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- WILLIAM SHAKESPEARE MACBETH Tradugio: MANUEL BANDEIRA. Tétulo original: Macbetb Copyright © da tradugao: Livraria José Olympio Editora 8.4, Revisdo: “Ars Typograpbica — Assessoria Editorial Rosemary Cataldi Machado © tradutor serviu-se da ediga0 de Kenneth Muir, ba- seada por sua vez na de Henry Cunningham. Per- tence ela a Arden Edition of the Works of William Shakespeare, Methuen and Co. Ltd., Londres. ‘A presente ediglo est sendo publicada em virtude de autorizagio especial da Livratia José Olympio Ed- tora S.A. ISBN: 85-11-18143-1 editora brasiiense s.2. ta de consoario, 2657 {1416 - so pau - sp. fone (011) 2801222 (brasiliense) telex: 11 33271 DBLM BR Nota do Tradutor ‘As CrOnicas de Inglaterra, Esc6cia e Itlanda, de Rafael Holinsbed, falecido por volta de 1580, e a ‘ronica Unio das Nobres Familias de Lancastre € Torque, de Eduardo Hall, seu predecessor, foram ‘as fontes diretas onde Shakespeare hauriu maté- ra para as suas pecas bistOricas e lenddrtas. Pa- ra a tragédia Macbeth inspirou-se ele em Holin- shed, em alguns pontos transcrevendo-o literalmen- te, como no longo didlogo entre Macduff e Malcolm 4? ato), em outros alterando-o livremente (no cro- nista 0 Rei Duncan morre em combate com Mac- beth; em Shakespeare, Macbeth apunbala-o duran- te 0 sono; como Jaime I, perante quem se repre- Sentou provavelmente a peca, pretendia descender de Banquo, nao fot este implicado por Shakespea- reno crime). Acredita-se que Shakespeare se tenba também utilizado no Discurso de Feiticaria, de Re- Sinald Scott, e da Demonologia de Jaime I. Afirma- ‘$e fgualmente que 0 incidente da floresta ambu- Jante se encontra no folclore dos povos semiticos © indo-europeus. Finalmente, J. M. Robertson jul- 84 ter bavido um Maceth pré-sbakespeariano. A peca foi escrita entre 1605 ¢ 1606, represen- tada em 1606 e tmpressa no in-folio de 1623. Ad- 6 ‘WILLIAM SHAKESPEARE mitem os criticos ter bavido no texto do in-folto numerosas interpolagbes: no 1? ato, a 1% cena e 08 versos 1-27 ; no 2°, a 3# cena, vv. 1-22; no 3°, a cena 5; no 4°, a 1 cena, vv. 39-43 ¢ 125-132, cena, vv. 30-64, ea 3% cena, vv. 140-160; no 5? ato, as cenas 2% € 98. Certos cantos cujos ttu- los sdo mencionados devem, segundo Robertson, ter sido tomados de A Bruxa de Middleton, princt- pal responsdvel pelas outras interpolacoes. Macbeth 6 sendo a mais profunda (O Rei Lear, Hamlet, Otelo e outras sao consideradas psicolo- gicamente mais ricas), a mais sinistra e sangui- ndria tragédia do autor: basta dizer que dos pro- tagonistas s6 dois sobrevivem — Macduff e Mal- colm. A peca é uma seqiiéncia de combates e vio- lenctas, de traicées e assassinios, que se sucedem da primeira a iiltima cena em ritmo precipitado, implacdvel. Na opiniao de Schlegel, a poesia tra- ica nao bavia produzido, depois da Oréstia, de Esquilo, nada mais grandioso nem mais terrivel. Macbeth 6 por exceléncia, a tragédia da ambicao. Uma antologia que se fizesse das expressoes, imagens e conceitos profundos ou originals que en- riquecem a obra de Shakespeare, baveria que in- cluir muita coisa de Macbeth a que se fazem