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F INDICE CONCEITO MARXISTA DO HOMEM Errc# Fromm Prefacio I. A Adulteragdo dos Conceitos de Marx Il. O Materialismo Histérico de Marx . II, © Problema da Conscifncia, da Estrutura Social e do Uso da Férga ..... a Iv. A Natureza do omen Vi. Alienagio .0......0 VI. Conceito Marxista do Soualinns ve VII. A Continuidade do Pensamento de Marx VIII. Marx, 0 Homem MANUSGRITOS ECONOMICOS E FILOSOFICOS Kart Marx Nota do tradutor ings Prefacio ...... Primeiro Manuscr Segundo Manuscr Terceiro Manuscrit “Trabalho Alienado . ‘ ‘A Relagéo de Propriedade Privada Propriedade Privada e Trabalho . Propriedade Privada ¢ Comunismo Necessidades, Produgio ¢ Divisio do Tra- balho .. 7 Dinheiro Critica da’ Filosofia Dialética’ e Geral de Hegel Excertos de IDEOLOGIA ALEMA, Karl Marx Preficio. a UMA CONTRIBUIGAO A CRITICA DA ECONO- MIA POLITICA. Karl Marx Da Introducio A Critica da FILOSOFIA DO DIREITO, de gel. Critica da Religifo. Karl Marx : Reminiscéncias de Marx. Paul Lafargue De Jenny Marx a Joseph Weydemeyer Karl Marx. Eleanor Marx-Aveling Gonfissio, Karl Marx : © Puneral de Karl Marx. Friedrich Engels A PAG. 13 19 29 34 50 62 a 80 85 87 89 103 110 114 127 144 149 171 187 189 190 207 212 ore 220 pIyULoO t Adulteragéo dos Conceitos de Marx U MA das estranhas ironias da Histéria é nfo haver limites para os erros de interpretacio € as deturpagdes das teotias, mes- yo numa €poca de acesso irrestrito as fontes; nfo ha exemplo nals drastico désse fendmeno do que © acontecido com a teoria de Karl Marx nos tiltimos decénios. So constantes as referén- see Maree 20 marxismo na imprensa, nos discusses de poli- ticos, em livos € artigos esctitos por respeitaveis clentistas sociais © filésofos; no entanto, com poucas excegdes, parece que oS jorna- Vistas ¢ politicos jamais viram sequer de telance uma linha es- crita por Marx ¢ que os cientistas sociais se satisfazem com um minimo de conhecimento da obra déle, Aparentemente sentemn- Ara, galyo ein, Gen papel’ de yperitos: no \asaunto,, visto Ae nin: guém com poder ¢ slatus no campo da pesquisa social contesta ‘uas afirmages ignaras. * TP triste dizer, mas_ndo pode, ser evitado, que eas ignorin- } cla © essa deturpagdo de Marx so mais comuns nos Estados Unidos do | fue em outro qusiquer pais ocidental. Deve. st especialmente men lunndigs que’ nos dleinos quince” anos Houve 0% exuraordinario re tlonide Wo de discusses sObre Marx na Alemanhe © 7, Franga, mor | mente em torno dos Manuscritos Econémicos @ Filoséficos publicados Mite volume, Na Alemanba, os participantes dos debates so sobre- Ilo. tedlogos protestantes. _Menciono, inicialmente, os extraordiné- Wie Mfarxiimusstudien (“Estudos Maristas”), organizados por I. Fets- Mean g volumes, 1. CG. B. Mobr (Tubingen, 1954, 1957). Ademais, ( heh fiento introdugio por Landshur A edico Kronee dos Manuscritos. mM ogult, ns obras de Lukacs, Bloch, Popitz, ¢ out, citados adiante. A tition Unidos, tem sido observado tltimaments interésse por Nia que ereace nor poucos. Infelizmente, ep Dalle Oe manifesta atra~ vine dlivorion livros cheios de prevengao ¢ adulteragées, como The Red Prussian do Schwarzschild, ou de livros excessivamente simplifi- 14 CONCEITO MARXISTA DO HOMEM Dentre tédas as incompreensdes existentes, provavelmente a mais disseminada é a idéia sdbre o “materialismo” de Marx. Ale- iga-se ter sido opinido de Marx que a suprema motivacio psico- légica do homem € seu desejo de vantagem monetiria e con- fétto, e que éste anelo pelo lucto maximo constitui o pring) incentivo em sua vida pessoal e na vida da _taca human » Sustentou-se que as crfticas feitas por Marx 2 religito equivaliam & negacio de todos os valéres espiti- tuais, e isso pareceu bem mais evidente aos que julgam ser a crenga em Deus a base de qualquer