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mary douglas PUREZA E PERIGO aa ee Ee Wy, 10 anos de g EDITORA PERSPECTIVA Alin y 1. IMPUREZA RITUAL Nossa idéia de sujeira é composta de duas coisas, cuidado com a higiene e respeito por convengdes. As re- gras de higiene mudam, naturalmente, com as mudangas no nosso estado de conhecimento. Quanto ao aspecto convencional de evitar a sujeira, essas regras podem ser colocadas de lado em nome da amizade. Os trabalhado- res rurais de Thomas Hardy elogiaram o pastor que re- cusou uma caneca limpa para tomar cidra como um “ho- mem bom e sem melindres”. “Uma caneca limpa para o pastor”, ordenou o tabemeiro, “Nao — de jeito nenhum”, disse Gabriel, num tom de con- sideracéo reprovadora. “N&o me preocupo com a sujeira em seu estado puro e quando sei de que tipo € ... Eu nfo pensaria em dar a meus vizinhos o trabalho de lavarem, quando ja ha tanto trabalho no mundo para ser feito.” 19 Num espirito mais exaltado, Santa Catarina de Sie- na, quando sentiu repulsa pelas chagas de que estava cuidando, dizem que se culpou amargamente. A boa hi- giene era incompativel com a caridade; assim, delibera- damente, bebeu uma tigela de pus. Caso sejam rigorosamente observadas ou violadas, nao ha nada em nossas regras de limpeza que sugira qualquer conexio entre a sujeira e o sagrado, Assim sendo, saber que os primitivos fazem pouca diferenga entre o sagrado e a sujeira é simplesmente ilusdrio. Para nés, coisas sagradas e lugares sagrados devem ser protegidos contra a profanagio. Santidade e impu- reza esto em pdlos opostos. Tampouco confundiriamos fome com abundancia ou dormir com acordar. Mesmo assim, acredita-se que € caracteristica da religiao pri- mitiva nao fazer uma distin¢fo clara entre santidade e sujeira. Se isso for verdade, revela um grande abismo entre ndés e nossos antepassados, entre nds e primitivos contemporaneos. Certamente, esta afirmagao tem sido amplamente sustentada e ainda é ensinada numa forma enigmatica ou outra. Tome-se a seguinte observagao de Eliade: A ambivaléncia do sagrado nfo est4 apenas na ofdem psi- colégica (por atrair ou repelir), mas também na ordem dos valores; 0 sagrado é ao mesmo tempo “sagrado” e “maculado” (1958, pp. 14-15). A afirmagao pode ser feita de modo a parecer menos paradoxal. Poderia significar que nossa idéia de santidade tenha-se tornado muito especializada e que em algumas culturas primitivas o sagrado é uma idéia muito geral significando um pouco mais que proibigaéo. Nesse sentido, o universo é dividido entre coisas e agGes su- jeitas a restrigGes e outras que nao 0 sao; entre as res- trigdes, algumas pretendem proteger a divindade contra a profanagio, e outras proteger o profano contra a in- trusdo perigosa da divindade. Regras sagradas sao assin meramente regras cercando a divindade, e a impureza é a dupla maneira perigosa de contacto com a divin- dade. O problema se resume entdo num problema lin- giiistico, e o paradoxo é reduzido mudando-se o vo- cabulario, Isto pode ser verdade para certas culturas (ver Steiner, p. 33). 20 A prépria palavra latina sacer, por exemplo, tem este significado de restrigio totalmente pertencente aos deuses. E em alguns casos ela pode ser empregada para profanagao assim como sacralizacdo. Similarmente, a raiz hebraica de k-d-sh, que usualmente é traduzida como Santo, baseia-se na idéia de separacio. Ronald Knox, sabendo da dificuldade de traduzir literalmente k-d-sh para Santo, utiliza em sua versio do Velho Testamento “posto a parte”. Assim as velhas e importantes linhas “O Senhor seja santo porque eu sou Santo” sao antes pobremente traduzidas por: Eu sou o Senhor vosso Deus, que vos salyou da terra do Egito; Eu sou posto a parte e vés precisais ser postos 4 parte como Eu. (Levitico XI, 45) Se somente uma retradugio pudesse endireitar as coisas, tudo seria muito simples. Mas ha muitos casos in- trataveis. No hinduismo, por exemplo, a idéia de que profano e santo pertencem a uma mesma categoria lin- giistica mais ampla é absurda. Mas as idéias hindus sobre poluigao sugerem uma outra abordagem do pro- blema. Santidade e nao-santidade afinal nao necessitam sempre ser opostos absolutos. Podem ser categorias relativas. O que é limpo em relacgdo a uma coisa pode ser sujo em relagao a outra e vice-versa. O idioma de poluigao adequa-se a uma Algebra complexa que leva em consideragio as varidveis de cada contexto. O Prof. Harper, por exemplo, descreve como o respeito pode Ser expresso, entre os povos Havik da parte Malnad, do Estado de Mysore, nas seguintes linhas: O comportamento que resulta geralmente em poluigao é, algumas vezes, intencional a fim de mostrar deferéncia e res- peito; fazendo aquilo que, em outras circunstincias, seria pro- fanagaio, um individuo expressa sua condi¢fo