Sandel aponta os maleficios sociais dessa dimensio plutocratica, destacan- do que além dos danos que causaa bens especificos, 0 comercialismo corréi 0 comunitarismo. Quanto maior 0 ntimero de coisas que 0 dinheiro compra, menor 0 nime- ro de oportunidades para que as pessoas de diferentes estratos so- ciais se encontrem'®. Jesus disse que nao se pode se- guir a dois senhores, Deus e o di- nheiro”; entretanto, no desenvol- vimento da sociedade capitalista podemos pagar pela aquisicio de béngios e pelo perdao divin por todos os nossos pecados: basta con- tribuirmos para a manutengao das obras de Deus na Terra, gerencia- das cuidadosamente por seu repre- sentante, o sacerdote/pastor. Todas as contradigdes axiolégicas sao resolvidas gragas a0 poder sagra- do do dinheiro. Nessas condigoes, fora do Capital nao ha salvacio. Conforme Paul Lafargue sentencia ironicamente, o Capital é o deus que todos conhecem, veem, tocam, cheiram, provam; existe para todos ‘os nossos sentidos. E 0 unico deus que ainda nao encontrou ateus; as outras religides s6 esto nos lébios, “SANDEL, O gue dinir néo compra as limites moais do mercado, , 202 As relagbes sociais sto permeadas pelo capital. Mais do que isso, 0 dinheiro relatviza valores, atribui caracterfstcas e di poder aqueles que mais tém mas no fundo do coragio do ho- mem reina a fé no Capital. Georg Simmel, por sua vez, afirma que, tal como Deus na forma da fé, tam- bém 0 dinheiro, na forma do con- creto, 6a maxima abstragao a que se algoua razio pritica." Com efei- to, na sociedade capitalista, a busca por dinheiro adquire curiosas co- notagdes religiosas, convertendo- -se em um mecanismo redentor que pretensamente concede 20 seu detentor a “beatitude” materialista do prazer sensivel. Encontramo- -nos assim em uma situacao di- ficil de ser transformada na con- juntura ideolégica vigente, pois a ilusio de onipoténcia provocada pelo dinheiro gera um efeito so- porifero sobre as capacidades cognitivas do homem moderno, deixando-o alheio ao cardter in- tenso da realidade e suas autenti- cas relagdes de forcas. Wie " LAFARGUE, A Rligido do Capital p. 16-17. SIMMEL, Psicologia do Dinheiro. 39. REFERENCIAS ARISTOTELES, Os Econdmicos, Tad {de Delim Ferreira Leo, Lisboa: INCM, 2004. ftica a Nicémacos. Td. ‘de Mario da Gama Kur. Bras: Ed Uns, 1992 BIBLIA DE JERUSALEM, Direcao editorial de Paulo Bazagla. Sio Paulo: Paulus, 2002. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprit Rio de Janeiro: Paz ¢ Terra, 1980, LAFARGUE, Paul A regio do Capital Trad. de J. Mega. Lisboa: Teorema, 1975. MARX, Karl. Capital, Livro I, Volume 1. Tad. de Reginald Sani’Anna Rio de Janeiro: Civlizacéo Brasileira, 2002. Manuscrtos Econdmico- ido. Fiosdficos, Tad. de Jesus Ranieri. S30 Paulo: Boitempo, 200. SANDEL, Michael. O que o inheiro nio do mercado. ‘rad. de Clovis Marques. Rio de Janeiro: Civilzagio Brasileira, 2012, SIMMEL, Georg. “O Dinheiro na Cultura ‘Maderna” In: Psicologia do Dinheiro e ‘outros ensaias, Trad. de Artur Marzo. Lisboa: Texto & Grafia, 2009, p, 41-61 “Psicologia do Dinheiro" In Psicologia do Dinheiro e outros ensaios. Trad. de Artur Moria. Lisboa: Texto & Gaafia, 2009, p. 21-39. SMITH, Adam. 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