orientagio espiritual. Esta opiniio acérea de Marx prossegue para examinar seu paraiso socialista como um lugar onde milhdes de pessoas se ubmetem a uma burocracia estatal todo-poderosa, pessoas que renunciaram & sua liberdade, ainda que possam ter alcangado igualdade; ésses “individuos” matcrialmente satisfeitos perderam ua individualidade ¢ foram devidamente transformados em milhoes le robds e autématos uniformes, dirigidos por uma pequena clite de Iideres mais bem alimentados. cados ¢ enganadores como The Meaning of Communism de Overstreet. Em contraste, Joseph A. Schumpeter, em seu Capitalism, Socialism and Democracy (Harper & Brothers, 1947), dé uma excelente apre- sentagio do marxismo. Cf, também, sdbre o problema do naturalis- mo hist6rico, ‘Christianity and Communism de John C, Bennet (Asso- ciation Press, New York). Ver, igualmente, as excelentes antologias (e introdugdes) de Feuer (Anchor Books) ¢ de Bottomore e Rubel (Watts and Co., Londres). Especificamente, acérca da opiniio de Marx sobre a natureza humana desejo mencionar Human Nature: The Marxist View, por Venable, que, malgrado sagaz ¢ objetiva, pax dece do fato de o autor nio ter podido recorer aos Manuscritos Econdmicos ¢ Filosdficos. Cf., ainda, para a base filoséfica do pen- samento de Marx, o brilhante e penetrante livro de H. Marcuse, Reason and Revolution (Oxford University Press, New York, 1958). Ver, também, meu estudo de Marx em The Sane Society, ja citada, a minha discussio anterior da teoria de Marx em Zeitschrift fiir So- zialforschung, vol. I (Hirschfeld, Leipzig, 1932). Na Franca, os debates tém sido em parte conduzidos por padres catdlicos e em. parte por filésofos, na maioria socialistas. Entre os primeiros, cito espe- cialmente J. Y. Calvez, La Pensée de Karl Marx, ed. Du Seuil, Paris, 1956; entre os ailtimos, A, Kojéve, Sartre e, sobretudo, as varias obras de H. Lefebvre, A ADULTERAGAO DOS CONCEITOS DE MARX 15 Basta dizer, desde logo, que esta imagem popular do “ma- terialismo” de Marx — sua tendéncia antiespiritual, seu des de uniformidade ¢ subordinacio — & inteiramente falsa, ste quadro, sem dtivida, deve chocar a muitos leitores, em face de sua incompatibilidade com as idéias acérca de Marx a que tém sido expostas, Ant Jo, s de continuar para substancié porém, quero ressaltar a ironia existente no fato de a desctigio feita da meta de Marx e a do contetido de sua visio do socia- lismo ajustarem-se quase exatamente a realidade da sociedade ca- pitalista ocidental dos dias de hoje, A maioria das pessoas é motivada por um desejo de maiores ganhos materiais, con- forto e aparelhos de téda sorte, e ésse desejo s6 é restringido pelo desejo de seguranca e de evitar os riscos. Elas ficam cada vez mais satisfeitas com uma vida regulamentada e dirigida, tanto na esfera da producio quanto na do consumo, pelo Estado e grandes emprésas e pelas respectivas méquinas buroctiticas; clas chegaram a um grau de conformismo que eliminou o indi- O que é ainda mais surpreendente € 0 fato de as pessoas, qué acusam Marx mais amargamente de “materialista”, ataca- fem 0 socialismo por set visiondrio ao mao reconhecer que 0 inico incentive eficaz para o homem trabalhar reside em seu desejo de ganhos materiais, A ilimitada capacidade do homem para negar contradices flagrantes por meio de racionalizagbes, desde que lhe convenha, dificilmente poderia ser melhor de- monstrada, As mesmissimas raz6es alegadas como prova das idéias de Marx serem incompativeis com nossa tradigio religiosa 16 CONCEITO MARXISTA DO HOMEM ¢ espititual, e emptegadas para defender nosso sistema atual cuie Marx, sfo 20 mesmo tempo usadas, pelas mesmas pessoas, para provar que o capitalismo correspond ee humana €, por: tanto, é bem superior a um socialismo “visiondtio". Como pode, entio, a filosofia de Marx set tio per mente mal interpretada e deformada? Sto diversas as ruzoes. 