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MARTIM SOARES MORENO Q FUNDADOR DO CEARA ARTIM Soares Moreno ¢ 0 vulto cul minante da primitiva historia do Ceara; tudo que lhe diz respeito reveste-se de capital interesse, porque, mais afortu- nado que Pero Coclho e os missionarios . Pinto e Figueira, ¢ elle o fundador do Cearé, & por longos atmos o nascente estabelecimento viveu ¢ prosperott dehaixo de sua direcgae intelligente © vigorosa. Companheiro dos que ousaram, avidos de lueros e de gloria, de lucros principalmente, ponetrar primeiro nas noasas terras inda virgens, Martim Soar i s deu emipreza em que foi parte tamanha largueza de vistas, ape- zar dos poucos snuos, tacs enacidade nos soffrimentos ¢ impavidez nos perigos, que moverum em scu favor as recommendagées de Diogo de Campos e a protecgao de homens como Dioga de Menezes ¢ Gaspar de Sousa ; de outro lado, a sciencia da lingua dos indigenus, as 173 REVISTA TRIMENSAT, sympathias que se creou cntre osses habitantes das flo- rostis, nomeadammnie de principal Jacatiaa que o cha- maya de filho, porque sea procedimento contrastava come _os dos Pero Couth> 2 Sxomenho, uns réos de lesa humanidade no tribunal da conscicneia dos povos, sua adaptagio aos usos e costumes dos selvicolas que o levava até a pintar-se como elles com as tintas do urneti e genipapo e a alimentarse como elles, tudo em- presta a Martim Soares a3 proporedes da principal fi- gura entre os nossos colonisadores da primeira leva. Demais, factos mui importantes de sua vida niio so cireamseraveram ao estreito ambito da nossa Capi- tania. Seus servicos 4 civilisag¢io e a2 renom3 Portugues nio se limitaram a ler silo o edificador do presidie do Coard e s9u commantinte por longos anos. Explorador do Muranhio no intuito de facilitar a expulsio de extrangciro: qae alli se hayiam estabelecido em grande porlerio, elle empregou na empresa 03 mais subtis ardis e sd descangou quando conseguiu os ne- cessarins esclarecimantos para que se podesse levar a bom caminhoa jornada, cujo epilego foi o Tratado de 27 de Novembro de 1614 ¢ a subsequente rotirada da gente de La Ravardiero e Rasilly; soldado resoluto e experimentado, realisou com a espada e preparou com og conselhos muitos dos feitos do armas que, aperar de El Rey, arrancaram Pernambuco e outras capitanias ds garras da Hollanda depois de um lucta, que é 0 mais bello trecho que conhego da historia Brasileira; ora yemvlo erraute poles mares, ludibrio das tempestades e das correntes, que 0 conduzem a contragosto as Indias de Castella, ora prisioncivo em Franga apés pugna renhida om quo o numero sobrepuja ao valor ¢ 08 vencidos siio condusidos 4 prisio, aqui ds voltas com corsarios Fran- cezes, que por inversion dos destinos sio agora os r pellidos e os desbaratados, ali com colonos Hollandezes, alem a concertac, a satisfazer as primeiras necessidades da povougio que vae fundar, requisitande com mjny- po INeTITUTO DO ceAR 119 dencia paranientos para 2 Egreja, soldos para os pre- sidiarios, munigSes para o forte, mas em toda a parte e em todo tempo revelando-se soldado astuto e esfor- gade e explorador atilado e intelligente. Devesete anos de bons servigos dé a Martim Soures a Carta de 26 de Maio de 1619, que Ihe fez mereé da Capitania do Ceard por tempo de 10 annos, e esses bons servigos se prolongaram ¢ se estenderam até 1648, quando, no posto de Mestre de Cano, trocou elle o peso ¢ as agruras da vida militar pelo descango na sua terra da Europa, sondo entiio substituide por Nicolau ‘Aranha Pacheco, Militou, p»-tanto, uo Brasil por 46 annos, Digo na sua terra da Europa porque o repute portuguez, niio accsitando a filiagao pernambucana, que the dao Fernandes Gama, Capistrano d’Abreu ¢ Luna Freire. Si alguma duvida eu tivera a respeito, essa se dissiparia diante da affirmagio que elle proprio fez de ter vindo para o Brasil como soldado om companhia do governador Diogo Botelho, cujo governo teve co- meco em Maio de 1602. . Portuguez era elle, brasileiro poderia sel-o, mouro iego 6 que nunca, nao obstante Eugenio Guenin fal.o tal, e,o que mais é, tomando parte na batalha de Ma- Tignan e sendo preso pelos Francezes em 1620! Com quem, em que oecasiio ¢ em que edade co- megou a salientar-se no servigo & seu paiz? © historiador mais antigo que trata de Martin Soa- res é Diogo de Campos Moreno, seu tio, a esse segue se frei Vicente