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Sr et eae r Teeny Brasiuiana REVISTA SEMESTRAL DA ACADEMIA BRASILEIRA DE MUSICA (Academia Brasileira de Musica DESDE 1945 A SERVICO DA MUSICA NO BRASIL poneroat Ricardo’ Ticuchian (president), Roberto Duarte (ycespeesidnte), Turbo Sanco (1! secret), Vasco Maris secret), Erna Agiar (= resoureo), Jy de Oltcia @esouin). comsto be Contas: Tule: Manual Veiga, Maso Feel, Reps Dapeae. suruntss: Amat] Vien, Lutro Rodrigucs Lok de Ancien Hoitor Vill Lobos demas Nobragt Mists Nobre 2 Laie Alvares Pine Fractwoso Vianna Waldemar Penrigue — Vien Salles 3 Domingns Caldas Barbosa Jigme Ove Radaes Gras Bid Sayio — Citi Conde 4 IIE. Lobo de Meigs ‘Oneyda Aloarenge Bat Agate? Sok Maurie Nunes Garcia Fe Bebo Sinzig ‘Pe, Jo Batre Lobmann ~ Choe, de Manes — Robert Tibi 6 ‘Sigiomind Nekorn Garcia de Miranda Neto e Ania Si Pocna Erait Mable 7. Facico Manuel da Sila Martin Brawsioee Mereder Res Peguens 8 Dem Pedro E Is Cosme e Jost Siguina Alice Ribera ~Annula Snise~ Paul Bossio 2 ‘ames Cansusria Paulino Cases Brio Niberé sla Lacerta Semen Ovzesn Maal Avnsand Albuquerque ~ Regs Dupre IL Daminges R. Mogurunga Savina de Beneditis Mario Feel 12 Pe jst Maria Xaver Ouse Bevlacgus “iss Maria Newer — fob Necling 1 fk Amat Paulo Silva e Andrade Mary Ronaldo Miranda 1 Plas Alves Lobo Dinré de Carvalho Erudisia de Barros 15 Anténio Calor Gomes Lorene Fernie enzo Masarani— 4, de Almeida Prado 16 Henrique Alves de Mespuita ‘Ari ud Pern Henrique Morlebsum 1 Ado B Tansy Frances Csabona ine Bevartte— Bellis: Carnie de Mendonca ~Guilbmne Barer 1 Arthur Napolezo Wer Burke Mars Sonia Vieira 19, ‘Blo hberé da Cunha Neal dv Samo, Holes Ce Rober Dare ‘Ar ber de Lee 20,——_Jads Gomes de Ana te da Cone Culdens Filo ‘Sega de Vanes Corbis 2k ‘Mosel foagui de Macedo head Sentro Iniz Paulo Horta 22 Amtbnin Cillado Iie Heiter Cora de Azenedo Jonge Snsunes B Lespolde Migués Mozart Camargo Gusrnien Tae de Sea Brasil 2h Jk de Cindide da Gama Malcher — Préncio de Mtmeida Lima Norton Morsonice 25 Henrie Oswald Alves de Andnade fon Aylion Bear 26 Euctides Fomica Valdemar de Olvera Anna Stell hic Philigpor — André Candee ca Vincosce Comiccare Silvio Deolindo Foie “rnc Chigi—Pe Je Dino Po Pala — Usa Nou 28 Erneta Nacereth Faro Francechini Ali de Alencar Pita ~ Pliio Sioa 29. Aleve Levy Sane A. dos Satose Ende tare Caso ‘card Tacuchin 30, Albert Neporaceno Io Basina julio Monar de Aru ~ dri Tavares —Joao Gulberme Ripper 31 Guilherme de Melo Rafe Rape eee ee 32 Bunce Boge Fleacar de Caratho os de Oliva 33 Frcio Valle Asis Republican rancien Mignone — Lindenberg Cardoso Rat do Valle 34 oat de aso Vianna Neon Padua (Char GuernePeixe~ Edina Krieger 35 Menelew Campos Erica Noguciva Pana Janay de Olivia 56. JA Barron Noo Test Vis Brando Tasero Rodrigues 37 Glance Velegues oi liber di Cana eee Basis 38 Homro Si Bares Joo de Soca Linea Titbio Sanaoe 39. Luciana Galle Rado fore: Rossi Tanares de Lina = Maria Sli Pino ~ Amaral Vis 10 Marin de Andrade Renate Aneida Vey Mavis Merb borii: Gilberto Mende Mersbroscoresondenre: Audio de eg (CutafEUIA), Dsl Aplcy (ELA), Gaspare Nal Varo), ‘Gehind Dose Aleman Portes Rober Seven UA) ‘Academia Brasileira de Mitsica Rus ds Lap, 120/12° andat— Rio de fneio Rj — Brasil — cev:20021-180 — Tel: (21) 2221-0277 — Fax: (21) 2 -wewabmusis.ongbr -sbmasicy@abmusiea orghe Revista Brasiisna — ISSN 1516-2427 dior: RICARDO TACUCHIAN, Constho Ealtoria: EDINO KRIEGER, LULZ PAULO HORTA, MERCEDES REIS PEQUENO, REGIS DUPRAT e VASCO MARIZ _AwsssnrTecnicr VALERIA PEIXOTO, Projet Grifoy ¢Prodio: FA EDITORACAO, Ealtoraio: JULIANA