fre- qiientes alusoes em literatura ou na conversagao. Assim, a expresso “o leite da bondade bumana”’ (the milk of human kindness”), a réplica de Mac- duff — cuja familia bavia sido toda assassinada pelos sicdrios de Macbeth — a Malcolm, que 0 con- citava a vinganga (“Ele nao tem filbos.”), a deft- ‘nigdo da vida (“uma bist6ria contada por um idio- ta, cheta de rutdo e fidrla, e sem nenbum sentido”: “a tale told by an idiot, full of sound and fury, sig- nifying nothing"), e tantos outros passos. J seus fthos #, filho de Banquo. /ARD, Conde de Northumberland, general das for- inglesas. EM SIWARD, seu filho. ON, oficial a servico de Macbeth. 0, filho de Macduff. Lavy Macour Das 6 COMPAYOHA ty Mt wear Tats Brox pag Tord, pnts homens, ofc, oad, ssn, Ee decaear CENA: O fim do 42 ato, na Inglaterra; 0 resto da pe- ‘6a, na Esc6cia. Ato I Cena I Planicie (Relampagos e trovdes. Entram as Trés Bruxas) 14 BRUXA. Quando novamente as trés nos juntamos No meio dos raios e trovdes que amamos? 22 BRUXA. Quando terminada esta barulhada, Depois da batalha perdida e ganhada. 34 BRUXA. Antes de cair a noite, 12 BRUXA. Em que lugar? 22 BRUXA. Na charneca, 3? BRUXA. Ali vamos encontrar Com Macbeth. 1? BRUXA. Inmas, 0 Gato nos chama! 22 BRUXA. O Sapo reclama! 32 BRUXA. Ja vamos! Ja vamos! Topas. © Bem, o Mal, — E tudo igual. Depressa, na névoa, no ar sujo sumamos! (Saem) 10 WILLIAM SHAKESPEARE Cena Acampamento (Rebate. Entram O Rei Duncan, Malcolm, Donalbain, Lennox, homens do séquito, e dao com um soldado ferido) DUNCAN. Que homem ensangilentado € este? Ele pode, Segundo as aparéncias, informar-nos Dos Giltimos sucessos da revolta Marcon. £ 0 oficial que, como bom soldado, Bravamente lutou por que eu no fosse Aprisionado. Eh, corajoso amigo, Da ao Rei conhecimento da batalha No ponto em que a deixaste OnIcIAL. Indecidida Era ver dois exaustos nadadores ‘A agarrar-se € a anular sua pericia © implacivel Macdonwald — bem talhado Para rebelde, pois de vilanias ‘Tao cumulado pela natureza — Das ilhas de oeste recebeu reforco De tropas irlandesas, ¢ a Fortuna Sortia-the a diab6lica empreitada Como rameira de soldado. Tudo Debalde, pois Macbeth (merece 0 nome), Zombando da Fortuna, e com a brandida Espada, fumegante da sangrenta Camnificina, abre passagem como © favorito do valor € enfrenta (© miserivel. Sem Ihe dar bons dias, Descose-o de um $6 golpe desde o umbigo MACBETH n Até as queixadas, corta-Ihe a cabeca, Crava-a numa seteira, Duncan. 6 bravo primo! © digno cavaleico! OFICIAL, Tal no entanto Como de onde desponta o sol rebentam Trovoes sinistros € fatais tormentas, Assim daquela fonte de esperanga Jorrou, o alivio nao! mas a inquietude. Ouvieme, Rei de Esc6cia, ouvi: mal tinha ‘A justiga, no esforco sustentada, Obrigado 0 inimigo to ligeito A dar aos calcanhares, eis acode rei noruego © com reservas frescas E armas luzentes tenta um novo assalto, DUNCAN. E porventura isso infundiu receio Aos nossos capitaes Macbeth € Banquo? OriciaL. Sim: como a Aguia 0 pardal, € a0 leio alebre! A falar a verdade, pareciam Dois refertos canhdes com dupla carga A redobrar dobradamente os tiros Sobre 0 adversério: a menos que quisessem