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3. Publicado como “Introduction” em Abbot Suger on the Abbey Church of St-Denis and Its Art Treasures, Princeton, Princeton University Press, 1946, pp. 1-37. 4. Publicado (em colaboragio com F. Saxl) como “A Late-Antique Religious Symbol in Works by Holbein and Titian” em Burlington Maggazine, XLIX, 1926, pp. 177-81. Ver também Hercules ‘am Scheidewege und andere antike Bildstoffe in der neueren Kunst (Studien der Bibliothek War- burg, XVIII), Leipzig e Berlim, B. G. Teubner, 1930, pp. 1-35. 5. Publicado como “Das erste Blatt aus dem ‘Libro’ Giorgio Vasaris; eine Studie iiber der Beurteilung der Gotik in der italienischen Renaissance mit einem Exkurs tlber zwei Fassadenprojekte Dome- nice Beccafumis” em Stidel-Jahrbuch, VI, 1930, pp. 25-72, 6. Publicado como “Diirers Stellung zur Antike” em Jahrbuch fir Kunstgeschichte, 1, 1921/22, pp. 43.92, 7. Publicado como “Et in Arcadia ego: On the Con- ception of Transience in Poussin and Watteau” em Philosophy and History, Essays Presented to Emst Cassirer, R. Klibansky & H. J. Paton, eds., Oxford, Clarendon Press, 1936, pp. 223-54. EPILOGO, publicado como “The History of Art” em The Cultural Migration: The European Scholar in America, W. R. Crawford, ed., Filadéifia, Uni- versity of Pennsylvania Press, 1953, pp. 82-111. Abreviaturas B: A. Bartsch, Le Peintre-gravewr, Viena, 1803-1821. L: F. Lippmann, Zeichnungen von Albrecht Diirer in ‘Nachbildungen, Berlim, 1883-1929 (v. VI-e VIL, F. Winkler, ed. B nfo me deixou'"!. Os dois homens comoveram-se até is Migrimas. Pois, embora a palavra Humanitdt apre- sentasse, no século XVIII, um significado quase igual a polidez ou civiidade, tinha, para Kant, uma signi ficagdo muito mais profunds, que as circunstdncias do momento serviram para enfatizar: a trégica e orgulhosa conscigncia no homem de principios por ele mesmo aprovados ¢ auto-impostos, contrastando com sua total sujeigho & doenca, A decadéncia, e a tudo o que implica © termo “mortalidade”. Historicamente, a palavra humanitas tem tido dois significados claramente distinguiveis, o primeiro oriun- do do contraste entre o homem e 0 que é menos que este; 0 segundo, entre © homem ¢ 0 que é mais que ele.” No primeito caso, humanitas significa um valor, no segundo, uma limitago. © conceito de humanitas como valor foi formu- lado dentro do cfrculo que rodeava Cipiso, o Moso, sendo Cicero seu tardio, porém mais explicito, defen- sor. Significava a qualidade que distingue 0 homem, rio apenas dos animais, mas também, ¢ tanto mais, dies Gish ‘Serteues 0 centile Meme Gan cee & INTRODUCAO: A HISTORIA DA ARTE COMO UMA DISCIPLINA HUMANISTICA Nove dias antes de sua morte, Emmanuel Kant recebeu a visita de seu médico. Velho, doente e quase cego, levantou-se da cadeira e ficou em pé, tremendo de fraqueza e murmurando palavras ininteligives. Fi- rnalmente, seu fiel acompanhante compreendeu que ele no se sentaria antes que sua visita 0 fizesse. Este assim fez e s6 entio Kant deixou-se levar para sua cadeira ©, depois de recobrar um pouco as forgas, disse: “Das Gefuhl flr Humanitat, hat mich noch nicht verlassen” — “O senso de humanidade ainda 19 define © homem como “uma alma racional, partici- pando do intelecto de Deus, mas operando num cor- 0", define-o como o nico ser que € ao mesmo tempo auténomo € finito. E 0 famoso “discurso” de Pico, ‘Sobre a dignidade do homem”, € tudo menos um documento do paganismo. Pico diz que Deus colocou © homem no centro do universo para que pudesse ter consciéncia de seu lugar e assim ter liberdade para de- idir “aonde jis jo afirma que o homem é 0 centro do universo, nem mesmo no sentido comu- mente atribuido & frase cléssica, “o homem é a medida de todas as coisas”. E dessa concepgio ambivalente de humanitas que © Humanismo nasceu. Nao é tanto um movimento co- mo uma atitude, que pode ser definida como a con- viedo da dignidade do homem, baseada, 20 mesmo tempo, na insisténcia sobre os valores humanos (ra- cionalidade ¢ liberdade) e na aceitagao das limitagoes humanas (falibilidade ¢ fragilidade); da resultam dois postulados: responsabilidade e tolerancia. nome de Homo humanus; do barbaro ou do individuo vulgar que nio tem pietas € sada — ou seja, res- peito pelos valores morais aquela graciosa mistura de erudigdo e urbanidade que s6 podemos circunscre- jd muito desacreditada, “cultura’’ Na Idade Média este conceito foi substituido pela idéia de humanidade como algo oposto & divindade mais do que & animalidade ou barbarismo. As quali- dades mais comumente associadas a ela eram, portanto, as da fragilidade e transitoriedade: humanitas fragilis, umanitas caduca Assim, a concepgio renascentista de humanitas tinha um aspecto duplo desde 0 principio. O novo interesse no ser humano baseava-se tanto numa reno- vagio da antitese cléssica entre humanitas ¢ barbaritas ou feritas, quanto na aparigfo da antitese medieval eslgMtnang EA. Immanuel ant i, setnen itten Esmunaet ant, Seim:baben in barstcngen vom ettoe- ‘owen, erm, Deutsche lolol 18a, p28. 20 Erasmo de Roterdi, 0 humanista par excellence, € um caso tipico. A Igreja suspeitava e, em iiltima anilise, rejeitava os escritos desse homem que dissera: “Talvez 0 espirito de Cristo esteja muito mais difun- ido do que pensamos, ¢ haja muitos na comunidade dos santos que nao fagam parte de nosso calendétio”. © aventureito Ulrich von Hutten desprezava seu ceti- sismo irénico e © cariter nada herdico de seu amor pela trangiilidade, E Lutero, que insistia em afirmar que “nenhum homem tem poder para pensar algo de bom ou mau, mas tudo Ihe ocorre por absoluta necessi- dade”, era incensado por uma crenga que se manifesto na frase famosa: “De que serve 0 homem como tota- lidade [isto 6, 0 homem dotado com corpo ¢ alma], se Deus trabalhasse nele como 0 escultor trabalha a argila, e pudesse do mesmo modo trabalhar a peda?” * © humanista, portanto, rejeita a autoridade; mas respeita a tradigio. Nao apenas a respeita, mas a vé ‘como algo real e objetivo, que é preciso estudar, e, se necessirio, reintegrar: “nos vetera instauramus, nova non prodimus”, como diz Erasmo. A Idade Média aceitou e desenvolveu mais do que estudou e restaurou a heranca do passado. Copiou as obras de arte clissicas ¢ usou Aristételes € Ovidio, do mesmo modo que copiou ¢ usou as obras dos con- temporineos. Nao fez nenhuma tentativa de interpre- télas de um ponto de vista arqueol6gico, filoséfico ou “ertico”, em suma, de um ponto de vista histérico. 