4 primeita e mais obvia € a ignorancia. Afigura-se que, nfo sendo ésses assuntos ensinados nas universidades e, por conseguinte, nao sujeitos a exames, déo margem de “liberdade” para todos cS sarem, escreverem e falacem como bem entendem ¢ sem qual- quer conhecimento de causa. Néo hi propriamente pica consagradas aptas a insistir no respcito pelos fatos ¢ na_verda- de. Daf todos acharem-se com direito a falar de Marx sem o ha- verem lido ou, pelo menos, sem o haverem lido suficientemente para obler uma idéia de seu sistema de pensamento, deveras com- plexo, intrincado e sutil. Em nada melhorou a situasio 0 fate de 0s Manuscritos Econémicos e Filosdficos, a principal obra fi- Jos6fica de Marx dedicada a seu conceito do homem, de ee de emancipacio etc, nfo tetem sido senfo até bem pouco trad: zidos para o inglés,® e por isso serem desconhecidas do mundo at io inglé: i i 1959, na Gra- 2 A primeira versio inglésa foi publicada em 1959, ; “Bretanha, pot Lawrence and Wishart, Ltd., utilizando uma tzadugio recentemenie publicada pela Editéra de Linguas Estrangeiras de Moscou. A traducio por T. B. Bottomore, incluida neste volume, € a primeira feita por um estudioso ocidental. A ADULT RAGAO DOS CONCEITOS DE MARX 17 de Ifngua inglésa algumas de suas idéias. Este fato, todavia, \ niio € de forma alguma suficiente pata explicar a ignorincia ] predominante: primeiro, porque, nfo ter sido essa obra de Marx traduzida antes para o inglés, é em si mesmo tanto sintoma co- mo causa da ignorancias segundo, porque a orientacio principal do pensamento filos6fico de Marx € bastante clara nos traba- Ihos anteriormente publicados em inglés para evitar a adulteragio 4 ocorrida, Outra razio consiste em terem os comunistas russos se apto- ptiado da teoria de Marx e tentado convencer 0 mundo de que sua pritica e teoria obedeciam as idéias déle. Malgrado 0 oposto seja a verdade, 0 Ocidente aceitou as alegagdes da propaganda déles e admitin que a posigio de Marx corresponde a opiniio j¢ A pritica tussas, Nao obstante, os comunistas russos nfo sao jos ‘anicos culpados da mé interpretagio de Marx, Embora o des- iprézo brutal dos russos pela dignidade individual e pelos valéres humanistas seja, de fato, especifico déles, o érro de interpretar Marx como propositor de um materialismo econdmico-hedonista também foi compartilhado por muitos dos socialistas anticomunis- tas e reformistas. Nao é dificil perceber as razdes disso. Con- quanto a teoria de Marx fésse uma critica ao capitalismo, muitos de seus adeptos estavam entranhadamente impregnados do es- pirito do capitalismo que intrepretatam o pensamento de Marx nas categorias econdmicas_e materialistas vigentes_no_capitalismo | contemporaneo. Até aqui abordamos razées racionais ¢ realistas para a de- turpa Marx. E inegavel, contudo, haver tam- je sem. seus bém ue ajudaram a produzir tal distorcio. A. Riissia Soviética tem sido encarada como a propria encarnagio de todo o mal; dai terem suas idéias assumido a qualidade do que € diabélico, Tal e qual em 1917, quando dentro de relativamente pouco tempo o Kaiser ¢ os “hunos” foram olhados como a corpo- rificagio do mal, e até a misica de Mozart se tornou parte do territétio do diabo, assim também os comunistas tomaram o a 18 CONCEITO MARXISTA DO HOMEM Iugar do diabo e suas doutrinas nfo so examinadas com objetivi- dade, A razio geralmente dada para éste ddio é 0 tertor prati- cado por Stalin durante muitos anos, Ha sérias razdes, contudo, para pér em davida a sinceridade desta explicagio; os’ mesmos atos de terror e desumanidade quando praticados pelos franceses na Argélia, por Trujillo em Sio Domingos ¢ por Franco na Es- panha nfo provocam nenhuma indignagio moral equivalente; de