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_aenel alam a aa Ene aa ad ae Sale AN ea nee oy ae coh) IDE «oiron José Martins Canelas Neto ~ Membro Efetivo ¢ Analista Didata da Sociedade Brasileira de Psicandlise de Sto Paulo Dora Tognolli~ SBPSP Francisca Vieitas Vergueico ~ SBPSP emir Batigio ~ membeofiliado da SBPSP Lourdes Tisuca Yamane ~ SBPSP Patvicia Cabianca Gazire ~SBPSP Silvia Maia Bracco ~ SBPSP Francoise Coblence ~ Membro efetivoe formadar da Societé Paychanalytique de Pats Inicio Gerber ~ Membro efetivo ¢ Professor da SBPSP Joo Augusto Frayze-Percira ~ Membro eletivo e Professor da SBPSP Leda Affonso Figueiredo Herrmann ~ Membro efetvo e Professor da SBPSP Leopold Nosek - Membro eftiva analista didata da SBPSP [Lis Carlos Menezes ~ Membro efetivo e analista didata da SBPSP LLuig Carlos Uehéa Junqucira Filho ~Membeo efetiva e analista didata da SBPSP LLuie Meyer ~ Membro efetivo e Professor da SBPSP “Moacye Novaes~ Profesor da Faculdade de Filosofia da USP e Ditetr do Cenro Maria Antonia ‘PROUETO GRAFICO EIAGENS Marcos Briss. ‘capa Imagem do bithete original de Freud gentilmente cedida por Pedro Costea do Lago otronagho ELETROMA Ti - texto.imagemlinguagem Ipaessio & acasawenro Vida e Conscigncia Editors IeLAGAO DOS REPRESENTANIES REGIONAS izes: Juresice FcadoAlvares (Sao) Secret: li Mapnoler Guedes de Avevedo (Baur Comino de repentant rina Aagstubs: Glascn Maria Feria Furtado Assi Cacia Grams Pompiio Vise Boas Baur: Hin Magner Guedes de Azevedo Botuct Nei Maris Galassi Campinas: Humbere Silva Menees union Franck Masa Las Lana Mattos Sslomio Grande ABC: Matey Mota Carmona Geel tating: Mara das Dore Barto Ferreira Ista: au Pais Jaioelaverava: Eoclena De Paula Lee Feri Lin Elaine Sacchi Cardin Londrna: Niracem Avsuko Karis Macias Angela Maia Jents Bente de Cats Macings Soleed Cristina de Ali Garcia FeedianPialebs: Adana Mara Napll de Olivera Peete Pent: Selina Tersinhs Olin Fernandes Jorge Santon Bendis de LoundesCatvalho Rodigues, ‘Sho Joe dos Campos: Resear de Fina Blgai Si Jot do Ro veto Li Tae Pesto Seca ‘be Maria Cevs Leite Masa Tatu Maris dss Doves Burateo Ferien Topi: Mara Apareids Roch Ube: Ana Patricia Rows Ribeico Valine Sana Brestan de Olive Repesatante da Asia ds Menbrosiiados Pala Nanes Repesenant dos Memos lads da SB Mati Beoadete Figur de Oinera ont TEoNAS OF OTAGOES E REFERENCIAS BlBLOGRAFICAS [APA] Vera Maria Monteiro Sevestre [cus 8°4202] semestral (2005) ISSN or01-3106 1. Psicandlise e Cultura, Sociedade Brasileira de Pscandlise de Sao Paulo, Indexagio: Index Psi Periicos (ywwubvs-ps.org br) ‘Assinatura e nimeros avulsos: (11) 2125 3777 ou ide@sbpsp.org.br Dineroni Presidente: Nilde J. Parada Pranch; Secrtério Getal: Lui Tenério de Oliveira Limas Diretora Cientifca: Vera Regina J. RM. Fonseeas Ditetora Administrativa: Telma Kournikas Weiss; Diretora Financeira: Yeda Aleide Saigh; Primeira Secretaria: Sandta Maria Goncalves; Diretora de Cultura e Comunidade: Liana Pinto Chaves; Diretora de Atendimento Clinico & Comunidade: Regina Elizabeth L. Coimbeay Dieetora Regional: JurenicePicado Alvares;Diretors do Instituto: Leda A. Figueiredo Herrmann; Secretiria Geral: Mariza S.Inglez de Souza; Seeretério de Acompanhamento: Wagner Francisco Vilile; Secretario de Curriculum: Daniel Delouya; Secretivia de Selesio. ‘Maria Apatecida Quesado Nicolet; Secretiria do Setor de Psicanlise de Criangas € Adolescents: Neva Regina Aria Fran; Sereda Adjunt do Iau; Maria da enha Zabani Lanzoni ‘Av, Dt Cardoso de Melo, r450 - 9" andar 045 40-005 Sao Paulo - SP tel: (x2) 21353777 IDE 59 MORTE DA PALAVRA? Palavras naufragas: relatos de vida de uma moradora de rua em Brasilia’ Pedro de Andrade Calil Jabur* Introdugao: desenhando um projeto projeto “Situagdes de rua: histérias de vida, vinculos € so- ciabilidade” teve inicio no primeito semestre de 2013 com 0 intuito de realizar uma série de pesquisas, dentro do contexto académico, com a populagéo em situagio de rua, envolvendo pesquisadores das dreas de Ciéncias Sociais ¢ de Satide Coletiva da Universidade de Brasilia (UnB). ‘Na tentativa ineipiente de esbogar o desenko de um plano metodolégico para essa pesquisa, nos deparamos com um ques- tionamento — como se aproximar dessa populagio? ~ que se tor. nou indicador de nossos primeiros passos ¢ nos auxiliou dentro