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Reinata nasce em 1945', em Homba?, uma pequena aldeia do planalto de Mueda, Sua mae € Veronica Ngwalenje e o pai Sacimba Mashemba. O pai morre quando ela é ainda crianca, deixando-a sozinha com a me e trés irmos"*. Ainda jovem casa e tem trés filhos, mas 0 seu casamento, combinado pelas familias, ndo dura muito tempo. Nos anos 60, durante a luta armada de lbertac3o nacional, conhece o guerrlheiro que vila a ser 0 seu segundo marido com quem teria mais fihos. Reinata participa na lute de libertacdo transportando materials bélicos mas também produzindo os recipientes de barro necessérios para as diferentes fun- ‘Bes da vida dos militares. Conseguida a independéncia do Pais & custa de muitos sofrimentos. € sacrificlos, todos os mocambicanos sonham com uma vida melhor, porém, para Reinata, cchegam outros momentos dificels: em 1975, o segundo casamento termina também ¢ ela cai num estado de profunda depress. Durante a guerra e nos primeiros anos apés a indepen- déncia, morrem sete dos seus filhos, Assim, em 1983, Reinata fica sozinha com o seu titimo fiho ainda pequeno, Samuel. Nimu, onde vive na altura, é uma das aldeias do planalto de Mueda, berco da etnia maconde, uma sociedade matriinear. Reinata é uma mulher muito original e independente, caracteris- ticas que, no ambiente restrito da aldela, he crian muitas incompreensées e contrariedades. Reinata tem dificuldade em aceitar imposigdes, quer venham da sociedade, quer de um ho- mem, seu companheiro. As préprias palavras de ordem revolucionérias de promocdo e de valorizacéo da mulher encontram resisténcias na aplicagao pratica e determinam tenses, criando varias contradicBes com as autoridades tradicionais e revolucionérias em relago & familia e & comunidade. Reinata gosta de marcar a sua originalidade. Assim, constréi para si uma casa fora do comum com decoracées particulares em barro, veste calcas de homem, compra e utliza uma bicicleta e estabelece relagBes de amizade com pessoas estrangeiras brancas. £, a0 mesmo tempo, tradicional e moderna na sua abordagem ao tema da propria identidade e & dos outros. Ele no considera a sua cultura como defesa fechada dos seus va~ lores, como um elemento de discriminago, mas, ao contrario, como base de comunicacéo, ‘um bem para partilhar com os outros, com os amigos, quando se relacionam com ela numa base de respeito mituo. (© PERCURSO ARTISTICO No inicio dos anos 80, ela procura nas amizades 0 carinho e 0 respeito para si propria e, na sua habilidade como oleira, aprendida com a me quando era crianga, a fonte de sustentamento material e a possibildade de expressar os seus sentimen- tos. Na tradicional divisdo das funcGes e actividades, no selo da familia e da comunidade, a mulher est relacionada fisica e simbolicamente & terra. E dela, exclusivamente, 0 trabalho de cleira, mas Reinata transforma, gradualmente, os potes em figuras antropomorfas, passa de uma producéo utiitéria & criagSo artistica,invadindo um espace reservado, até ao momento, 20s homens escultores, quebrando de alguma forma um tabu e ferindo assim susceptibilida- des". So 05 amigos, principalmente alguns suigos envolvidos num projecto de desenvolvi- das elaboradas escarificacées que decoravam 0 corpo feminino e masculino num passado recente e ainda visiveis em pessoas com a idade de Reinata e até mais novas, quer das de- coragies de um passado mais afastado, entalhadas em caixinhas de pélvora ou de tabaco, ‘Machadinhas rituals e outros objectos de uso, quer falemos das que ainda hoje caracterizam a cerdimica utilitéria, As decoracées gravadas na superficie dos varios tipos de potes ganham evidéncia através da utilzago de dois produtos minerais que se encontram no planalto ma- conde, a grafite e a pedra de cal branca depois reduzida @ pd, As pedras arredondadas de srafite passadas sobre a superficie dos potes depois da cozedura conferem-Ihe um brilho qua~ se metélico, enquanto o pé branco entra nos desenhos gravados que ressaltam por contraste ‘com a superficie cinzenta. Reinata utliza frequentemente nas suas obras esta técnica, mas a ‘grafite em pé e misturada com qua é aplicada com um pincel para se adaptar As superficies ue no sio lisas e esféricas como as dos potes. A argila das encostas do planalto de Mueda {i substituida pela terra dos arredores de Maputo, misturada com cacos triturados, num pro- cesso comum as oleiras em varias partes de Mocambique, utiizado para reduzir as tenses na arglla durante a cozedura e limitar assim a possibilidade de abertura de rachas. A prépria cozedura nao ¢ realizada ao ar livre com uma queima de lena como no caso dos potes tradi- cionais, mas em fornos de fabricas de produtos cerémicos, que ndo podem dar a atenco