NUNES. Capa: FOTO VILLALOBOS ~ Aes Mase Yili Lilie Reso: REGINA LAGINESTRA, Vossen ng: GISELE PORTES, Tagen dea aig: 500 exemplars, Os wats pat publica deveny sex subitdos Gnselho Earl sb a form de disque ow enviaos por corto etrbnven (itor de testo Word 600 verso mais nos main dle 12 hs cde 2 inks com 70 tee ‘nclidos xeplos stage, blige e biota do aor) As wpinides eos conccto sides er ais asinado io de cacisivaesponabdade de seas anores NUMERO 29 aGosTo DE 2009 -«~ & ™ | ~wen “7 =) ® (@ i. ( @ Gg REVISTA SEMESTRAL DA ACADEMIA BRASILEIRA DE MUSICA Editorial inquenta anos depois da morte de Gass morze, também, Anna Stella Schic Philippot. Ela que foi uma de suas maiores intérpretes, gravou, em 1983, a integral da obra do compositor brasileiro e seis anos mais tarde publicou o livro Villa-Lobos, 0 Indio Branco. Este ntimeto 29 de Brasiliana & uma homenagem & nossa académica (cadeira n® 26 Buclides Fonseca) ¢ dedicado ao grande Patrono e Fundador da ABM. Apresentamos artigos de abrangéncia horizontal sobre a obra © vida do compositor (Vasco Mariz e Ricardo Tacuchian) ¢ temas mais especfficos (Turfbio Santos, Guilherme Bernstein e Maria Alice Volpe). Téo vasta e tio complexa é a obra de Villa-Lobos que sempre surge um novo aspecto critico, estético ou social que merece ser relembrado. © compositor continua vivo no século XXI, se considerarmos a pujanga de sua bibliografia, discografia e presenga no repertério dos grandes intérpretes e orquestras de todo o mundo. O Editor 15 21 39 41 42 43 Sumdrio ‘Villa phos no Séeulo XXT Vasco Matiz ila Lobos, uma Revisio Ricardo Tacuchian Museu Villa-Lobos, Bandeira e Bussola ‘Turtbio Sancos Os Choros e as Bachianas como Principios Composicionais Guilherme Bernstein Villa-Lobos ¢ 0 Imagindrio Edénico de Uinapur Maria Alice Volpe Guia Pritico, de Villa-Lobos, em nova edigio Luiz Paulo Horta As Operas de Jocy de Oliveira Vasco Mariz Jorge Antunes: Polemica e Modernidade ‘Vasco Matiz (A Febre do Cientista e do Artista Ricardo Tacuchian Gireulo de Giz. Paraibano Ricardo Tacuchian ‘Novos Lencamentos— Givros e CDs Os Choros e as Bachianas como Princtpios Composicionais GUILHERME BERNSTEIN Guilherme Bernstein tra uma visio dual sobre as conscrugoes texturais da obra orquestral de Villa-Lobos, visando um entendimenco do seu proceso criativo apd ‘2 anos 20, uma melhor compreensio de sua evluszo cotilltca e sua interpretagir a “maneira dos Choros’, desenvolvida a partir € em rorno de uma estética de ‘ostinatos ¢a “‘mancira das Bachianas’,caracterizada por ‘uma textura multilinear tradicional The ‘choros and ‘bachianas as composition principles Guilherme Bernstein has a dual view on the textural construction of the orchestral works of Villa-Lobos, focusing on an understanding of his creative process after the 1920's, a better understanding of his stylistic development and his interpretation: dhe ‘choros’ way, developed from and around an aesthetic of ostinati, and the ‘Bachianas way, characterized by a traditional ‘multi-inear texture. obra de Villa-Lobos, segundo Adhemar Axte pode ser dividida em quatco partes, las quais as duas centrais, represencadas pelas séries dos Choras e das Bachianas, respectivamente, corresponderiam & sua maturidade ctiativa. Ao se aplicar tal divisio em relacgo & obra para grande orquestra do compositor, encontraremos para cada tuma destas quatro partes cronolégicas grupos distintos de obras, dispostos numa evolugio estlistica perfeita: 0s primeiros Pocmas Sinfonicos (Amazonas Uirapurn, 1917), 0s pr6prios Choros (anos 20), as Bachianas (anos 30) e as obras sinfonicas da