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Mercado e Policia - Sao Paulo, 1890/1915" RESUMO Este artigo estuda o significado de atitudes e projetos da Policia em relagao aos contingentes desocupados da Jo de Sio Paulo no periodo de 1890 # 1915. Ele aborda o controle institucional sobre tais setores durante o processo de formagéo do mercado de trabalho ne cidade e tem por Heloisa de Faria Cruz (Depto. de Hist6ria da FCS/PUC-SP) ABSTRACT This paper discusses the meaning of police attitudes and projects toward the unemployed sectors of the populations in the first two decades of the century in the city of Sio Paulo, It deals with the discussion of institutional control over these sectors in the process of labor market formation. It is based on research in the police sources of the period, base uma pesquisa sobre fontes policiais do perfodo indicado. INTRODUCGAO Expressando as transformagGes aceleradas pelas quais passa o processo de acumulacao de capitais no estado, em menos de meio século, a cidade de Sao Paulo tem sua populagdo multiplicada em mais de vinte vezes. Constituindo-se em nada mais que um “burgo” em 1872, Sao Paulo, jdem 1920, ganhava o status de segunda metrépole brasileira. Num salto de crescimento, entre 0 perfodo que abrange de 1870 até 1920, a cidade de Sao Paulo se transformaria no centro econémico e politico do estado. Ai aglomeram-se as casas bancarias, os grandes estabelecimentos do comércio atacadista da importag4o ¢ exportagao, as fabricas e oficinas da nascente indiistria de bens de consumo e o melhor e mais variado comércio varejista do estado. Para Sao Paulo convergem todos os interesses politicos * Versio modificada de um capitulo da dissertagao de mestrado Os Trabathadores em Servicos = Dominagéo ¢ resisténcia, defendida no IFCH/UNICAMP, sob a orientagio da Dra, Dea Ribeiro Fenelon. Agradego @ Fundagio Ford e as FINEP, que a financiaram em diferentes momentos, do estado. Em suas ruas amontoa-se uma crescente populagdo “que ndo se pode conhecer”, A partir de 1880, comegava a se realizar o loteamento das ch4caras e sitios das redondezas do antigo centro urbano que correspondia as freguesias da Sé, Santa Ifigénia, Bom Jesus do Bras e Senhora da Consolag’o. A Chacara das Palmeiras transforma-se no bairro de Santa Cecilia; a do Carvalho na Barra Funda e Bom Retiro; a do Campo. Redondo nos Campos Elisios; a do Bexiga na Bela Vista e assim por diante!. ‘Até a década de 1890, a distribuigdo da populagdo pelas freguesias segundo ocupagdes € ainda bastante indistinta. Conforme relatério do diretor da repartigo de estatistica e arquivo, em 1894 embora Santa Ifigénia jA agregasse grande parte dos profissionais liberais e proprietérios, estes distribufam-se também pela Sé, Consolagao e Bras junto com funcionérios publicos, artistas, classe comercial ¢ trabalhadores em transportes.2 Ea partir desta tiltima década que 0 aprofundamento da divisio social do trabalho comeca a marcar nitidamente o espaco urbano. Os primeiros bairros operdrios localizam-se nas terras baixas, instalando-se préximos as estages ferrovidrias e ao longo das vias férreas. Jé os bairros de elite se instalam nos locais altos da cidade, onde so abertas largas ruas e avenidas e se constroem mansées e palacetes. A cidade se diferencia do campo. A aceleragéo do processo de acumulagao de capitais na cafeicultura traz, no seu interior, a imigragio massiva ¢ a ferrovia. O investimento capitalista busca novos espacos, fundam-se fabricas e oficinas. Uma crescente populacéo de homens despossuidos, em sua maioria estrangeiros, af vende sua forga de trabalho nas oficinas, nas fabricas, nas ferrovias, no comércio. Como descreveria Pierre Denis, a S40 Paulo do inicio do século constitufa-se num “mercado central de um territério ativo, onde a circulagao de dinheiro se faz rapida”, mas também num “mercado de homens”.3 E no interiof deste processo de aprofundamento da divisdo social do trabalho, entre o campo e a cidade, que se constitui um novo campo de luta social. No processo de generalizagao das relagdes de assalariamento, da constituigéo do mercado de trabalho, o capitalismo cria e organiza o espago urbano como um espaco politico diferenciado do campo. a constituiggo dos bairros de Sao Paulo foram organizados principalmente a finea A Cidade de Sdo Paulo: estudos de geografia urbana, Sio Paulo ~ Associagao dos Ge6grafos de Sio Paulo, Companhia Editora Nacional 1958. 2 In: Relatério apresentado ao Secretdrio dos Negécios do Interior do estado de Sdo Paulo pelo Diretor da Repartigao de Estatistica e Archivo em 31/7/1894. Typografia Lenzinger, 1894, 78/85. Foes, Pierre, Brasil. Sao Paulo, tatiaia/EDUSP, 1980. 