Banhar-se em sangue ou consagrar um novo Igota, que sei cu? Mas desfaleco; Meus ferimentos gritam por socorro, DUNCAN. Ficam-te bem tuas palavras, tanto Quanto as tuas feridas: umas e outeas Honram-te grandemente. Ide, levai-o Aos cirurgises, (Sat 0 oficial acompanhado por alguns bomens do séquito) 2 \WILLIAM SHAKESPEARE MALCOLM. Quem vem chegando? (Entra Ross) £ 0 nobre ‘Tane de Ross. LENNOX. Que pressa hd nos scus olhos! Como nos dos que tém coisas estranhas Para contar. Ross, Deus guarde o Rei! Duncan. Tu de onde ‘ens, nobre Ross? Ross. De Fife, grande Rei, ‘Onde as bandeiras de Noruega insultam Os nossos céus € em nosso povo sopram © frio do terror. O soberano ‘Noruegués em pessoa comandando Inumeraveis tropas, € assistido Pelo mais desleal entre os traidores, Digo o Tane de Cawdor, comecava ‘Um terrivel combate, — senio quando (© noivo de Belona, armado a toda Prova, rebelde brago contra brago, Espada contra espada, o enfrenta, e em breve A vit6ria foi nossa. DUNCAN. Dita grande! Ross. Agora Sweno, o rei noruego, implora Composicao; nem Ihe concederemos © enterro de seus mortos, até que ele Pague em Si0 Columbano dez mil délares Para 0 nosso proveito, DuNcAN. Nunca mais Traird o Tane de Cawdor 0 nosso intimo MACBETH ie Interesse. — Vai, Ross, € pronuncia Sua imediata execugio. Satida Macbeth com aquele titulo, Ross. Fé-lo-ei ‘Como ordenais, DUNCAN. © que perdeu o traidor, Ganha o nobre Macbeth por seu valor. (Saem) Cena Il Numa Charneca (Trovoes. Entram as Trés Bruxas) 12 BRUXA, Irmi, que andaste fazendo? 22 BRUXA. Matando porcos. 32 BRUXA. F tu, irmi? 12 BRUxA. A mulher de um maritimo Tirava castanhas do regaco ¢, tome! ‘Se enchia, se enchia, se enchia 'Dé-me uma’, pedi-the. "Sai, bruxa!"', gritou-me. Navega o marido para Alepo. Ao diabo! Que eu, numa peneira, também Id irei ter, E, rata sem rabo, Vou roer, vou roer, vou roer! 22 BRUXA. Dar-te-ei um vento, itma. 12 BrUxa. Obrigada! 32 BRUXA. Outro, eu! 1? BRUXA, J4 no me falta nada. Os demais tenho-os comigo. “ \WILLIAM SHAKESPEARE Sei na carta dos mareantes Quais so nos quatro quadrantes As paragens sem abrigo ‘Onde sopram. Fé-lo-ei secar como 0 feno, Como o doente de veneno. ‘Treze noites treze vezes Repetidas e outras treze, Esmorecendo, definhando Ficard sob 0 meu mando, Presa de insOnia ¢ fastio. ‘Nao itd ao fundo 0 navio, Mas como estalar no hi de Nas firias da tempestade! Olhai s6 0 que tenho! 22 BRUXA. Mostra-me! 1% BRUXA, Polegar de piloto morto Em naufragio a vista do porto! 32 BRUXA, Um tambor rufandot (Ouve-se um rufo de tambor) £ Macbeth chegando. ‘Topas. Bruxas da terra ¢ do mar, Toca, toca a cirandar, E roda que rodopia! ‘Trés voltas para a dircita, ‘Trés para a esquerda, € esté feita A preceito a bruxaria. (Entram Macbeth ¢ Banquo) MacnETH, Um dia assim tio feio € tio bonito Nao vi jamais. MACBETH, a BANQUO. A que distdncia estamos De Fores? Quem sfo estas criaturas ‘Tao mirradas e estranhas? Nao parecem Habitantes da terra. Entanto ai esto. Viveis? dizci-me, ou sois alguém que 20 homem, Seja dado falar? Bem que dais mostras De compreender-me, pois as trés a um tempo Levais 0 dedo aos labios descarnados, Mulheres deveis ser, embora as vossas Barbas me impecam crer que sois mulheres. ‘MACBETH, Quem sois vés trés? Caso 0 possais, falai-me. 14 BRUXA. Salve, Macbeth! Salve, Tane de Glamis! 