fato, nenhuma indignagio, Outrossim, a mudanga do sistema de terror itrefreado de Stalin para o reacionirio Estado policial de Kruschey recebeu insuficiente atengio, malgrado fosse de imagi- nar que qualquer pessoa sériamente interessada na liberdade hu- mana perceberia e ficatia feliz com tal mudanca, que, embora_ nfo suficiente, é um grande melhoramento com relacio a0 terror indisfarcado da era de Stalin. ‘Tudo isso faz-nos pensar se a in- dignagio contra a Russia tera deveras suas raizes em sentimen- tos morais e humanitérios, ou antes no fato de um sistema que no admite a propriedade privada set considerado desumano ¢ ameacador. dificil dizer a qual dos fatéres acima mencionados cabe maior responsabilidade pela deturpacio e ma interpretacio da fi- losofia de Marx. Provavelmente variam de importancia confor- me a pessoa € 0 grupo politico, ¢ € improvavel set qualquer déles ‘0 tinico fator responsavel. CAPIZULO II O Materialismo , : Yistérico de Marx A PRIMMIRA barreira a ser uma conyeniente compreensio yvencida, a fim de chegar-se a pretagio errdnea do conceito ‘a filosofia de Marx, é a inter- lismo histérico, Aquéles que de materialismo ¢ de materia gundo a qual o interésse materlulgam ser esta uma filosofia se- nhos materiais e conférto sempel do homem, seu desejo de ga- tivagiio, esquecem o fato singelare crescente é sua principal mo- terialismo”, como sao utilizadas das palavras “idealismo” ¢ “ma- sofos, nada terem a ver com apor Marx e todos os outros fil6- superior e espiritual comparaday motivagio psiquica de um plano abjeto, Na terminologia filosé, com outras de plano inferior lismo”) refere-se a uma opiniao ica, “materialismo” (ou “natura- ria em movimento € o eleme,filosdfica segundo a qual a maté- universo, Nesta acepgio, os filito constitutivo fundamental do “materialistas”, conquanto nfo sofos gregos pré-socraticos foram sentido acima mencionado da » féssem, de forma alguma, no principio ético, Por idealismovalavra como juizo de valor ou filosofia onde nio € 0 mundo ¢ pelo contririo, entende-se uma Gio que constitui a realidade, ‘»s sentidos em permanente muta- idéias. O sistema de Platao foe sim esséncias incorpéreas, ou qual foi aplicado o nome “ideali’ o primeiro sistema filoséfico ao acepcio filoséfica, um materialjita”, Se bem que Marx fdsse, na quer se intetessou pot essas queita em ontologia, éle jamais se- Entretanto, hé mauitas espe“5¢s, € muito menos tratou delas. idealistas, € para compreender ies de filosofias materialistas ¢ de ir além da definigéo geral | “materialismo” de Marx temos assumiu uma posigio firme c,lada acima. Marx, na verdade, corrente entre muitos dos penjvfre um materialismo filosfico ‘adores mais progressistas (espe- 20 CONCEITO MARXISTA DO HOMEM cialmente cientistas naturais) de seu tempo. Esse materialismo alegava que “o” substrato de todos os fendmenos mentais e es- pirituais devia ser encontrado na matéria e em processos mate- riais, Em sua forma mais vulgar e superficial, éste genero de materialismo ensinava que sentimentos e idéias sao suficiente- mente explicados como resultados de processos da quimica ot- ginica, e que “o pensamento era para o cérebro o que a urina é para os tins”. cluia uo que denominou, em Manuscritos Econdmicos e Filoséficos, “natu- “materialismo histético” ou “materialism dialético’; le fafou, isso sim, de sea proprio “método dialético”, em contraste com 0 de Hegel, ¢ de sua “base materialista”, pelo que se referia simples- mente as condic&es fundamentais da vida humana, Im plica 0 estudo da verdadeira vida econdmica ¢ social do homem e da influéncia do estilo real da vida do homem em seus pen- samentos e sentimentos. “Em oposi¢io direta a filosofia alema”, escreveu Marx, “que desce do céu para a terra, aqui ascendemos da terra ao céu. Quer isso dizer: nao partimos daquilo que os homens imaginam, concebem, nem de como sio os homens desctitos, imaginados, concebidos, a fim de chegar aos homens entéo, segundo éle mesmo diz, de maneira um tanto diversa: “A filosofia da Hist6ria, de Hegel, nada mais ¢ que a expresso filoséfica do dogma cristio-germinico a respeito da contradi¢io 1 © Gapital, 1, Karl Marx, Charles H. Kerr & Co., Chicago, 1906, pag. 406. 