2 Para as citagdes de Lutero¢ Erasmo de Roterdi, ver a excelente monoeratia Humanitas Erasmiana Ge "R- Prarren, Suidien der, Bibliotek Warburg. 2CKIL ital. significative que Era*ss"hnpaco vires bice « Feparspiiaadefumanon, N&o € de admirar que cssa stitude tenha sido atacada de dois campos opostos, cuja aversio comum 108 ideais de responsabilidade ¢ tolerdncia os alinhow, recentemente, numa frente unida. Entrincheirados rum desses campos encontram-se aqueles que negam 0s valores humanos: os deterministss, quer acreditem na predestinagao divina, fisica ou social, os partidérios do autoritarismo ¢ os “insetélatras”, que pregam a suma importincia da colmeia, denomine-se ela grupo, classe, nagio ou raga. No outro campo encontram-se aqueles que negam as limitagées humanas, em favor de uma espécie de libertinismo intelectual ou politico, ‘como os estetas, vitalistas, intuicionistas e veneradores de herdis. Do ponto de vista do determinismo, o humanista € ou uma alma penada ou um ide6logo. Do ponto de vista do autoritarismo, ou é um herético ‘ou um revolucionério (ow um contra-revolucionério).. Do ponto de vista da “insetolatria”, & um individua- lista indtil. E, do ponto de vista do libertinismo, um burgués timido. 2 Isso porque, se era possivel considerar a existéncia humana como um meio mais do que um fim, tanto menos poderiam os registros da atividade humana ser considerados como valores em si mesmos *. No escolasticismo medieval, nfo hé, portanto, nenhuma distinggo bésica entre ciéncia natural e o que chamamos de humanidades, studia humaniora, para citar de novo uma frase erasmiana, O exercicio de ambas, na medida em que era desenvolvido em geral, permaneceu no quadro do que era chamado de sofia. Do prisma humanistico, entretanto, tornou-se razoavel, e até inevitivel, distinguir, dentro do campo a eriaglo, entre a esfera da naiureza e a esfera da ‘cultura, ¢ definie a primeira com referencia & ciltima, 1.6, natureza como a totalidade do mundo acessivel ‘a0s sentidos, excetuando-se os regisiros deixados pelo homem. ‘© homem 6, na verdade, 0 Gnico animal que deixa registros airs dé si, pois € 0 tinico animal cuj dutos ‘“chamam A mente” uma idéia que se distingue da existéncia material destes. Outros animais empre- gam signos e idéiam estruturas, mas usam signos sem “perceber a relagdo da significado” * e idéiam estru- turas sem perceber a relagio da construgio. <= ere alma swine sana sme cond fist Madore rato deepen Seas fees oes ener on anon Soe in rp pune te eas stu ats Tange oe a ee re Sire cant seme ae arian eet as Sei Be creeps, i rae ane ee Soe fee ee eee seta eee, Sancho ae ee Se D licavel, para ems" Gpoca, detenvolver uma’ cancepes de lac linus ‘nfsericae‘bascoda ‘ha Pet Ene, Gistteal Mythology tn hasdiseval ANC om Stusior of the Metropotiton Mussumy 10, 2-108, p25, sea eobjetua ap. 203 tar rocentemente, 0 interessante artigo de W. 5. taeesome, “fedigeval” Settings, Journal’ of pane ss 4. Ver J. Manzar, Sign and Symbol, Journet of the War- burg" mettates pe Te ae " 23 Pereeber a relagio da significagio € separar a Ilia do conceito a ser expresso dos meios de expres- slo. E perceber a relagio de construgio ¢ separar 4 idéia da fungo a ser cumprida dos meios de cum- prla. Um cachorro anuncia a aproximagio de um estranho por um latido diferente daquele que emite para dar a conhecer que deseja sair. Mas néo utilizaré este latido particular para veicular a idéia de que um ‘stranho apareceu durante a auséncia do dono da casa E muito menos iré um animal, mesmo se estivesse, do pponto de vista fisico, apto a tanto, como os macacos indubitavelmente o estio, tentar alguma vez representar algo numa pintura. Os castores controem diques. Mas slo incapazes, ao que sabemos, de separarem as com- plicadissimas ‘ages envolvidas ‘neste trabalho a partir ‘de um plano premeditado, que poderia ser posto em desenho em vez de materializado em troncos ¢ pedras. Os signos e estruturas do homem sho registros porque, ou antes na medida em que, expressam idéias, ‘separadas dos, no entanto, realizadas pelos, processos de assinalamento © construcio. Estes registros tm por- tanto a qualidade de emergir da corrente do tempo, € 6 precisamente neste sentido que sio estudados pelo humanista. Este é, fundamentalmente, um historiador. Tembém o cientista trabalha com registros hu- manos, sobretudo com as obras de seus predecessores. Mas, cle os trata, nio como algo a ser investigado € sim como algo que 0 ajuda na investigago. Noutras palavras, interessa-se pelos registros, nio & medida que femergem da corrente do tempo, mas & medida que sio absorvidos por ela. Se um cientista moderno ler Newton ow Leonardo da Vinci no original, ele 0 faz jsta, mas como homem interessado na historia da cigncia 'e, portanto, na civilizagio humana ‘em geral. Em outros termos, ele 0 faz como humanista, para quem as obras de Newton e Leonardo da Vinci possuem um significado auténomo e um valor dura- douro. Do ponto de vista humanistico, os registros Ihumanos nio envelhecem. Assim, enquanto a ciéncia tenta transformar a ca6tica variedade dos fendmenos naturais no que se ppoderia chamar de cosmo da natureza, as humanidades Py prevalece no Ambito das dimensoes terrestres, € fol observada muito antes. Todo conceito histérico bascia-se, obviamente, nas categorias do espago ¢ tempo, Os registros, ¢ tudo 0 que implicam, tém que ser localizados e di dos. Mas, acontece que esses dois atos séo, na reali- dade, dois aspectos de uma e mesma coisa. Se eu dlisset que uma ta de cerca de 1400, essa afirmagio nao teria 0 minimo sentido ou importincia, ‘4 menos que pudesse indicar, também, onde foi produ- ida nessa data; inversamente, se eu atribuic uma pin- tura & escola florentina, preciso ser capaz de dizer quando foi. produzida por essa escola. O cosmo da culture, como 0 cosmo da natureza, é uma estrutura espago-temporal. O ano de 1400 em Florenga & total- mente diferente do ano de 1400 em Veneza, para nfo falarmos de Avgsburgo, Réssia ou Constantinople. Dois fenémenos hist6ricos so simultineos ou apresen- tam uma relagio temporal entre si, apenas na medida em que & possivel relacioné-los dentro de um “quadro de referéncia”, sem o qual o proprio conceito de si- multaneidade ndo teria sentido na historia assim como tentam transformar a caética variedade dos