e 0 Carinho necessérios as criaturas saidas das mos magicas e incanséveis de Reinata, De facto, as suas méos nunca param. Reinata tem uma disciplina de trabalho que cumpre to- dos os dias da semana e a concentracéo que utiliza durante o processo criativo ndo se quebra ‘mesmo quando conversa com um dos inimeros admiradores que costumam visité-Ia no seu atelié, no Museu de Histéria Natural. ‘Adaptaco do texto produzido para o catélogo da exposi¢So “Dominique Macondé” Musée Historique de Villéle, La Réunion, 16/12/2006 - 15/9/2007 mento rural, que, nessa época, so muito importantes para o equilibrio afectivo de Reinata e para o seu amadurecimento como ceramista‘. Entretanto, as condicdes de seguranca em Mueda comecam a reduzir-se devido & nova guerra de desestabiizagSo que ja atinge dife- rentes zonas do Pais. Os amigos suicos deixar Mueda e, no mesmo ano (1983), Reinata vai ‘a Maputo visitar a filha da sua irma, Josefina, Na volta para Nimu, passa alguns meses em Pemba em casa de uma familia amiga, mas jé esté a pensar em sair para a Tanzania onde vive, em Dar es Salaam, a propria Josefina. Durante aqueles anos conturbados para Mogam- bique e para Reinata, alguns jornalistas mocambicanos descobrem-na ¢ comecam a falar dela’. Entretanto, as suas cerémicas aparecem em algumas exposicdes colectivas. Finalmente, em 1985, Reinata toma a deciséo de viajar até Dar es Salaam para visitar a irma. Nao se conhece muito desta fase da sua vida, mas as dificuldades materiais que ela e o filho enfrentam séio um elemento constante, que tenta contornar, procurando fortuna em diferentes lugares: Dar es Salaam e Morogoro, na Tanzania, Mombaga e Nairobi, no Quénia. Em 1987, 0 destino favorece o seu reencontro com os amigos suicos, que, nessa altura, trabalhavam em Dar es Salaam®. Em 1989, um museu de Lausanne (Suiga) adquire algumas obras de Reinata® e, em 1990, ela realiza a sua primeira exposicdo individual na galeria Nyumba Ya Sanaa, em Dar es Salaam. Em 1992, a guerra termina com 0 Acordo de Paz. Reinata volta ento definit- vamente para Mogambique e, a convite do Primeiro-ministro™, decide instalar-se em Maputo, onde o Museu de Histéria Natural he oferece um espago, que desde entdo funciona como seu atelié. 1992 é também 0 ano da sua primeira individual em Mocambique"’. A partir de entéo as suas exposiges individuals neste e em varios outros paises impéem a figura desta artista "po- ular” como uma das mais interessantes e conhecidas no panorama nacional e internacional. (OS TEMAS MAIS FREQUENTES Reinata é uma mulher simples, de fortes conviegdes. A sua vivéncia marcou e marca a sua produgdo artistica, onde a tristeza e a alegria se sucedem, ‘mas tratadas de uma forma leve, fitradas através do tempo e da idade, permeadas as vezes por um fio de Ironia, © amor, os filhos, as relacdes homem-mulher, a amizade séo alguns dos temas tratados através de uma criatividade e originalidade quase inesgotaveis. Reinata fala também da sua cultura, da qual se sente orguihosa, mas que esté disponivel a partihar ‘com quem dela se aproxima com respeito e interesse. Por fim, o tema da sua originalidade, tratada por alguns come loucura, a maledicéncia e a discriminacSo por todos aqueles que so diferentes, muitas vezes representados como portadores de defeltos fisicos. (© PROCESSO DE PRODUCAQ, A TECNICA Os instrumentos s0 0 coragéio e as mos oucos mais: uma macaroca sem milho, algumas pedrinhas e uma tampa de esferogréfica para alisar a superficie moldada, uma faca, um pedaco de vidro, um pedaco de serrote ou uma pequena pinha de casuarina para fazer os cabelos, os desenhos € as decoragdes na su- perficie. S80 estes e outros os desenhos que caracterizam a estética maconde, quer falemos frentar 0 desafio, foi o facto de que, embora, na verdade, Reinata tenha recebido, ao longo do seu percurso, homenagens e reconhecimentos de varios tipos, ainda faltava uma recolha documental, pelo menos em linhas gerais, que permitisse um estudo mais aprofundado desta artista mocambicana. Se esta obra colectiva for considerada um util ponto de partida nessa direccio, pode- rel considerar-me satisfeito. ALGUMAS QUESTGES METODOLGGICAS Nao so muitas as imagens da produ- do de Reinata disponiveis e as andlises documentadas sobre ela, Se bem que este facto possa constituir uma dificuldade e um limite objectivo ao trabalho realizado, também me convenceu a utilizar os dados disponiveis, apesar das origens hetero- géneas e da sua qualidade ndo uniforme, pelo seu valor documental. Das informa Bes por cada escultura, quando existem, s80 referidos 0 ano de producao, 0 titulo @ as dimensdes em centimetros. Destas, a primeira e, as vezes, a Unica referida, & a altura da pea.

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