22 BRUXA. Salve, Macbeth! Salve, Tane de Cawdor! 34 BRUXA. Salve, Macbeth, que rei sereis um dia! BANQUO. Meu bom senhor, por que esse sobressalto? Porventura temeis coisas que soam ‘Tio lindamente? (ds bruccas) Em nome da verdade, Sois criaturas fantdsticas? Ou bem, Tais como vos mostrais exteriormente? Saudais meu nobre companheiro pelo Seu titulo atual, mas predizendo-lhe Maior fortuna, ¢ até real esperanga Incutindo-the, a ponto que parece ‘Como que transportado. A mim, contudo, Nada dizeis. Se 0 dom tendes de ler ‘Nas sementes do tempo e de dizerdes 6 WILLIAM SHAKESPEARE ‘Qual hé de germinar € qual no hi-de, Falai-me entio a mim, que nem vos rogo Favores nem me temo do vosso 6dio, 12 BRUXA. Salve! 22 BRUXA. Salve! 34 BRUXA. Salve! 1 BRUXA. Menos que Macbeth e maior do que ele. 22 BRUXA. Nao to feliz e todavia muito mais feliz 3# BRUXA. Serds tronco de reis, embora a rei no ‘chegues. Salve, pois, Macbeth e Banquo! 1#.BRUxa, Banquo ¢ Macbeth, salve! salve! MACHETH, Ficai ainda e sede mais explicitas Eis-me, morto Sinel, Tane de Glamis ‘Como, porém, de Cawdor? Vive, prospero, © atual Tane de Cawdor. A realeza Nao € mais crivel do que a senhoria De Cawdor. Dizei, pois, de onde tirastes Informes tio sem cor? ou por que vindes Assim, no ermo desta frida charneca, Noss0os passos deter com tais proféticas Palavras de saudar? Dizei-me, exorto-vos! (As bruxas desaparecem) Banquo. A terra tem, como a4, 25 sus bothas, T ests 0 sto. Onde sumiram elas? Macorta. No ar €0 que comporal nos pareia Se disipou como o hit no Vento, Prouvera Deus tivesem demorado! BaxgUo. Estavam mesmo aqui estas eituras De que falamos? ou teremos ambos Comido da ratz que faz perdermos A rarko? MacaEra, Serio res os vossos fos, Banquo.” Vos serels te MACBETH, 7 MacseTH. Também Tane de Cawdor. ‘Nao foi o que disseram? BANQUO. Nessa mesma Toada mesmas palavras. Quem vem 4? (Entram Ross ¢ Angus) Ross. O Rei soube, Macbeth, com alegria, De teu triunfo, ¢ ao ler tuas faganhas No combate aos rebeldes, de tal modo Competem nele espantos € louvores, Que nao sabe o que é teu ou seja dele. Assim que, mudo em tal conflito de alma, Informa-se do resto da jornada, Sempre a te ver, nas filas norueguesas, Her6i sem medo as Kigubres imagens Da morte que semeavas. Mais freqientes Do que a saraiva, amitidam-se os correios; E cada qual celebra diante dele Os prodigios que obraste na defesa De seu reino. Macbeth, fomos mandados Para trazer-te os agradecimentos De nosso Rei: s6 para conduzir-te A real presenga e no para premiar-te. Ross, E por penhor de honra maior me ordena Por ele te saudar Tane de Cawdor. Assim, salve! mui nobre Tane. © titulo Eteu, BANQUO. Pois qué! Falou verdade 0 diabo? MACBETH. E por que me vestis, se vivo € 0 Tane, Com roupas emprestadas? ANGUS. Vive ainda Quem foi Tane de Cawdor, mas pendente 18 WILLIAM SHAKESPEARE De pesada sentenga traz a vida, Que merece perder, Se acumpliciado Era com os de Noruega, ou fornecia Secreta ajuda préstimo a0 rebelde, Ou se, feito com ambos, rabalhava Na ruina do pais, ndo sei. Mas certo E que traigdes confessas ¢ provadas © perderam Macueri. Tane de Glamis, Tane De Cawdor... 