inferior. Por exemplo, o tema da subordinacio da mulher ao marido encon- tra expressdo ritual quando a mulher come da folha do ho- mem depois que ele tenha terminado... Num caso ainda mais claro, requereu-se que uma mulher santa, sadru, fosse tratada com imenso respeito, quando visitou a aldeia. Para mostrar isto o liquido com que ela lavara os pés foi passado entre os circunstantes uma vasilha especial de prata, usada unicamente para veneragiio, e derramado na mio 21 direita para ser bebido como firtha (liquido sagrado), indi- cando que se lhe conferia antes o status de uma deusa que de uma mortal... A expressio mais enfatica e freqiiente de res- Ppeito-poluigao reside no uso do esterco de vaca como um agente purificador, Uma vaca é adorada diariamente por mu- Theres havik e em algumas ocasiGes cerimoniais por homens havik. ...Algumas vezes dizem que as vacas sao deusas; al- ternativamente, que tém mais de mil deuses residindo nelas. Casos simples de poluicio sio removidos com agua, graus maio- res de poluicio sio removidos com esterco de vaca e Agua... ‘O esterco de vaca como o esterco de qualquer animal é in- trinsecamente impuro e pode causar profanagio — de fato, ele ira macular um deus; mas é puro em relagao a um mor- tal... a parte mais impura da vaca é suficientemente pura, relativamente mesmo a um sacerdote bramane para remover- Ihe impurezas (Harper, pp. 181-183). E dbvio que estamos lidando aqui com linguagem simbélica passivel de finos graus de diferenciagiio. Este uso da relacio de pureza e impureza nao é incompativel com nossa linguagem e nao da origem a quebra-cabegas especialmente paradoxais. Longe de estar havendo con- fusio entre a idéia de santidade e impureza, o que existe aqui é tao-somente uma distingdo da mais fina sutileza. As afirmagdes de Eliade sobre a confusio entre contégio sagrado e sujeira na religiao primitiva, evi- dentemente, nao foram feitas para serem aplicadas a re- finados conceitos bramanes, Para que, entao, foram elas elaboradas? Além dos antropélogos, existiria algum po- vo que realmente confunde o sagrado e impuro? De onde brotou esta nogiio? Frazer parece ter pensado que a confusdo entre impureza e santidade é a marca distintiva do pensa- mento primitivo. Numa longa passagem, em que con- sidera as atitudes dos sirios em relagio aos porcos, ele conclui: Alguns disseram que era por serem os porcos sujos; outros por serem sagrados. Isto... alude a um estado confuso de pensamento religioso, no qual idéias de santidade e impureza nfo esto ainda claramente diferenciadas, sendo ambas mistu- tadas numa espécie de solugdo vaporosa a que damos o nome de tabu (Spirits of the Corn and of the Wild, Il, p. 23). Ele mostra novamente 0 mesmo ponto dando o significado do tabu: Tabus de santidade concordam com tabus de poluigio por- que na mente do selvagem as idéias de santidade e poluigdo nao estio ainda diferenciadas (Taboo and the Perils of the Soul, p. 224). 22 Frazer tinha muitas qualidades boas mas a ori- ginalidade nunca foi uma delas. Estas citagdes Jembram diretamente Robertson Smith, a quem ele dedicou Spirits of Corn and of the Wild. Mais de vinte anos antes Ro- bertson Smith tinha utilizado a palavra tabu para res- trig¢6es no “uso arbitrario feito pelo homem de coi- sas naturais, reforgado pelo temor a penalidades sobre- naturais” (1889, p. 142). Estes tabus, inspirados por medo, precaugdes contra espiritos malignos, eram co- muns a todos os povos primitivos e freqiientemente to- mavam a forma de regras de sujeira. A pessoa sob tabu niio é considerada como santa, é afastada do santuério, bem coma do contacto com homens, mas seu ato ou condicio € associado de alguma maneira com perigos sobre- naturais, surgindo, de acordo com a explicagio selvagem co+ mum, da presenga de espiritos terriveis, os quais sio evitados como doenga infecciosa. Na maioria das sociedades selvagens parece nio haver nenhuma linha de separagio entre os dois tipos de tabus. De acordo com esta visio a diferenga principal entre o tabu primitivo e as regras primitivas de santi- dade é a diferenga entre deidades amistosas e inamis- tosas. A separaciio do santudrio bem como pessoas e coisas consagradas daquelas que sao profanas, que cons- titui uma parte normal de cultos religiosos, é basica- mente a mesma que as separagdes que sao inspiradas pelo medo de espiritos malévolos. Separagéo €é a idéia essencial em ambos contextos, somente o motivo é di- ferente — e nfo tio diferente, uma vez que deuses amistosos também devem ser temidos em certas oca- sides. Quando Robertson Smith acrescentou que “dis- tinguir entre o santo e o impuro marca um real avan- ¢o sobre a selvageria”, ele nao estava dizendo aos seus leitores nada desafiante ou provocativo. Era certo que seus leitores faziam uma