maturidade (da Descoberta do Brasil, 1937 a Erosdo, 1950, Alvorada na Floresta Tropical, 1953, Génesis, 1954, etc.). Esta evolugao se dew no sentido de um inicio fine * experimental (Amazonas ¢ Uirapuru), seguido de um primitivismo brasileiro perfeitamente desenvolvido (Chora), uma fase de nacionalismo mais popular (Bachianas) ea fase da maturidade, que funde as tendéncias de toda uma vida ctiativa (as obras pés-Bachianas). No entanto, ao se escurar estas mesmas obras em sucessio, tem-se a impressio de que, estilisticamente, algumas pegas no se encaixam nessa narrativa. A andlise dos padres texturais dessas obras. revela ‘que, dentro do quadro de uma evolugao estilistica, especialmente os Choros ns. 6, 9 ¢ 12 talvec fizessem mais sentido se situados apés, e nao antes, das Bachianas. E Amazonas € Virapure, por sew lado, talvez parecessem mais bem colocados se compostos, pelo menos, apés as experimentagées dos primeiros choros. De fato, se colocarmos estas mesmas obras no em sucesso cronolégica de criagio, porém em sucesso de estreias, obteremos a seguinte lista, onde “NOBREGA, Adhemar. Os Choras de Villa-Lobos, 2 Ed, Rio de Janeiro, Ministé dda Cultura/Museu Villa-Lobos 1975 (p. 24) * Usiliza-se 0 termo fate, em empréstimo das Artes Plisticas, paa se designar a ate primitivista francesa ou de infugneia francesa das primeiras décadas do século XX, com toda a sua poéticae sua rejeigio a0 status quo sociale artistic da epoca, 2 0S CHOROS EAS BACHIANAS SY uma narrativa evolutiva de estilo, se ainda apresenta possfveis incongruéncias, torna-se mais claramente delineada’ Dangas Africanas— 1922 Chores n.10— 1926 Choros n.8 ~ 1927 Amazonas 1929 Uirapur— 1935 Bachianas Brasilenas n.1 ~ 1932/1938 Bachianas Brasileiras n.2~1938 Bachianas Brasileinas n.4— 1939 Bachianas Brasileiras n.5~ 1939 Descobrimento do Brasil - 1939, 1946 ¢ 1952 ‘horas n.6— 1942 Chores 0.91942 Chores n.11 ~ 1942 Chores n.12— 1945 Bachianas Brasileiras n.3 ~ 1947 Bachianas Brasileinas n.7 — 1944 Bachianas Brasileiras n.8— 1947 Bachianas Brasileras n.9 ~ 1948 Erosdo- 1951 Alvorada na Floresta Tropical — 1953 Ginesis — 19548 © que nos faz ver légica neste agrupamento estilistico € a maneira com que 0 compositor cria ¢ estrutura os elementos texturais, dispoe e articula suas ideias, e a propria natureza das ideias musicais, ‘A andlise que se segue, sem pretender esgotar 0 tema, pretende ser ferramenta itil para definir tragos estilisticos ¢ procedimentos composicionais tipicos de cada época ou série de obras ¢ auxiliar na compreensio da fusio de estilos que caracteriza 0 Villa-Lobos da maturidade Nossa proposta parte de uma generalizacio um tanto simplista: de modo geral,o Villa-Lobos maduro alternaria a estrucuragio de sua musica orquestral em uma ou outra de duas maneciras distintas, a “maneira dos choros" ¢ a “maneira das bachianas”, Est claro que nenhuma generalizagio dé conta da realidade como um todo; generalizar & simplificar 0 que & complexo ¢ necessariamente deixa de lado dados de importincia fundamental. Tratando-se especialmente de generalizacées de estilo composicional, deve-se ter em mente que “cada categoria estilistica & uma ulrra- simplificagao, porque cada obra de arte posui maisfiacetas do que se pode descrever por um rétulo”">. No entanto, acreditamos que generalizar € uma necessidade humana téo bisica quanto 0 ato de pensar; & dar forma a0 amorfo, compreensio ao desconhecido. E, ainda assim, mesmo uma boa generalizacio é uma simplificagio imperdoavel. E com total conscitneia das possibilidades © limitagées da empreitada que propomos esta interpretacio