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Porque eu esrevo? Por que tenho que Porque minha vor em todas suas dalétcas {ol silenciada por muito tempo Jacob Sam-La Rose" ‘Taals os caminhos percorridos até aqui foram impor- tants para que pudéssemos ter um maior entendimento do que é lugar de fala. O lugar social que as mulheres negras ocupam, e 0 modo pelo qual é possvel rar pro- veite disso, nos apresenta uma ira interessante, Esse percurso foi necessério porque existe muitas dividas em rlagio ao conceit. Antes de mais nada, & preciso esclarecer que quando utilzarmos a palavra discurso" no decorrer do livro ¢ «a importancia de se interromper com o regime de auto- PIUBAIS. FEMINISMOS (Ue LUSR FAL Hiagio discursiva, estamos nos referindo & nogio fou- caultiana de discurso. Ou seja, de ndo pensar discurso como amontoado de palavras ou concatenacdo de frases que pretendem um significado em si, mas como um sistema que estrutura determinado imaginario social, pois estaremos falando de poder controle, Actedito que muitas pessoas ligadas a movimentos sociais, em discussdes nas redes sociais,jé devem ter ouvido a seguinte frase "fique quieto, esse nao é seu ku gar de fala, ou jé deve ter lido textos eriticando a teoria sem base alguma com 0 tinico intuit de ria polémica vvazia, Nao se trata aqul de diminuir a militancia feita no ‘mundo virtual, a0 contrério, mas de ilustrar 0 quanto muuitas vezes ha um esvaziamento de conceitos impor- fantes por conta dessa urgéncia que as redes geram, Ow Porque grupos que sempre estiveram no poder passam se incomodar com o avango de discursos de grupos :minoritirios em termos de dircitos. Antes de chegarmos a autoras como Grada Kilomba, Patricia Hill Collins, Linda Alcoffe Gayatri Spivak, vamos abordar esse concelto por ‘outras perspectivas. Nao é a énfase que pretendemos aqui, mas julgamos importante apresentar aos leitores e leitoras outras visdes para enriquecimento conceitual. Em comunicagio, oconceito de lugares de fala, segun- do 0 artigo Lugares de fala: um conceito para abordar 0 seymento popular da grande imprensa,* seria um DjamilaFibeiro L dinstrment teéico~ metodolgico que ria um ambiente ceizatio para evidenciar ques jams populares ou de ete ‘ncn elm de gare cients econcedem espags iersos a als ees fonts edos tres, (AMARAL, 2005 p. 105) ‘Ainda segundo o artigo" {lo apate que propomsreconhece as impicages da psi «ies sacais simbéls do omal edo eto einaorpora a nagto ‘de mereede de ears, parr da idea de qu para expat 0 iscuts 6 preciso conhecer as condigdes de constitu do ‘grupo no qual ele ancona, AMARAL, 2006, p, 104) Nesse sentido dado pela comunicagso, 0 conceito sexvi- para anal sar que o lugar de fala da imprensa popular seria diferente do lugar de fala do que eles chamam de jomnis de referéncia, e,nesse artigo especificamente, mos- tra que esse lugar da imprensa popular vai além do sen~ sacionalisme, Para.a autora é necessitio compreender as pposigGes socais ecapitaissimbélicos de modos distintos, [nota d sensaionasm,rtulo qu nos indica ainten sidade e sensapGes geradas por estat como invengies, ‘exagers, isorgées eomissbes, ugar de fala busca expcar porque a imprenca digi a esse piblico opera com Modos de Fnderogamento stint do usados na imprensadereferéncis constr sun eeblldade deoutras manias. Donoso onto evista agar de onde fla segmento popular da grande in prensa frente do ugar d nde fla o segment de reer (AMARAL, 2005, 9.104) FEMINISMOS PIURAIS. FEMINISMOS PIURATS, DUE LUSRA ELA Percebemos, entio,a tentativa de analisar discursos iversos a partir da localizagdo de grupos distintos e ‘ais, a partir das condigSes de construsao do grupo no {qual funciona, existira uma quebra de uma visio domi- nante e uma tentativa de caracterizar o lugar de fala da imprensa popular de novas formas. Interessante notar as similaridades com o que iremos nos focat. ara alem dessa conceituagao dada pela comunicagio, & preciso dizer que nio ha uma epistemologia determinada sobre o termo lugar de fala especificamente, ou melhor, origem do termo ¢ imprecisa, acreditamos que este surge a partir da tradigio de discussio sobre feminist stand point ~ em uma traducao literal “ponto de vista feminista” ~diversidade, teoria racial critica e pensamento decolonial. As reflex6es e trabalhos gerados nessas pers- pectivas, consequentemente, foram sendo moldados no seio dos movimentos sociais, muito marcadamente no debate virtual, como forma de ferramenta politica e com © intuito de se colocar contra uma autorizacio discursiva Porém, é extremamente possivel pensé-lo a partir de certas rferéncias que vem questionandlo quem pode fala: Ha estudiosos que pensam lugar de fala a partir da psi- canilise, analisando obras de Michel Foucault, de estudos de Linda Alcoff, filésofa panamenha, e de Gayatri Spivak, professora indiana, como em Uma epistemologia para a préxinta revolugio e Pode o subalterno falar?, respecti- vamente, Aqui, pretendemos pensar a parti das dltimas Djamila Ribeiro autoras , principalmente, de Patricia Hill Collins, partir «do feminist standpoint e Grada Kilomba, em Plantations ‘Memories: Episodes of Everyday Racism. Patricia Hill Collins é um nome importante para nos aprofundar nos em nossa questio aqui proposta. Em 1990, na obra “Pensamento do femiinismo negro”, ela argumenta sobre o feminist standpoint. Segundo 0 Dossié ‘Mulheresmagras:retrata das condigdes de vida das muthe res negras no Brasil, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econdmica Aplicada em 2013, co dofeminismonegroésalentara dversdade de expriéncias tanto de miiheres quanto de homens eos dierent panes de vista posses de nde de um fenémeno, bem com marear 9 lugor de fla de quam aprpée. Patrica Hil Collin € uma das ins sutras do que é denominado de fom standpoint. {Emsvaandig Cons (1990) anga mao do conceit demaizde domingo para pense ainterseec ds desiqualdades,naqual 2 rmesmapestoa pode enanrar en ferentespsies,adeet er desis caractersticas. Assim o elemento representa des cxperignas ds ferertos forms de ser mulher esa assentado nentaruzamento entre geo race, classe erage sam pre- omininia deel elemento sobre oto. (SOTERO,2018,p. 36) [A nossa hipétese é que a partir da teoria do ponto de vista ferinista,é possivel falar de lugar de fala. Ao reivindicar os diferentes pontos de andlises ¢ a afirmacio de que um dos objetivos do ferninismo negro é marcar o lugar de fala de quem as propdem, pereebemos que 3 => RATS FEMINISMOS PIURAIS O QUEEWOAR DE FALA? essa. marcagdo se torna necesséria para entendermos realidades que foram consideradas implicitas dentro da nnormatizagao hegeménica, No artigo Caner obre aig de ean “Truth and Method: minis Stang Theory Rested Onde ep Calls cones radon della Nes aera ebayer de eke due versa sobrea perpectva de ques era do pons de vista feminist eres ands dzendo £m primeito ugar. o standpoint theory efere-se a exprincias histrcamentecomparthadasebaseadas em grupos, Grupos ‘em um grav de cntinuidde aoongo da tempo de tal moo que _asreaidades de grupo transeendem as experi individ Por exempla afto-amercanos, como un grap racial estigma tizadoexstiy muta antes de eu nascer er, provavelmente, contimuar depois de minha mote. Embora minha exprincia inivdua com oracemo etitusionl sees, ostios de opr ‘uidadese constrengimentos que me avaessam diramete seo semlhantes com os que sto-americanosconfrontan-se como um grupo. Argumentar que os negos, como arp, rio setransfrmer ou desaparecer baseaa na minha paticipagio scans egocttieoe arquetpicamente pe madera. Em const, a teria do pono devise feminstenatiza menos as experigncias inividsiséentro de grupos cocialmente constr fos do que ascondges sciis que constituem estes grupos. (COLLINS, 1997, 9.9), Djamila Ribeiro ‘Como explica Collins, quando falamos de pontos de partida, nic estamos falando de experiéncias de indi- ‘viduos necessariamente, mas das condigoes socials que permitem ou nio que esses grupos acessem lugares de cidadania. Seria, principalmente, um debate estrutural. [Nio se trataria de afirmar as experiencias individuais, mas de entender como o lugar social que certos grupos ‘ocupam restringem oportantdades. Ao ter como objetivo a diversidade de experigncias, thé a consecuente quebra de uma visio universal. Uma mulher negra tera experiénciasdistintas de uma