registros humanos no que se poderia chamar de cosmo da cultura, Hi, apesar de todas essas diferengas de temas ¢ imento, analogias extraordindrias entre os pro- bblemas metédicos que © cientista, de um lado, © 0 hhumanista, de outro, precisam enfrentar 8 Em ambos 0s casos, 0 processo de pesquisa pa- rece comegar com a observacio. Mas, quer 0 obser- vador de um fenémeno natural, quer o examinador de lum registro no ficam s6 circunscritos aos limites do aleance de sua visio € ao material disponivel; ao diri- gir a atencdo a certos objetos, obedecem, consciente- mente ou nio, a um principio de selecdo prévia ditado ppor uma teoria, no caso do cientista, ¢ por um conceito geral de histéria, no do humanista. Talvez seja ver- dade que ‘‘nada esté na mente a nio ser o que est nos sentidos”; mas é pelo menos igualmente verda- deiro que muita coisa est nos sentidos sem nunca Penetrar na mente. Somos afetados principalmente por aquilo que permitimos que nos afete; e, assim como a ciéncia natural involuntariamente’ seleciona aquilo que chama de fendmeno, as humanidades sele- cionam, involuntariamente, 0 que chamam de fatos histéricos. esse modo as humanidades alargaram, gradualmente, seu cosmo cultural, ¢ em certa medida deslocaram 0 centro de seus interesses. Mesmo aquele we, antag 8 éefinigéo sim- ia de humanidades como “‘latim ¢ grego” ¢ consi- Gera essa definigdo como essencialmente valida desde gue_usemos idéias e expresses como, por exemplo, “idéia” © “expressio” — mesmo tal pessoa precisa admitir que ela se tornou um pouco estreita demais. ‘Além do mais, o mundo das humanidades & deter- minado por uma teoria cultural da relatividade, com- pardvel & dos fisicos; e, visto que o mundo da cultura € bem menor que 0 da natureza, a relatividade cultural ech Bit Ee: a Eevetment wi ce Neva abn, ten a0t" © Mem, Pome oint of Contact between, Mistry Sod Natal sclencer, Phlagphy an Minor, Huvge Prevented man’ sas rma entre on fendmenos, tm ago, eos fatoe hstocs, & Gocumenton'e 9 histrlador, de outro) 25 ponto, por uma teoria ow por uma concepcio histérica genérica. Tss0 € ainda mais evidente dentro do proprio rocesso, onde cada passo rumo ao sistema que “faga sentido” pressupde 0s precedentes e os subseqiientes. Quando o cientista observa um fendmeno use instrumentos que se acham, por seu turno, sujeitos as leis da natureza que pretends explorar. Quando um hhumanista examina um registro, usa documentos que sio, por sua vez, produzidos no decurso do processo que pretende investigar. ‘Suponhamos que eu descubra, nos arquivos de uma cidadezinha do vale do Reno, um contrato, da- tado de 1471, e complementado pelos registros de pagamento, segundo os quais 0 pintor local “Johannes qui et Frost” recebeu a incumbéncia de executar, para igreja de St. James dessa cidade, um retébulo com a Natividade a0 centro, © Sio Pedro e So Paulo, um de cada lado; suponhamos, ainda mais, que eu encontre, na Igreja de St. James, um retdbulo corres- pondendo a esse contrato. Este setia 0 caso em que a documentagio € tio boa e simples quanto se poderia NE ee eee ee ee eee nagio de circunstncias, que uma dada escultura negra foi executada em 1510, nao teria sentido dizer que se trata de uma obra “contemporinea” ao teto da Capela Sistina, de Michelangelo *. Concluindo, a sucessio de passos pelos quais 0 material € organizado em cosmo natural ou cultural & andloga, € 0 mesmo 6 verdade com respeito aos problemas metodol6gicos que esse processo implica. O primeiro passo é, como jé foi mencionado, a observa- io dos fendmenos naturais e 0 exame humanos. A seguir, cumpre “descodific: e interpreté-los, assim como as “mensagens da natu- reza’” recebidas pelo observador. Por fim, os resul- tados precisam ser classificados e coordenados num sistema coerente que “faga sentido”. ‘Agora ja vimos que mesmo a selec#o do material para observacao ¢ exame é predeterminada, até certo woh ind tas, Sts ents 26 Sk, ee ee eae ee precisissemos lidar com uma fonte “indireta”, como uma carta, uma descrigio numa crénica, biografia, igrio ou poema. No entanto, ainda assim, muitos problemas se apresentariam. © documento pode ser um original, uma’ o6pia ou uma falsificagio. Se for uma cdpia, pode ser de feituosa ¢, mesmo se for um original, & possivel que algumas das informagoes sejam incorretas. O retébulo, por sua vez, pode ser aquele aludido no contrato; mas & possivel também que monumento original tenha sido destruido durante os distirbios iconoclisicos de 1535 e substituido por outro retébulo pintado com os ‘mesmos temas, mas executado, por volta de 1550, por ‘um pintor de Antuérpia, Para chegar a um certo grau de certeza,terfamos de “conferir” 0 documento com outros de data © ori- gem similar, ¢ o retébulo com outras pinturas execu das no vale do Reno por volta de 1470. Mas aqui surgem duas dificuldades. 7 Primeiro, “‘conferir” € obviamente, impossivel Sem sabermos © que “‘conferit"; cumpriria. escolher ‘ertos aspectos ou critérios, como certas formas de ‘escrta, ou alguns termos técnicos usados no contrato, ‘ou alguma peculiaridade formal ou iconogréfica do retdbulo. Mas, j& que nfo podemos analisar 0 que rio compreendemos, nosso exame pressupoe descodifi- cacio ¢ interpretagio, Segundo, © material com 0 qual aferimos nosso problemético ‘caso, nfo se apresenta, em tenticado do que 0 caso em questo. Tomado indivi- dualmente, qualquer outro monumento assinado e da- tado € tio duvidoso quanto o encomendado a “Johan- nes gui et Frost”, em 1471, (E por si mesmo evidente que uma assinatura aposta num quadro pode ser, ¢ Iuitas vezes é, tio discutivel quanto um documento ‘ele relacionado.) Apenas com base em todo um grupo ou classe de dados € que podemos decidir se rosso retibulo foi, do ponto de vista esilistico e ico nografico, “possivel”, no vale do Reno, por volta de 1470, Mas, a classificagio pressupde, € Obvio, a idéia ‘de um todo’ ao qual as classes pertencem, — em outras palavras, a concepcao hist6rica geral que tentamos edi- ficar a partir dos nossos casos individuais. De qualquer lado que se olhe, o comego de nossa investigacdo parece sempre pressupor seu fim, € 08 documentos que deveriam explicar 0s monumentos so to enigméticos quanto os proprios monumentos. BE bem possivel que um termo técnico do nosso contrato seja um {frat Aeéuowe tio-somente explicivel por este determinado retabulo; € © que um artista diz a respeito de suas obras deve sempre ser interpretado & luz das proprias obras. Estamos, aparentemente, num irculo vicioso. Na realidade, é 0 que os filésofos chamam de “situagio orginica” ?. Duas pemas sem um corpo no podem andar, e um corpo sem as pernas tampouco; porém, um homem anda. £ verdade que os monumentos © documentos individuais s6 podem it terpretados e classificados & luz de uum conceito histérico geral, ao mesmo tempo que 36 se pode erigir esse conceito hist6rico geral com base 1, Devo este termo ao Profesor 7. M, Greene. 