para a obra orquestral de Villa-Lobos — ainda mais temerosa pela abrangéncia de sua criagio musical. Todavia, autores ligados & obra de Villa-Lobos sugerem essa sistematizagio; além de Nébrega, mencionado acima, também Eero “Tarastié enxerga nessas séries duas estéticas diferentes € contrastantes, os Chores representando 0 *Brasileirismo em uma forma de vanguarda internacional! ¢ as Bachianas “expressando nacionalidade em wma forma ‘muito mais popular, inteiramente tradicional’. Nossa proposta tem origem tanto em suas observagbes quanto em nossa experiéncia € apenas sugere que, além do contraste entre as préprias séties, dbvio © claramente pretendido pelo compositor, 0 modo peculiar de eseruturar as ideias musicais de cada uma dls transborda das obras originais de cada uma das séries para toda a obra orquestral de Villa-Lobos. A primeira maneira de compor, surgida na década de 1920, &a dos choros, ¢ corresponde & face “fuse”, primitivista, do compositor. “Primitivismo” ¢ um termo empregado.em muitos contextos; neste trabalho, relaciona-se especificamente a um movimento ou inclinagao artistica e estética surgidos nas primeiras > Lista produzida a parte do liveo Villa-Lobos, sua obra (MEC/Museu Villa-Lobos). Esta lista nao pretende ser categética, apenas Pl pal cps instigar a investigago que se segue. * Data de composigao; a obra foi estreada apenas past-mortem, em 1969, no Theatro Municipal, pela orquestra da casa sob regéncia de Mitio Tavares, 2. every spline category is an oversimplification because every work of ar has mone faces than can be described by a label." DERI, Otto. Exploring sventith-century music, Holt, Rinehart 8 Winston, Inc, Nova Torque, EUA, 1968 (p. 22) “TARASTI, Eero. Heitor Villa-Lobos - The Life and Works. North Caroline, EUA, McFarland & Company 1995 (p. 151) décadas do século XX centrados em duas ideias A. primeita, a rejeigao a sociedade burguesa, seus valores — considerados fonte de corrupgio espiritual ~ e sua arte, considerada decadente ~ esta representada, de maneira simplista, pelas técnicas da perspectiva, pela busca da representacio da natureza e demais técnicas desenvolvidas a partir do renascimento, na pintura, ou da forma / discurso ¢ progressio linear / tonal, na musica. A segunda idcia, a tentativa de reformar a arte do comeco do século XX (6, quem sabe, até mesmo a sociedade) com cécnicas tadicais desenvolvidas a partir da arte de povos nio curopeus, ditos “primitives”. Procura-se re- contextualizar © primitivo de acordo com o “éddigo artistico de vanguarda”” da época e assim chegar a uma Arte Nova, Moderna — busca estética tanto quanto ato de critica social. O Villa-Lobos dos anos de 1920 nao apenas abracou a ideologia primitivista como se fez passar por primitivo cle préprio — ¢ assim eta visto pelos europeus contemporineos. A critica francesa da epoca possuia uma visio uuniforme do compositor, uma visio primitivista completa, no que ha de mais simbdlico neste tipo de pensamento: invocava-se os termos “imensidio, riqueza ¢ violencia” As suas obras como & sua origem nacional e geogeéfica, equivalendo-se a sua audigto a uma “revelagao” — a revelagao do “outro”, um <> Choros n.10, compassos 6 a 11 od OS CHOROS & AS BACHIANAS outro radical ¢ brutalmence diferente do europeu izado*, As implicages do pensamento poético ¢ da técnica musical primitivista em Villa-Lobos ‘marcaram profundamente sua obra como um todo ¢ especialmente alguns dos choros orquestrais Tecnicamente, 0 Primitivismo musical caracteri- za-se pela animagdo rfemica dos elementos musicais, ou seja, pela presenca abundance de