mulher bbranca por conta de sua localizagio social, vai experenciar sgénero de vma outra forma. Segundo Collins, a teoria do ponto de vista feminista precisa ser ciscutida a parti da localizago dos grupos nas relagbes de poder Seria preciso entender as categorias de raga, gnera classe esexuaidade como elementos da estru- tura socal que emergem como dispositivos fundamentals {que favorecem as desigualdades ecriam grupos em vez de pensar esas categorias como descritivas da kdntidade aplcada ao: indiviuos Hekman,em sua critica Collins, ‘entendewa eoria como uma multdao de vozes partir das experiéncias dos individuosem vez de nals as categoias {que causa as desigualdades em que esses individuos se ‘encontram, Collin utiliza como exemplo a segregagio racial nos Estados Unis ¢ como ese fatohistrico criou boairros segregados¢, consequentemente, experigncas dis- FEMINISMOS: PIURAIS. FEMINISMOS PIURAIS (QUE LuAR DE ALA? tintas nos ambientes educacionais, de lazer no sistema de side e, sobretudo, em relacio as oportunidades de avesso a alguns espacos, como a Academia, A autora segue em sua andliseafirmando que mesmo as pessoas negras de PIURAIS. Due ELAR De FLA? FEMINISMOS PIURATS. graduagio? Quantas professoras ou profes 1 ou professores negeos rea? Qua jer eae ka cexistem nas principals redagbes do pais ou até mesino nas midias dts alternativas? Z Essas experiéncias comuns resultantes doh ultantes do lugar social que ocupam impedem que a populacio negra acesse a certos espacos. Eai que entendemos que é possivel falar ‘elugat de falaa partir do Jemsinist standpoint: néo poder cess certs espgos acarretaem nose ter prodgbes cepistemologias desses grupos nesses espagos; no poder estar de forma justa nas universidades, meios de comu- nicagdo, politica institucional, por exemplo, impossbilta «que a vores dos individuos desses grupos seam cata gadas, vidas, inclusive, até de quem tem mais acesso.a internet. O falar nio se restringe a0 sto deemitir, = e20 ao de emitcpalavtas, mas de poder exis, Pensamos agar de fal como refitar a historiografia tradicional ea hicrarquizacao de saberes consequente da hierarquia social Quando falamos de direito&existénca digna, vor, es- tamos falando de lacus social, de como esse gar impo ki ugar imposto raca,ginero, classe esexualidade se entreeruzamn geranlo formas diferentes de experenciar opressbes. Justamente por isto ndo pode haver hierarquia de opressSes, pols cendo estruturais, nao existe “preferéncia de luta’ preciso pensar agées poiticaseteorias que deem conta de pensar que nfo pode haver prioridades, jf que ssi ddimensdes nto podem ser pensadas de forma separad. ‘Costemo brincar que néo posso dizer que luto contra fo racismo e amanha, as 14h25 e, se der tempo, ex Into ‘contra o machismo, pois essas opressbes agem de forma ‘ombinada, Sendo eu mulher enegra, esas opressOes me ‘colocam em um lugar maior de vulnerabilidade.Portanto, {preciso combaté-Las de forma indissociavel Djamila Ribeiro FEMINISMOS PIURAIS. PIURATS © FEMINIsMos UE LUSA FAL Ressalto que Collins ndo fala especifcamente sobre lu- garde fla apesar de algumastradugies para o portugués dar este significado quando traduzem o termo standpoint, ‘mas a nossa hipétese ¢ que, a partir da teoria do ponto de vista feminista, podemos entender também o lugar da fala." A partir de Spivak, AlcoffeKilomba vamos nos 'profundar ainda mais sobre o conceto, Spivak € wane das auroras importantes para se pensar lugar de fila, Sua obra Pode o subalterno falar, publicada pela primeira vez em 1985, originalmente como um at- tigo, com osubtitulo especulagies sobre os sacrificos das visivas, tra reflexdes importantes sobre como osiléncio {mposto para sujeitos que foram colonizados, A profes- sora indiana é um importante nome do pensamento és-colonial, que, resumidamente, preterde questionar ¢ interrogar os fundamentos da epistemologia dominante evidenciar os saberes produzidos por grupos que foram, subalternizados em territérios coloniais. Spivak, assim, como Beauvoir e Kilomba também pensa a categoria do Outro afirmando a dificuldace dos intelectuaisfranceses

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