28 fem monumentos ¢ documentos individuais; do mesmo ‘modo, a compreensio dos fendmenos naturais eo em- prego dos instrumentos cientificos dependem de uma teoria fisica generalizada e vice-versa. Essa situagio, ‘no entanto, ndo é, de jeito algum, um beco sem saida. Cada descoberta ‘de um fato hist6rico desconhecido, ¢ toda nova interpretacdo de um jé conhecido, ou se “encaixaré” na concepcio geral predominante, enri- quecendo-a € corroborando-a por esse meio, ou entio acarretaré uma sutil ow até fundamental mudanga na concepeo geral predominant, lancando assim novas luzes sobre tudo 0 que era conhecido antes. Em ambos os casos, o “sistema que faz sentido” opera como um organismo coerente, porém eldstico, com- pardvel a um animal vivo quando contraposto a seus membros individuais; ¢ 0 que € verdade nas relacdes entre monumentos, documentos e um conceito histé- rico geral nas humanidades, 6 igualmente verdadeiro nas relacoes entre fendmenos, instrumentos e teoria nas ciéncias naturais. Mm Referi-me a0 retébulo de 1471 como “monumen- to”, € 20 contrato como “documento”; ou seja, conside- rei’ 0 retdbulo como o objeto da’ investigagio ou “material primério”, e contrato como um instrumento de investigacéo ou “material secundério”. Assim pro- ‘eedendo, falei como um historiador de arte. Para um pale6grafo ou um historiador das leis, o contrato seria, ‘ou “material primério”, e ambos po- deriam usar quadros para documentagSo. ‘A menos que um estudioso se interesse exclusiva- mente pelo que é chamado de “eventos” (nese caso consideraria todos os registros existentes como “mate- rial secundério”, por meio do qual poderia reconstruir ‘5 “eventos”), os “monumentos” de uns so 0s “do- ‘cumentos” de’ outros, e vice-versa. No trabalho pré- tico, somos mesmo compelidos a anexar “monumen- tos” que, de direito, pertencem a nossos colegas. Muitas obras de arte 'tém sido interpretadas por fil6- logos ou por historiadores de medicina; e muitos textos, 29 1ém sido interpretados, e s6 0 poderiam ser, por his- toriadores de arte. Um historiador de arte, portanto, & um humanista cujo “material primério” consiste nos registros que nos chegaram sob a forma de obras de arte, Mas, 0 que € uma obra de arte? Nem sempre a obra de arte & criada com o pro- pésito exclusivo de ser apreciada, ou, para usar uma expressio mais académica, de ser experimentada este~ ticamente. A afirmagio de Poussin de que “Ia fin de Fart est In délectation”’ era inteiramente revolucio~ niria® na época, pois escritores mais antigos sempre insistiam em que a arte, por mais agradavel que fosse, também era, de algum modo, util. Mas a obra de arte tem sempre’ significacao estética (nao confundir com valor estético): quer sitva ou no a um fim pritico quer seja boa ou mé, o tipo de experiéncia que ela requer 6 sempre estético, Pode-se experimentar esteticamente todo objeto, seja cle natural ou feito pelo homem. Eo que faze- mos, para expressar isso da maneira mais simples, quando apenas o olhamos (ou 0 escutamos) sem rela- ionéelo, intelectual ou emocionalmente, com nada fora do objeto mesmo, Quando um homem observa uma frvore do ponto de vista de um carpinteiro, ele a associaré aos virios empregos que poderd dar & ma- dei; quando a olha como um onitélogo, ha de asso- ciéla com as aves que ai poderdo fazer seu ninho. Quando um homem, numa corrida de cavalos, acom- panha com 0 olhar @ montaria na qual apostou, asso- dard o desempenho desta com seu proprio desejo de idéia 6 equilibrado © pode até ser eclipsado por um interesse na forma. Entretanto, o el todo objeto sem excecai nto “forma” esté presente em pois todo objeto consiste de matéria © forma; e no hi maneira de se determinar ‘com fica, em que medida, num caso dado, esse elemento da forma € o que recebe a énfase, Portanto, néo se pode € nao se deve tentar definit 0 momento preciso em que o veiculo de comunicacio ou aparelho comeca a ser obra de arte. Se escrevo a um amigo, convidando-o para jantar, minha carta 6 em primeiro lugar, uma comunicacio. Porém, quanto mais eu deslocar a énfase para a forma do meu escrito, tanto mais ele se tornaré uma obra de caligrafia; quanto mais eu enfatizar a forma de minha linguagem (poderia até chegar a convidé-lo por meio de um soneto), mais a carta se converters em uma obra de Titeratura ou poesia. ‘Assim, a esfera em que 0 campo dos objetos priticos termina ¢ 0 da arte comega, depende da “intengio” de seus criadores. Essa “intencao” nio rn — simples ¢ totalmente 20 objeto de sua percepio po- derd experimenté-lo esteticamente ®, Ora, quando nos defrontamos com um objeto natural, a decisio de experimenté-lo ou nio estetice- mente € questo exclusivamente pessoal. Um objeto feito pelo homem, entretanto, exige ou nio para ser experimentado ‘desse_modo, pois tem 0 que os estudiosos chamam de “intencio”. Se eu decidisse, ‘como bem poderia fazer, experimentar esteticamente & Juz vermelha de um seméforo em vez de associé-la a idéia de pisar nos freios, agiria contra a “intengio” da luz de trifego. Os objetos feitos pelo homem, que nio exigem a experitneia estética, sio comumente chamados de “priticos” e podem dividir-se em duas categorias: vei- culos de comunicagao e ferramentas ou aparelhos. veiculo ou meio de comunicacao obedece ao “intuito’ de transmitir um conccito. A ferramenta ou aparclho dobedece 20 “intuito”” de preencher uma funcio (fungéo ssa que, por sua ver, pode ser a de produrir e trans- mitir comunicagdes, como é 0 caso da méquina de escrever ou da luz do seméforo acima mencionada) ‘A maioria dos objetos que exigem experiéncia estética, ou seja, obras de arte, também pertencem a essas duas categorias. Um poema ou uma pintura hi A6rica so, em certo sentido, veiculos de comunicagi © Pantedo € 0s casticais de Milo so, em certo sentido, aparelhos; 0s témulos de Lorenzo e Giuliano de Medici, esculpidos por Michelangelo sao, em certo sentido, ambas