116 A cidade apresenta-se como um novo campo de definigdo da luta a ser enfrentada tanto pela burguesia como pela resisténcia do proletariado em constituigao. Se por um lado, o capital privado - e por vezes estrangeiro — logra desde o inicio dominar e organizar vastas dreas constitutivas da infra-estrutura urbana, tais como transportes de passageiros, fornecimento de energia, etc., por outro, dreas significativas tais como transporte de mercadorias e cargas em geral se mantém enquanto resisténcia 4 ampliacao da dominacao capitalista. As diversas agéncias do poder municipal e estadual, entéo em constituigio, impunha-se no somente fiscalizar e garantir a expansdo capitalista no processo de organizagdo da cidade, como também manter sob controle estrito as 4reas alternativas de resisténcia. Na organizac&o do mercado de trabalho urbano, a disciplinarizagao de grandes contingentes de despossufdos segundo as regras do assalariamento emerge como uma das quest6es centrais a serem enfrentadas na constituiga0 de uma ordem urbana-industrial. Ai, sem diivida, colocam-se as quest6es relativas 4 necessidade de conhecer, organizar e controlar as condigdes de reproducao da forga de trabalho ativa. No entanto, acima destas, ressaltam as preocupacées e problemas relativos 4 necessidade de identificar, conhecer e controlar um vasto contingente de despossuidos que se estabelece na cidade ¢ no qual esto também inclufdos os trabalhadores ativos, bem como as “classes perigosas”. Importante ressaltar ainda que, nesta conjuntura, o aparelho policial parece emergir como uma das tinicas agéncias capazes de lidar e pensar sobre a quest4o dos despossufdos assim como com a dos “subversivos e perigosos”. Neste texto, tendo como base pesquisa realizada sobre os trabalhadores urbanos na Primeira Republica na documentagao policial do perfodo, buscaremos refletir sobre o sentido das preocupag6es, formulagées e Propostas expressas pelo aparelho policial e de seguranga com relacgaio aos contingentes desocupados da forga de trabalho nas décadas iniciais do processo de formagao do mercado de trabalho na cidade de Sao Paulo. POLICIA E SOCIEDADE “A questao social é um caso de polfcia”. Afirmada e reafirmada no interior dos estudos sobre a Primeira Republica, a frase atribuida a Washington Luis — que nao por acaso foi secretirio da Justiga e Seguranga Ptiblica do estado de Sao Paulo nos anos 1906/1911 —, reforgada pelas deniincias da imprensa operdria e pelos relatos dos militantes do perfodo, criou lastro na bibliografia. e 117 Na literatura sobre 0 processo de industrializag&o e a formagdo do proletariado urbano, principalmente no que diz respeito aos anos anteriores A conjuntura 1917/1920, a repressdo policial aparece como uma determinacao explicativa privilegiada. No entanto, torna-se importante ressaltar que no contexto destes estudos muitas vezes a repressdo policial tem sido tomada como uma “varidvel auténoma” que explica o processo, mas que nao precisa ser explicada. Assim, so correntes no interior da historiografia sobre a tematica, colocagdes como a de Béris Fausto de que: “A violéncia do Estado como instrumento perpetuador das relagdes de dominag4o na rea industrial, ao largo da Primeira Republica, é um dado conhecido”.* Como resultado desta postura, poucos tém sido os trabalhos que buscam explorar de forma mais sistemdtica o lugar da repressdo policial na constituicao das relagées de dominag3o no periodo. A verdade é que trabalhando com pressupostos diferenciados, os estudos que se propdem interpretativos sobre as relagdes Estado/classes/industrializacao, tendo como marco inicial de pesquisa os anos 20 ou 30, voltam as primeiras décadas do século to-somente para identificar a inexisténcia de uma legislacao reguladora das relagdes de trabalho ou ent4o para rastrear medidas Precursoras nesta dire¢ao. Nestes trabalhos, localiza-se invariavelmente um capitulo contendo referéncias sobre a “legislagao trabalhista no periodo”; “Tegislacao social entre os anos tal ¢ tal”, ou ainda “a experiéncia dos anos tais”. Assim, paradoxalmente, nos estudos sobre as relagdes Estado/classe no periodo, é a auséncia da legislag4o social — e ndo a repressdo policial ou outras modalidades da presenga do aparelho de Estado - que se impde enquanto objeto privilegiado de pesquisa e discussao. Trabalhos j4 publicados - mais antigos ou recentes — buscando o aprofundamento dos estudos nesta dire¢4o, como o de Heloisa Fernandes sobre a Forga Piiblica no estado de Sao Paulo, de Hall ¢ Pinheiro sobre controle e policia no periodo, bem como 0 recente trabalho de Boris Fausto sobre crime e cotidiano, tém reafirmado a visdo da necessidade de “... Tecuperar esse aspecto essencial que define o conjunto das relagdes sociais entre as classes dominantes e a classe operéria.”5 4 FAUSTO, Boris. Trabalho Urbano e Conflito Social. Sto Paulo, Difel, 1976, p. 233. 5 PINHEIRO, Paulo Sérgio. “Trabalho industrial no Brasil: Uma revisio”. In; Estudos CEBRAP 14, Séo-Paulo, Ed. CEBRAP, 1975, p. 124, Os trabalhos mencionados sio os de - Heloisa R. Femandes, Politica ¢ Seguranga: Forga Piiblica do estado de Sdo Paulo. Fundamentos Histérico-Sociais, Alfa-Omega, 1974; de Hall ¢ Pinheiro, “The control and ‘the working class in Brazil”, mimeo, 1983, ¢ o de Boris Fausto, Crime e Cotidiano, ‘Sio Paulo, Ed. Brasiliense, 1984. 8 Nos anos recentes, interpretagdes desenvolvidas por estudos europeus sobre as relag6es entre crime ¢ industrializagao tm inspirado uma série de discussées, semindrios ¢ pesquisas, cuja maioria dos frutos ainda nao vieram a ptiblico.