2 Economic and Philosophical Manuscripts, pag. 181. 3 German Ideology, Karl Marx I’, Engels, organizado com uma introdugio por R. Pascal, New York, International Publishers, Inc., 1939, pag. 14, (O grifo é meu — E. F,) © MATERIALISMO HISTORICO DE MARX 21 entre espirito © matéria, Deus e 0 mundo... A filosofia hege- liana da Historia pressupde um espirito abstrato ou absoluto, que evolui de tal forma que a humanidade € apenas 0 corpo por- lador désse espitito, consciente ou inconsciente. Hegel admite uma histéria especulativa, esotérica, precedendo e existindo subja- cente d histéria empitica. A histéria da humanidade é transfor- mada em histéria do espirito abstrato da humanidade, transcen- dente ao homem real.” 4 X escreven seu préprio método histérico assaz sucinta- mente; “A maneira pela qual os homens produzem seus meios de subsisténcia depende, antes de mais nada, da natureza dos meios conctetos de que dispdem ¢ tém de reproduzir, Bate modo de produgio niio deve ser considerado como meta repto- dugiio da existéncia fisica dos individuos. 1, antes, uma forma definida de atividade désses individuos, uma forma definida de expressacem sua vida, um modo de vida definido de parte déles. Como os individuos exprimem sua vida, assim éles o fazem. © que éle si, portanto, coincide com a produgio déles, tanto com 9 que produzem quanto com o como produzem. A natu- reza dos individuos depende, assim, das condigées materiais de- terminantes de sua produgio.” 5 Marx distinguiu o matetialismo histérico do materialismo contemporineo de forma bastante clara, em sua tese sobre Feuer- bach: “O defeito capital de todo o material até agora (incluindo © de Feuerbach) € que o objeto, a realidade, 0 que apteendemos por intermédio de nossos sentidos, sé € entendido sob a forma de objeto ou contemplagio (Anschauung); nao, porém, como ati- vidade humana sensorial, como pydtica; nao subjetivamente. Por isso, em oposigéo ao materialismo, 0 aspecto ativo foi desenvolvi- do abstratamente pelo idealismo — que, est4 claro, nfo conhece a verdadeita atividade sensocial como tal. Feuerbach quer os objetos sensoriais realmente distinguidos dos objetos do pensa- mento; le nio compreende, porém, a atividade humana em si como uma atividade objetiva.”® Marx — como Hegel — a vé como um objeto em seu movimento, em seu vir-a-ser, € no co- mo um “objeto” estético, suscetivel de explicacio pela descoberta 4 IK. Marx e F. Engels, Die Heilige Famile (“A Familia Sa- wiada”), 1845, (‘Tradugao minha — E. F.) 6 rman Ideology, K. Marx e F. Engels, op. cit., pag. 7. ns on Feuerbach”, German Ideology, op. cit, pag. 197. } CONCEITO MARXISTA DO HOMEM de sua “causa” fisica. Ao contratio de Hegel, Marx estuda 0 homem e a Histéria partindo do homem teal e das condigdes econdmicas e sociais one aia airing pat mente das idéias déle. eria- Rte Cn ncn aii Gen eer A ésse ponto, jé deve estar claro por que é ertOnea a idéia popular acérca da natureza do materialismo hist6rico. Ela pre- sume que na opinido de Marx a mais forte motivacio psicolégica do homem seja ganhar dinheiro e ter mais conférto. material; se esta € a principal forca no intimo do homem, prossegue essa “‘in- terpretagio” do materialism histérico, a chave para se compreen- der a histéria sio os desejos materiais dos homens; portanto, a chaye para explicar a histéria € a barriga do homem, bem co- mo sua cobiga de satisfagio material. O érro fundamental em que se apdia esta interpretacio € a suposisiio do materialismo his- t6rico ser uma teogi, 5 x6es do homem. 