as coisas. Mas tenho que dizer “num certo sentido”, pois hé essa diferenca: no caso do que se pode chamar de “um mero veiculo de comur cacio” ou “um mero aparelho”, a intencio acha-se definitivamente fixada na idéia da obra, ou seja, na mensagem a ser transmitida, ow na funglo a ser preen- chida. No caso de uma obra de arte, o interesse na 2. Ver M: Grom, Beltrige zur Prinomenologie dex aesthe- tise “Gentses en Jehriueh far Philosophie, 1 Pate 3, 16 B.3T ess. Tambtr, E Wono, Aeathettacher sind, kanstotsoen: Serpent’ Goto Eur" Sypemath der Canstinchen Protons: ease. Fir” dinate and aligemsine ‘Kunctwtrenchoh 31 dessas “intengdes” é, inevitavelmente, influenciada por nossa. prépria atitude, que, por sua’ vez, depende de nnossas experiéncias individuais, bem como de nossa situaglo histérica. Vimos todos, com nossos préprios ‘olhos, os utensilios ¢ fetiches das tribos africanas serem transferidos dos museus de etnologia para as exposi- ‘gbes de arte. ‘Uma coisa, entretanto, & certa: quanto mais a io de énfase na “idéia” “forma” se aproxima Eevom estado de equlfro, mais. clogientemente a ‘obra revelari o que se chama ‘‘contedédo”. Contetido, ‘em oposigio a tema, pode ser descrito nas palavras de Peirce como aquilo que a obra denuncia, mas nio ostenta, Ea atitude bisica de uma naglo, periodo, classe, crenga filosdfica ou religiosa — tudo isso {qualificado, inconscientemente, por uma personalidade condensado numa obra. E Gbvio que essa revelagio involuntéria seré empanada na medida cm que um desses dois elementos, idéia ou forma, for volunta- riamente enfatizado ou suprimido. A maquina de fiar talvez seja a mais impressionante manifestagio de uma idéia funcional, ¢ uma pintura “abstrata” talver lugar, é impossivel definir as “intengSes”, per se, com precisio cientifica. Em segundo, as “intengdes” da- queles que produzem os objetos séo condicionadas pelos padres da época e meio ambiente em que vivem. © gosto cléssico exigia que cartas particulares, dis- ‘cursos legais © escudos de herdis fossem “artsticos” (resultando, possivelmente, no que se poderia deno- minar falsa’ beleza), enquanto que 0 gosto moderno exige que a arquitetura e 0s cinzeiros sejam “funcionais” (resultando, possivelmente, no que poderia ser cha- Enfim, nossa. a estetcamente” encontramos, pela primeira vez, a dife- renga bésica entre humanidades ¢ ciéncias naturais. © cientists, trabalhando como o faz com fenémenos na- turais, pode analisi-los de pronto. © humanista, trabalhando, como 0 faz, com as agées ¢ criagdes humanas, tem que se empenhar em uum processo mental de cardter sintético © subjetivo precisa refazer as agdes e recriar as criagdes mental- mente. De fato, & por esse processo que os objetos reais das humanidades nascem. Pois € ébvio que os historiadores de filosofia ou escultura se preocupam com livros e estétuas, no na medida em que estes existem materialmente, e sim, na medida em que esses tém um significado, E & nio menos dbvio que este significado 36 € apreensivel pela reproducio, e portanto, no sentido quase literal, pela “realizagio” dos pense- rmentos express0s nos livros e das concepsdes artisticas que se manifestam nas estétuas. ‘Assim, o historiador de arte submete seu “mate~ rial” a uma anélise arqueolégica racional, por vezes tio meticulosamente exata, extensa ¢ intricada quanto ‘uma pesquisa de fisica ou astronomie. Mas ele cons- titui seu “material” por meio de uma recriaglo™ esté- seja a mais expressiva manifestagio de forma pura, ‘mas ambas tém um minimo de conteddo. Vv Ao definir uma obra de arte como “um objeto feito pelo homem que pede para ser experimentado itiva, incluindo a percepcdo € a apreciacio da “qualidade”, do mesmo modo que uma pessoa ‘‘co- mum” o faz, quando cle ou ela vé um quadro ou escuta uma sinfonia, Como, porém, & possivel, ‘numa disciplina de estudo respeitada, se seus prOprios objetos nascem de um processo irracional ¢ subjetivo? Nao se pode responder & pergunta, & claro, tendo ‘em vista os métodos cientificos que tém sido, ou podem ser introduzidos na histéria da arte. Artificios como Aanilise quimica dos materiais, raios X, raios ultraviole- ta, raios infravermelhos © macrofotografia sio muito iiteis, mas seu emprego nada tem a ver com o problema metodol6gico bésico. Uma afirmagio segundo a qual 08 pigmentos usados numa miniatura pretensamente medieval nfo foram inventados antes do século XIX, pode resolver uma questao de histéria da arte, mas no € uma afirmagdo de histéria da arte. Baseada, como 6, na andlise quimica e também na histéria da quimice, diz respeito & miniatura no qua obra de arte, mas qua objeto fisico, e pode, do mesmo modo, referirse a uum testamento forjado. © uso de raios X e macrofo- tografias, por outro lado, nao difere, sob 0 aspecto metédico, do uso de Goulos ou de lentes de aumento. Esses arlificios permitem ao historiador de arte ver mais do que poderia fazé-lo sem eles, porém, aquilo que vé precisa ser interpretado “estilisticamente” como aquilo que percebe a olho nu. A verdadeira resposta esté no fato de a rectiagio estética intuitiva e a pesquisa arqueolégica serem inter- ligadas de modo a formar o que ja chamamos antes de “situagao orginica”. Nao é verdade que o historiador de arte primeiro constitua seu objeto por meio de uma sintese recriativa, para 6 depois comecar a investigacao arqueoldgica — como se primeiro comprasse o bilhete para depois entrar no trem. Na realidade, os dois processos nao sucedem um ao outro, mas se interpe- netram: a sintese recriativa serve de base para a inves- tigacdo arqueolégica, © esta, por sua vez, serve de base para 0 processo recriativo; ambas se qualificam ¢ se retificam mutuamente. rigit a historia da arte 35 Quem quer que se defronte com uma obra de arte, seja recriando-a esteticamente, seja investigando-a racionalmente, € afetada por seus trés componentes: forma materializada, idéia (ou seja, tema, nas artes plisticas) € contedido. A teoria pseudo-impressionista segundo a qual “forma ¢ cor nos falam de forma e cor, € isso & tudo” &, simplesmente, incorreta. Na expe- rigncia estética realiza-se a unidade desses trés ele- ‘mentos, ¢ todos trés entram no que chamamos de gozo estético da arte, ‘A experiéncia recriativa de uma obra de arte de- pende, portanto, nfo apenas da sensibilidade natural © do preparo visual do espectador, mas também de sua bagagem cultural. Nao ha espectador totalmente “ingénuo”, © observador “ingénuo” da Idade Média tinha muito que aprender ¢ algo a esquecer, até que pudesse apreciar a estatuéria e arquitetura clissicas, ¢ © observador “ingénuo” do perfodo pés-renascentista tinha muito a esquecer ¢ algo a aprender até que pdesse apreciar a arte medieval, para nfo falarmos iva. Assim, o observador “ingénuo” no goza , mas também, inconscientemente, avalia ¢ inter- preta a obra de arte; © ninguém pode culpé-lo se 0 far sem se importar em saber se sua apreciagio ou interpretagio estéo certas ou erradas, e sem compreen- det que sua propria bagagem cultural contribui, na verdade, para 0 objeto de sua experiénci © observador “ingénuo” difere do historiador de arte, pois 0 ultimo esté cOnscio da situacio. Sabe que sua bagagem cultural, tal como 6, ndo harmonizaria com a de outras pessoas de outros pafses e de outros periodos. Tenta, portanto, ajustar-se, instruindo-se 0 méximo possivel sobre as’ circunstincias em que os objetos de seus estudos foram criados. No apenas coligiré © verificaré toda informagao fatual existente quanto 2 meio, condicéo, idade, autoria, destino ete... mas comparard também a obra com outras de ‘mesma classe, e examinard escritos que reflitam os padrées estéticos de seu pais e época, a fim de conse- ‘muir uma spreciacdo mais “objetiva” de sua qualidade. Leré yelhos livros de teologia e mitologia para poder identiticar 0 assunto tratado, e tentaré, ulteriormente, 36 Leonardo da Vinci disse: “Duas. fraquezas, apoiando-se uma contra a outra resultam numa forga” #. As metades de um arco, sozinhas, nao con- ‘seguem se manter em pé. Do mesmo modo, a pesquisa arqueoligica é cega e vazin sem a recriagao estética, 20 passo que esta & irracional, extraviando-se, muitas vezes, sem a pesquisa arqueolégica. Mas, “apoiando-se uma contra @ outra”, as duas podem suportar um “sis tema que faca sentido”, ou seja, uma sinopse hist6rica. Como ja afirmei antes, ninguém pode ser conde- nado por desfrutar obras de arte “ingenuamente” — por aprecié-las ¢ interpreté-las segundo suas luzes, sem © importar com nada mais. Mas o humanista’ vera com suspeita aquilo que se pode chamar de “aprecia- tivismo” *, Aquele que ensina pessoas inocentes a compreender a arte sem preocupacio com linguas clés- sicas, métodos hist6ricos cansativos e velhos, e empoei- rados documentos, priva a “ingenuidade” de todo o seu encanto sem corrigi-Ihe os erros. determinar seu lugar histérico e separar a contribuigio individual de seu autor da contribuiclo de seus ante- passados © contemporineos. Estudaré os principios formais que controlam a representagio do mundo vie sivel ou, em arquitetura, 0 manejo do que se pode chamar de caracteristicas estruturais, e assim construir a histéria dos “motivos". Observard a interligacdo entre as influéncias das fontes literdrias ¢ os efeitos de dependéncia métua das tradigdes representacionais, a fim de estabelecer a histéria das {6rmulas iconogrs- ficas ou “tipos". E fard o méximo possivel para se familiarizat com as atitudes religiosas, sociais e filo- séficas de outras épocas e pafses, de modo a corrigi sua propria apreciacao subjetiva do contetido . Mas, ao fazer tudo isso, sua percepgio estética como tal, mudaré idade €, cada vez mais, se adap- tard A “intengio” original das obras. Assim, o que 0 historiador de arte faz, em oposiglo ao apreciador de arte “ingénuo”, ndo é erigir uma superestrutura racio- rnal em bases irracionais, mas desenvolver suas expe- rigncias recriativas, de forma a afeicoé-las ao resultado de sua pesquisa arqueol6gica, ao mesmo tempo que afere continuamente os resultados de sua pesquisa arqueol6gica com a evidéncia de suas experiéncias re- criativas ®, 12 Para os termes téenicos utados neste partgrato. ver ie Sh eat nee av pponeras ameboon, interprets algvese e'termor Sbasless) igen UBcacte do. tema iconogsifee “TY bryucovi tenor, (descoberta das etimologias): deriva sto aot ot ‘Seatoviae Sorpiagacto ax tormas grams: 7 © “apreciativismo” no deve ser confundido com © conhecimento do “entendido” e a “teoria da arte”. O connoisseur * & 0 colecionador, curador de museu ou perito que, deliberadamente, limita sua contribuigio a0 estudo da’ matéria ao trabalho de identificar obras de arte com respeito A data, origem e autoria, e avalid-las no tocante & qualidade e estado. A diferenca existente entre ele e 0 historiador de arte no € tanto uma ques- de principio, como de énfase e clareza, comparivel A diferenca existente entre 0 diagnosticador (ou: elt- nico) e o pesquisador na drea da medicina. © connois- seur tende a salientar o aspecto recriativo do complexo rocesso que tentei descrever, © considera a tarefa de ctigir uma concepcao histérica como secundaria; 0 his toriador de arte, num sentido mais estreito ou acad tmico, tende a reverter essas tOnicas. Ora, o simples diagndstico de “cincer”, se correto, implica tudo 0 que © pesquisador poderia nos dizer sobre a doenca e pre~ tende, portanto, que é verificével por uma anélise cien- \ahetclinte: isllerinente. dimntalto “Rim wm uestao.intereasante. Sea Seois"de ‘valores sain” como" erat ou Settta‘potlice stifle went rodacio por “grander ou eet Hpca,"come Justificaremon 9 fate. deof mUlodos. saul expostor uma auferenctacao entre pet mite tna focal et valores fesse Separate eat rare deere de invesighglo, come Comparivels c vinculavels ‘composigho ©. ti "is demale cafacteriaticas que {acer sprande™ sultan ape oinoe Imediatamente io. abesar. ‘Mas por enue, do fata de foda 0" grupo ter ido submetdo. 3 tim mesmo Ula metodo ‘de antiie'e tnierpretacdor 14. 