ostinati, notas pedais ¢ fragmentos melédicos que, animados ritmi- camente na forma de células repetidas e melodias cir- ‘culares, tornam-se eles mesmos como que pequenos costinati, A vexcura resultante & estruturada em blocos camadas superpostas relativamente estéticas harmo- niicamente. A semelhanga do Seravinsky da Sagraro da Primavera, mas de forma pessoal, Villa-Lobos cria uma “estética dos ostinatos”, com toda uma gama de técnicas resuleances. A importincia dos ostinatos pode ser inferida pelo fato de que qualquer fragmento nos choros pode, por animagio ritmica e repetigio, tornar-se ‘um ostinato, e estes frequentemente aparecem por si ‘mesmos, nfo como acompanhamento de melodias. © curto trecho do exemplo nao apresenta qualquer elemento melédico, mas é caracterizado apenas por dois acordes (com concurso de pedal), transformados pela repeti¢ao num ostinato, Esa técnica de transformagio de elementos melédicos em ostinatos, por meio de animacao ritmica e repeticio, & ‘uma das caracteri is fundamentais dos choros. A instancia mais célebre desse procedimento é certamente a seco coral do Chores n.10. O motivo melédico inttoduzido pelos segundos tenores (primeiro compasso do exemplo) sofre uma engenhosa “ostinatizagio”, através da articulagio selecionada das notas por ele polarizadas (no trecho “Tietu. 15" ete., 3° compasso do exemplo, tenores), cordas em pizz, + piano e harpa ‘rompa ff. * PERRY, Gill. O Primitivismo ¢ 0 “Moderno" em HARRISON, C.; FRASCINA,F. E PERRY,G. Primitivismo, Cubismo, Abstragdo. Cosac ¢ Naify Edigdes Lda., So Paulo, 1998 (pp. 56/57) * FLECHET, Anais. Villa-Lobos & Paris ~ un écho musical du Brésil. L’Harmttan, Franga 2004 (pp. 59, 60, 62 e 66) 23 OS CHOROS EAS BACHIANAS GRY BRASILIANA <> Choros n.10, nimero de ensaio 6 Por sobre essa linha melédica agora transformada em acompanhamento aparecem gradualmente novas entradas do motivo por tergas ascendentes, em contexto de desenvolvimento motivico. Sete compassos adiante, contudo, © proprio motivo transforma-se em ostinato, pelo processo da repetisio (tenores ¢ contraltos), quando entio uma o aumentada dele mesmo passa ao plano melédico preponderante (baixos). Trop anani, Teese] Tay anita aan ¥ et A ON toh ol ee a ve Fe > Choros n.10, 3 compassos depois do niimero de ensaio 7 A partir dat, o motivo, articulado nas diversas vores, desempenhard as funcdes de ostinato € melodia simultinea ‘ou alternadamente (de acordo com o que se interpreta das dinamicas marcadas para cada vor) até a definicio final como ostinato de acompanhamento da melodia Rasga 0 Covagio. Essa fusti de fungBes~ melodia / ostinaro— ocorre primordialmente no tipo de forma melédica maiscaracteristico dos choros: 0s pequenos motivos. Entre eles, s40 muito numerosas as melodias circulares, ou seja, aquelas em que a linha melédica parte de um ponto, descreve um movimento qualquer ¢ volta para o ponto de partida. Fe e <> Choros n.3, ntimero de ensaio 6 Formas melédicas também numerosas sio os fragmentos escalares, em formato circular ou no. tenores 24 BRASILIANA CSS? OS CHOROS EAS BACHIANAS <> Choros n.8, 1 compasso antes do ntimero de ensaio 16 (trombones ¢ tuba) 0 uso de fragmentos melédicos circulates ¢ escalares animados ritmicamente deve ser visto através de sua interagdo com as camadas de fungo harménica, Uma melodia circular € como uma expansio de uma ou mais alturas, cujo ressoar constante garante um qué de estatismo. Uma melodia escalas, por sta vez, é talver a forma mais clara de definir um conjunto de sons a ser utilizado ~ ou seja, a prdpria definicio de uma escala. © que une estas