10 A economia, neste contexto, re n im- pulso psiquico, mas ao modo de producto; nfo a um fator subjetivo, psicoldgico, porém objetivo © econdmico-sociolégico. A tinica premissa quase-psicolégica da teoria jaz na suposi- cio de o homem carecer de alimento, abrigo etc, e por isso precisa produzir; dai o modo de produgio, dependente de virios fatéres objetivos, como que precede e determina as outras esferas de sua atividade, As condig6es dadas objetivamente que determinam o modo de producio, e em conseqiiéncia a orga- nizagio social, determinam o homem, suas idéias, assim como seus interésses, Com efeito, a idéia de que “as instituigdes for- mam os homens”, na expressio de Montesquieu, era um discer- nimento antigo; a novidade de Marx foi sua minuciosa anilise las instituigGes, mostrando como estavam enraizadas no modo de rodugio e nas fOrgas produtivas subjacentes, Certas condigdes ‘ondmicas, como as de capitalismo, produzem como principal centivo o desejo de dinheito ¢ propriedade; outras condigGes eco- micas podem produzir exatamente os desejos opostos, como os le ascetismo e desprézo pelas riquezas terrestres, tais como sio incontrados em muitas culturas orientais e nas etapas iniciais © MATERIALISMO HISTORICO DE MARX 25 do _capitalismo. 7 Pp A interpretacio “materialista” ou “econdmica” da Historia feita por Marx nada tem a ver, absolutamente, com um su- posto anelo “materialista’” ou “econédmico” considerado como o impulso mais fundamental do homem, Ela significa que o ho- mem, o homem real e total, os “individuos vivos reais” — e nao as idéias produzidas por éstes “individuos” — sio o tema da His- toria e da compreenséo das Ieis desta. De fato, a interpretagao marxista da Hist6ria poderia ser denominada uma_interpreta- Gio antropolégica da Histéria caso se quisessem evitar as ambig dades dos térmos “materialista” e “econémico”; cla é a compre- ensiio da Histéria baseada no fato de os homens serem “os au- tores e atéres da sua histéria’”. % 10 Com efeito, uma das grandes diferencas entre Marx e a maioria dos esctitores dos séculos XVIII e XIX é éle no consi- 7 “Enquanto o capitalismo do tipo clissico ferreteia 0 con- sumo individual como um vicio contra sua fungdo, de abster-se de acumular, 0 capitalismo modernizado é capaz de olhar a acumulagio como abstinéncia de prazer” (O Capital, I, loc. cit., pag. 650). 5 Tentei clucidar éste problema em um artigo “Uber Aufgabe und Method einer Analytischen Sozialpsychologie” (“Sébre 0 Método ¢ Objetivo da Psicologia Social Analitica”), Zeitschrift fiir Sozial- forschung, vol. I. G. L, Hirschfeld, Leipzig, 1934, pags. 28-54. ® Marx-Engels Gesamtausgabe, Marx-Engels Verlag, org. por P. Riazanoy. Berlim, 1932, I, 6, pag. 179. (A abreviatura MEGA seré usada nas referencias ulteriores a esta obra.) * 10 Ao rever @ste manuserito, deparei com uma excelente inter- pretagio de Marx, caracterizada nfo s6 pelo conhecimento perfeito como por uma genuina compreensio, da autoria de Leonard Krieger, “The Uses of Marx for History”, em Political Science Quarterly, vol. XXXV, 3. Diz éle: “Para Marx, a substiincia comum da His. a era a atividade dos homens — “Os homens simultancamente autores ¢ at6res de sua propria hist6ria” — c essa atividade estendia-se igualmente a todos os nfveis: modos de produgio, relagdes e categorias sociais” (pag, 362). Quanto ao alegado caréter_“materialista” Marx, escreve Krieger: le (pag. 362). (Os grifos sfio A F368): “Nao ha aspecto mais carac- teristico do. arenbougo filos6fico de Marx do que sua reprovagio categdrica do interésse econdmico como uma distorgio vis-a-vis do homem moral integral,”

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