'Tt codice atlantico ai Leonardo ‘da. ‘Vinct nella, Bibiio- ecu Ambrostana Milano, Mino, e8. G. Phumat Itt uae + Aporeciationiem no ote para ein Tdsles (M da ‘nfo hd termo em portuuts brandt, cerca de 1650", se correto, impiica tudo 0 que © historiador de arte poderia nos dizer sobre os valores, formais do quadro, sobre a interpretagao do tema, sobre (6 modo como reflete a atitude cultural da Holanda do século XVII, sobre a maneira como expressa a perso- nalidade de Rembrandt; ¢ esse diagnéstico, também pretende sobreviver a critica do historiador de arte, no sentido mais estrito. O connoisseur poderia portan- to ser definido como um historiador de arte lacénico, € 0 historiador de arte como um connoisseur loquaz Na verdade, os melhores representantes de ambos os ipos contribuiram, enormemente, para o que cles pré- prios nfo consideram assunto proprio ®. ‘Sxpretsem bem a icin do terme, 15, Ver M. J. Pussinen, Der Kenner, Berlim, 1018, ¢ worm, Austnatischer "und. hunctwtesenschaftener Gepenstand get. Friedlander egerstamente atrma que tum born historia: {Soe G0" arte ow pelo manos ‘vem 'aser. un Remey wider tens Tnwersimente: ‘em bom connolseu? pode set charade Ge hisiorador de arte malgre iu 39. Por outro lado, a teoria da arte — em oposicéo A filosotia da arte ou estética — 6 para a historia da arte, 0 que a poesia € a ret6rica So para a historia da literatura, Devido ao fato de os objetos da historia da arte virem a existéncia gragas a um processo de sintese estética recreativa, 0 historiador de arte encontra-se diante de uma peculiar dificuldade quando tenta ca- racterizar 0 que se poderia denominar de estrutura éstilitica das obras com as quais se ocupa. Jé que tem que descrever essas obras, no como corpos fisicos ‘ou substitutes de corpos fisicos, mas como objetos de uuma experiéncia interior, seria’ initil — mesmo que fosse possivel — expressar formas, cores ¢ caracteris- tieas de construgio em termos de frmulas geométricas, comprimento de ondas, © equagdes estatisticas, ou des- crever a8 posturas de ‘uma figura humana através de ‘uma anélise anatémica, Por outro lado, ja que a expe- riéncia interior de um historiador de arte nio & livre nem subjetiva, mas The foi esbocada pelas atividades propositais de um artista, nfo deve ele cingir-se a des- crever suas impressdes pessoais a respeito da obra de arte como um poeta poderia descrever suas impresses sobre uma paisagem ou o canto de um rouxinol. Os objetos da histéria da arte, portanto, s6 podem ser caracterizados numa terminologia que € tio re- construtiva quanto a experigncia do historiador de arte € recreativa: precisa descrever as peculiaridades esti- Iisticas, nfo como dados mensuriveis, ou, pelo menos, ddeterminéveis, nem como estimulos de reagdes subje- tivas, mas como aquilo que presta testemunho das “intengées” artisticas. Ora, as “intengdes” s6 podem ser formuladas em termos de alternativas: € mister supor uma situagio na qual o fazedor da obra dispunha de mais de uma possibilidade de atuagio, ou seja, em que ele se viu, frente a frente, com um problema da escolha entre diversos modos de énfase. Assim, evi- ddencia-se que os termos usados pelo historiador de ante interpretam as peculiaridades estilisticas das obras como solucdes especificas de “problemas artisticos” sgenéricos. Nio é esse, apenas, 0 caso de nossa mo- derma terminologia, mas também o de expressdes como 0 rilievo, sfumato etc. que aparecem em escritos do século XVI. ‘Quando chamamos uma figura de um quadro da Renascenca italiana de “plistica”, enquanto descreve- ‘mos uma outra, de um guadro chinés, como “tendo volume, mas nfo massa” (devido & auséncia de mode- lagem), interpretamos essas figuras como duas solugSes diferentes de um mesmo problema que poderiamos fo mular como “unidades volumétricas (corpos) versus expansio ilimitada (espago)". Ao distinguir entre 0 uso da linha como “contorno” e, para citar Balzac, 0 uuso da linha como “le moyen par lequel homme’ se rend compte de Veffet de la lumigre sur les objets” * referimo-nos ao mesmo problema, embora dando én- fase especial a um outro: “linha versus dreas de cor”. Se refletirmos sobre o assunto, veremos que hé um nimero limitado desses problemas primérios, inter- relacionados uns com os outros, © que, de um lado, zgera uma infinidade de questdes secundérias ¢ tercidrias , de outro, pode em iltima andlise derivar de uma antitese bésica: diferenciagio versus continuidade ", Formular e sistematizar os “problemas artisticos” — que nio sio, & claro, limitados a esfera dos valores puramente formais, mas incluem a “estrutura estilistica’ do tema e do conteddo também — e assim armar um istema de Kunstwissenschajtliche Grundbegriffe (No- ‘bes fundamentais da Teoria da Arte) é 0 objetivo da Teoria da Arte ¢ no da Historia da Arte. Mas aqui encontramos, pela terceira ver, o que decidimos chamar de “situagao orginica”. © historiador de arte, como 4J4 vimos, miio pode descrever 0 objeto de sua expe- rigncia recriativa sem reconstruir as intengdes artisticas fem termos que subentendam conceitos tedricos genéri- ‘¢0s. Ao fazer isso, ele, consciente ou inconscientemen- te, contribuiré para 0 desenvolvimento da teoria da + 0 melo pelo qual ¢ homer toma conhecimento do efelto Jue Sobre’ ot objelon im frances no original.“ da) al, Ver Be Panomar Ueber, dae Vern der. Kuntgn: Meine. Kenstwlosenschait XVII, 1005, 'p. 12) e as, e E. Winn Bic"eyutemaiie “der "tienachen Preble, idem, pA 4 arte, que, sem a exemplificago hist6rica, continuaria a ser apenas um pilido esquema de universais abstratos. © tedrico da arte, por outro lado, quer aborde o assunto a partir do ponto de vista da epis- temologia neoclissica, da Critica de Kant, ou da Ges- taltpsychologie “, néo pode armar um sistema de con- ‘eitos genéricos ‘sem se de arte que nasceram em condigdes hist6ricas especificas; mas, a0 roceder assim, ele, consciente ou inconscientemente, ‘ontribuiré para o desenvolvimento da hist6ria da arte, que, sem orientacio tedrica, seria um aglomerado de particulares nao formulados. Quando chamamos o connoisseur de historiador de arte lacdnico, ¢ o historiador de arte de connoisseur oquaz, a relagao entre o historiador de arte e o te6rico de arte pode comparar-se a de dois vizinhos que tenham © diteito de cagar na mesma zona, sendo que um € © dono do revolver € 0 outro de toda a municéo. Ambas as partes fariam melhor se percebessem a ne- cxssidade de sua associagio. Ja foi dito que, se a teoria ndo for recebida & porta de uma disciplina em- pica, entra como um fantasma, pela chaminé poe a mobilia da casa de pernas para o ar. Mas, no é menos verdade que, se a hist6ria nfo for recebida a porta de uma disciplina te6rica que trate do mesmo conjunto de fen6menos, infiltrar-se-4 no porio, como tum bando de rates, roendo todo 0 trabalho de base. v E coisa certa que a histéria da arte mereca um lugar entre as humanidades. Mas para que servem as humanidades, como tais? So, admitidamente discipli- nas nio-priticas que tratam do passado, Pode-se per- guntar por que motivo devemos empenhar-nos em investigagées nlo-préticas ¢ interessar-nos pelo passado? ‘A resposta primeira pergunta é: porque nos interessamos pela realidade. Tanto as humanidades quanto