formas de criagio mel6dica é sua capacidade de definir e reiterar as sonoridades que apresentam -¢ esta parece ser a razio de sua utilizagio abundante nesse tipo de textura, ja que a reiteragio de alturas ou sonoridades serve & criagio ‘€manutengo de sistemas sonoros ostinatizados. A camada melédica atuaria ela mesma, assim, como um elemento «em ostinato, interagindo em sintonia com as camadas de funcio harménica mais claramente determinada, A transformacio de melodiasem ostinatos e vice-versa, esuas formas de interacio, tém por objetivo acriaggodeum sistema homogéneo, orginico, que une simultaneamente movimentacao rfemica ¢ estatismo hatmdnico (estatismo harménico caracterizado pelo sistema nio sugerit resolugio harménica, funcional; o sistema é simplesmente substicudo por outro, seja apés 6 compassos, como no primeiro exemplo, seja apés 43 compassos, como ina letca de ensaio I do mesmo Chores 1.10). Em fungio destas caracteristicas ritmico-harménicas, um conjunto de eécnicas originais foi criado para possibilitar a manipulagdo de ideias, adicionando ou conttastando material melédico, harménico ou eematico scm recorrer aos desenvolvimentos ¢ técnicas tradicionais. Em suma, a “maneira dos Choros” poderia ser descrica como aquela desenvolvida a partir ¢ em torno de uma estética de ostinatos, sua criagio e estruturagao textural, sua manipulagdo harm®nica ¢ temporal A segunda maneira de compor, desenvolvida na década de 1930, é a das Bachianas, ¢ corresponde & época do engajamento de Villa-Lobos na “campanha pela instituigio do Canto Osfednico como instrumento de educagao social carravés da musica"? Longe das preocupasées do compositor estavam as quest6es da década anterior — a revolugio da linguagem musical, a incorporacio a esta linguagem de um idioma brasileiro, a ctiagio do proprio idioma ‘musical ¢ a conquista de um espago na cena artistica. De volta ao Brasil, sua missao rorna-se a de educador, como demonstram as centenas de paginas diditicas por ele escritas na época, reunidas nos volumes do Canto Orfeinico no Guia Pritico, além das obras de Bach transcritas para pequenos conjuntos ou coro. F em meio a estas atividades que Villa-Lobos compée as Bachianas Brasileinas, uma miisica de fortes raizes na tradigao européia clissico-romantica ¢ também na tradi¢ao da misica folelérica e popular brasileira A composigio “A maneira das Bachianas” se caracteriza por uma textura multilinear tradicional, seja quando numa melodia acompanhada, seja num contexto polifénico. A delineagéo das funges dos elementos musicais — melodia, acompanhamento, baixo,linhas contrapontadas, ecc. ~ sempre muito clara, > >>> > IS * NOBREGA, Adhemar. As Bachianas Brstlenas de Villa-Lobos. Museu Villa-Lobos ~ MEC, Rio de Janeiro 1971 = 05 CHOROS FAS BACHIANAS SBP BRASILIANA > Bachianas Brasileiras 2.4, 2° movimento, compassos 17/20 No exemplo, a melodia nos violoncelose violas é acompanhada por um encadeamento de acordes ¢ uma linha de baixo muito clatos ¢ definidos (trompas + contrabaixos e contrafagote, respectivamente); estes mesmos acordes Sio articulados pelos violinos como acompanhamento, com acréscimos de notas melédicas, 20 que se adiciona a hota pedal superior SI (Rautas etc.);trata-se de uma rextura tradicional de melodia acompanhada, em um contexto modal "Ao invés de curtos fragmentos melédicos animados ritmicamente, a forma melédica tipica das Bachianas & a longa melodia linear, cujas caracterstica esto de acordo com as descr de msica brasileira feitas por Mivio de Andrade e de choto popular por José Maria Neves ("nelodia torturada einguieta, frases descendentes,organizagio “fsuentemente cm Sas, variates bre a linha’, “ombinagéo de grandes saltose grau conjunto,altendncia de regites rave agua, didlog entre bao e melodia’ etc. especivamente)". Taasti véaideia do canedile como fundamental para toda a série". Sopros Cordas >’ Bachianas Brasileiras n.2, 1° movimento, ntimero de ensaio 1 (solo de saxofone tenor, som real) Enquanto nas grandes obras orqueserais que antecedem as Bachianas em estcias, 0s Choros ns.10 8 ¢ Amazonas encontrase um politonalismo tantas vezesselvagem, em sua maior parte encontramos nas Bachianas uma harmonia seordal de ercassobrepostas, com relagGes harménicasFuncionais!,ou modalmente funcionais, ainda que acréscimos de 2, Gu, 7 ete entiguegam a sonoridade, vericalmentefalando,¢ influenciem em uma condugio linear original (ver exemplo acima, Bachiana n.d). Sua construsio formal se dé por temas, mais do que pela elaboragto a parts de creron morives, hd clareza absoluta na delimicagao de secbes, sees estas construidas em principios tradicionais de W Respectivamente: ANDRADE, M. Ensaio sobre Miisica Braieing ; NEVES, José Maria. Villa-Lobos ¢ 05 Choro. in “Revista Brasileira de Musica” vol. 17. Rio de Jancieo, Bd. da UFRJ 1988 ""TARASTI (1995, 181) * IDEM 26 BRASILIANA (SX? 05 CHOROS FAS BACHTANAS repetigao e contraste em como de pequenas formas bindrias ou temdrias", Apesar de um tradicionalismo evidente, € preciso ressaltar que Villa-Lobos desenvolve maneiras muito originais de trabalhar os elementos musicais, No entanto, estas maneitas originais, como de resto todas as caracteristicas acima descritas, esto em marcante contraste com a “estética dos ostinatos” ¢ com os procedimentos de animagio ritmica caracteristicos dos choros. Nosso objetivo ao propor uma “maneira dos Choros” € uma “maneira das Bachianas” certamente no ¢ 0 de ‘qualificar ¢ diferenciar as duas séries, uma ver que todos os autores que abordaram Villa-Lobos jd fizeram. Nao seria postvel que os conceitseséticos que nortearam a sfmtese dos elementos rfemicose modais do Brasil” em um “tecido caleidoscdpico” ' imbuido da vanguarda parisiense dos anos 20 (os Chores) puclessem ser 0s mesmos a gerar uma evocagio abrasileirada de um barroco “fonte folclérica universal, rca e profunda’ " (as Bachianas). As diferentes podticas 0 previnem. O que gostarfamos de apontar é a co-existéncia dos modi operandi que caracterizam cada uma das sérics em toda a obra orquestral do composiror—ou pelo menos aquela escrita apés os anos 20, sua fase madura. Esta co-existéncia se apresenta ora de forma muito demarcada, em movimentos ou segbes contrastantes, ofa mais ou menos integrada em um mesmo trecho, Assim, no Descobrimento do Brasil sucedem-se trechos construidos de uma ou outta mancira: Cascavel (da 2* suite) e Ualolocé (da 3° suite) & mancira dos choros; Addgio Sentimental (2° suite) e Festa nas Selvas (3* suite) 2 maneira das Bachianas. Hi trechos em que um modo se segue a outro, como na Introdugio ¢ Alegria (1 suite do Descobrimento do Brasil). As Suites para orquestra seriam primordialmente “ ‘mancira das Bachianas”, inclusive com uso de marchas harménicas; 0 Nonetto, apesar da formagao cameristica, € construido “a maneira dos Choros”. Esta abordagem do fazer orquestral de Villa-Lobos pode ser til mesmo para obras supostamente anteriores aos choros. Se & apenas com dificuldade que as sinfonias da juventude se adaptam 4 nossa visio dual ~ como de resto também as da maturidade — uma obra como Amazonas (composigao de 1917, estreia em 1929) se encaixa muito bem na “manera dos Choros”. Mas ¢ principalmente em obras como Albonida na Floresta Tropical, composta em 1953, que esta abordagem se justifica, uma vex que nela as duas estéticas convivem lado a lado, produzindo uma obra em que encontramos procedimentos ora de uma, ora de outra maneira, as duas técnicas se auto-influenciando. >’ Alvorada na Floresta Tropical, compassos 11 a 13 - & maneira dos Choros Note-seno exemploacimaa presenga de ostinatos(baxos), acordese clulas melas ontinatizado po repetiio Gelesta e trompete) e linha melédica circular, todas caracteristicas marcantes da animagao lumi ‘ostinatizante, identificada com a “maneira dos Choros’ "IDEM “ANTOKOLETZ, Elion, Tventieth Conary Music. New Jersey, EUA, Prentice Hall 1992, (pp, 230/231). "VILLA-LOBOS © outros. Sua Obra. 2* Ed, (estios aibuides a Villa-Lobos ¢coletados por sa esposa) Rio de Janciro, MECI DAC/Maseu Villa-Lobos 1972 (p. 187). 27 OS CHOROS BAS BACHIANAS SSS? __BRASILTANA weetg ob, cfg piano aes <> Alvorada na Floresta Tropical, mimero de ensaio 6 — & maneira das Bachianas Jé nesse exemplo encontramos uma melodia modal direcionada & subdominante (repare-se no sequenciamento elédico a cada 2 compassos) acompanhada por acordes descendentes paralelos. © claro delineamento das fungoes, a esruturagéo ritmica simples, sem animacio de elementos, a harmonia acordal e a expansio linear da melodia sao particularidades caracterfsticas da “maneira das Bachianas’. ‘Também entre os préprios Choros ha diferencas marcadas de construgio textural. Enquanto os Chores ns. 10 ¢ 8 (como também Amazonas) so esteuturados como uma série de sistemas de ostinatos, “a maneira dos Choros”, em sucessi0, 08 Choros ns. 6, 9¢ 120 S20 como tuma sucessio mais ou menos aternada de segies de sistemas de ostinatose secSes em texturastradicionais, “a maneira das Bachianas’. Estas sees “a maneira das Bachianas” esto perfeitamente carzcterizadas, como 0s trechos entre os nuimeros de ensaio 15 a 16 e entre 28 a 33, no Choras n.6, 05 trechos de 4 28 ede 30 a 34, no Choras n.9, ou a Valea Chorosa, de 48 a 52, no Chores n. 12, entre os muitos exemplos po ‘Mesmo 0s trechos "& maneira dos Choros”, nessas obras, em sua grande maioria, apresentam os elementos texturais dlaramente delineados, 0s ostinatos fazendo o papel tradicional de acompanhamento de uma melodia em destaque 'As proprias melodias tendem a ser mais longas do que os fragmentos melédicos encontrados nos Chores 10 ou 8 e, independence da construsio textural, a ideia do cantabile, que Tarast associa ts Bachianas, perpassa igualmente esss choros estreados nos anos 40, Também a linguagem harménica diferencia os dois grupos de choros orquestrais; nos de niimero 10 e 8 as segdes & maneira dos Choros tendem ao politonalismo (no Choros n.8 de forma especialmente densa), € nas outras pegas da série mesmo os trechos “A maneira dos Choros” tendem a um tonalismo aberto, ni fancional — a linguagem harm®nica das Bachianas ou dos poemas sinfénicos da mavuridade. Finalmente, as segbes tematicas se encontram claramente delineadas nos Chores ns. 6, 9¢ 12, 4 semelhanga das Bachianas — enquanto que os Choro: n. 10, e especialmente 0 n.8, apresentam muia dubiedade quanto & sua estruturagio formal ‘Em suma, acreditamos que esta maneita dual de enxergar as construgbes texturais em Villa-Lobos pode ser ti ro entendimento de seu processo criativo apés os anos 20 e na compreensio de sua evolucao estilistca, além de auxiliar na interpretacao da estruturagao textural da obra orquesteal do compositor em geral. cordas e madeiras em unissono fT) an bab bd Fe ? 28

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