® De forma inicial e ainda embrionéria, estas discussdes tém contribuido para estabelecer novas perspectivas para o estudo da constituigo das relagdes de dominago poder na Primeira Repiiblica, mais particularmente das relagdes entre policia e cotidiano das classes trabalhadoras. A diversidade de estudos sobre os trabalhadores urbanos no periodo, assim como nossas pesquisas, indicavam que com relagdo ao proletariado urbano, com variagdes devido a conjunturas especificas, a repressdo policial aberta foi uma dimensdo constitutiva das relages entre o Estado e estes trabalhadores e pesou fortemente sobre seu poder de resisténcia e organizagao coletiva. No entanto, neste nivel da pesquisa, permanecia a mesma sensacao deixada pelas repetidas leituras das denincias da imprensa operdria e de outras fontes do periodo: a de que a repressdo policial, como ela se deu no periodo, era algo invaridvel ¢ inerente constitui¢ao do poder de Estado no Brasil e que sua intensidade e violéncia poderiam ser explicadas por varidveis tais como as remanescéncias de nosso passado colonial ¢ escravocrata.” Mais importante ainda tornava-se o fato de que, assim desenvolvido, o trabalho de pesquisa produzia a separacdo entre praticas repressivas a0 movimento operdrio, que nesta medida. ganhavam a estatura de repressio politica, da repressdo cotidiana generalizada a que pareciam estar sujeitas as classes pobres das cidades. Principalmente nos momentos iniciais de sua efetivagdo, a repressio ao movimento operdrio aparece de forma bastante entrelacada as demais praticas da repressdo policial sobre os despossuidos da cidade. E no universo policial que se criminaliza e reprime a vadiagem e que se pensa a assisténcia aos desocupados da cidade, que também sao pensadas e se ‘constituem as praticas repressivas ao movimento operario. Nesse periodo, a repressdo policial visando aos elementos perturbadores da ordem € da © Estamos nos referindo @ influéncia principalmente dos trabalhos de Michael Foucault e dos estudos sobre crime ¢ industrislizacéo desenvolvidos por historiadores ingleses como Peter Linebangh na producio das ciéncias sociais brasileiras nos anos recentes. Exemplos jé publicados desta discussio sio os trabalhos Crime, Violéncia ¢ Poder, organizado por Paulo Sérgio Pinheiro, ¢ Violéncia e Cidade, organizado por Raul Boschi. PINHEIRO, Paulo Sergio (org.) - Crime, violéncia e poder. Sao Paulo, Brasiliense, 1983. BOSCHI, Raul (org.) - Violéncia e cidade. Rio de Janeiro, Zahar, 1982. 7 Exemplos ilustrativos destas dentincias que carregam a tese do passado escravocrata si0 reproduzidas no j citado trabalho de Hall e Pinheiro nas paginas 4 8. 119 seguranga ptiblicas recai de forma quase indistinta sobre vadios, desordeiros ou grevistas. Nos primeiros anos da Republica, na classificag&o de crime e contravengdes, em alguns relatérios, grevistas e anarquistas sdo listados lado a lado aos desordeiros, vagabundos, cAftens, etc. As pouquissimas greves registradas por esta documentago no periodo so relatadas junto aos fatos notdveis ocorridos no ano tais como assassinatos, tumultos, desordens eleitorais. A exigéncia dos secretérios de Justica e dos chefes de policia de que houvesse maior rigor nas deportagées dizia respeito tanto aos anarquistas como aos malfeitores notaveis.8 Em nosso entender, tornava-se necessério discutir a repressio policial ndo s6 como uma determinacao constitutiva, mas que também se constitui no interior deste processo. Para além de identificagao da repressao policial como determinacao constitutiva das relagées de poder e dominaco no perfodo, 0 contato com a documentagao policial, principalmente os relatérios dos secretdrios de Justica e Seguranca Piiblica e dos chefes de policia disponfveis para o periodo, revelava-nos uma realidade que apesar de mais embriondria e fluida nos parecia mais rica ¢ complexa.? Em particular, este material nos apontava como uma das tematicas privilegiadas a das relagdes entre policia e constituigao do mercado de trabalho. Nessa documentag4o, principalmente na primeira década do século, sdo recorrentes as preocupagdes que denotam o intuito de conhecer e identificar esta populag&o de despossuidos que se estabelece na cidade em formagao. Na verdade, durante a Primeira Reptblica, com énfases diferenciadas segundo as conjunturas, as classes inferiores, os estrangeiros, os proletérios ou os miserdveis das cidades foram fonte de constantes preocupacGes por parte do aparelho policial. Para além da repressaio do movimento operério, a recorréncia de temais tais como vadiagem, mendicidade, menores abandonados, crescimento urbano, asilos, institutos disciplinares, imigragaéo propde o desenvolvimento de estreitas relagdes entre a formagao do mercado de trabalho urbano no perfodo ¢ controle policial. A exist@ncia de uma abundante oferta de trabalhadores nos primeiros momentos de nosso processo de industrializagdo tem sido evidenciada pela maiotia dos estudos sobre o tema. No entanto, poucas tém sido as andlises que buscam recuperar as estratégias de controle que permitiram reproduzir 8 Ver principalmente os relat6rios policiais referentes aos anos de 1892 ¢ 1893. Com algumas poucas falhcs no final da segunda década, foram pesquisados todos os relat6rios do secretério de justia ¢ seguranca piblica do estado de Sdo Paulo que se encontram disponiveis no Arquivo Publico do Estado de Séo Paulo. Foram também pesquisados exemplares esparsos dos relat6rios do chefe de policia relativos a0 perfodo de 1892/1906 que se encontram espalhados em virias instituigbes de pesquisa. 