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FAZER NOSSO O DESEJAR DE DEUS

Os Exercícios Espirituais de S. Inácio foram qualificados como “uma


autêntica escola ou pedagogia do desejo...” (J. Rambla). Deles se tem dito
que são “uma escola para suscitar, canalizar e potenciar desejos” (Avelino
Fernandez).
Para S. Inácio, o dinamismo vital que move o ser humano e o unifica, é o
desejo.
S. Inácio fala de “afectarse, afecto, afección, buscar, desear, querer...”
“Afectarse” quer dizer, “apetecer uma coisa com ânsia ou afinco”. Manifesta-se
como uma inclinação para
uma pessoa ou uma coisa (EE. 16), uma atração, que
estimula para ir adiante, para algo
mais, melhor ou maior.

Deus deseja. E um dos desejos básicos desse Deus “desejador” é dar-nos seus
desejos como forma de
forma de dar-se a si mesmo.
“... o mesmo Senhor deseja dar-se-me enquanto pode, segundo sua ordenação divina...”
(EE.234).
Deus põe em nosso coração seus próprios desejos, e todo o processo espiritual
consiste em ir identifi-cando os próprios desejos com os desejos de Deus. Isto
pede de nós uma atenção ao “desejar de Deus”, escuta atenta dos desejos
profundos, saber levantar a folhagem do “desejo superficial” para descobrir o solo
de nosso “desejo mais íntimo, mais divino”.
Isto pede também “fazer nosso” esse desejo, porque, por mais que Deus o
tenha colocado no coração, o desejo não é nosso enquanto nós não o faça-
mos nosso, porque Deus respeita sempre nossa liberdade e deixa a nós a deci-
são e a responsabilidade.
“Não basta que Deus ponha na criatura o que deve querer e desejar; mas
tem que parecer a ela que aquilo é o melhor para seu serviço e louvor. A
ação de Deus não elimina o risco;... tudo é dom, mas, surpreendentemente,
este dom não é nada se eu não decido. Eu elejo a partir do dom, mas tudo
é resposta e liberdade... Tudo é dom, mas sou eu quem opto e respondo,
eu que me arrisco e me comprometo”. (Adolfo Chércoles)

Esta atividade de busca e escuta, de apropriação e oferecimento, é o


discernimento, imprescindível numa pedagogia do desejo.
Mas Deus também deseja e manifesta seus desejos, fora de nós.
Há muitos âmbitos da vida, mais além da interioridade, onde podemos e
devemos buscar e perceber o desejo de Deus sobre nós e sobre o mundo.
É importante aprender a escutar o desejo de Deus sobre si para além da estreita
fronteira de sua intimidade, na Igreja e nas necessidades do mundo e a integrar
no próprio discernimento o que aí é percebido. Porque em ocasiões em que a
intimidade é menos “expressiva”, o desejo de Deus se manifesta lá com mais
força e com mais urgência.
Nesse “descobrir o desejo de Deus”, resulta decisivo descobrir-me a mim mesmo,
como objeto do desejo de Deus.
A mim mesmo: o que sou, com minhas limitações e riquezas;
Objeto de um desejo que se faz incompreensível e desmedido, e cada
dia
que passa mais incompreensível e mais desmedido.
Nessa descoberta do incrível desejo de Deus sobre a pessoa, e na aceitação
orante do mesmo, aninha grande parte da maturidade humana e espiritual do
seguidor de Jesus. Para isso ela precisa de contextos vitais e espaços onde se
favoreça a atenção interior, onde a pessoa possa perceber outros desejos além
dos seus, e isso a estimula e a remete ao mais profundo e melhor de si mesmo.
Texto bíblico: Mt l3,44-46

Na oração: o desejo não se situa no nível dos instintos, porém no nível da atividade simbólica.
Desejar alguma coisa significa atribuir-lhe um significado simbólico: aquela coisa
torna-se importante, central.
Conseguí-la não significa apenas tomar posse daquele objeto. Muito mais do que isso,
significa regozijar-se pelo que ele significa: plenitude, vida, segurança, realização
de si...

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