grande distin¢fio entre sujo e sagrado, ¢ que eles estavam vivendo no ponto certo do movimento evoluciondrio. Mas ele estava dizendo mais do que isso. Regras primitivas de sujeira dao aten- Gio as circunstincias materiais de um ato e julgam-no bom ou mau de acordo com as mesmas. Assim, o contacto com cadfveres, sangue ou saliva, pode ser con- siderado transmissor de perigo. Regras cristas de san- tidade, ao contrario, nfo consideram as circunstancias 23 materiais e julgam de acordo com os motivos e dispo- sigio do agente. ...2 irracionalidade das leis de sujeira, do ponto de vista da religiio espiritual ou mesmo de alto paganismo, é tio mani- festa que elas devem ser necessariamente encaradas como sobre- vivéncias de uma forma anterior de {6 e sociedade (Nota C, p. 430). Desta maneira, produziu-se um critério para clas- sificar as religises em avangadas ou primitivas. Se pri- mitivas, entfo as regras de santidade e as de impureza eram indistinguiveis; se avangadas, entéo as regras de impureza desapareciam da religido. Elas eram relegadas & cozinha, ao banheiro e 4 limpeza ptblica, nado tendo nada a ver com religiéo, Quanto menos a impureza es- tivesse relacionada com condigGes fisicas e quanto mais ela significasse um estado espiritual de indignidade, tan- to mais decisivamente poderia a religiao ser considerada avangada. Robertson Smith era antes de tudo um tedlogo € estudioso do Velho Testamento. Como a teologia diz respeito as relagdes entre o homem e Deus, ela tem de fazer permanentemente afirmagGes sobre a natureza do homem. Na época de Robertson Smith, a Antropolo- gia estava muito presente na discussio teoldégica. Muitos pensadores, na segunda parte do século XIX, eram ne- cessariamente antropdlogos amadores. Isto fica claro em The Doctrine of Survivals, de Margaret Hodgen, um guia necessdrio ao confuso didlogo do século XIX entre a Antropologia e a Teologia. Naquele periodo formati- vo, a Antropologia ainda tinha suas raizes no pilpito e salées das paréquias, e os bispos utilizavam suas des- cobertas para textos fulminantes. Os etnélogos de paréquia tomavam partido como pessimistas ou otimistas a respeito do progresso humano. Eram os selvagens capazes ou nao de avango? John Wesley, ensinando que o ser humano em seu estado na- tural era fundamentalmente mau, extraiu vividas descri- cées de costumes selvagens para ilustrar a degenerescén- cia daqueles que nao estavam salvos: A religiio natural dos Creeks, Cherokees, Chickasaws e todos os outros indios é torturar todos os seus prisioneiros de manha 4 noite, até finalmente ass4-los até a morte... 24 Sim, € uma coisa comum entre eles que, se o filho achar es pai j4 viveu demais, lhe estoure os miolos (Works, y. 5, p. 402). Nao preciso esbogar aqui a longa discussao entre os progressistas e os degeneracionistas. Por muitas décadas, a discussdo arrastou-se inconclusivamente até que o ar- cebispo Whately, numa forma popular e extrema, ado- tou o argumento a favor da degeneragio para refutar o otimismo dos economistas seguidores de Adam Smith. Poderia esta criatura abandonada, indagava, conceber qualquer dos elementos de nobilidade? Poderiam os mais baixos selvagens e os espécimes mais civilizados das ragas européias serem reconhecidos como membros da mesma eSpécie? Como afirmou o grande economista, é concebivel que este povo desavergonhado, pela divisio de trabalho, pudesse “‘avangar passo a passo em todas as artes da vida civilizada?” (1855, pp. 26-27). A rea- ¢ao a este panfleto, como descreve Hodgen, foi intensa e imediata: Qutros degeneracionistas, como W. Cooke Taylor, compu- seram volumes para sustentar sua posigio, reunindo grande quantidade de provas onde o arcebispo permanecera satisfeito com uma ilustracio. ...Defensores do otimismo do século XVIII apareceram de todos os pontos do espago. Foram revistos livros nos termos da afirmagao de Whately. Reformistas sociai em todo lugar, aquelas boas almas, cuja compaixfo adquirida pelo esmagamento econdmico encontrou um solvente confor- tavel na nogéo da inevitével melhoria social, encaravam alar- mados a realizagio do ponto de vista oposto... Mais des- concertados ainda estavam aqueles estudiosos da mente e cul- tura humanas cujos interesses pessoais e profissionais estavam investidos de uma metodologia baseada na idéia de progresso (pp. 30-31). Finalmente apareceu um homem e assentou a con- trovérsia para o resto do século, trazendo a ciéncia para auxiliar os progressistas. Era Edward Burnett Tylor (1832-1917). Ele desenvolveu uma teoria e acumulou sistematicamente provas para provar que a civilizagao é resultado de um progresso gradual de um estado ori- ginal, similar ao da selvageria contempordnea. Entre as provas que nos ajudam a tragar o curso que a civilizagfo mundial tem na verdade seguido, esta a grande classe de fatos, para os quais achei conveniente introduzir o termo “sobrevivéncias”. Estes sao processos, costumes, opi- nides, e assim por diante, que foram transportados por forga do 23 } ! : ! 7 ! h&bito para a nossa sociedade... e... assim permanecem como provas e exemplos de uma mais antiga condigfo de cultura da qual uma nova evoluiu (p. 16). Pode-se ver que o sério assunto da antiga sociedade mer- gulha no espirito das wltimas geragdes e as suas crencas sé rias perpetuam-se no folclore infantil (p. 71) (Primitive Cul- ture, 6. ed.). Robertson Smith utilizou a idéia de sobrevivéncias para dar conta da persisténcia das regras irracionais de impureza. Tylor publicou sua obra em 1873, depois da edigao de The Origin of Species, e ha algum para- lelo entre o seu tratamento das culturas e o de Darwin das espécies organicas. Darwin estava interessado nas condigGes sob as quais um novo organismo pode apare- cer. Interessava-se pela sobrevivéncia dos mais aptos, e também pelos 6rgaos rudimentares cuja persisténcia dera- Ihe indicios para reconstruir o esquema evolucionario. Mas Tylor estava interessado unicamente na sobrevi- véncia demorada do nao-apto em quase desaparecidas reliquias culturais. Nao se preocupava em catalogar es- pécies culturais distintas ou mostrar sua adaptaciio atra- vés da histéria. Procurou apenas mostrar a continui- dade geral da cultura humana. Robertson Smith, posterior, herdou a idéia de que o homem civilizado moderno representa um longo pro- cesso de evolugio. Aceitava que alguma coisa que nés ainda fazemos e acreditamos é féssil; sem sentido, apén- dice petrificado dos assuntos cotidianos do viver. Mas Robertson Smith nfo estava interessado em sobrevi- véncias mortas, Costumes que nao alimentaram os pon- tos crescentes da histéria humana, ele os batizou de ir- racionais e primitivos, e insinuou que eles eram de pouco interesse. Para ele, era importante o trabalho de limpar os destrogos pegajosos e a poeira das cultu- ras selvagens contempordaneas, ¢ revelar os canais pro- dutores da vida que provam seu status evolucionario por suas funcgdes vivas na sociedade moderna. Isto é precisamente o que The Religion of the Semites pre- tende fazer, Superstica6 selvagem é ai separada das ori- gens da religiao verdadeira, e descartada com pouca consideragaio. O que diz Robertson Smith sobre supers- tigdo e magia é somente incidental para o seu tema prin- cipal, e um subproduto de seu trabalho principal. Assim, ele reverte a énfase de Tylor. Enquanto Tylor estava 26 interessado no que as reliquias originais poderiam con- tar-nos do passado, Robertson Smith interessava-se pelos elementos comuns da experiéncia moderna e primitiva. Tylor fundou o folclore; Robertson Smith fundou a an- tropologia social. Outra grande corrente de idéias chocou-se mais de perto com os interesses profissionais de Robertson Smith. Esta foi a crise de fé, que assolou aqueles pen- sadores que nao podiam conciliar o desenvolvimento da ciéncia com a revelacao crist& tradicional. Fé e razao pareciam estar em desavenga incorrigivel, a menos que uma nova formula para a religiiio pudesse ser encontra- da. Um grupo de fildsofos, que nao podiam mais acei- tar a religido revelada e tampouco podiam aceitar viver sem um guia de crengas transcendentais, trataram de providenciar aquela férmula. Portanto, comegou um pro- cesso, que ainda continua, de cortar os elementos reve- Jados da doutrina cristé, e elevar, em seu lugar, prin- cipios éticos como 0 Amago da religiao verdadeira. No que se segue, estarei citando a descrigdo de Richter, de como o movimento teve seu lar em Oxford. T. H. Green tentou naturalizar, em Balliol, a filosofia idealista hegeliana, como solugio para os problemas correntes de fé, moral e politica. Jowett escrevera para Florence Nightingale: “Algo tem que ser feito pelo homem educa- do similarmente ao que J. Wesley fez pelo pobre”. Isto € precisamente o que T. H. Green tentou alcangar: re- viver a religido no homem educado, tornd-la intelec- tualmente respeitdvel, criar um novo fervor moral e assim produzir uma sociedade reformada. Seus ensina- mentos tiveram uma recepcao entusidstica. Embora suas idéias filoséficas fossem complicadas e sua base metafisi- ca tortuosa, seus principios eram em si simples. Eles foram expressos na novela best-seller da senhora Hum- phrey Ward, Robert Elsmere (1888). A filosofia da histéria de Green era uma teoria do progresso moral: Deus se reencarna de tempos em tempos na vida social de perfeig&o ética sempre maior. Para citar seu sermao leigo — a consciéncia humana de Deus tem sido, em miiltiplas formas, © agente moralizador da socie- dade humana, e até o principio formativo dessa mesma socie- dade. A existéncia de deveres especificos e o reconhecimento dos mesmos, o espirito de auto-sacrificio, a lei moral e sua 27 reveréncia na forma mais abstrata e absoluta, tudo sem divida pressupde a sociedade, mas uma sociedade de um tipo que os torna possiveis nao é a criatura do apetite e do medo... Sob esta influéncia, vontades e desejos que tém suas raizes na natureza animal tornam-se um impulso de melhoramento, que forma, alarga e reforma as sociedades, conservando sempre diante do homem, de diversas maneiras, de acordo com o grau de seu desenvolvimento, um ideal irrealizado de um que é o seu Deus, e dando autoridade divina para os costumes ou leis pelas quais alguma semelhanga deste ideal é lavrado na rea- lidade da vida (Richter, p, 105). A tendéncia final da filosofia de Green era assim desviar-se da revelacio e consagrar a moralidade, como a esséncia da religido. Robertson Smith nunca se afas- tou da Revelacio. No fim de sua vida, ele acreditava na divina inspiragao do Velho Testamento. Sua bio- grafia, por Black e Chrystal, sugere que, apesar desta crenca, ele se tornou estranhamente proximo da nogdo de religiao dos idealistas de Oxford. Robertson Smith ocupou a catedra de hebraico da Igreja Livre em Aberdeen, em 1870. Ele estava na van- guarda do movimento de critica histérica, o qual, tem- pos antes, tivera grande repercussio na consciéncia dos estudiosos da Biblia. Em 1860, Jowett, em Balliol, foi censurado por publicar um artigo “On the Interpretation of the Bible”, no qual sustentava que o Velho Testamen- to devia ser interpretado como qualquer outro livro. As acusagdes contra Jowett malograram e foi-lhe permi- tido permanecer como professor regente. Mas quando Robertson Smith escreveu o artigo “Bible”, em 1875, para a Encyclopaedia Britannica, a grita da Igreja Li- vre contra sua heresia levou-o 4 suspensao e expulsao. Robertson Smith, como Green, estava em contacto inti- mo com o pensamento alemao, mas enquanto Green nao estava comprometido com a revelagao crista, Robertson Smith nunca flutuou em sua fé na Biblia como registro de uma especifica e sobrenatural Revelagaio. Nio so- mente estava preparado para tratar seus livros com o mesmo senso critico que em outros, mas, depois que foi demitido de Aberdeen, viajou para a Siria e trouxe tra- balho de campo documentado para sua interpretagao. Tendo como base seu primeiro estudo e documentos da vida semita, ele realizou as conferéncias Burnett. As primeiras foram publicadas como The Religion of the Semites. 28 Do modo como foi escrito, esta claro que seu es- tudo nfo era um escapismo numa torre de marfim dos problemas reais da humanidade da época. Era impor- tante entender as crengas religiosas das obscuras tribos arabes porque isto esclarecia a natureza do homem e da experiéncia religiosa. Dois temas importantes emer- giram de suas conferéncias. Um é que os acontecimen- tos mitolégicos exdticos e as teorias cosmolégicas ti- nham pouco a ver com religiao, Nisto ele est4 implici- tamente contradizendo a teoria de Tylor de que a reli- giao primitiva emerge do pensamento especulativo. Ro- bertson Smith sugeriu que aqueles que ficavam acorda- dos & noite tentando reconciliar os detalhes da Criacao no Génesis com a teoria darwiniana da evolugao pode- riam despreocupar-se, A Mitologia é um bordado sobre crengas mais s6lidas. A religiao verdadeira, mesmo nos primeiros tempos, é firmemente enraizada nos valores 6ticos da vida comunitaria. Mesmo o menos informado vizinho primitivo de Israel, atormentado por deménios e mitos, ainda mostrava alguns sinais de verdadeira re- ligiio, O segundo tema era que a vida religiosa em Israel era fundamentalmente mais ética que a de qualquer dos povos circundantes. Tomemos rapidamente este se- gundo ponto. As trés tltimas conferéncias Burnett, pro- feridas em Aberdeen, em 1891, nao foram publicadas e pouco nos restou delas. As conferéncias tratavam de aparentes paralelos semiticos com a cosmogonia do Gé- nesis. O alegado paralelo com a cosmogonia caldéia foi considerado muito exagerado por Robertson Smith, e os mitos babilénicos foram por ele classificados muito mais como mitos de nag6es selvagens do que aqueles de Is- rael. Novamente, a lenda fenicia, superficialmente, lem- bra a estéria do Génesis, mas as similaridades servem para trazer 4 tona as profundas diferengas do espirito ¢ do significado: As lendas fenicias.,. estavam vinculadas a uma visio completamente pagi de Deus, do homem e do mundo. Por serem essas Jendas destituidas de motivos éticos, nenhum crente po- deria alcangar qualquer concep¢io espiritual de divindade, nem qualquer sublime concepg4o da meta principal do homem... A dificuldade em explicar este contraste (com as idéias hebraicas de divindade) nao cabe a mim, Cabe Aqueles que sao compe- lidos, por uma falsa filosofia da Revelacdo, a yer no Velho Testamento nada mais do que o mais alto ponto das tendén- 29 cias gerais das religides semitas, Esta niio é a visio que o estudo me recomenda. E uma visio que nfo é elogiada mas condenada pelos muitos paralelismos pormenorizados entre hebreus ¢ a estéria paga ¢ ritual, pois todos estes pontos ma- teriais de semelhanga somente fazem contraste no espirito mais notavel... (Black e Chrystal, p. 536). No que concerne a formidavel inferioridade da religiio dos vizinhos de Israel e semitas idélatras isto é suficiente. Quanto A base das religides pagiis semitas, ela possui duas caracteristicas:; uma abundante demono- logia que provoca temor no coragao dos homens, e uma confortante, estavel, relacio com o deus da comunidade. Os demOnios séo o elemento primitivo rejeitado por Israel; a relagio moral, estdvel, com Deus é a religiio verdadeira. Embora possa ser verdade que um selvagem se sente cet- cado por inumerdveis perigos, os quais ele niio entende e assim personifica como invisiveis ou misteriosos inimigos, de poderes sobre-humanos, nao é verdade que o esforgo de acalmar estes poderes seja 0 fundamento da religifio, Nos velhos tempos, a religiio, distinta da magia e feiticgaria, enderegou-se aos pa- rentes ¢ amigos, que podem, na verdade, ficar zangados com seu povo por algum tempo, mas sio sempre condescendentes, exceto com os inimigos de seu povo ou com os membros re- negados da comunidade... E somente nas épocas de disso- lugio social... que a superstig¢éo magica, baseada em mero terror ou ritos destinados a aplacar os deuses estrangeiros, in- vade a esfera da religido tribal ou nacional. Em tempos me- lhores, a religido da tribo ou do Estado nada tem em co- mum com as superstigdes ou ritos magicos particulares e es- trangeiros que o terror selvagem pode ditar ao individuo. A religiio nfo é uma relag&o arbitratia do homem individual com um poder sobrenatural; é uma relagio de todos os mem- bros da comunidade com o poder que tem o bem da co- munidade em seu Amago (The Religion of the Semites, p. 55). E claro que em 1890 este pronunciamento autori- tario sobre as relagdes da moral com a religiao primitiva teria sido calorosamente bem-vindo. Reuniria, numa fe- liz combinagao, o novo idealismo ético de Oxford e a antiga Revelagio. E ébvio que o préprio Robertson Smith tinha se inclinado, inteiramente, para a visio ética da religido. A compatibilidade de seus pontos de vista com aqueles desenvolvidos em Oxford é perfeitamente confirmado pelo fato de que, quando foi pela primeira vez demitido da catedra de hebraico, em Aberdeen, Bal- liol ofereceu-lhe um posto. Ele confiava em que a preemi- 30 néncia do Velho Testamento se colocaria acima do de- safio, ainda que muito préximo do escrutinio cienti- fico. Pois ele poderia mostrar, com uma erudigio sem tival, que todas as religides primitivas expressam for- mas e valores sociais. E desde que a virtude moral dos conceitos religiosos de Israel estava acima de qualquer disputa, e desde que esses tinham aberto caminho no curso da hist6ria aos ideais do Cristianismo, e, estes, Por sua vez, tinham se movido de formas catélicas para protestantes, 0 movimento evoluciondrio estava claro. Assim, a ciéncia nfo era oposta, mas cuidadosamente subordinada ao dever cristao, Deste ponto em diante, os antropdlogos vém sendo sobrecarregados com um problema intratavel. Pois, a magia € definida para eles em termos residuais, evolu- cionarios. Em primeiro lugar, ela 6 ritual, o que nao faz parte do culto do deus da comunidade. Em segundo lugar é ritual que se espera tenha efeito automatico. De certa maneira, a magia era para os hebreus o que o catolicismo era para os protestantes, uma algaravia, ri- tual sem sentido mantido irracionalmente de modo a ser auto-suficiente para produzir resultados sem uma ex- periéncia interior de Deus. Robertson Smith, em sua conferéncia inaugural, contrasta a inteligente abordagem calvinista com o tra- tamento magico das escrituras praticado pelos catdélicos romanos, que carregaram o Livro com adendos supers- ticiosos. Na mesma conferéncia, ele afirmava que “a Igreja Catélica” tinha quase, desde o inicio, desertado da tradigio apostélica e estabelecido uma concepgio de cristandade como uma mera sé- tie de férmulas contendo principios abstratos e imutdveis, aos quais bastava o consentimento intelectual para moldar as vidas dos homens que nfo tiveram uma experiéncia de uma rela¢io pessoal com Cristo... A Escritura Sagrada nfo é, como os catdélicos tendem a clamar, “um fendmeno divino magicamente dotado em cada le- tra_com tesouros salvadores de fé e conhecimentos” (Black e Chrystal, pp. 126-127). Seus bidgrafos sugerem que a associago de magia com catolicismo era uma tentativa engenhosa de enver- gonhar seus obstinados oponentes protestantes e levd-los a um tratamento intelectualmente mais corajoso da Bi- blia. Fossem quais fossem os motivos do escocés, perma- nece o fato histérico de que a religido comparada herdou Jl uma disputa antiga sobre o valor do ritual formal. Che- gou a hora de mostrar como uma investigago emocional e preconceituosa do ritual levou a Antropologia a uma das mais estéreis perspectivas — uma estreita preocupa- cio com a crenga na eficdcia dos ritos. Desenvolverei isto no Cap. 4. Enquanto Robertson Smith estava perfeita- mente certo em reconhecer na hist6ria da cristandade uma tendéncia sempre presente em deslizar para o uso puramente formal e instrumental do ritual, suas suposi- ges evolucionarias o desencaminharam duplamente. A prética magica, no sentido de ritual automaticamente efetivo, nao é sinal de primitivismo, como o contraste que ele préprio tragou entre a religiao dos apéstolos e a do recente catolicismo poderia sugerir. Tampouco é prerrogativa de religides desenvolvidas um contetido al- tamente ético, como espero mostrar nos préximos ca- pitulos. A influéncia que Robertson Smith exerceu, divide- se em duas correntes, de acordo com os usos que Dur- kheim e Frazer fizeram de sua obra. Durkheim tomou sua tese central e colocou a religidéo comparada em linhas frutiferas. Frazer tomou sua casual tese menor levando a religiao comparada a um beco sem saida. A divida de Durkheim para com Robertson Smith é reconhecida nas The Elementary Forms of the Reli- gious Life (p. 61). O livro todo desenvolve a idéia ger- minal de que os deuses primitivos sao parte e parcela da comunidade, suas formas expressando acuradamente os detalhes da sua estrutura, seus poderes punindo e re- compensando em seu favor. Na vida primitiva: A religiio era formada de uma série de atos e obser- vancias, cujo desempenho correto era necessdrio ou desejavel para assegurar os favofes dos deuses ou evitar sua ira, ¢ nessas Observincias todo membro da sociedade tinha uma participagiio marcada para ele, ou em virtude de ter nas- cido numa familia e comunidade, ou em virtude do lugar que ocupava na familia ou comunidade... A religifio nao existia para a salvagao das almas mas para a preservagio ¢ bem- estar da sociedade... Um homem nasceu numa felacao fixa com certos deuses assim como nasceu numa relagéo com seus companheiros; e sua religifio, que é a parte de conduta a qual foi determinada por suas relagdes com os deuses, era simples- mente um lado do esquema geral de conduta prescrita para ele por sua posic¢io como membro da sociedade... A religiao antiga no é senfio uma parte da ordem social geral que abrange deuses e homens igualmente. 32 Assim escreveu Robertson Smith (pp. 29-33). Mas por diferengas de estilo e o uso do tempo passado po- deria ter sido escrito por Durkheim. Acho de grande ajuda entender Durkheim como engajado inicialmente numa discussfio com os ingleses, como Talcott Parsons propés (1960). Ele estava inte- ressado em um problema particular sobre integragio social proposto para ele pelos defeitos da filosofia po- litica inglesa, particularmente representada por Herbert Spencer. Nao poderia subscrever a teoria utilitéria de que a psicologia do individuo poderia explicar 0 desen- volvimento da sociedade. Durkheim quis mostrar que era necessdrio algo mais, um consenso comum a um conjunto comum de valores, uma consciéncia coletiva, se se quisesse compreender corretamente a natureza da sociedade. Na mesma época, outro francés, Gustav Le Bon (1841-1931), estava também empenhado na mesma tarefa de corrigir a tradigéo benthamita prevalecente. Procedeu desenvolvendo a teoria da psicologia da mul- tidao, na qual também Durkheim parece ter haurido livremente. Compare-se a explicacdo de Durkheim da forga emocional das ceriménias totémicas (p. 241) com a explicagéo de Le Bon da sugestiondyel, emocional- mente selvagem ou heréica “mente da multidio”. Mas o melhor instrumento de Durkheim para conyencer os in- gleses do erro era o trabalho de um outro inglés. Durkheim adotou inteiramente a definicfo de Ro- bertson Smith da religido primitiva como a igreja esta- belecida a qual expressa os valores comunitdrios. Tam- bém seguiu Robertson Smith, inquestionavelmente, em suas atitudes quanto aos ritos, que nao eram parte do culto dos deuses da comunidade. Seguiu-o batizando-os de “magia” e definiu magia e m4gicos como crengas, praticas e pessoas que nao operam dentro da comu- nhio da igreja e sao freqiientemente hostis a ela, Se- guindo Robertson Smith e talvez Frazer, os primeiros volumes deste, The Golden Bough, j4 estavam publica- dos quando The Elementary Forms of Religious Life apareceram em 1912, ele admitiu que os ritos magicos eram uma forma de higiene primitiva: As coisas que 0 magico recomenda que se mantenham se- paradas sio aquelas que, por razdes de suas propriedades ca- racteristicas, nao podem ser reunidas e confundidas sem pe- 33 rigo... méximas titeis, as primeiras formas de interdigdes mé- dicas e higiénicas (p. 338). Assim, a distingdo entre contigio e religiaio verda- deira era confirmada. As regras de impureza colocam-se fora da corrente principal de seus interesses. Ele nao prestou a elas mais aten¢ao do que Robertson Smith. Mas qualquer limitacaio arbitraria de sua matéria poe o estudioso em dificuldades. Quando Durkheim co- locou de lado uma classe de separagées como higiene primitiva e outra classe como religio primitiva, ele mi- nou sua propria definigao de religiao. Os primeiros ca- pitulos sumarizam e rejeitam definigdes insatisfatorias de religiao. Ele rejeita os esforgos para definir religiao através de nogdes de mistério e pavor, da mesma ma- neira que a definicéo de Tylor de religiio como crenga em seres espirituais. Procede adotando dois critérios, que ele presume acabarao por coincidir; o primeiro, como vimos, é a organizagiio comunal dos homens para o culto da comunidade, e o segundo € a separagio do sagrado e profano. O sagrado é objeto de adoragaio da comunidade. Pode ser reconhecido por regras que ex- pressam seu carter essencialmente contagioso. Insistindo numa completa ruptura entre a esfera do sagrado e a esfera do profano, entre comportamento secular e religioso, Durkheim nao esta seguindo os pas- sos de Robertson Smith. Este tltimo tinha um ponto de vista oposto e insistiu em (p. 29 e ss.) “que nao existe separacdo entre as esferas da religiéo e da vida cotidia- na”. Uma total oposicao entre sagrado e profano parece ter sido um passo necessdrio na teoria da integragao so- cial de Durkheim. Ela expressava a oposi¢ao entre o individuo e a sociedade. A consciéncia social era pro- jetada além e acima do membro individual da sociedade para alguma coisa muito diferente, externa e forgosa- mente poderosa, Logo, achamos Durkheim insistindo em que tegras de separacgao so as marcas distintivas do sagrado, o pélo oposto do profano, E entio guiado por sua discussao a se perguntar por que seria o sagrado contagioso, Responde a isto referindo-se a ficticia ¢ abstrata natureza das entidades religiosas. Elas séo me- ramente idéias despertadas pela experiéncia de socieda- de, meramente idéias coletivas projetadas externamente, meras expressdes de moralidade. Assim, nao tém um ponto material fixo de referéncia. Mesmo os idolos es- 34 culpidos dos deuses sio somente emblemas materiais de forgas imateriais geradas pelo processo social. Assim sendo, elas sao, em tltima instincia, sem raizes, flui- das, sujeitas a se tornarem desfocadas e a desagua- rem em outras experiéncias. E da natureza delas estarem sempre em perigo de perder seus caracteres distintivos € necessarios. O sagrado precisa estar continuamente cer- cado com proibigdes. O sagrado deve ser sempre tra- tado como contagioso porque relagdes com ele restrin- gem-se a ser expressas por rituais de separagfio e de- marcagdo e por crencas no perigo de se cruzar fron- teiras proibidas. Ha uma pequena dificuldade quanto a esta inter- pretacdo. Se o sagrado é caracterizado por sua conta- giosidade, de que modo difere da magia nao-sagrada, também caracterizada por contagiosidade? Qual € o status do outro tipo de contdégio que nao é gerado do processo social? Por que as crengas magicas sao chama- das higiene primitiva e nao religiao primitiva? Estes pro- blemas nao interessaram a Durkheim. Seguiu Robertson Smith ao separar a magia da moral e religiiio e ajudou assim a legar-nos um emaranhado de idéias sobre ma- gia. Desde entio, estudiosos tém cogado a cabega por uma definic&o satisfatéria de crengas magicas, e confun- dido desse modo a mentalidade das pessoas que com eles concordaram. F facil agora perceber que Durkheim advogou uma visio demasiadamente unitaria da comunidade social. Devemos comegar por reconhecer que a vida comunal € muito mais complexa do que a admitida por ele. Daj, achamos que a idéia durkheimiana de ritual como sim- bélica do processo social pode ser estendida para in- cluir ambos os tipos de crenga em contdgio, religioso e magico. Se ele pudesse ter previsto uma analise de ritual na qual nenhuma das regras, que ele chamava higiénicas, fosse destituida de sua carga de simbolismo social, teria sido presumivelmente feliz em descartar a categoria de magia. Retornarei a este tema. Mas nao podemos desenvolvé-lo sem antes apagar a lista de ou- tro conjunto de preconceitos que derivam também de Robertson Smith. Frazer nao estava interessado nas implicagdes so- ciolégicas da obra de Robertson Smith. Ele parecia, na verdade, nfo estar de modo algum interessado em seu 3D

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