0 melhor viré depois. (A Ross ¢ Angus) Obrigado vos fico pelo incémodo. (4 Banquo) Creras agora que teus filhos venham A ser reis, visto como as que me deram © tanato de Cawdor, prometeram A cles a coroa? BANQUO. Isso tomado A sério, poderia conduzir-nos A esperar vé-la posta sobre a tua Fronte de j4 Tane de Cawdor. Mas £ estranho! E muita vez, para perder-nos, Os agentes das trevas sio verfdicos: Captam-nos com inocentes bagatelas Por afundar-nos nos piores crimes. (A Ross e Angus) Primos, uma palavra ainda. MacseTH. (4 parte) Duas \ MACBETH 19 ‘Verdades foram ditas, como prélogos De bom augdrio a0 ato culminante Do imperial tema (A Ross e Angus) Obrigado, senhores. G parte) Fsta insinuago sobrenatural Nio pode ser m4, nido pode ser boa. Se ma, por que certeza de sucesso Me dé neste comego de verdade? Pois sou Tane de Cawdor. E se boa, Por que assim cedo 4 imagem pavorosa Que 0s cabetos me eriga e faz meu firme Coracio palpitar contra as costelas, Fora do que é normal na natureza? Os temores presentes so mais fracos Do que as horriveis imaginagoes. ‘Meu pensamento, onde o assassinio € ainda Projeto apenas, move de tal sorte ‘A minha simples condigio humana, Que as faculdades se me paralisam E nada existe mais sendo aquilo Que ao existe Banquo. Olhai-me 0 companheiro Como esti absorto! Macnern. (4 parte) Se a sorte me quer rei, ha de coroar-me Sem que eu me mexa. BaNQuo. As novas honras caem-the Tguais as novas roupas, que s0 0 uso Nos molda 20 corpo. Macueri. (d parte) Venha 0 que vier, 20 WILLIAM SHAKESPEARE © tempo € a hora saberiio correr. BANQUO. Nobre Macbeth, o que mandais? MacwerH. Perdoai-me. Minha obtusa cabega divagava Em coisas esquecidas. Bons senhores, Vossos obséquios tragarei num livro Em pagina a ser lida cada dia. — Vamos agora ao Rei, (A Banquo) Reflete, amigo, No sucedido; ¢, com mais tempo, tendo Meditado até 4, conversaremos Abertamente. BANQUO. Muito de bom grado. MacBETH. Por ora basta. — Vinde, meus amigos. (Saem) Cena IV Fores. Numa sala do Palécio (Fanfarra. Entram Duncan, Malcolm, Donalbain, Lennox e séquito) ~~ DUNCAN. Cawdor jé foi executado? E os-homens Encarregados disso j4 tornaram? MALCOLM. Meu soberano, ainda nio esto de volta. Falei, porém, a alguém que o viu morrer; ‘© qual conta ter ele confessado Suas traigGes, pedindo a Vossa Alteza MACBETH 2 © seu perdio, ¢ em tudo demonstrando Estar profundamente arrependido. Nada em sua vida 0 honrou como 0 deixic-la: Dir-se-ia que se houvesse exercitado Em jogar fora o objeto mais querido Como se fora indtil bagatela. DUNCAN. Arte no hi de descobrir na face (© que vai dentro d'alma. Era um vassalo Em que pus sempre toda a confianga (Entram Macbeth, Banquo, Ross e Angus) ‘Oh, meu mui nobre primo! © meu pecado De ingratidao pesava-me no peito. Foste tio longe que a asa mais ligeira Da recompensa € tarda em alcancar-te. Gostaria que menos merecesses, Para que em paga ¢ reconhecimento ‘Te levasse eu vantagem! $6 me resta Dizer que mais mereces, por imensa Que