120 estas condi¢6es de funcionamento do mercado de trabalho. E claro que mecanismos como a imigragio subsidiada ¢ a incorporacao de significativos contingentes de mulheres e menores & forga de trabalho ativa foram suficientes para manter esta condigao de abundancia. No entanto, na identificagado e separacdo do trabalhador ativo do ndo-ativo, 0 controle de grande contingentes de desocupados, nos limites da disciplina imposta pelo regime do trabalho assalariado, apresenta-se, ent4o, como uma nova questo a ser enfrentada pelo Estado. E, nesta direcio, mesmo permanecendo somente ao nivel da leitura dos relatérios dos secretarios de justiga e seguranga publica e dos chefes de policia, identificando as preocupag6es € formulagdes expressas neles, é possivel propor que o aparelho policial parece se constituir como um dos instrumentos fundamentais do Estado no controle do mercado de trabalho urbano, principalmente sobre as parcelas ndo-ativas dele. Nesses relat6rios, as tranqiiilas constatac6es feitas em 1889 sobre o cardter nobre ¢ pacifico do paulista contrapdem-se j poucos anos depois & tensdo frente & crescente inseguranga e ao aumento da criminalidade na cidade de Sao Paulo, O crescimento da populacio urbana torna-se progressivamente uma das principais fontes das inquictagdes policiais. O secretério da Justiga do estado, no relat6rio relativo ao ano de 1893, formula a explicagdo para esta crescente inseguranca da seguinte forma: “O aumento crescente da populacao e principalmente o aumento crescente de uma Ppopulag4o fluctuante, que n&o se pode conhecer; e que se renova de momento a momento, trazem plausivel explicac4o a esse phenomeno, que de certo modo destéa da physionomia geral do nosso povo”.!0 Nos relatérios dos chefes de policia, esta populacao flutuante é mais precisamente identificada como “composta de grandes nimeros de estrangeiros, em sua maioria proletérios”!! , ou que “a maioria desses individuos, vadios ou mendigos, que por ahi vemos, quasi que em sua totalidade estrangeiros, s4o homens validos e capazes, que em vez de se empregarem no servigo da lavoura, no interior do estado ou tomarem uma ocupacao qualquer de utilidade, preferem arrastar uma vida miserdvel ¢ ociosa nesta capital ou nas principaes cidades do estado, fazendo desse modus vivendi uma rendosa fonte de especulagiio”.!2 Com relacao & forga de trabalho ativa, a investigac4o sobre o setor de servigos levada a cabo também nestas fontes nos indicou alguns caminhos a explorar. Neste nivel inicial é possivel propor que junto as parcelas do 10 In Relat6rio apresentado a0 Presidente do estado pelo Secretério dos Negécios da Justiga Manuel Pessoa Siqueira Campos, 1893, p. 8. 11 Tn Relatério do Chefe da Policia relativo ao ano de 1894, p. 8. 12 In Relatério do Chefe da Policia relativo ao ano de 1895, p. 5. 121 proletariado onde se constituiam relagdes mais diretas entre as agéncias € os trabalhadores, como o caso de setores dos trabalhadores em transportes, instituiam-se praticas que buscavam identificar e fiscalizar o cotidiano destes trabalhadores. Este esforgo, principalmente de “conhecimento” e “jdentificag40”, que parece ter inicio no interior do aparelho policial e nos servigos de fiscalizagio da prefeitura de Sao Paulo seria mais tarde incorporado por agéncias como a Reparticfo de Estatfstica ¢ Arquivo, o Departamento Estadual do Trabalho ¢ o Instituto de Higiene, entre outros. No entanto, torna-se importante ressaltar que grande parte das preocupagGes € propostas expressas nesses relat6rios podem ser lidas com o sentido de separar 0 trabalho do no-trabalho e de controlar os desocupados nos limites da disciplina capitalista do trabalho. Nesta diregdo, caminham a definigo da vadiagem e da figura do vadio, bem como a formulacao de propostas de recuperacdo de camadas desocupadas através dos institutos disciplinares, albergues, asilos, institutos de menores, etc. Neste sentido, parece-nos interessante explorar as perspectivas desenvolvidas por Suzanne de Brunhoff em seu trabalho Estado Y Capital. No interior do primeiro capitulo do trabalho, que trata da gesto estatal da forca de trabalho, Brunhoff discute como a tenso latente no uso capitalista da forca de trabalho, que deve combinar a disciplina no trabalho com a inseguranga no emprego, tem como condi¢do de sua reproducao a existéncia € 0 controle do exército industrial de reserva. No nosso entender, seria estimulante para a problematizagdo da questo do controle policial e suas relagSes com a formag4o do mercado de trabalho urbano no periodo encarar © aparelho policial como uma das instituigdes estatais “que asseguran la reproduccién de la fuerza de trabajo en los limites del mantenimiento de la disciplina en el trabajo.” Mais especificamente, julgamos estimulante trabalhar com os pressupostos da autora sobre a origem e sentido inicial da gestao estatal no mercado de trabalho. Neste sentido, segundo Brunhoff, “Es en los poros del mercado de trabajo donde nace la eatin pliblica de la fuerza de trabajo, desde los origenes del Capitalismo”.!3 O VADIO E A VADIAGEM: DO ESPANCAMENTO AO TRABALHO COATO Como indica o trabalho de Béris Fausto sobre as estatisticas criminais de SAo Paulo no periodo de 1892/1916,*... dentre 178.120 pessoas presas 13 BRUNHOFF, Suzanne de - Estado y Capital, Madrid. Editorial Villalar, 1978, pp. 14 € 26. 122 na cidade, 149.245 (83,8%) foram detidas pela prdtica de contravengdes ou para averiguacdes ...”14 As contravengées que respondem pela quase totalidade das prisdes s4o respectivamente embriaguez, desordem e vadiagem. E embora em termos estatfsticos a rubrica vadiagem seja responsdvel por apenas 20% destas prisdes, é fundamentalmente sobre a figura do vadio que recaem as preocupagies dos varios agentes do sistema policial.!5 Na virada do século, a questo da vadiagem é percebida e pensada de forma ainda bastante difusa. Nao se diferencia claramente no interior desta Populacao flutuante, que nao se pode conhecer, entre vagabundos, viciados e mendigos. As causas e os culpados do fenémeno da vadiagem indicados variam de ano para ano e de secretério para secretrio. Ora aponta-se como tendo parte de culpa “... os encarregados da corrente imigratéria para nosso pais...”!6, 0 crescimento urbano desenfreado “... que avoluma na capital uma sociedade heterogénea com nivel intelectual e moral oscilante...""!7, ora 0 despreparo e a insuficiéncia da forga policial. Os remédios pensados e Propostos variam desde a reforma do Cédigo Penal, o aperfeigoamento do sistema judicial e penitencirio e a criacdo de instituigdes de assisténcia e trabalho. E no interior do relatério do chefe de policia relativo ao ano de 1902 que pela primeira vez se expressa claramente a definicdo da figura do vadio, diferenciando-a da do mendigo. Assumindo as definigdes e as penas previstas no Cédigo Penal, para o chefe de policia, vadio é o individuo “que deixar de exercer profiss4o, officio ou qualquer mister em que ganhe a vida, ndo possuindo meios de subsisténcia e domicflio certo em que habite...” A pena prevista para o delito da vadiagem era entdo a prisdo celular de 15 a 30 dias, devendo 0 contraventor tomar ocupagao logo apés o cumprimento da pena. A ténue diferenciag4o entre o vagabundo e o mendigo é estabelecida principalmente através do direito de assisténcia a este iltimo.!8 Por volta da metade da década, através da discussdo da questo da vadiagem ¢ do vadio, j& se expressa de forma bastante precisa a separacdo 14 FAUSTO, Boris, op. cit. na nota 5, p. 2. 15 Em relagdo a vadiagem, a questio da embriaguez e da desordem é pouco discutida nesta documentagao, Na verdade como indica Ligia Silva, em comentério ao jé citado trabalho de Béris Fausto, estas rubricas policiais, bem como a sua repetida aplicago, podem estar cheias de significagio no que diz respeito 3s condigdes de vida, estratégias de resisténcia e controle do proletariado urbano no periodo. No entanto, para a exploragio destas direges de pesquisa, relat6rios mostram-se insuficientes ¢ limitados. SILVA, Ligia - “Comentério 1", in: PINHEIRO, Paulo Sérgio (Org.)—Crime, violéncia e poder. Ed. cit, pp. 211/214. 16 Retat6rio do Secretério de Justiga ¢ Seguranga Publica, 1894, p. 6. 17 Relatério do Chefe de Policia, 1893, p. 14. 18 Retatério do Chefe de Policia relativo ao ano de 1902, p. 13. 123 entre trabalho e nio-trabalho por meio do enaltecimento do primeiro e da criminalizag4o deste tiltimo. Contestando a exigéncia de domicilio incerto postulada pelo Cédigo Penal para a caracterizacao da vadiagem, em 1904, 0 chefe de policia pondera que “... definindo a infrago, 0 cédigo esquece, de uma parte, um dos seus elementos essenciais, que é a validez do ocioso e, por outro lado, exige a condigao da incerteza do domicflio, circunstincia que a generalidade dos escritores reputam indiferente, por isso que a caractertstica da vagabundagem ndo é a vida errante mas a desobediéncia 4 lei do trabalho”. Nesta mesma diregio, é posta em duvida a eficdcia da prisdo celular como medida regenerativa do vadio, e em scu lugar é proposta a pena do trabalho coato, em estabelecimentos apropriados, sem qualquer processo preparatério e num sistema de penas indeterminadas. Segundo o mesmo relatério: “A pena especifica da vagabundagem é incontestavelmente o trabalho coacto. E é a pena especifica, porque realiza completamente as duas fungdes que lhe incumbem: tem eficdcia intimidativa, porque o vagabundo prefere ao trabalho a fome; tem poder regenerativo, porque, submetido ao regime das col6nias agricolas ou das oficinas, 0s vagabundos corrigiveis aprendem a conhecer e a prezar as vantagens do trabalho voluntariamente aceito,”!9 No periodo 1906/1911, as propostas de aboligao da prisao celular enquanto pena para a vadiagem parecem nio ter vingado. Ao contrario, na frente da pasta da Justiga e Seguranca Ptiblica, Washington Luis — até entao © secretério que permanece por maior tempo no cargo ~ desenvolve intensa campanha de repressao