You are on page 1of 8
Organizagio Joio Crzan pe Casrno Roca Contos de MACHADO DE ASSIS aie Misica e literatura EDITORA RECORD RIO DE JANEIRO + SAO PAULO 2008 UM HOMEM CELEBRE* — Aut o seaon £ que #0 Pestana? perguntow Sinhazinha ‘Mota, fazendo um largo gesto admirativo. Elogo depois, cor- rigindo a familiaridade,—Desculpe meu modo, mas... mes- ‘moo cenbor? \Vexado, aborrecido, Pestana respondeu que sina, que era cle. Vinha do piano, enmugando atesta comolengo, eiaache- ‘gar jancla, quando a moca o fez parar. Nao era baile, apenas um sarau intimo, pouca gente, vinte pessoas ao todo, que ti- ‘ham ido jantar com a vidiva Camargo, Rua do Areal, naquele dia dos anos dela, cinco de novembre de 1875... Boa e patusca vitival Amava oriso ea folga, apesar dos sessenta anos em que ‘entrava, e foi a dltima vez que folgou e riu, pois falecen nos primeiros dias de 1876. Boa e patusca vitval Com que alma e diligencia arranjou ali umas dangas, logo depois do jantar, ppedindo ao Pestana que tocasse uma quadrilha! Nem foi pre- iso acabar 0 pedido; Pestana curvou-ee gentilmente, € cor- reuao piano, Finda quadrilha, malteriam descansadounsdez 1, Publicadoem Gazeta datas (29/6/1888), Reunidopelosutor en Véros Hirose). ass, + CONTOS DE MACHADO DE ASSIS + minutos, avidvacorreu novamente so Pestana paraum obsé- quo mi particular — Diga, minha senhora — Eque nos toque agora aquelasapolea Nao bulacomig, nhonho Pestana fer uma careta, mas dissimulou depress, incli- nou-secalado, em genileza,e fot para o pio, sem cntusi- aso, Ouidos oe primeiros compactor, derramou-tepelasala uma alegria nova, os cavaleiros correram is damas, e05 pa res entrarama saracoteara plea da moda, Dammods,tinha sido publicada int dias antes, «jf io baviarecantodacidadeem «que no fosseconhecida. la chegando 3 consagragio do asso bioe da cantarolanoturna Sinharinha Mota estavalonge de supor que aquele Pesta- naque clavirai mesa de antaredepoie ao piano, metdo numa sobrecasaca cor drape cabelo negro longo cacheado, olhos cidosos, queixorapado, eraomesmie Pestana compositor. foi uma amiga que Iho disse quando o vin vir do piano, acabadaa poles, Data pergunta admirativa, Vimos que ele respondeu aborrecidoe verado, Nem assim as das mogas Ihe pouparam finerae, tis etantas, que amais modestavaidade se contenta~ riadeas oun elerecebeu-as cadaver mais enfadado, até que, alegando dor decabeys, peialicengaparassir. Nemela, nem dona da casa, ninguém logrou eté-lo, Ofereceram-lhe re- ‘médios caseros, algum repouso, no aceito nada teimouem ua fora caminhow depresa, com medo de que ainda 0 chamassem; s6afrouxou, depois que dobrou aesquina da Rus Formosa, Masatmesmocaperava-oa sua grande pola festa De uma casa modest, direta, a poucos metros de distancia safam as notas da composigae do da, sopradas em clarinet 186 + UM HomeM cevenaE + Dangava-se, Pestana parou alguns inetantes, pensou em arre- piar caminko, mas dispés-se a andar, estugou o passo, atra ‘yessou a rua, e seguiu pelo lado oposto ao da casa do bale. As notas foram-se perdendo, aolonge, eo nosso homem entrou 1na Rua do Aterrado, onde morava. Jé perto de casa viu vir dois hhomens; um deles, passando rentezinho como Pestana, come ou a assobiar a mesma polea,rijamente, com brio, eo outro ‘Pegoua tempo na miisica, eal foram os dois abaixo, ruidosos ¢ alegres, enquanto o autor da pega, desesperado, corria a me- ter-seemcasa, Em casa, respirou, Casa velha, escada velha, um preto ve~ Iho que o servia, e que veio saber se ele queria cear. — Nao quero nada, bradou o Pestana, faga-me café e va dormir. Despiu-se, enfiow uma camisola fo paraa sala dos fun- dos. Quando o preto acendeu o gis da sala, Pestana sorriu e, dentro dalma, cumprimentou uns dea retratos que pendiam da parede. Um sé eraa éleo, ode um padre, que oeducara, que Ihe ensinara latim e misica, e que. segundo os ociosos, era o proprio pai do Pestana. Certo ¢ que Ihe deixou em heranga aquela