do Salvador, autor da Historia do Bra- xil (1627), que tambem. o conlieceu pessoulmente. Sobre cousas do Geart do seu tempo ¢ o que ha de mais antigo. jem um e€ outro auctores a primeina vez que elle figura é.na expedighio de Pero Coelho i Serra da Ibia- psaba. Reslisada esta, como foi em 1603, devem-selhe contar até a data da Carta Regia, que Ihe doou o Cearé, 180 REVISVA TREMENSAL nfio 17, mas tAo somente 16 annos de servigo. Alias a Carta Regia de 26 de Maio dizendo £7 annos diz acer- tado si os contarmos desde sua partida do Reino. A guerra sedusiu-o bem creanca ainda, de pouea idade, elle o confessa, e explicitamente se 1a na Jornada do Maranhéo ; «Tinha o dito Diogo de Campos (é 0 pro- prio auctor da Jornada do Marankao} um parente seu, 0 qual de-nwi pequeno havia mandado com Pero Coelho de Souza, para que servindo naquella entrada aprendesse a lingua dos Indios e seus costumes, dando-se com elles e fazendo-se seu mui familiar>. «Mui pequeno 6 yago, dix Capistrano d'Abreu no trabalho As Primetrus Armadas vindas ao Hrasil; maa si attendermos, de um lado, u que mandando-o ao Cearé © que sen tio queria era que elle eservindo n'aquella en. trada aprendesse a lingua dos Indios e seus costumes, dando-se com elles e fazendo-se mui seu familiar e parente ou compadrey ; si attendermos de outro lado a que Var- uhagen (pag. 404 da 2." edie.) assegura que Martim era um dos cabos dos soldados que tomaram parte na ex- pedicio, 0 mui pequeno nao pode signifiear menos de 17a 18 annos, Assim elle podia ter nascido em 1586,» Dezesete. annos contava tambem Jofio Femandea Vieira e, si nic foi nessa odade chefe de bandeira ou capitiio de batedores como no seu exeesso de conceitos encomiasticos quizcram fazer delle panegyristas a outran- ee, foi soldado valoroso contra os batavos invasores de Pernambuco. Si ao tempo da expedigiio 4 Tbiapaba era tao joven, mui pequeno, como diz o tio, de 17 ou 18 annos como justamente suppSe Capistrano d'Abreu, néo podia elle conluiarse com wn homem da edade e da importancia social do cunhado de Fructuoso Barbosa e levar 4 em- preza commum elementos seus tio consideraveis que merecesse ao Padro Joué de Moraes o que se lé no cap. ITT da sua Historia da Companhia de Jesus. Até © titulo do cap. diz: Pero Coelho de Souxa e Martim Soares Moreno tentao por terra o descobrimento do Ma- bo InstrTuto bo CHAR, 181 ranhfo, como pretendendo dar a perceber que Martim Soares era figura do primeiro plano e néo um simples cabo 4 laia de Manoel de Miranda, Joio Cide e Simfo Nunes, que tomaram parte tambem na expedigiio. Mas & assergio do Padre niio rosiste no argumento a que se prestam a tenra edade de Martim Soares e 9 silencio dos dous escriptores ji citados, ambos seus conhecides ¢ um delles parenté bem proximo. Nao querendo falar no facto guaidado por Vieente do Salvador de ter recahido néo em Martim Soares, mas em Manoel de Miranda a escolha para chefe do de soldados encarregados de langar as mangas contra os Indios e os francezes da Ibiapaba, o que cons- titue um argumento da superioridade deste sobre aquelle, uma cireumstancia ainda ha pura so oppor ao que José de Moraes busca fazer acreditar. Organisa-se uma expedigao destinada ao descobri- mento do Maranhiio, mas principalmente por terra, por- que por mar era improficua a tentativa e para desco- rogoar os mais audazes shi estuvam as desgracas de Luiz de Mello e Ayres,da Cunha. A’ testa da cmpreza eolioca-se Pero Coelho de Souza, homem nobre, morador na Parahyba ¢a elles se associam varios aventureiros. Sahe a expedigio da Parahyba, chega 20 Jaguaribe, encaminha-se ao Camocim e d’shi 4 serra da Tbiapaba. (Qs indies auxiliados por Francezes, que naquellas pa- ragens viviam a commerciar, travam luta com Pero Coalho. Apezar de Mombille ¢ seus arcabuzes, Juripa- riguassi e Irapuan, chefes indigenas, sio derrotados. Celebram-se pases, os indios offerecem-se para scom- panhar ao Punaré a Pero Coelho, que projecta ir além, a0 Maranhiio, a ultima tape de sua projectada viagem. Maa agora sido seus proprios soldados que recusam roseguir. Prosta-os a fadiga, escasseam-thes os recursos. olta ao Camocim 6 d'ahi ao Ceuré, onde funda & margem do rio do mesmo nome 4 povoacio de Nova Lisbéa, «sitio donde ja era feita uma cidade, muito bom sitio onde tenho agora uma fortaleza, escreveu muitos

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