do desenvolvimento do projeto. A figura de um fantasma miserdvel, solitario € sujo, enver~ gonhado de sua condi¢ao, deambulando delitante pelas ruas, permeava as observagdes iniciais do grupo. Imagens ¢ questio- rnamentos baseados em receios € medos, mas que continham, desde entio, desejos e tentativas de delineamentos mais amplos acerea do ato da escuta, do convivio, da troca, de receber ¢ ser recebido por esses estranhos maltrapilhos que vagam 3 noite, segundo pré-concepgdes recolhidas de nossas préprias fantasias, Fste intercalar de movimentos (concretos ¢ emocionais) de aproximacio e distanciamento, que transita, a0 mesmo tempo «sem se contrapor, entre a vontade de se aproximar e o medo de escutar, e 0 medo de se aproximar e a vontade de escutar, re- presentava tanto 0 percurso de nossas escutas como a tentativa de construgao de um setting de pesquisa que nos possibilitasse, além de um saber ouvir préprio de um trabalho metodolégico ‘em pesquisa social, uma escuta mais atenta e sensivel tanto das concretudes como dos sentidos ¢ vivéncias emocionais dessas vidas a céu aberto na grande cidade. De uma maneira geral, pode-se pensar em pesquisas que se aproximam e pesquisas que evitam se aproximat. Se, por um Jado, essas primeiras aproximagSes continham temores, por outro lado, indicavam, claramente, como nos lembra Freud WWE SAOPMLLO, 57 E9195 FEVERERODNE + Pesquisa de campo vealzada em Bea- sli a pair do Projexo de Pessina si mcbes de rua: histérias de vide, inculon ¢ sociabilidade", Risanciado pela CNPq por meio do etal Unives sal de 2013. 0 projto de pesquisa foi Jnubmetdo ¢ aprovado pelo Comet de Eric em Pesquisa em Seres Hurmanos dds Faculdade de Snide da Universidade ‘de Brasilia, em 10/07/2013, sb pros colo n° 330.731, * Psicanalista em formagio pelo Insti- tuto de Prcanslse Virginia Leone Bi cdo asvciado a Sociedade de Psica- nize de Brasilia. Professor Adjuneo da Universidade de Besalia UiaR) Dror fem Sociologia (Unk) € coordenador fo Projeto de Pesquisa "Simagies de fa: hiatérias de vids, vlaculos © so- ‘labildade". Bolssta da Capes, Proc. 1996/14-2, Professor Vistante do Ins+ situso de Citneias Soias (CS) ~ Unt veteidade de Lisboa 18 82 (1996), a familiaridade desse estranho e 0 nosso desejo de co- nhecé-lo, de tornar esse encontro familiar. &, justamente, atra- vés da tentativa de desenhar nossa avalanche de imagens no pensadas que podemos criar possibilidades de uma real apto- ximagio, tanto da rua como de nossos desamparos em relagio as pessoas que nelas vivern, Dentro dessa dindmica de trabalho, este artigo tenta cons- truir um didlogo entre 0 proceso de pesquisa de campo € os aportes psicanaliticos a respeito do trabalho clinico, buscando compreender as possibilidades de abertura critica e sensivel que ‘© pensamento tedrico-clinico oferece por questionar, constante- mente, 0 encontro da dupla analista-analisando. Embora essa dupla possua especificidades e contextos préprios, muitos de seus movimentos nos permitem analisar esse processo de pes- quisa sob uma perspectiva emocional e, portanto, viva (Ogden, 2013}, nao s6 por parte dos entrevistados, mas também em te aco aos pesquisadores. Le Blane (2007), buscando retratar a tradigdo da escuta den- tro das etapas de uma pesquisa social a partir de relatos de vida, Jembra que Freud, a0 relatar 0 jogo de carretel de seu nero, esta- va apresentando tanto o acontecimento da escuta psicanalitica em si, através do brincar da crianga, como o proprio movimen- to de aproximagio e distanciamento, inerente ao ato de estar disponivel para @ escuta do outro. Por isso, este provesso de disponibilidade, tanto na psicanslise, como dentro do émbito da pesquisa social, 6 elaborado por percursos que néo podem ser separados e/ou hierarquizados: aproximacao, distanciamento ¢ escuta, assim como 0 proprio carretel, fazem parte do sentido de apreensio da experiéncia emocional e concreta da vidas uma cescuta que perpassa o mero ato de ouvir. , nesse sentido, que © proprio funcionamento do fazer psi- canalitico e da maleabilidade do mundo psiquico abrem espago para que o processo de pesquisa se torne também mais criativo e sensivel a esses movimentos de longe e perto que atravessam. sujeitos e pesquisadores, a esse didlogo feito de muitas vozes. Dentro do contexto da metodologia de pesquisa social, 0 socidlogo italiano Franco Ferrarotti (1983) tenta também de- monstrar esse movimento de aproximacio e distanciamento, 20 explicar que entre os pesquisadores e os narradores existe uma relagio direta, que por isso mesmo & fragil (no sentido pendu- lar de distancia fisica e emocional), imprevisivel e problematica, sem qualquer tipo de resultado esperado. O que est em jogo, segundo 0 autor (1983), nao sao s6 palavras, mas gestos, expres- (We SKOPHULO, S715 gr-g3 FEVERENOAOIE ses do rosto, movimentos da mio, a expressividade do othars tum didlogo polifénico ~ com matizes concretas ¢ emocionais — 1no qual nenhum dos presentes estd excluido. Em um primeiro impacto, estas historias recolhidas nas ruas, gravadas ou anotadas em cadernos de campo, se apresentam como um despejo de miséria, pobreza, cheiros, delirios, medos ce perseguigées reais ¢ imagindrias. Ea partir de uma caracte- Fizagio do antropélogo e psicanalista francés Patrick Declercle (2006) acerca da populagao de rua, que comegamos a denomi nar esses relatos de palavras néufragas, tanto no objetivo de caracterizar a situagio social e psiquica extrema vivida nas ruas, como pela intensa mobilizagao de vivéncias que surgiam ao es- cutar € construir os relatos juntamente com esses sujeitos. Uma histéria de quebras e rupturas familia, amigos, escola, teaba- Iho, cidade de origem, Brasilia, local de moradia; de palavras soltas que se perdem e, parecem, nascem perdidas em memérias ¢ histori pretéritas e presentes. Relatos de vida de sujeitos em um processo de afogamento social e psiquico severos, construidos em um cendtio, também de perdas, onde os cacos das palaveas, misturadas aos ruidos, baru- {hos ¢ cheiros da rua, enredam um cenario de afogamento; onde as palavras néufragas, na tentativa de serem ouvidas e mesmo compreendidas, acabam puxando quem as ouve para baixo; em uma espécie de afogamento (emocional) duplo. A transcrigao de parte dessas narrativas tenta destacar este jogo de aproximacio e distanciamento através da sensagao, muitas vezes presente nos didlogos, deste afogamento duplo evidenciado em pausas mu- das, que se misturam a verborragias, esquecimentos de nomes, pessoas, lugares, recusas, ruminagées ininteligiveis, momentos de euforia ¢ situagies depressivas ¢ agressivas. Acescuta dessas historias recothidas se assemelha a ouvir um linico grande relato, com tintura majoritariamente dramética, no sentido colocado por Thomas Ogden (2013). As palavras néufragas, seguindo o raciocinio do psicanalista norte-america- ‘no (2013), sao dramaticas, nao somente no sentido de histéricas, chocantes ou mesmo teatrais, mas no senso de que essas pala~ vyras so tinicas — especificas da situagdo em que se fala e para quem se fala ~, intimas © reveladoras de uma confianga de que aspectos e vivencias de quem fala sejam reconhecidos ou mesmo acolhidos pela sensibilidade de escuta de quem as ouve. Como coloca Le Blanc (2007), a vox preciria é por si s6, uma voz barulhenta, marcada por palavras que perturbam, que quebram o ruido habitual da vida social. As palavras ruidosas IDe SAOPAILO.STIB] Sr-95 FevERBNOANTS dos excluidos estdo presentes em seus relatos, mas se expressam através dos restos ¢ das perdas, condigio conereta de suas vidas, mas expresso simbélica da precariedade e da exclusio desses sujeitos, S40 também palavras em vias de se perderem; barulhos sem ecos, muitas vezes, solitérios, pedidos de socorro inaudiveis, como expressa Bauer (2007). As palavras néufragas, nesse contexto, nascem ja em busca de socorros, Sao, a0 mesmo tempo, palavras sobre perdas e pa- lavras perdidas em um emaranhado de outros discursos e signos, palayras da rua e na rua, relatos sem abrigo, escondidos debaixo de pontes, em vielas, perambulando por outras cidadess perdas e sofrimentos carregados em sacolas plisticas. Entre as palavras de perdas e as historias que se perdem Os relatos de vida no so um instrumento metodolégico que se refere unicamente a um conjunto de fatos ¢ & relagao entre cles, mas inclui tamhém o investimento emocional do narcador e também do pesquisador, Por isso, & medida que so relatados se tomam progressivamente objetos de andlise, mecanismos inter- pretativos, tanto pelo préprio sujeito da pesquisa, em nivel mais individualizado, como pelo proprio pesquisador, dentro de refe- réncias te6ricas ¢, porque nao, emocionais. f um relato dotado de uma afetividade particular justamente porque é por meio dele que 0 sujeito se reconta e se reafirma, ‘A experiéncia da precariedade, que é, também, uma precariza- «io da experiencia, segundo Le Blanc (2007), estabelece uma fala marginalizada destes relatos sobre a vida, muitas vezes sem ampli- tude e alcance, que,em sua condigio miserivel, se assemelha muito mais a ruminagdes; restos de palavras e memérias, afundadas, ou prestes a sucumbir em uma miséria de sentidos ¢ reconhecimento. Claudia Girola (1996), antropéloga franco-argentina, afir ‘ma que os relatos dos sem abrigos (denominacao europeia para 2 populagio em situagao de rua) so, inicialmente, sempre um contar, quase mitico, de histérias de perdas. A escuta dessas vie das deve tentar, como reforga a autora, a partir de uma atencio ais sensivel, ultrapassar esse sentido primeiro de perdas, nao pata deixar de ouvi-las, mas para entrar em contato com outras palavras (justamente aquelas que ndo esto fixas) e, portanto, com outras construgées de perdas e ganhos formadores de uma condigéo de realidade social e psiquica permeadas por faltas, mas que nao deixa de ser humana. IDE SAOPHULO,aTIEN) Ha-9y FEVERERO ZOE Construir relatos para manter as palavras vivas, como ex plica Ogden (2013), para tentar aprender algo da experiéncia de vida e construir, a partir da dupla, um vinculo vivo no qual, por isso mesmo, as palavras so movedicas, por conta de suas imprecisdes € expressividades, e nao fixadas por meio de um ‘inico significado. Corpos errantes (Frangella, 2004) palavras ercantes, bratas, muitas vezes escondidas. Ao construir, dentro do contexto psicanalitico, a ideia de in- consciente, Freud, explica Ogden (2013), amplia o espago da palavra, que se tora o principal instrumento de aproximacio ¢ também de barreira ao outro, inaugurando um tipo de comuni- cago sensivel entre paciente e analista. Palavras que demandam uum desejo de compreender e ser compreendido, ¢ @ escuta como via de acesso a esse desconhecido, no como deciframento de significado, mas a partir de associagies, descoladas do seu signi- ficado concreto, descolado das palavras reais, Como coloca Minerbo (2009), a escuta psicanalitica com: preende uma maneira peculiar de escuta descentrada, fora da rotina da conversa cotidiana, pois tenta colocar em evidéncia representagées da identidade, ampliando o repertério do pacien- te das formas de sentir, pensar € agir; tentando, enfim, captar a vida das palavras. Na conversa analitica, explica o autor, os detalhes dissonan- tes e marginais permitem sinalizar a presenga de outros sentidos «¢ légicas as palavras, mobilizando na dupla um repert6rio mais livre de associagdes. Essa escuta das dissonncias, nas palavras dde Minerbo (2009), parte em busca de elementos que se referem, também, a um funcionamento primario nao verbal: estilo, estru- tura da fala, sua fingio, clima emocional criado, a mobilizagio crinda no analista na tentativa de recortar e recompor uma nova composigiio emocional para o paciente. No mesmo sentido de Minerbo (2009), mas dentro da area de pesquisa social, Manuel Delgado (2007), antropélogo espa- hol, afirma que a pesquisa na e da rua deve buscar evidenciar, justamente, as palavras € o sentidos marginais na tentativa de dar conta, nao somente do significado concreto dessas enun- ciagdes, mas também do ritmo fluido ¢ efémero, proprio des- ses espagos urbanos. & preciso, segundo Delgado (2007), criar dispositivos de escuta que possam recolher as marginalidades dos sentidos das ruas; 0s restos de discursos destes seres que vi- vem de restos, de materialidades e simbolismos jogados na rua, abandonados, muitas vezes prontos para se afogarem e sumir ‘no anoniimato de ramos ignorados. (OE SAOPAULG, STIS x95 FevEREROZNS 86 Ea partir dessas perspectivas que a pesquisa, cm vez de ten- tar esquadrinhar (sociale psiquicamente) as palavras néufragas, tenta elaborar conjuntamente com esses individuos uma dispo- nibilidade de fala e escuta dessas histérias; uma espécic de aten- fo fluruante em relago ao outro que esté ali, Construir relatos para, quem sabe, também no se alogar. Importante ressaltar que estas palavras naufragas, extraidas do relato de uma tinica moradora de rua, nfo nos permitem construir generalizagdes te6ricas acerca das intimeras e diversas Vidas nas ruas, mas nao impedem, todavia, uma anslise critica de como essas palavras néufragas sio indicios de aspectos de vulnerabilidade e fragitidade social e psiquica que extrapolam 0 cenirio meramente individual e subjetivo, Bsses individuos va- gam de emprego, de lugares, de “casas”, de abrigos; situagdes sem qualquer forma aparente de continuidade ou de uum projeto mais ou menos racional de vida. Mais do que uma forma de excedente social (Castel, 2003), esses individuos se caracterizam pela ordem aleatoria de suas vidas ¢, portanto, de escolhas, sen- tidos e narrativas. Lucimara: palavras a gente inventa, igual a nomes Nossos encontros com Lucimara aconteceram entre maio e julho de 2013. No total foram 10 encontros, em sua maioria, curtos e permeados por interrupcdes abruptas. As gravacées e anotagdes foram expressamente permitidas pela entrevistada, ‘Como demonstramos, a escuta dessas histérias tem como ano de fundo a construgio de relatos de vida, de sociabili- dades ¢ sensibilidades das ruas, c, por isso mesmo, a liberdade que o trabalho psicanalitico oferece se torna, naturalmente, um dos instrumentos utilizados tanto no ato da pesquisa como na anélise dessas historias. Nesse sentido, muitas das construgdes, expressas ou no, que ocorrem durante os didlogos retratados, embora possuam tinturas ¢ perspectivas psicanaliticas, nao tém, em nenhum momento, qualquer intengao terapéutica, Avistamos Lucimara, algumas vezes, andando com uma es- pécie de manto negro pelas redondezas do centro de Brasilia. A aparéncia: cabelos tongos, cinzas embranquecidos, carregan- do duas grandes sacolas, quase como uma bruxa. Passa o dia perambulando ¢, a noite, prefere, segundo ela, “as cavernas”. Quando nos apresentamos pela primeira vez, estava jé ba algum tempo parada em uma espécie de vao, embaixo do viaduto de uma avenida movimentada. WWE SAOPHULO,STIE| 81-93 FEVEREINOZOIS vepcataousciasesbati sidincesseoiiane Pesquisador (P)- Me chamo Pedro e estou fazendo uma pesqui- «sa sobre pessoas que vivem na rua, Posso conversar coma senhora? Sua primeira reagio, nos parece, foi de susto ao ouvir uma vor com a intengio e o desejo claro de conversar com ela, Ficou em. silencio. De antemio, nia sabia sea intengao era a de nao falar ou de reflexo sobre o pedido, talvez um pouco inusitado, de se ini- ciar um didlogo com um estranho. Esse mesmo convite se repetin em outras trés tentativas. Embora, em outros lugares, nossos en- contros, até entio, se resumiram a esta resposta muda, leito de pa- lavas, tinhamos esperanga, nio morta, mas ainda por ser gestada. [Na quarta vez, rmudamos nossa forma de apresentagao ¢, anali- sando a posteriori, parece, juntamente com a insisténcia dos pedidos, ter surtido um efeito. Perguntamos a cla se gostaria de se apresentar. Lucimara parece ter gostado de ser convidada a se apresentar (P) ~ Gostaria muito de saber sobre a sua vida. Nao gostaria de sentar para conversarmos ¢ voce poder se apresentar? Ainda revraida com o convite, Lucimara (L) comega a fa- Jac. Sua voz possuia uma frequéncia aleatéria, que misturava palavras inaudiveis ¢ outras com uma tonalidade mais alta, quase como gritos. (L) ~ Sou Lucimara de deus dos homens. Tudo escrito assim, Lucimara com L grande e deus dos homens separado com letras pequenas. Porque eu no sou Deus, s6 uma serva que caminha atras de luz. Nao gosto que me chamem assim, de Deus. Sou deus dos homens, ‘Tentando conter a curiosidade, diante do incomum, pergun- tci a cla se cra um nome de batismo (talvez querendo saber se era um nome de verdade, Mas, 0 que seria um nome de ver dade?). Lucimara pareceu confrontada com minha diivida ao responder a questio, pois logo depois encerrou nosso primeiro dislogo de forma abrupta. (L) — Nome € sobrenome sé meu mesmo, Nao tem de pai, nem de mie, nem de av6, nem do serto. Meu nome é esse, cheio de formigas que “rancam pedagos dos dedos”. Ela mostra seus dedos sujos ¢ lascados, alguns sem unha, pega suas sacolas e vai embora. Dois dias depois, sentada em um banco de uma entrequadra, sem esperar qualquer fala minha, parece me reconhecer ¢ se lem- brar dos meus pedidos anteriores para que se apresentasse, (L) — Voce ainda quer que eu me apresente? Vou me apresen- tar entGo. Eu sou Deus dos Homens. Nao sou mais Lucimara, nem Lourdes, nem Maria dos Deus. Sou dos Deus dos Homens, com maitiscula, porque sou mulher. Nao € nome de mulher, mas WOE SAOPRULO, STI, igs FEMEREROSOIS 88 € nome do Deus, Senhor Jesus, ¢ assim ninguém acha, ninguém sabe. E é pata ninguém saber mesmo, é melhor assim, porque no tenho que ser vista por ninguém, Eu, que de uma primeira vez nao quis saber/acreditar em seu nome, arrisco um novo pedido. (P) ~E vocé poderia me contar sua historia? (L) ~ Nao tenho hist6ria nao. Ninguém ouve ninguém fala. E palavras, palavras a gente inventa, igual nome. Toda hora, que nem gente, nasce nome e palavras. Depois de um longo silencio nosso, ela continua {L) = Minha vida na caverna é s6 mesmo para escutat [...]. Tee ho 84 anos mais 14, menos 15, menos 30 e mais 12 por conta do marido que morreu. Soma isso, mais minha experiéncia com bor. dado e croché, Sei escrever, ler e tudo 0 que € da vida esta jé escrito, 1 gente faz.s6 morrer de encher a boca dessa palavraiada toda. Ficamos em siléncio. Surpreso com essa multiplicidade de “palavraiada toda”, arrisco novamente um convite, tentando, entretanto, integrar seu jogo de miltiplos nomes e idades. (P) - Com toda essa idade, a senhora deve ter bastante pala- vraiada para contar. (L) - Mas eu nao acabei de contar minha idade para o senhor, io, Contando as formigas no pintano, no agude Id na casa da minha mie, se somar tudo, devo ter 325 anos, arredondado, O mesmo nimero da loto, que meu marido ganhou ¢ foi-se embora. Embora as formigas que comeram os dedos de Lucimara me chamaram novamente a atengao, fiquei em siléncio, Lucimara se levanta novamente ¢ vai embora. Esbogo segui-la, mas desisto. Em outro encontto, Lucimara comeca falando, novamente, de suas idades, para depois ir embora novamente. (L) = Sei que isso ndo. Meus dias so meus anos. 9 de abril, 9 de fevereito, 5 de agosto, 37 de dezembro do ano do Nosso Senhor Deus, So 05 anos do povo la da minha casa. Pega stas sacolas e, sem se despedis, vai embora, me deixan- do, sentado, pensando em casa, datas, nomes, formigas que co- mem dedos; todos esses pertences. “Palavraiadas”. Em um novo encontro: (L) ~ Hoje, mudei de novo. Meu nome é Lourdes de Deus de Jesus, Nosso Senhor ¢ dos Homens. Hoje, amanha é outro e depois outro e depois outro. © resto do nome eu esqueci, deixei guardado, mas na caverna, a gente guarda e depois perde desses 325 anos na rua, entao perde mesmo. (P) ~ Vocé me contou, da iiltima vez, de sua casa, de seus filhos... (Pensando em suas perdas mais concretas.) {oe SkoPAULO,<7IEe 81-93 revEREIRO 2015 (L)—Tenho casa, ndo, senhor. Pois é de barro ea chuva passa eleva tudo. Levou os filhos, © marido. Sou s6 eu. {P) ~ Nao tem mais ninguém? — a questo pareve ter chama- do a atengao de Lourdes, que faz. umn relato grande, (L) - Ninguém escuta no. Sou sé eu mesma. Meus filhos nunca escutaram, foi por isso que fui para rua. Andei, andei, cheguei aqui a pé. Andava na estrada de noite por conta do sol, “dos avido”. Mas aprendi que tem sempre onga na esprei- ta, por isso fico quieta, quieta, tem ninguém para ouvir nfo, [Nunca tem ninguém para ouvir, Mas 0 que eu sei fazer mesmo € olhar e escutar. Por isso estou aqui, passa muito avido e eu consigo escutar todos eles, escuto avido, helicdptero, carro de policia, crianga pequena, escuto vocés, escuto “as formiga”. Depois de um siléncio, continua: {L) -Se eu me lembrasse onde deixei, mostraria RG ¢ cartei- 1a de trabalho. Tava lé escrito, “costureira”. De noite eu rez0, durmo, rez de novo, alguém que jé conhece? Vocé quer es- cutar minhas rezas?! & assim: “Que proteja, proteja, proteja, proteja essa serva, essa serva, essa serva, Proteja das ongas, das formigas ¢ dos homens. Ninguém ouve ninguém. Por isso Deus, ouga minhas preces”. (P) — Mas estamos aqui Ihe ouvindo agora, ndo? (L)— Mas o que voct acha? Ouvem, mas tem como me guar- dar, tem como guardar palavras? Depois voe’s vio embora, por isso é que nao falo, Entdo 0 que vocé acha? Nao tem nin- guém para ouvir, entio eu s6 escuto. Escuto aquilo tudo que falei, com “os ouvido” ¢ com os olhos ld no fundo da caverna. Nesse momento percebo um reconhecimento maior de Lucimara da nossa presenga, pelo menos como ouvinte. Ten- to conversar com ela sobre ser escutada, mas, novamente, ela nos interrompe, indo embora. Em uma tentativa de se identificar de se esconder, Lucimara parece se repetir cada vex de uma forma diferente. Nosso didlogo parece se base- ar nessa tentativa de apresentagio de suas perdas. Em uma espécie de jogo de esconde-esconde com suas fantasias per- secutérias, brinca conosco de eriar nomes, talvez para dat conta de suas perdas. ‘Tentamos ainda encontrar com Lucimara, mas, segundo in- formagoes de comerciantes da regiao € outros moradores de rua, ela sumiu, falando que ia fazer uma viagem, Em uma de suas cavernas, havia um par de latas enferrujadas, que jé havi- amos visto com ela, esquecidas em um canto, (We SAOPAULO,STIBN) 1-93 evERERO ONE 90 Catando palavras: consideragées com rumos. ignorados A transcricao de um relato oral, ao ser materializado pela escri- ta, possui sempre, em sua esséncia, uma perda de expressividade ede momentos emocionais importantes. A histéria ou, pelo me- nos, a tentativa de se construir uma histéria de vida, juntamente com Lucimara, nfo é diferente. Seu tom de vor, que se alterava a cada palavra, seu chei- +0 forte de fezes, suas roupas velhas, suas sacolas cheias de latas, ferros, papéis velhos e amassados; as palavras néufragas, como denominamos esses relatos, ficavam (e ainda fica) impregna- das em quem as vive, cheira, vé e ouve. Invengdes e ruminagées; “palavraiadas” de datas ¢ nomes que, 20 mesmo tempo, eram boias de salva-vidas criativas e éncoras de submersio em um mundo miseravel Nossos encontros se movimentavam em palavras (vivéncias) de vida e morte: a imagem de uma pessoa se debatendo, lutando contra um possivel afogamento. Permeadas por relatos custos, invariavelmente com finais repentinos ¢ momentos longos de si- [encios, nossas entrevistas foram sempre carregadas por emogdies, incompreensdes € angtistias. Nesse sentido, o movimento pendu- lar do processo de pesquisa de aproximagao ¢ distanciamento ~ remetendo novamente a imagem do jogo do carretel —é também tum jogo de vida e morte, conhecimento e estranhamento. ‘Veena Das (2008), antropéloga indiana, sugere que a escuta de episddios de dor deva partir do principio de que esses rela- tos sio formados por palavras que demandam, a todo instan- te, reconhecimento © um espaco de disponibilidade concreta ¢ emiocional de escuta. Uma das preocupagées acerca do trabalho desse tipo de escuta é justamente este sentido fragmentério que acaba por dificultar ainda mais a aproximagio de quem sofre © de quem escuta esses sofrimentos. As dores (niio suas causas imediatas ¢ objetivas) ndo possuem um encadeamento légico, a partir de fatos cronolégicos, mas se espalham pelo corpo, pela mente ¢ pelas palavras de quem conta. No espago que se cria esté @ possibilidade de se construir formas ¢ momentos de troca € acompanhamento. Por parte do investigador, ressalta Veena Das (2008), espagos de aproximago, compreensao ¢ analise deste outro em sofrimento. ‘Ao ouvir novamente os relatos gravados, a voz de Lucima- a parece realmente fugit de qualquer tentativa de apreensio; palavras dificeis de serem encontradas, como que escondidas, IDE SAOPHLLD.STIEH 81-93 FEVERBRO ZTE entremeadas pelos barulhos do mundo a céu aberto, carcomidas pelas formigas da miséria, Nossos encontros no meio de ruas, em calcadas de avenidas movimentadas, sentados em algum banco ow raiz de arvore, foram momentos de coletas destas curtas conversas em vias de se afogarem ou de serem salvas, transfiguradas neste sentido disperso ¢ fragmentado de um cotidiano sofrida. Até mesmo seu nome utilizado neste trabalho ~ Lucimara — parece catado de uma colecao confusa ¢ dolorida, colocado em uma sacola plastica talver. (j4) esquecida em alguma de suas cavernas, afogado em misérias concretas e sonhadas. No meio de tantos, todos parecem nomes sofridos, tingidos pelo seu cheiro forte de abandono. Talvez, 0 grande desafio dessas palavras néuftagas seja acompanhar seus movimentos, a fim de poder escuté-las. Como, coloca Ogden (2013), as palavras vivas de uma relagao anali- tica parte da ideia, j4 estabelecida em Freud, de se apreender © acompanhat o movimento do mundo inconsciente. Palavras da € na rua, em movimento constante; frageis, faceis de serem mortas, atropeladas ou por afogamento. No entanto, a0 mesmo tempo, possuiam a forga de movimentar minhas emogSes depois de nossas conversas, enquanto voltava para casa, abtigo que Lu- cimara hé muito havia perdido que, dramaticamente, parecia perder sempre e, por isso, sofrer sempre. Por cerca de um més, tentamos ainda encontrar Lucimara. Em um desses Iugares-casa, sem nome, no meio da rua, umas criangas brincavam de escande-esconde. Uma delas gritava que iia se esconder no fundo do mar, porque seu pai havia Ihe ex- plicado que la nio tem GPS, Realmente, no fundo do mar as palavras ndufragas se escondem: rumo ignorado, a Bauet, F (2007). Du bruit au discours : la domestication de la voix des précaires. Vie sociale, n° 3, p. 65-77. Castel, R. (2003). As metamorfoses da questo social (Uma eré- rica do salério), (4° ed.), Petropolis, RJ: Vozes. Das, V. (2008). Sujetos del dolor, agentes de dignidad. Bogota: Colecci6n Lecturas CES, Facultad de Ciencias Humanas. Declerck, ¥, (2006). Los ndufragos, Madrid: AEN. Delgado, M. (2007), Sociedade Movedieas. Pasos hacia uma an- tropologit de las calles. Barcelona: Ed. Anagrama. Ferraroti, F (1983). Histoire et histoires de vie. La méthode bio- _graphie dans les sciences sociales. Paris: Libraric des Méridicns, TBE SAOPAIRD. STI] S95 FEVEREIO 015, REFERENCIAS 16 92 esumo | summery Frangella, S.M, (2004). Corpos urbanos errantes: uma etnogra- fia da corporalidade de moradores de rua em Sao Paulo. Tese de Doutorado, Instituto de Filosofia e Ciéncias Humanas da Universidade Estadual de Campinas, Sao Paulo. Freud, $. (1996). © estranho. In Bdigao standard brasileia das obras psicoldgicas completas de Sigmund Freud. (J. Salomao, trad., Vol. XVI). Rio de Janeiro: Imago Editora. (Trabalho original publicado 1919). Girola, C. (1996), Recontrer des personnes sans abri, Une an- thropologic réflexive. Politix. Vol. 9, n° 34, Deuxitme trimes- tre, pp. 87-98. Le Blane, G. (2007). Vidas ordindrias, vidas precérias: sobre la cexelusién social. Buenos Aires: Nova Visién. Minerbo, M. (2009). Neurose endo neurose. Sao Paulo: Casa do Psicélogo. Ogden, T. H. (2013). Reverie e interpretagao: eaptando algo bu- ‘mano, Sto Paulo: Escuta Palavras néufragas: relatos de vida de uma moradora de rua em Bras jamento metodolégico de uma pesquisa realizada com popula ‘sdo em situagio de rua em Brasilia (Brasil), partindo da ideia de ia Este artigo busca apresentar a construgao de um plane- ue um processo de pesquisa, mais do que agdes instrumentais visando objetivos claros © percursos pré-definidos, também & uma forma de encontro, que envolve tanto situagdes concretas como fatores subjetivos e emocionais. A partir do relato de vida de uma moradora de rua busca-se discutir e analisar aquilo que chamamos de “palavras naufragas”, indicadoras tanto da sua condigio social ¢ estrutural, como de suas vivéncias psiquicas e construgdes simbilicas. Nesse sentido, este artigo tenta construir tun didlogo entre 0 material te6rico e de campo e uma perspec- tiva psicanalitica acerca, principalmente, do trabalho analitico a partir da relagio da dupla, | Castaway words: life histories of a homeless in Brasilia This article intends to present the elabora- tion of a methodological planning of a survey about the home- less population in Brasilia (Brazil). lt starts from the idea that 4 research process rather than instrumental actions searching clear and pre-defined pathways, itis also a way of meeting, that involves both concrete situations and subjective and emotional factors. From the life history of a homeless, we pretend to dis- cuss and analyze what we call ‘castaway words’, that indicates both social and structural condition and psychic and symbolic constructions. This article attempts to build a dialogue between Ioe SAOPAULD.S7{69) $1.95 FEvEREHO a9 theoretical and field material and a psychoanalytic perspective based on the relationship of the analitical pair. Situagao de rua, Método psicanalitico. Relatos de vida. Pesquisa paLavas-cHave | KEYWORDS de campo. | Street life. Psychoanalysis methods. Life histories. Field research, PEDRO DE ANDRADE CALIL JABUR SEPSIEQS 714, 944 BI. A, sala 328 ~ Ed, Porto Alegre ‘Asa Sul 70390-145 ~ Brasilia — DE tela x 3345 456% recen00 14.11.2014 pedrojabur@gmail.com eno os.t3604 De Sho PAULO, S716) Brgy FEVERERO ZOE £6

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