casa velha, e os velhos trastes, ainda do tempo de Pedro | Compuseraalguns motetes o padre, era doido por masica, a~ cra ou profana, eujo gosto incutin no mogo, ou também Ihe ‘ransmitiu no sangue, se ¢ que tinham razio ae bocas vadine coisa de que se nio ocupaa minha histéria, como ides ver. (Os demais retratos eram de compositores classicos, Cima. rosa, Mozart, Beethoven, Gluck, Bach, Schumann, eainda uns ‘trés, alguns gravados, outros litografados, todos mal encaixi- Ihadose de diferente tamanho, mas postos ai como santos de ‘uma igreja. O piano era o altar; o evangelho da noite léestava aberto: era uma sonata de Beethoven, sz + CONTOS DE MACHADO DE ASSIS + ‘Vein café, Pestana engoliua primeira xicara, esentou-se 40 piano, Olhou para retrato de Beethoven, e comegouaexe- ‘utara sonata, semsaberde si, desvairado ouabsorto, mas com grande perfeigio. Repetiu apega: depois parou alguns instan- tes, evantou-se e foiauma das janelas. Tonow ao piano; era ver de Mozart, pegou de um trecho, ¢ executou-o do mesmo smodo, com a alma alhures. Haydn levou-o & mela-noite e& ‘segunda xicara de café Entre meia-noite e uma hora, Pestana pouco mais fez que estar janela e olhar para as estrelas, entrar e olhar para os retratos. De quando em quando ia o piano, e, de pé, dava uns {golpes soltos no teclado, como se procurasse algum pensa- ‘mento; mas o pensamento nio apareciae ele voltava a encos- tar-se A janela. As estrelas pareciam-lhe outras tantas notas ruusicaisfizadas no eéu espera de alguém que as fosse des colar tempo viriaem que o céutinha de fcarvazio, mas entio aterraseria uma constelagto de partituras, Nenhuma imagem, deevario ou reflexio trazia uma lembranca qualquer de Sinha zinha Mota, que entretanto, a essa mesma hora, adormecia pensando nele, famoso autor de tantas polcas amadas. Talvez 4 idéia conjugal tirou 8 moga alguns momentos de sono. Que tinha? Ela ia em vinte anos, ele em trinta, boa conta. A moca dormia ao som da plea, owida decor, enquanto oautor desta ‘nto cuidava nem da polea nem da moca, mas das velhas obras clissicas, interrogando o céu ea noite, rogando 20s anjos, em ‘timo caso ao diabo. Por que no faria ele uma s6 que fosse aquelas paginas imortais? ‘Asvetes, como que ia surgir das profundezas do incons~ ciente uma aurora de idéia; ele corria ao piano para aventé-Ia {nteia,tradusi-l, em sons, mas eraem vio; a iéla esvata-se. 158 + UM Howeu cELEBRE © Outras vezes,sentado, a0 piano, deixava os dedos correrem, & ventura, aver se as fantasias brotavam deles, como dos de Mozart; mas nada, nada, a inspiragio mio vinha, a imaginaga0 deixa-se estar dormindo. Se acasouma idéiaaparecia, definida cebela, era eco apenas de alguma pea alheia, que a meméria sepetia,e que ele supunha inventar. Entdo, irrtado, erguia-se, jorava abandonara arte, ir plantar café ou puarearroga; mas data der minutos, ei-lo outra ver, com os olhos em Mozart, a {mité-Ioao piano. Duas,trés, quatro horas. Depois das quatro foi dormir; estavacansado, desanimado, morto;tinha que darligBesno dia seguinte, Pouco dormiu; acordou as sete horas. Vestiu-se e almogou. — Meu senhor quer a bengala ou o chapéu-de-sol? per- ‘guntou o preto, segundo as ordens que tinha, porque as dis- ‘tragbes do seuhor eram frequentes. — Abengala. — Mas parece que hoje chove. — Chove, repetiu Pestana maquinalmente. — Parece que sim, senhor, 0 céu esté meio escuro. Pestana olhava para opreto, vago, preocupado. De epente: = Esperaat. Correuasala dosretratos, abriuo piano, sentou-se espal- ‘mous miosno teclado. Comegoua tocar alguma coisa prépria, 1uma inspiragio real e pronta, uma polea, uma polea buligosa, como dizem os anincios, Nenhuma repulsa da parte do com- positor, os dedos iam arrancando as notas,ligando-as, me ‘neando-as; dir-se-ia que a musa compunha e bailava a um tempo. Pestana esqueceraas discipulas, esquecerao preto, que ‘© experava com a bengala e o guarda-chuva, esquecera até 08 Tetratos que pendiam gravemente da parede. Compunha 66, 159 + CONTOS DE MACHADO DE ASSIS © teclando ou eserevendo, sem os vios esforgos da véspera, sem. cexasperagio, sem nada pedir ao céu, sem interrogar os olhos de Mozart. Nenhum tédio, Vida, graca, novidade, escorriam-Ihe da alma como de uma fonte perene. Em pouco tempo estavaapolea feita. Corrigin ainda alguns ppontos, quandovoltou para jantary mas jéa cantarolava, andan- do, na rua. Gostou dela; na composicio recente e inédita cir~ culavao sangue da paternidade eda vocacio. Dois dias depois, foilevi-laaoeditordas outras poleas suas, que andariam i por ‘umas trinta. O editor achou-a linda. — Vai fazer grande efeit, Veio aquestio do titulo. Pestana, quando compdsa primei- rapolea,em18%1, quisdar-Ihe wmtitulopoético, escolheweste: ‘Pingos de sol. O editor abanou a cabeca, disse-Ihe que os titw los deviam eer, ja de si, destinados a popularidade, — ou por alusio a algum eucesso do dia, — ou pela graga das palavras indicou-Ihe dois: let de28 de setembro, ou Candongas ndo fa~ zem festa — Mas que quer dizer Candongasnao fazem festa? pergun- tou o autor, — Nao quer dizer nada, mas populariza-se logo. Pestana, ainda donzel inédito, reeusou qualquer das deno- ‘minagies e guardou a polca; mas nio tardou que compusesse ‘outta, ea comichio da publicidade levou-o aimprimirasduas, ‘com os titulos que ao editor parecessem mais atraentes ou apropriados, Assim se regulou pelo tempo adiante. ‘Agora, quando Pestana entregou a nova polea,e passaram aotitulo, 0 editor acudiu quetrazia um, desde muitos dias, para ‘primeira obra que ele lhe apresentasse, titulo de espavento, longo e meneado, Era este: Senhora dona, guarde o seu baaio. 160 + Uw HoMeM ceLEsRE © — Eparaaveuseguinte,acrescentou,jétrago outro decor. Expostavenda, esgotou-selogo aprimeiraedigio. Afama do compositor bastava procura; masa obra em si mesma era adequada ao género, original, convidava a danci-lae decora~ va-se depressa, Emoito dias estava célebre. Pestana, durante os primeiros, andou deveras namorado da composigio, gos tavade a cantarolar baixinho, detinha-se na rua, para owi-la tocaremalguma asa, ezangava-se quando nioatocavam bem, Desde logo, as orquestras de teatro a executaram, eee I foia um deles. Nao desgostou também de a ouvir assobiada, uma noite, por um vulto que descia a Rua do Aterrado, Essalua-de-mel durouapenasum quarto delua, Como das otras vezes, e mais depressa ainda, 08 velhos mestres retra~ tados ofizeram sangrar de remorsos. Vexado eenfastiado,Pes- ‘anaarremeteu contra aquela que vieraconsolartantas vezes, ‘musa de olhos marotos e gestos arredondados, file gracio- sa, Bal voltaram as néuseas de si mesmo, o 6dio a quem Ihe pedia a nova polca da moda, ¢ juntamente o esforgo de com- poralguma coisaao sabor clissico, uma pigina que fosse, uma 6,mastal que pudesse ser encademnadaentre Bache Schumann. ‘Vao estudo. intl esforgo. Mergulhava naquele Jordio sem sair batizado. Noites e noites, gastou-as assim, confiado e teimo- 0, certode queavontade era tudo, e que, uma ver que abrisse mio da misica fei... — As poleas que vio para o inferno fazer dangar 0 abo, disse ele um dia, de madrugada, ao deitar-se. Masas polcas mio quiseram iro fundo. Vinham &casa de Pestana, & propria sala dos retratos, irrompiam tio prontas, que ele nao tinha mais que o tempo de as compor, imprimi- las depois, gosté-las alguns dias, aborrecé-las, etornar as 16 + CONTOS DE MACHADO DEASSIS + vvelhas fontes, donde Ihe nio manava nada. Nessa alternativa vvivew até casar, e depois de casar. — Casar com quem? perguntou Sinharinha Mota ao tio cescrivio que Ihe deu aquela noticia. — Vai casarcomuma viva. = Vetha? — Vintee sete anos. — Bonita? — Nio, nem feia, assim, assim. Ouvi dizer que ele se ena morou dela, porque a ouvin cantar naiiltima festa de S. Fran- cisco de Paula. Mas ouvi também que ela possui outra prenda, que nio érara, mas vale menos: est tsiea Os escrivaes nio deviam ter espirito, mau espirito, que- ro dizer. Asobrinha deste sent no fimum pingo de bilsamo, que Ihe curoua dentadinha da inveja, Era tudo verdade. Pes- tana casou dai a dias com uma vitva de vinte e sete anos, boa ccantora e tisica. Recebeu-a como a esposa eepiritual do seu {génio. O celibato era, sem diivida, a causa da esterilidade edo transvio, dizia ele consigo; artsticamente considerava-se um arruador de horas mortas;tinhaas poleas poraventurasde pe- timetres. Agora, sim, € que ia engendrar uma familia de obras sérias, profundas, inspiradas e trabalhadas, Essa esperanga abotoou desde as primeiras horas doamor, ‘edesabrochou i primeira aurora do casamento. Maria, balbu~ ‘iowa alma dele, dé-me o que nio acheina solidao das noites, nem no turmulto dos dias. Desde logo, para comemorar o consércio, teve idéia de compor um noturno, Chamar-Ihe-ia Ave, Maria. A felicidade como que lhe trouxe um principio de inspiragio, nio queren~ do dizer nada mulher, antes de pronto, trabalhava as escon~ 162 + UM HoMeM céLERRE © didas; coisa dificil porque Maria, queamava igualimente aarte, vinhatocar comele, ouowvi-lozomente, horas ehoras,nasala dos retratos. Chegarama fazer alguns concertos semana trés artistas, amigos do Pestana. Um domingo, porém, nio se pode tero marido, e chamoua mulher paratocarum trechodo noturno; nto Ihe disse o que era nem de quem era, De repen te, parando, interrogou-a com os olhos. — Acaba, disse Maria, nao é Chopin? Pestana empalideceu, fiton os olhos no ar, repetiu um ou dois trechos e ergueu-se. Maria assentou-se a0 piano, e, de- pois de algum esforgo de meméria, executoua pegade Chopin, ‘Aidéia, o motivo eram os mesmos; Pestana achara-os em al- ‘gum daqueles becos escuros da meméria, velha cidade detrai- ‘oes. Triste, desesperado, sain de casa, edirigiu-se paraolado da ponte, caminho de S. Cristévio. ~ Para que lutar? dizia ele. Vou com as poleas.. Viva a polea! -Homens que passavam por ele, ouviamisto,fiavam olhan- do, como para um doido. E ele ia andando, alucinado, morti- ficado, eterna peteca entre a ambigio e a vocagio... Passou 0 velho matadouro; a0 chegara porteirada estrada de ferro, teve {déia de ir pelo trilho acima e esperar o primeira trem que viesse eo esmagasse. O guarda fé-lo reeuar, Voltou a sic tor Poucos dias depois, —uma clara e fresca manhi de maio de 1876, ~eram seis horas, Pestana sentiu nos dedos um fré ‘ito particular e conhecido. Ergueu-se devagarinho, para nao acordar Maria, que tossira toda a noite, e agora dorm pro- fundamente. Foi para a sala dos retratos, abriu o piano, e, © ‘mais surdamente que pode, extraiu uma polca. Fe-Ia publicar 163 comum pseuddnimo, nos dois meses seguintes compos © pu~ blicou mais duas. Maria nio soube nada; ia tossindo e mor- endo, até que expirou, uma noite, nos bragos do marido, apavorado e desesperado. Era noite de Natal. A dor do Pestana teve um acréscimo, porque na vizinhanga havia um baile, em quese tocaram vias de suas melhores poleas, 40 baile era duro de sofrer; as suas composigies davam-The um ar de ironia e perversidade. Ele sentia a cadéncia dos passos, adivinhava os movimentos, por- ‘ventura libricos, a que obrigava alguma daquelas composigbes; ‘tudo isso a0 pé do eadéver pélido, um molho de oss0s, esten ido na cama... Todas as horas da noite passaram assim, vaga- rosas ou rapidas, timidas de lagrimas e de suor, de éguas de Colonia ede Labarraque, saltando sem parar, como ao som da polea de um grande Pestana invisivel Enterrada a mulher, o vivo teve uma nica preocupagio: deixara misica, depois de compor um Requiem, que faria exe~ cutar no primeiro aniversario da morte de Maria. Escolheria outro emprego, escrevente, carteiro, mascate, qualquer coisa aque Ihe fizesse esqquecer a arte assassina e surda. Comegou a obra; empregou tudo, arrojo, paciéncia, medi- tacio, eaté os caprichos do acaso, como fizeraoutrora, imitan- ‘do