fora a minha régia recompensa MACBETH. O servigo € a lealdade que vos devo Pagam-se por si mesmos. Vossa parte £ receber nossos deveres: estes So para o vosso trono € Estado, filhos E servidores, que nao fazem mais Do que aquilo que devem, ao fazerem Tudo o que € para bem e honra de vossa Comecei a plantar-te, € no futuro Far-te-ei chegar a pleno crescimento. Nobre Banquo, ndo menos mereceste; 2 ‘WILLIAM SHAKESPEARE Nao menos tens direito a proclamar-se © que fizeste. Vem, quero abracar-te Estreitar-te ao meu peito, BANQUO. Se af medro, Vossa é a colheita. DUNCAN. As minhas alegrias, fibrias de sua plenitude, buscam Dissimular-se em Migrimas de migoa. Filhos, parentes, tanes, ¢ v6s todos ‘Mais pr6ximos de n6s, sabei que a0 nosso Primogénito, Malcolm, passaremos © Estado, € desde j 0 fazemos Principe De Cumberland. Honra que nio 0 investe A ele somente: insignias de nobreza Brilhario como estrelas sobre 0 peito De quantos 0 merecam. Dirijamo-nos Para Inverness agora € acrescentemos Nossas obrigagées para convosco, Maceert © 6cio que em vos servir nao nos ‘ocupa ‘Transforma-se em fadiga. Vosso arauto Serei; quero alegrar a minha esposa Anunciando que vindes. Permiti-me Assim que ja me vA. DUNCAN. Meu nobre Cawdor! Macseru. (A parte) © Principe de Cumberland! Obstaculo Que me fari cair, se o no transponho De um salto, pois esti no meu caminho. Estrelas, ocultai 0s vossos raios! Nao veja a luz meus negros, meus profundos Desejos. Ante a mio cerrem-se os olhos. MACBETH. 23 Faga-se, todavia, aquilo que eles ‘Temem de ver depois de praticado. (Sai) DUNCAN. Tens razio, nobre Banquo: é de sobejo YValoroso. Os louyores que Ihe tecem, Com eles me alimento, pois banquete So para mim, Sigamo-lo ao que adiante Partiu para aviar-nos acolhida. (Fanfarra. Saem) Cena V Inverness. Sala no castelo de Macbeth (Entra Lady Macbeth lendo uma carta) LaDy MACBETH, ““Encontrei-as no dia da vit6ria; vim a conhecer, por testemunho itrecusavel, que ha nelas mais do que a mera inteligéncia humana. Quando eu mais ardia no descjo de Ihes fazer novas perguntas, mudaram-sc em ar, ‘no qual se desvaneceram. Estava eu ainda trans- portado de espanto, quando chegaram mensa- geiros do Rei, que me saudaram como “Tane de Cawdor’, titulo com que, minutos antes, me tinham saudado as trés bruxas, vaticinando-me depois o futuro com as palavras ‘Salve, rei que serds!’ Pareceu-me bem comunicar-te estas coi- 4 ‘WILLIAM SHAKESPEARE sas a ti, para que no perdesses a tua parte de jdbilo, ficando no desconhecimento da gran- deza que te est prometida. Guarda isto em teu coracio ¢ até breve.” Glamis tu és Cawdor, € his de ser © que te prometeram. Mas receio A tua natureza, por demais Cheia do leite da ternura humana, Para que tomes, resolutamente, © caminho mais curto. Quererias Ser grande. fs ambicioso. Mas te falta ‘A malvadez que deve secundar-te. ‘A grandeza a que aspiras, desejaras ‘Obté-la santamente. Nao quiseras ‘Trapacear, € entanto gostarias De ganhar deslealmente. Ah, grande Glamis, Queres 0 objeto que te geita “E assim Que tens de agir”, caso cobices té-lo Ea ago que temes de fazer, tu a temes Mais do que quererés nao vé-la feita, ