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PANORAMA DAS PESQUISAS NO ENSINO DE HISTORIA® Emesta Zamboni” Inicialmente, expresso os meus agradecimentos e a satisfagio em estar presente neste V Encontro de Pesquisadores, no qual pude constatar que houve um crescimento quantitativa e qualitativo na produgZio sobre o ensino de Histéria. Ao pensar neste texto, tive a oportunidade de lembrar nao sé meu trajeto profissional, mas também as pessoas e obras que diretamente estdo relacionados a minha formagiio e vida profissional. Para quem participou desses encontros desde o primeiro, em Uberlandia, em 1993, é prazeroso constatar que esta foi uma iniciativa que se enraizou e nos permitiu construir um grupo com identidade. Ao escrever este texto me aproximei dos temas, das fontes de pesquisa e dos procedimentos tedrico-metodoldgicos adotados pelos pesquisadores e pude fazer um diagnéstico das tendéncias tematicas que aparecem nos debates, nos grupos de trabalho nacionais e internacionais e, dessa forma, ampliar e divulgar as reflexdes produzidas na 4rea do ensino de Histéria aos professores do ensino fundamental, médio e superior dos cursos de Histéria e de Educagao. Ao refletir sobre 0 panorama das pesquisas sobre o ensino de Historia fui levada a emaranhar-me, pensar e relacionar sobre teias de diferentes saberes: a produgao historiografica, os saberes educacionais, os processos de comunicagao, as politicas publicas direcionada 4 educacdo e a cultura e, sobretudo, como se da a formagao do professor. Quero ressaltar que pesquisas realizadas nessa 4rea do ensino de Histéria estéo relacionadas com mais de uma area do conhecimento, em nosso caso, com as areas de Histéria e Educacao. Como fonte para esta apresentagao recorri aos arquivos da CAPES para conhecer as teses de mestrado e doutorado sobre o Ensino de Histéria, as monografias de curso, trabalhos de iniciagao cientifica em artigos existentes em revistas especializadas, * Texto apresentado na mesa-redonda “A Pesquisa Sobre o Ensino de Historia: Definigao e Caracteristicas”, da qual participaram a Profa. Dra, Lucia de Fatima Guerra Ferreira (UFPB) ¢ a Profa Dra. Terezinha Oliva (UFS). “* Profa. do Instituto de Educagao da UNIC AMP. Saeculum —Revista de Historia ~ N’, 6/7 - Jan./Dez, /2000/2001 105 principalmente em anais de congressos das revistas da ANPUH, semindrios de perspectivas no ensino de Histéria. Nao se pode pensar no ensino de Histéria deslocado da formagSo do professor, que € de fundamental importancia se considerarmos a docéncia como uma pratica de pesquisa e, para delimitarmos melhor esse campo, é necessdrio que pensemos na identidade do professor. Para muitas das pesquisas voltadas para a produgio do conhecimento ¢ findamental que haja uma relagao intima entre os saberes e a pratica docentes. A partir da década de 80, estudos despertaram novos olhares sobre os professores e houve a necessidade de reconhecer que ele ¢ um individuo de um saber e um fazer proprios, e que se conhece pouco sobre os seus saberes de referéncia . Essa reflexdo sobre os docentes pode nos trazer descobertas a respeito das.praticas presentes no seu cotidiano, que historicamente foram ignoradas pela literatura educacional. Esses saberes interagem com a identidade do professor. Dario Fiorentini afirma que na década de 60 havia uma valorizagao quase exclusiva do conhecimento, isto 6, dos saberes especificos que 0 professor tinha sobre a sua disciplina. Na década de 70 a valorizag4o incidiu sobre os aspectos diddtico-metodoldgicos relacionados as tecnologias de ensino, passando para um segundo plano, 0 dominio dos contetidos. Os trabalhos e pesquisas sobre o ensino de Historia desse periodo tem um cardter de relato de experiéncia com pouca ou nenhuma reflexdo tedrica. Nos anos 80, 0 discurso educacional € dominado pela dimens&o sécio-politica e ideologica da pratica pedagégica. A produgao da pesquisa incide sobre 0 livro diddtico e comegam os primeiros trabalhos sobre curriculo, e alguns muito timidamente refletem sobre uma andlise teérica, Foram muito freqiientes trabalhos sobre diferentes __linguagens principalmente sobre a histéria em quadrinhos. A década de 90 foi marcada pela busca de novos enfoques e paradigmas para a compreensio da pratica docente e dos saberes dos professores, embora tais temdticas ainda sejam pouco valorizadas nas investigasdes e programas de formagio de professores. O trabalho de Selva Guimaraes sobre a memoria do professor de Histéria foi um marco. Atualmente, é necessdrio aprofundarmos essa tematica devido as discussdes e 4 politica do MEC, que esté relacionada a mudangas de curriculo ¢ a uma nova concepeao de licenciatura. LINHAS DE PESQUISA 106 Saeculum —Revista de Histéria ~ N°. 6/7 - Jan. /Dez./2000/2001 Os primeiros apontamentos referentes a essas tematicas foram feitos em 1997, quando ocorreu o III Encontro de Pesquisadores do Ensino de Histéria, em Campinas. Os trabalhos apresentados nos possibilitaram agrupé-los em algumas linhas de pesquisa que foram ampliadas posteriormente: formago do professor de Histéria; = produg&o do conhecimento; - identidades culturais e memérias locais; - curriculo; - histéria do ensino de Histéria e Historia da América; - linguagens e ensino de Historia e novas tecnologias; - produg&o historiografica e livro didatico; - meméria e ensino de Histéria; - ouso escolar de fontes histéricas. A maioria desses temas est4 presente nas pesquisas de outros paises, por isso n4o podemos afirmar que sejam exclusivamente nacionais. A abordagem tedrica esté baseada principalmente na historiografia francesa, inglesa, alem& e canadense. Os primeiros trabalhos nacionais sobre o ensino de Histéria foram de Jonathas Serrano na década de 30. Entre as décadas de 40 e 50 na Revista de Histéria, publicada pelo Departamento de Historia da Universidade de So Paulo foram publicados artigos das professoras Emilia Viotti e Maria Amélia Domingues de Castro e dos professores Guy de Hollanda e Paulo Franga. O trabalho de Guy de Hollanda — “Um quarto de século de programas e compéndios de Histéria para o ensino secunddrio (1931-1956)'® & classico e fundamental para o estudo dos programas e curriculos de Historia. Os primeiros trabalhs internacionais sobre ensino de Histéria chegaram aos nossos professors na década de 60 e 70 e foram produzidos no Canada.” Até entio, as abordagens sobre o ensino se restringiam a normatizar o trabalho do professor e as técnicas a serem usadas na sala de aula. Os trabalhos produzidos na América Latina (Brasil, México, Argentina, Colombia, Venezuela, Chile) sio muito semelhantes, pois estao fundamentados basicamente na escola francesa, nos historiadores oriundos da Ecole Des Analles. As poucas diferencas so decorrentes apenas de suas caracteristicas culturais, “ HOLLANDA, G. de, Um quarto de séeulo de programas e compéndios de Historia para o ensino secundario (1931-1956). Rio de Janeiro: INEP/MEC, 1956. ALLARD, Michel e LEFEVRE André. (Orgs.). L’Histoire et son enseignement- Press Universitaires du Québec ~ Québec. Saeculum —Revista de Histéria - N’. 6/7 - Jan./Dez./2000/2001 107 Jé a década de 80 foi muito rica para a pesquisa no ensino de Hist6ria devido a abertura politica e redemocratizagao da sociedade brasileira. Depois da ditadura militar, 0 partido vencedor, PMDB, se voltou para educagao, foram organizadas novas propostas curriculares em todos os Estados e a pesquisa e a produc&o sobre ensino passaram a ter visibilidade. Os pesquisadores do ensino de Historia buscaram na Histéria Nova francesa os referenciais tedricos e tematicos que orientaram suas pesquisas e produgées.. Alguns livros como Histdria Nova, de Jacques Le Goff, Reflexées sobre a Histéria Nova, de autores franceses e traduzidos em Portugal foram muito divulgados no Brasil. Também marcou época nesse periodo Suzane Citrén com o livro Meméria Perdida e Rencontrada. Outra obra nacional que se fez presente foi o livro organizado por Marcos Silva, Repensando a Historia, ¢ nao posso deixar de mencionar o trabalho Repensando o Ensino de Historia, das professoras Maria Conceigao Cabrini e Helenice Ciampi. E muito importante também a contribuigéo da professora Déa Fenelon, que foi uma grande incentivadora para que a ANPUH (Associagao Nacional de Professores de Histéria) passasse a discutir a produg%o sobre o ensino'de Historia, ¢ a partir desse momento ha na Revista Brasileira de Histéria um espago para a discussio sobre o ensino de Histéria e a possibilidade dos professores que trabalham, pesquisam e se preocupam com o ensino darem visibilidade as suas produgdcs, Entre niimeros publicados pela Revistas Brasileiras de Histéria que foram marcantes para o ensino sto: Meméria. Histéria e Historiografia - Dossié ensino de Historia, no inicio da década de 90 e 0 outro foi Historia em Quadro Negro. Varios nucleos regionais da Anpuh Tém publicagdes centradas em reflexdes sobre o Ensino de histéria com Parana, Santa Maria no Rio Grande do Sul, Paraiba, Minas Gerais ( Uberlandia) No final da década de 80 ja aparecem trabalhos que tinham como referencial teérico E. P. Thompson, Foucault, Guatarri e na década de 90 Walter Benjamin. Com relagao ao tema A Historia do Ensino de Historia, Inicialmente quero destacar a importancia de alguns trabalhos que marcaram época e foram significativos para esse tema. O mais significativo foi a tese de livre docéncia da professora doutora Elza Nadai, pois ela incentivou marcadamente os trabalhos sobre ensino de Hist6ria. O seu trabalho foi referéncia e ainda o ¢ para intimeras pesquisas. 108 Saeculum —Revista de Historia - N°. 6/7 - Jan./Dez./2000/2001 Os fundamentos tedricos dessa tematica, a partir da década, estdio assentadas nos trabalhos de Chevel, A histéria das disciplinas escolares, Chevallard — Develay.*’As pesquisas chamam a atengio para a origem do ensino de Historia no Brasil, a partir do século XIX, e © papel desempenhado pelo Instituto Histérico e Geogréfico no processo da criagao da disciplina Histéria no ensino fundamental e médio. Desde a sua criago como disciplina escolar até as Gltimas décadas do século XX, a Histdria foi entendida como o espago da perpetuacdo e preservacdo dos herdis e de uma meméria nacional, desempenhando um papel fundamental como a formadora da nagio e cidadania. Essa concepgdo de ensino de Historia modifica-se no ensino a partir das mudangas nos regimes politicos, dos idedrios politicos-partidario que se fizeram presente tanto nas Leis e Diretrizes Educacionais como nas reformas curriculares da década de 80, encaminhando-se para outras concepgdes de Educag&o e Ensino. Na década de 80, os paradigmas historiograficos, anteriormente propostos por Mare Bloch, e as reflexdes da Histéria Nova tornaram-se presentes nas propostas curriculares de Histéria com o aparecimento de novas temdticas a serem estudadas, novas concepgées de periodizag&o ¢ propostas metodoldgicas que entendem o ensino como um campo especial da pesquisa. Outro aspecto a destacar sio as dimensdes do ensino de Historia no presente, Longe de ser uma reprodugao ¢ uma perpetuagdo de heréis e memérias nacionais, os profissionais do ensino de Histéria tem se preocupado em buscar o novo e o universal no cotidiano, recuperando a meméria do homem comum e procurando novos caminhos de concep¢ao do ensino. Na atualidade, as concepgées de ensino foram redimensionadas e n&o se restringem as atividades em sala de aula. As novas propostas tedrico-metodolégicas, assentadas no cotidiano, na histéria local e nos lugares da meméria tém ampliado o campo da pesquisa/ensino em Historia. O patriménio, a propaganda, as politicas publicas voltadas para o ensino e diferentes linguagens tém constituido um campo especial da pesquisa em Histéria. Em particular, 0 tema ensino de Histéria da América, linha de pesquisa desenvolvida no sul do Brasil por pesquisadores do Parand, Santa Catarina € Rio Grande do Sul com projetos instituicionais da * CHERVEL. “A historia das disciplinas escolares, Reflexes sobre um campo de pesquisa”, In Teoria e Educagéo, n° 2 Porto Alegre 1990. CHEVERLLARD, Y. La transposicion didactica. Del SaberSabio al Saber Ensefiado. Buenos Aires. Aique Grupo Editor, 1995, Saeculum —Revista de Histéria ~ N’. 6/7 - Jan. /Dez./2000/2001 109 Universidade de Mendonga (Argentina) e da Universidade Federal de Santa Catarina coordenados pela professora doutora Maria de Fatina Sabino Dias. O objeto da linha de pesquisa ¢ composto pelas mediagdes entre o conhecimento historiografico, a produgao institucional do conhecimento histérico ¢ a sua ampliagdo para o grande piiblico. Nesse sentido, 0 campo da pesquisa inclui, além do ensino formal, agdes culturais do Estado e também iniciativas naio- estatais, como as associagées de classe e culturais. Os objetivos propostos por esse grupo sio: = historicizar as idéias e praticas no ensino de Historia, os termos de sua memoria nas consideragdes sobre o ensino da disciplina, relativizando 0 poder de sedugdo de alguns termos muito usados como: formar 0 cidadio. concepgao renovada de Historia, ensino critico, conscientizagao; - colocar em perspectiva histérica a interag{io entre os varios momentos do ensino de Historia: definigao dos seus objetivos; selegio dos contetidos, aplicaciio de metodologias que efetivam esses dois momentos anteriores. Uma perspectiva emergente na atualidade é a textual, ou seja, & que estabelece um novo enfoque para as fontes jd tradicionais, como © curriculo, o livro diddtico e as imagens. Algumas comunicagdes relacionadas ao tema da Histéria da América trouxeram a questiio da presenga de “novos personagens” na historia ensinada, anteriormente marginalizados ou tratados com preconceito, como, por exemplo, os indios. Finalmente, apés as exposigSes das pesquisas e debates foi retomado o objeto da linha de pesquisa, que foi resumida em doi: nomes propostos: histéria do ensino de Histéria / historia da educagao historica. O primeiro reflete a intengdo de concentrar os estudos na histéria da disciplina, principalmente na educagio formal, seguindo o estatuto epistemoldgico ja estabelecido da historia das disciplinas. O segundo nome expressa a necessidade de estudar amplamente a formagio da consciéncia histérica da populagdo nas miltiplas influéncias que sao exercidas sobre a imagem que a mesma faz da historia. A pesquisa com a categoria Tempo histérico é um tema que est4 sempre presente nas pesquisas. Esses trabalhos tém uma forte influéncia da teoria proposta por Piaget ¢ esta mais circunscrita a primeira fase do ensino fundamental. Esse tema é abordado pelos historiadores desde o final do século XX e deixou de ser um elemento explicative da causalidade, no qual um fato era explicado por outro 110 Sacculum —Revista de Histéria - N’. 6/7 - Jan./Dez./2000/2001 em seqiiéncia temporal, cronolégica, linear e teleologicamente direcionado para se transformar em uma concepgdo ndo-linear, nio teleologico, fragmentado e podendo ocorrer em velocidades diferentes, as temporalidades, segundo os fenémenos estudados. Essas mudangas sao fruto das contribuicdes tedrico-metodolégicas que sofreram os estudos histéricos nas liltimas décadas. O balango é abordado sob a ética da didatica, isto é, como o conceito tempo aparece nas propostas curriculares e é desenvolvido pelos professores no ensino fundamental e médio. Para se trabalhar com a nogo de tempo histérico nas primeiras séries do ensino fundamental, 0 ponto de partida sio as atividades didrias que envolvem o cotidiano dos alunos, permitindo criar periodizagées, trabalhar as nogdes de longa ¢ curta duragdo, seqiiéncia, cronologia, diferenciar o tempo linear do ciclico e o tempo vivido do tempo fisico. O ensino de Histéria assentado em eixos tematicos tem a fungao de criar condutos légicos que organizam os contetidos, dando-lhes significado. LINGUAGENS ALTERNATIVAS DO ENSINO DE HISTORIA Esse tema apresenta um grande numero de trabalhos e de natureza diversificada, gragas a multiplicidade de linguagens que sfio usadas nos ensino de Histéria, como: cinematogréfica, documental, jomais, quadrinhos, pintura, musica, computador, literatura e jogos, dentre outras. Hd uma grande quantidade de trabalhos Os temas mais freqiientes sao : Literatura e ensino de histéria, Imprensa, Histéria Oral (depoimentos orais, histérias de vida e trajetérias de vida); Teatro ; Imagens (fotografia, pintura, cartoons, charges, histérias em quadrinhos, imagens e comunicag%o); Musica (popular brasileira, miusicas relacionadas a periodos histéricos especificos); Artes Visuais (pintura e escultura trabalhadas separadamente ou de forma integrada); Cinema (filme, filme histérico, video, documentirio); Jogos e brincadeiras; Museu de rua; Mapas conceituais; Computador e informatica na sala de aula; Cidade (patriménio histérico, educagao patrimonial, vivenciar a cidade, trabalhar com a historia local, museu de rua); Escola Rural (uso de novos métodos e manuais); Experiéncias diversas envolvendo um conjunto de licenciados, alunos e professores da rede publica de ensino fundamental. Na maioria das pesquisas se propée analisar uma linguagem alternativa, em geral a partir do relato de projeto, poucos trabalhos Saeculum —Kevista de Historia - N’. 6/7 - Jan. /Dez./2000/2001 lL apresentam uma discussao de natureza tedrica precedendo o relato de uma experiéncia. A situagio mais freqiiente € que se enfoque as atividades conduzidas em sala de aula, fazendo uma andlise de seus “efeitos” na qualidade das aulas de Historia. Poucos trabalhos se propunham a discutir questées de natureza exclusivamente tedrica. tais como a propria definigao do que sejam linguagens alternativas ou especulagdes sobre Histéria, verdade e ficedo, ou mesmo problematizando 0 conceito de Historia que esté em jogo quando se buscam outras linguagens para expressé-las em sala de aula. Em muitas pesquisas foi identificado que ao se usar filmes em sala de aula desloca-se o centro do processo de aprendizagem do professor para a técnica, O uso das diferentes linguagens esta relacionada a formagao docente. Inicialmente esse profissional deve ser um consumidor dessas linguagens, estar muito bem preparado, possuir um refinamento intelectual, ter clareza de suas concepgdes de Histéria, de sua visio de mundo © crengas ¢ dominar os referenciais de produgio nessas diferentes linguagens. Em muitos relatos inferi que a diversidade ¢ a complexidade pertinentes nessas linguagens foram transformadas em contetido para o ensino, tornando-se homogeneizadas ¢ massificadas pelo discurso técnico da psicologia ¢ da pedagogia, que as assimila em sua linguagem e politica. Como esses discursos técnicos tendem a ser “a-criticos”, oficiais, conservadores e dominantes na politica de ensino € pesquisas nas instituigdes que trabalham com ensino, os professores © pesquisadores sio levados a utilizé-los como linguagem padrio institucional. LIVRO DIDATICO Nesse tema alguns trabalhos constituiram referencias para os outros e estdo ligados a pesquisas desenvolvidas na Franga, no INRS, projeto Emanuelle de Allan Chpoin. A pesquisa da professora Circe Bittencourt sobre 0 livro didatico é uma importante referéncia. Outro trabalho que foi e continua sendo referéncia ¢ 0 trabalho do professor Kazumi sobre a produgo do livro didatico. A andlise dos trabalhos, durante o Il Encontro de Pesquisadores sobre o Ensino de Histéria mostrou-nos que ha pesquisas que dirigem suas reflexdes para as praticas de leitura do passado, as formas de apropriagao das obras didaticas e os resultados das andlises sobre 0 livro diddtico. As pesquisas situam-se nos seguintes niveis de preocupacio : 1. Praticas de leituras e formas de apropriagao dos livros didaticos; 2. Circulagao 112 Saeculum —Revista de Historia - N’. 6/7 - Fan. /Dez./2000/2001 e estratégias editoriais; 3. Historia da disciplina e livros didaticos; 4, Livros didaticos de Histéria:contetidos e tendéncias historiograficas. No primeiro item - Praticas de leituras e formas de apropriacdo dos livros diddticos — tem sido arroladas as fontes de pesquisa e as metodologias de investigacio: a observagao etnografica, discursos dos professores e alunos, planos de aula, praticas pedagégicas; histéria oral (depoimentos de autores, livreiros, editores, vendedores, professores e usuarios), andlises de folhetos publicitarios, cadernos de alunos para verificagao dos exercicios, guias ¢ orientagdes aos professores. A presenga do livro na sala de aula, a maneira como ele & usado, quais recursos oferece aos professores e aos alunos e como € possivel complementar a leitura do livro didatico com textos de outra natureza possibilitou criar controvérsias e outras interpretages na sala de aula. Foi levado também em considerag&o a distingo entre os livros que se dirigem as escolas publicas e os destinados as escolas particulares. No segundo item - Circulago e estratégias editoriais — ressaltou-se 0 cuidado que se deve ter em relagio as fontes de pesquisas, muitas vezes imprecisas e pouco confidveis; que o Estado é o maior comprador de livros didaticos e as grandes editoras do pais se firmam como produtoras de livros didaticos e a necessidade de aprofundar as pesquisas sobre todo 0 processos de produgéo e editoragio do livro didatico. Verificou-se também que hi uma série de fontes a ser investigadas como, por exemplo, a FAE, C4mara Brasileira do Livro, Abrelivros, Catalogo Brasileiro de Publicagées, publicagdes eletrénicas pela internet produzidas pela Nobel e o catélogo da Biblioteca Nacional. No terceiro e quarto itens - Histéria da disciplina e livro didatico ¢ Livros didaticos de histéria: contetdos ¢ tendéncias historiografia — foram estabelecidas varias conexdes entre o livro didatico e o debate historiografico, destacando que, no século XIX , havia uma estreita conex4o entre esses dois pdlos, pois os autores de livros didaticos eram os historiadores. Com o aumento do mercado editorial e dos titulos, criou-se um maior distanciamento entre a historiografia e 0 livro didatico. Foi analisado que o texto didatico varia seu grau de complexidade conforme a série, nao sendo tnico para todos os niveis. Chamou-se a aten¢ao que os paradidaticos, que sdo uma categoria diferenciada, geralmente s4o livros cujos autores so contratados pelas editoras ou consistem em tradugées de livros estrangeiros. Saeculun —Revista de Histéria - N’. 6/7 - Jan./Dez./2000/20"* 13 E necessario destacar como foi apontado no Encontro de Pesquisadores, em Campinas: 1. A importancia da observago etnografica, da investigagio sobre a conduta dos pais e de outras pessoas da familia na leitura do livro didatico, de cruzar a pesquisa bibliografica nas areas da psicologia e da aprendizagem com a produgiio didatica.; 2. Que ha varias fontes para se conhecer 0 livro didatico e que foram pouco exploradas como FAE, EC, ABRELIVROS, CBL, Catalogo Brasileiro de Publicagdes e a internet; 3. Investigar a distancia que existe entre os historiadores e a produgao didatica e como os livros incorporam as_novas tendéncias historiograficas. Esse tipo de investigagdo deve passar por um crivo, visto que, na academia, a produgdo historiografia é um objetivo em si mesmo, enquanto que 0 livro diddtico tem objetivos ¢ um perfil especificos, que é 0 educativo; 4. Os pesquisadores presentes na conclusfio manifestaram 0 interesse de constituir um grupo institucionalizado de pesquisa sobre © livro didatico, uma espécie de nticleo de pesquisa. No Encontro de Ouro Preto, em abril deste ano, 0 grupo que estudou o livro didatico organizou uma rede via internet para aprofundar esse tema. CURRICULOS O tema Curriculo é importante ponto de entrecruzamiento com outros temas, como a histéria da disciplina, politicas publicas, historia da educagao e formagao de professores, projetos educacionais. Pela variedade de subtemas existentes, fica evidente a necessidade de aprofundar o debate tedrico-metodoldgico para dar maior destaque as atuais concepgdes de curriculo, considerando as contribuigées recentes de teorias provenientes de autores nacionais e internacionais. Outro aspecto a ser destacado é a importancia de fazer uma analise das diferentes fontes de pesquisa, a natureza dos documentos escritos. Da-se maior énfase nas pesquisas que utilizam métodos da pesquisa de campo, considerando a relevancia de investigar o denominado curriculo real, produzido na sala de aula. Esse aspecto, bastante polémico, favoreceu a especificagio de algumas das caracteristicas das pesquisas de campo, especialmente as de carater ctnografico. Ha necessidade de introduzir, na apresentag3o e no decorrer da discussio, um conjunto de agentes escolares envolvidos no processo de producao curricular, valendo-se entao de outras fontes, 114 Saeculum —Revista de Histéria - N’. 6/7 - Jan. /De2./2000/2001 como os meios académicos, 0 idedrio das politicas partidérias, os autores, A contribuigéo de autores estrangeiros como Goodson, Névoa, Chervel, Chevallard, Forquin, Thomas Tadeu foram e sio importantes no desenvolvimento dos trabalhos e das pesquisas.. IDENTIDADES CULTURAIS E MEMORIAS LOCAIS E CULTURA Nesse campo investigativo, nota-se uma grande diversidade de pesquisas sobre temas que cruzam estudos biogréficos com identidades culturais, histéria local com histéria da cidade, do bairro, da escola, como as pesquisas que tém como referencial tedrico os conceitos de cultura, identidade, meméria e os escritos de Walter Benjamim, Antony Giddens, Jurgen Habermas, David Harvey, Norbert Elias, Hobsbwam entre outros. Os trabalhos sobre cultura tém como fundamento a busca ou 0 estudo a respeito da homogeneidade cultural, étnica ¢ lingiiistica, o cardter nacional e progressivo dos processos de escolarizagao da sociedade. No universo da escola o material didatico e 0 contetdo transmitido levam a tendéncias homogeneizadoras, hierarquizadas dos saberes, portanto se caracterizam pela fragmentagao do social e diluig&o das dimensdes espago-temporais - sobretudo face ao avango da globalizagéio cultural no pais. Ha alguns trabalhos de pesquisa, entre eles o que foi desenvolvido em Campinas, financiado pela FAPESP em parceria com uma escola secundaria ¢ coordenado pela professora Maria Carolina Galzerani, que chamou a atengdo sobre a importéncia, no interior do ensino de histéria, da recuperacdo da meméria tomada no sentido benjaminiano, meméria critica, afetiva, articulando elementos voluntarios e involuntarios, linguagem ¢ "experiéncias vividas", enfatizando de modo particular as memérias locais - onde sao priorizados os conflitos, as contradicdes e as diferengas - nas suas relagdes com a macro-histéria. Nessa pesquisa deu-se destaque as potencialidades do trabalho com memérias locais no ensino de historia, de maneira a fortalecer o aluno como produtor de conhecimento histérico. Isto é, como intérprete da historicidade local, sem perder de vista tanto o lugar do qual fala como o diélogo com outros sujeitos (professor, comunidade) ¢ outros saberes (historiogr4ficos ou no) - relativos, inclusive, 4 macro-histéria. Nessa linha de pesquisa ocorre o resgate da histéria e da memoria das classes trabalhadoras em suas relagdes com as classes Saeculwn —Revista de Historia - N°. 6/7 - Jan./Dez./2000/2001 1s dominantes e dos estudos especificos de um determinado bairro ou cidade, na tentativa de trazer 4 tona especificidades micro-histérica, em suas relagGes com a macro-hist6ria. Nos trabalhos apresentados, os conceitos bdsicos de identidade, cultura, histéria local, cidade, memoria sfio focalizados de maneira a possibilitar olhares miltiplos sem perder de vista a dimensiio dos conflitos, das contradigées historicamente dadas. Nesse sentido, uma das grandes contribuigdes € 0 questionamento de produgdes de memérias locais articuladas a histéria dos vencedores, de um lado, e as potencialidades oferecidas pela temdtica para a problematizagaio do avango da globalizacao cultural e dos seus efeitos desenraizadores e esfaceladores do social - particularmente no que diz. respeito A concepg%o de tempo, de espago, de relagdes sociais, de singularidades culturais. Essa foi uma das preocupagdes do coordenador do grupo, além de estabelecer uma bibliografia basica sobre o tema: Walter Benjamin, Habermas, Harvey, Samuel, Proenga, Silva, Montenegro, Galzerani Concluindo : A leitura de todos documentos referentes ao ensino de Historia e curriculo de Histéria objetivam a formagao de uma Consciéncia Histéria e da Identidade Nacional. Essa preocupagao esta presente na consolidagao da Histéria como disciplina escolar tanto sob as orientagdes da burguesia triunfante do século XVIII como do nacionalismo do século XIX. Nao podemos esquecer que a Histéria, como disciplina escolar, sempre teve uma concepgao nacionalista, que em momentos de exaltag%o chegou a excessos que todos conhecemos, principalmente em periodos de regimes fortes, ditaduras como a de Vargas e a militar pds 1964. A Historia tem representado uma arma de exaltagio nacionalista, como se pode verificar nas teses e monografias sobre o periodo. Nao sao raras as propostas curriculares que tém como objetivo on instrumentaliza a Histéria para a criagdo de uma consciéncia regional, no caso nacional. As possibilidades que oferece 0 ensino de Histéria para a formagio da nogao de nagao so imensas. Se o positivismo teve uma papel importante nessa direg4o, nao tem sido menor a contribuigdo que o marxismo nos oferece para a formagio de uma consicéncia critica, chamando a ateng&o para a importéncia do povo, do homem comum na construgdo da Histé Nesse sentido a recuperagéo de uma meméria nacional e individual faz que sejamos cada vez menos 116 Saeculum —Revista de Histdria ~ N’. 6/7 - Jan./Dez./2000/2001 escravo de nosso passado, isso significa que a Historia pode nos libertar. Finalmente levanto uma questiio: até que ponto a construgio de uma identidade nacional nos moldes determinados pelos programas governamentais sao adequados para 0 momento contemporaneo, em um periodo de globalizag4o onde as distancias sio cada menores? Saeculum —Revista de Historia - N’, 6/7 - Jan. /Dez./2000/2001 7

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