Mozart Relew e estudow o Requiem deste autor. Passaram-se semanas ¢ meses. A obra eélere a principio, afrouxow o an~ dar. Pestana tinha altos ebaixos. Oraachava-a incompleta,nio Ihe sentia a alma saera, nem idéia, nem inspiragao, nem mé~ todo, ora levava-ee-Iheo coragio etrabalhava com vigor. Oto ‘meses, nove, dez, onze, eo Requiem nio estava concluido. Re~ dobrou de esforgos, esqueceu ligdes eamizades. Tinha refeito imuitas vezes a obra; mas agora queria conclui-Ia, fosse como 164 + UM HoMeM cELeDRE © fosse. Quinze dias oito, cinco... A aurora do aniversirio veio aché-lo trabalhando, Contentou-se da missa rezada e simples, para ele s6. Nio se pode dizer se todas as lagrimas que Ihe vieram sorrateira- ‘mente aos olhos, foram do marido, ou se algumas eram do compositor. Certo & que munca mais tornou ao Requiem. — Para qué? dizia ele asi mesmo, Correu ainda um ano, No principio de 1878, apareceu-Ihe ocditor. — Liviodoisanos, disse este, quenos nto dium ardasua «grasa. Toda agente pergunta se o senhor perdeu talento. Que tem feito? — Nada ~ Bemseiogolpe queo feriu;masléviodois anos. Venho propor-Ihe um contrat: vnte poleas durante doze meses: 0 pregoantigo, uma porcentagem maior navenda. Depois,aca- hada ane polemes eno ce Pestana assentiu com um gesto. Poueasligbes tinha, ven~ dra casa para saldar divides, eas necessidades iam comen- ‘doo resto, que era asst escasso, Accitou o contato — Mas a primeira polea ha de ser j, explicou o editor. E urgente. Vina cartado Imperador ao Caxias? (Os iberais foram chamados ao poder, vio fazer reforma cleitoral. Apolea hide chamar-se: Bravos. eleip dirta! Nao politica; €um bom titulo de ocasito, Pestana compés a primeira obra do contrato. Apesar do longo tempo de silencio, nao perders a originalidade nema inspiragao. Traziaa mesma nota genial. As outraspoleasvie- ram vindo,regularmente. Conservara os retratos € os reper- ‘6rios; mas fugia de gastar todas as noites ao piano, para nto 6s + coNTOS DE MACHADO DE ASSIS ccair em novas tentativas. Jé agora pedia uma entrada de sgraca, sempre que havia alguma boa 6peraou concertode ar- tista, ia, metia-se a um canto, gozando aquela porgio de coisas que nunca Ihe haviam de brotar do cérebro, Uma ou ‘outra ver, 20 tornar para casa, cheio de misica, despertava nele o maestro inédito; entio, sentava-se ao piano, e, sem {déia, trava algumas notas, até que ia dormir, vinte ou trin~ ta minutos depois. ‘Assim foram paseando os anos, até1885, Afama do Pestana dera-Ihe definitivamente o primeiro lugar entre os compo~ sitores de poleas; mas o primeiro lugar da aldeia nao con- tentava a este César, que continuava a preferir-Ihe, no 0 segundo, mas ocentésimo em Roma. Tinha ainda as alterna tivas de outro tempo, acerca de suas composides;adiferenca é que eram menos violentas. Nem entusiasmo nas primeiras horas, nem horror depois da primeira semana; algum prazer cecerto fastio, "Naquele ano, apanhou uma febre de nada, que em pou- cos dias eresceu, até virar pernicioca. Jé estava em perigo. quando lhe apareceu o editor, que nto sabia da doenca, ¢ ia dar-Ihe noticia dasubida dos conservadores, epedir-Iheuma polea de ocasiao. O enfermeiro, pobre clarineta de teatro, referiu-Ihe o estado do Pestana, de modo que o editor enten- deu calar-se. O doente ¢ que instou para que lhe dissesse 0 que era; o editor obedeceu. — Mas hé de eer quando estiver bom de todo, coneluiu. = Logo que a febre decline um pouco, disse o Pestana. ‘Seguiu-se uma pausa de alguns segundos, Oclarineta foi pé ante pé prepararoremédio; editorlevantou-se edespediu-se. = Adeus, 166 + UM HoMeM cELEBRE © ~ Olbe dias Pestana, como provivel queen morrapor cstesdias,fg0-Ihelogo dats oles aoutraservir paraquan- do subirem os libers vues Fota dnica pera que dss emtodaa vida, cera tempo, porqueespiou namadnigada eguint, squat horas cin. ominsto, bem com oe homens e mal conigo meeme, 1s?

You might also like