as cigncias natura, assim como a matemética 17 CH, Seuseavy, “Zu einer stregen Kunstwissenschatt”, Austtittensshafiche Forsthangen, 1S, pete a 2 real que o presente, Uma hora atrés, essa conferénci pertencia ao futuro. Dentro de quatro minutos, per- tencerd 20 passado. Quando disse que o homem atro- pelado por um automével 0 é, na verdade, pela mate- mitica, fisica ¢ quimica, poderia também ter afirmado que 0 atropelamento se deve a Euclides, Arquimedes © Lavoisier, Para apreendermos a realidade temos que nos apartar do presente. A filosofia e 2 matemética 0 fazem, construindo sistemas num meio que, por de niglo, nao esti sujeito ao tempo. As ciéncias nature ‘eas humanidades conseguem-no, eriando aquelas estru- turas espago-temporais que chamei de “cosmo da na- tureza” e "cosmo da cultura”. E, aqui, tocamos no ponto que talvez seja a diferenca mais fundamental entre ciéncias naturais e humanidades, A ciéncia na- tural observa os processos forgosamente temporais da natureza ¢ tenta apreender as leis intemporais pelas quais se revelam, A observacao fisica s6 & possivel € a filosofia tém a perspectiva nio-pritica daquilo que ‘0s antigos chamavam de vita contemplativa, em opost elo a vita activa, Mas, 6 a vida contemplativa menos real, ou, para ser mais preciso, & sua contribuicio para ‘© que chamamos de realidade menos importante do que a da vida ative? © homem que accita uma cédula de um délar fem troca de vinte ¢ cinco magas pratica um ato de {6 © submete-se a uma doutrina teorica, tal como pro- cedia o homem medieval que pagava por sua indul- géncia. O homem que é atropelado por um automével, € atropelado pela matemitica, fisica e quimica. P quem leva uma vida contemplativa nfo pode deixar de influenciar a ativa, como nao pode impedir a vida ativa de influenciar seu pensamento. ‘Teorias filos6- ficas € psicol6gicas, doutrinas histéricas e toda a espé- tie de especulagdes e descobertas tém mudado e con- tinuam mudando a vida de muitos milhdes de pessoas. Mesmo aquele que simplesmente transmite sabedoria ‘ou conhecimento, participa, embora de modo modesto, do processo de moldagem da realidade — fato este de ‘que talvez os inimigos do bumanismo estejam m: ites do que os amigos". E impossivel conceber nosso mundo em termos de ago, apenas, S6 em Deus hd “Coincidéncia de Agio e Pensamento”, como di- ziam os escolésticos. Nossa realidade 36 pode ser en- tendida como uma interpeneiragio desses dois fatores Mas, ainda assim, por que deverfamos nos inte- ressar pelo passado? A resposta é a mesma: porque nos interessamos pela realidade. Nao ha nada menos eae eee Jn, Mua artsauigdn_ ne ew, 0 Sfrmande’ gue “orm catedritico que advors uma. {oso re iin foreg"eationdla de poderena_ santo tm 10idedo nam Dotando, assim, os registros estéticos com vida dindmica, em vez de’reduzir os fatos transit6rios a leis estéticas, as humanidades néo contradizem, mas com- plementam as ciéncias naturais. Na verdade, ambas se ressupdem € exigem uma a outra. Cigncia — aqui tomada na verdadeira acep¢ao do termo, ou seja, uma ‘busca serena e autodependente do conhecimento © nio algo que sirva, subservientemente, a fins “priticos” — © humanidades sio irmas, suscitadas como sio pelo movimento que foi corretamente chamado de desco- berta (ou, numa perspectiva histérica mais ampla, re- escoberta) do mundo e do homem. E, assim como nasceram € renasceram juntas, morrerio ¢ ressurgirio juntas, seo destino permitir. Se a civilizago antro- pocrdtica da Renascenca esté dirigida, como parece estar, para uma “‘Idade Média as avessas” — uma satanocracia em oposigio & teocracia medieval — nao s6 as humanidades mas também as ciéncias naturais, ‘como as conhecemos, desaparecerio e nada restaré, 0k.6 en es te ee Os ee. Se ee, ee fe ee eae ‘ocorre ou é levada a ocorrer por meio de experiéncias. E sio essas mudangas que, no fim, so simbolizadas pelas formulas mateméticas. As humanidades, por ‘outro lado, no se defrontam com a tarefa de prender ‘que de outro modo fugiria, mas de avivar 0 que, de ‘outro modo, estaria morto. | Em vez de tratarem de fenémenos temporais ¢ fazerem o tempo parar, pe- netram numa rea em que 0 tempo parou, de moto proprio, e tentam reativi-lo, Fitando esses registros, congelados, estacionérios, que segundo disse gem de uma corrente do tempo, as humanidades ten- tam capturar os processos em cujo decurso esses regis- tros foram produzidos e se tornaram 0 que si0". 1, Para at numanidades, “revives o passage no ¢ um ideat riturats Parser © ae expiimarn em termos de equapies mate: aican “ “4 nem mesmo isso ha de significar o fim do humanismo. Prometeu pOde ser acorrentado e torturado, porém, 0 fogo aceso por sua tocha nio pode ser extinto, Existe uma diferenga sutil em latim entre scientia ¢ eruditio, e em inglés, entre knowledge (conhecimento) € learning (estudo). Scientia e conhecimento, denotan- do mais uma possessio mental que um processo mental, identificam-se com as ciéncias naturais; eruditio ¢ es tudo, denotando mais um processo que uma possessio, ‘com as humanidades. A meta ideal da ciéncia seria algo como mestria, dominio, e a das humanidades algo como sabedoria. Marsilio Ficino escreveu ao filho de Poggio Brac- lini: “A hist6ria € necesséria, nfo apenas para tormar a vida agradével, mas também’ para Ihe dar uma. signi- ficagiio moral. © que € mortal em si mesmo consegue 4 imortalidade através da hist6ria; 0 que € ausente torna-se presente; velhas coisas rejuvenescem; ¢ um jovem logo iguala a maturidade dos yelhos. ‘Se um hhomem de setenta anos é considerado sabio devido & sua experiéncia, quio mais sdbio aquele cuja vida abran- 45 420 espago de mil ou trés mil anos! Pois, na verdade, pode-se dizer que um homem vivew tantos milénios ‘quantos os abarcados pelo alcance de seu conhecimento de historia" =, 2, dturctso Tremo, “Certs a Glacome Bracsilins” (Mar 46 1. ICONOGRAFIA E ICONOLOGIA: UMA INTRODUCAO AO ESTUDO DA ARTE, DA RENASCENGA Tconografia € 0 ramo da historia da arte que trata do tema ou mensagem das obras de arte em contra- posiclo & sua forma. Tentemos, portanto, definir a distingdo entre tema ou significado, de um lado, ¢ for- ma, de outro. Quando, na rua, um conhecido me cumprimenta tirando 0 chapéu, 0 gue vejo, de um ponto de vista formal, & apenas a mudanga de alguns detalhes dentro da configuragio que faz parte do padrio geral de a

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