aberta & vadiagem, tendo como lema “ngo prender sem motivo, nao prender sem processar”.2° Criticando o sistema de multas e habeas-corpus, a campanha parece buscar maior rigor na estigmatizagao do desocupado enquanto vadio, na medida em que advoga maior cuidado nas prises, mas ao mesmo tempo maior energia na penalizacao do delito. No perfodo, diminuem as pris6es, mas aumentam os inquéritos e condenagdes por vadiagem. O aparecimento da rubrica de vadiagem reincidente na classificago das contraveng6es durante os anos de 1911/1912 parece indicar a solidificagao desta postura. As posturas ¢ nog6es expressas na documentaco policial parecem indicar que, jA no inicio dos anos 10, a figura do vadio e as politicas repressivas do aparato policial contra a vadiagem tém um momento de definigéo © assentamento. A partir deste momento, tal discussio do problema da vadiagem vai perdendo espaco e forga no interior desta documentagao. Na conjuntura de crise e desemprego da metade da década, 0 19 Retatério do Chefe de Policia relativo ao ano de 1904, pp. 5/6. 20 Q sentido desta campanha bem como seus resultados iniciais so relatados no relat6rio do ano de 1906, pp. 14/17. 124 aparato policial parece assumir pelo menos temporariamente um discurso diferenciado. Nesta conjuntura, os desocupados ganham o nome de desempregados e a polfcia assume como uma de suas fungdes o direcionamento de contingentes de desempregados para colocagées no interior do Estado. OS MENORES EOS MENDIGOS: __ . DA CARIDADE PRIVADA A ASSISTENCIA PUBLICA No interior desta documentagio, 0 mesmo processo ¢ Iégica que constituem as nogdes definidoras do vadio ¢ as politicas de Tepressio & vadiagem engendram a discussdo ¢ as propostas destinadas a assistir, amparar, regenerar ou educar os pobres das cidades. Neste periodo, os agentes do aparelho policial pensam, discutem e propdem a criagao de varias institui¢des com o sentido de disciplinar parcelas desocupadas da forga de trabalho tais como institutos disciplinares, casas correcionais, albergues ou asilos. E embora a efetividade dessas institui¢des junto ao mercado de trabalho nao possa ser avaliada somente através destas fontes, elas so estimulantes no que sugerem de concepg6es € propostas, Na discussfo sobre a atuacdo “positiva” do Estado via aparelho policial no perfodo, junto a determinadas parcelas da populacdo pobre ¢ desocupada da cidade, ganha destaque a questo da mendicidade e dos menores abandonados, Desde a virada do século, as autoridades policiais sentem e discutem o Problema deste “ntimero infindo de criancas que diariamente vagam pelas Tuas, maltrapilhas e mendigando.”2! O acelerado crescimento urbano, aliado ao fato de que a industria nascente vai incorporando significativos contingentes de criangas & forga de trabalho ativa, parecem nao s6 agudizar © problema mas também redefini-lo. Progressivamente, a questo dos menores “abandonados, vadios ou viciados” é encarada menos como um problema da caridade privada e mais como uma questdo de responsabilidade Piiblica, Sua regeneractio pensada mais como uma questo de disciplina e treinamento profissional do que de correo pelo castigo. As instituigdes adequadas para abrigd-los menos como casas de corre¢éo e mais como institutos disciplinares. A histéria do Instituto Disciplinar do Tatuapé, que parece ter sido a principal institui¢do estatal para abrigar menores contraventores ou abandonados no perfodo, em certa medida sintetiza esta trajetéria. Desde o 21 Relatério do Chefe de Policia do estado de Sf0 Paulo, 1895, p. 7. 125 final do século XIX, s&o recorrentes no interior dos relatérios as preocupagées € as discussées sobre a necessidade da criagio de “estabelecimentos de trabalho”, “casas de trabalho”, enfim, “instituicdes adequadas ao emprego do tempo e do ensino profissional dos érfaos e de menores abandonados.”*? No entendimento destes agentes, ao Estado cabia assumir a responsabilidade pelo problema, sendo entéo secundado por uma atuagdo orientada de instituig6es beneficentes particulares subsidiadas pelo verno, Em 1902, pela lei n° 844, € criado o Instituto Disciplinar do Tatuapé, que busca evitar que a antiga Chécara do Tatuapé, uma instituigao privada de assisténcia a menores, se transformasse “meramente em um orfanato”?>. Para o instituto, € pensado um sistema de ensino profissional que, através da terapia do trabalho, livrasse os menores dos vicios e pentiria a que estavam sujeitos seus pais € os preparasse para a vida produtiva. Assim, o objetivo principal da instituigfo seria o de “incutir habitos de trabalho e educar fornecendo instrug&o literdria e profissional aos menores vadios, vagabundos, abandonados, viciosos, etc”24. Desta forma, j4 no inicio do século, para o aparelho policial, ndo existem dividas quanto a eficdcia disciplinadora do trabalho. No periodo posterior, a discusso sobre a regenerago de menores € 0 desenvolvimento do Instituto Disciplinar tera como eixo a questio da adequagiio da formaciio profissional ai ministrada as exigéncias do mercado de trabalho em Sao Paulo. Desde ento, a discussdo passa a girar em torno da definigao do ensino mais apropriado a estes menores, se de natureza agricola ou industrial. E embora durante todo o perfodo entre 1906/1911 Washington Luis tenha defendido a implantacao de um ensino agricola, j4 que a agricultura “é uma industria alegre e sadia” que proporcionaria ao menor uma formago mais adequada, prevaleceria uma orientagzo industrial que formasse o menor para o trabalho nas fabricas ¢ oficinas*5, Em 1915, avaliando os resultados satisfatérios alcangados pela institui¢ao, o secretario dava conta de sua completa adequagao aos oficios que se desenvolviam na cidade de Sa0 Paulo?®. Por ser travada de forma mais assistematica e pontual, a discussio sobre a mendicidade nos leva de forma mais generalizante 4s concepgdes € Ppropostas com respeito a assisténcia piiblica. Diferentemente da do vadio, 22 Relatério do Secretério da Justiga do estado de So Paulo, 1893, p.82. 23 Relavério do Chefe da Policia do estado de S. Paulo, 1902, pp. 12/13. 4 Relatério do Secretério de Justica e Seguranga Pablica do estado de So Paulo, 1906, p. 110. 25 thidem, p. 111. Relatério do Secretério de Justica ¢ Seguranga Piblica do estado de Sao Paulo, 1915, p. 33. 126 da do desordeiro, da do ladrao, da do jogador, a figura do mendigo é sempre definida de forma bastante difusa, podendo significar o pobre, o desempregado tempordrio, o trabalhador enfermo, o menor abandonado, o velho, enfim as parcelas pobres, desocupadas ¢ desamparadas da forga de trabalho. A atuacio de mendigos, pedintes, maltrapilhos na cidade, denunciada pela grande imprensa, é cobrada como uma responsabilidade da Policia e dos poderes publicos. Aqui, nao se trata somente de transformar menores vadios em trabalhadores disciplinados e capazes, mas manter contingentes de desocupados nos limites da disciplina imposta pelo regime do trabalho assalariado. Ao Estado, e no perfodo, em grande parte ao aparelho policial, impde-se no sé manter estes desocupados enquanto individuos totalmente expropriados, reprimindo formas alternativas de sobrevivéncia tais como jogo, furto, falsificagao, prostituig4io, mas também disciplind-los segundo as regras do trabalho fabril. Durante todo o perfodo, a preocupagdo central expressa nesses telatrios é a de direcionar a assisténcia publica e privada para‘ fora do campo da caridade. Assim, em sua discussio sobre o problema da mendicidade na cidade de Sao Paulo, o chefe de policia, em 1904, chega a conclusdo de que “A beneficécia privada cumpre secundar a aco preventiva dos poderes piiblicos. Até agora, em Sao Paulo, a assisténcia se tem exercido geralmente pela forma unilateral da esmola. Mas assim como 6 Preciso que a repress4o da vagabundagem se realize pela imposigao do trabalho, assim também a beneficéncia privada deve consistir na obtengao de trabalho para os vagabundos de ocasiao"27. Nesta dire¢do, o policial ainda propde: “Quantos institutos salutares poderiam ser aclimados entre nds, desde as col6nias agricolas que florescem na Alemanha e na Holanda, até as Bolsas de Trabalho e as Unides Profissionais que, em outros paises, tém sido prédigas em beneficios! H4 sobretudo uma classe de associagées que urge implantar em nosso meio: o seu tipo € a ‘Societé Generale pour le patronage des liberés’28, No decorrer da primeira década, so recorrentes as propostas para que 0 Estado assuma de forma mais direta a assisténcia aos pobres através da criagao de albergues ¢ asilos puiblicos. A concepgo de como deveriam ser estas instituigdes € descrita de forma detalhada e sofisticada pelo chefe de Policia da capital em sua proposta de reformulagao de uma instituicdo municipal carioca destinada a receber mendigos. Para ele: “Esse itil estabelecimento, uma vez ampliado, poderd abrigar definitivamente os verdadeiros mendigos que so remetidos pela Policia e ao mesmo tempo ter 27 Relatorio do Chefe de Policia do estado de Sio Paulo, 1904, p. 6. 28 Thidem. 127 um pavilho apropriado a receber occasionalmente os pobres validos, que se encontrem na impossibilidade de manter-se e os que tenham cahido em momentineo infortunio. Seré uma modesta Work-house, dividida em duas partes: uma destinada aos pobres admitidos por um certo tempo, ¢ outra destinada aos que procurem um abrigo provisério, em troca do qual deixem uma parcela de trabalho. Os primeiros tomnam-se habitantes da Work-house, € os segundos nao passam de hdspedes passageiros, so os casuels, os vagrants, como os chama a lei inglesa”??. No que diz respeito & constituigdo das relag6es Estado/classe no periodo e principalmente ao papel desempenhado pelo aparelho policial neste proceso, seria interessante anotar que j4 em 1909 so expressas propostas bastante acabadas ¢ generalizantes sobre a questo da assisténcia Piiblica aos pobres e desocupados. Nesta medida, torna-se importante reproduzir na integra as propostas apresentadas ao ministro da Justi¢a. Para © chefe de policia da capital, entéo devia-se “resolutamente agir para enfrentar o problema da assisténcia promovendo: I- A uunificagéo systemitica da assisténcia piblica propriamente dita; I-A ampliagio e organizagio definitiva dos Asylos, transformados em tescolas profissionaes e com capacidade no minimo para acolherem 500 creangas. I-A reorganizagfo da Escola 15 de Novembro, dotando-a de methoramentos taes que, em breve, possa ser um verdadeiro centro industrial para a educagio techinica de 400 menores. IV- A fundagio da Esoola de Reforma, destinada aos menores criminosos, apparelhada para iniciar desde logo a corre¢io pelo trabalho agricola desses entes que a sociedade tem o dever de amparar na primeira quéda, evitando que, na prisfo commum, adquiram os habitos de perversio dos criminosos reincidentes. V— Auxilios as associagdes privadas que, sob a fiscalizagto do Estado, promovam ¢ mantenham creches, jardins da infancia e assisténcia hospitalar as creancas desvalidas; VI- A creagio de albergues noctumos, mantidos pelo Govemo municipal situados nos diversos bairros da cidade, principalmente nos centros de mais densa populagfo proletéria. VII- A extincgio das hospedarias, centros de perdigfo e de mi contribuem para o augmento da criminalidade, das moléstias infecciosas, dos vicios mais abjetos ¢ sio outros tantos refigios de vagabundos e desordeiros, VIM- 0 augmento do Azylo de Mendicidade, que deve ser mantido sob cutro regimen e entregue ao Govemo da Unido, IX- Oestabelecimento de uma penitenciéria agricola, afim de ser cumprida as penas nos termos do art. 48 do Cod. Penal. 29 Relat6rio da Policia do Distrito Federal apresentado ao Ministro da Justica pelo Chefe de Policia, 1908, p. XXL 128 X= A promulgagSo de lei regressiva de alcoolismo, substituindo efficientemente disposig&es impraticsveis da lei actual..."20 Como em todas as propostas contidas.nessa documentacHo, aqui as preocupag6es se dirigem expressamente aos contigentes desocupados da forca de trabalho. Nao ha nenhuma disposicao em enfrentar as quest6es de assisténcia colocadas pela forga de trabalho ativa. Mas seria essa uma questo real colocada pelo processo histérico para o Estado brasileiro no perfodo? Uma determinada leitura destas fontes permite propor que a questdo central a ser enfrentada pelo Estado, colocada pelo mercado de trabalho em formacao e pela luta de classes, era a da disciplinarizagao e assisténcia ao exército industrial de reserva. Parece-nos que a quest&o da regularizac&o das condigdes do contrato de trabalho € colocada em pauta como um problema a ser enfrentado pelo Estado ¢ pelas classes dominantes a partir da segunda década. E claro que desde a virada do século, as greves das diversas categorias e setores vinham colocando a quest4o. No entanto, parece ser a partir do Congresso de 1906 ¢ da greve de 1907 que, pela primeira vez, o préprio movimento se prop5e de forma generalizada a quest4o. Os dados sobre dispensa sum4ria dos trabalhadores em servicgos, bem como sua facil substituigdo, observados durante a investigacao, contribuem para a afirmag4o desta proposigao. No contexto da luta de classes, a questo da regularizac4o e normatizaco das condig6es de compra e venda da forca de trabalho emergiré com maior forga questionadora para as classes dominantes e para 0’Estado no interior dos movimentos da conjuntura 1917/1920. J& a questo do controle, assisténcia e disciplinarizag&o das camadas desocupadas da forga de trabalho coloca-se por outro Angulo. Em certa medida, para as diversas instancias do poder em constituigao no espa¢o urbano-industrial, enfrentar os problemas do crime, da vadiagem e da miséria parece colocar-se como centro da questo social. Ai, o sentido das formulag6es e propostas contidas na documentagao policial parece se constituir numa direg4o negadora da caridade privada. Na organizagao da cidade, trata-se de pensar, propor e impor a eficdcia disciplinadora do trabalho assalariado ao conjunto dos despossufdos. Assim, & nogao de caridade privada, impde-se a da responsabilidade publica; a corregio da vadiagem passa a ser entendida menos como uma questo de correc4o pelo castigo do que disciplinarizacao pelo “treinamento” profissional e pelo trabalho coato. As instituigdes reformadoras propostas 30 Relatério da Policia do Distrito Federal apresentado 20 Ministro da Justiga pelo Chefe de Policia, 1909, pp. XVIII e XIX. 129 Ppassam a ser pensadas mais como instituicSes profissionais, work-houses, do que orfanatos ¢ asilos. Como colocado anteriormente, a receptividade a estas propostas no interior do aparelho de Estado como um todo, é questo dificil de ser discutida ¢ avaliada somente neste nivel de pesquisa. No entanto, a presenca marcante dessas propostas € concep¢Ses no interior desta documentac3o nos indica novas diregbes de pesquisa sobre a constituico das relagdes entre 0 aparelho policial ¢ o proletariado urbano no periodo. E preciso ressaltar que no estamos aqui questionando o cardter repressivo e violento assumido por estas relap6es, mas sim postulando que no periodo a repressio policial recai sobre o proletariado com formas diferenciadas. A forga do aparelho policial foi exercida nBo s6 através da repressfo aos lideres anarquistas € a0 movimento organizado, mas também a vadiagem e & desordem. N&o s6 sob a forma de espancamentos ¢ prisbes, mas também através da criaclo de institutos disciplinares, casas correcionais ¢ modestas work-houses. 130

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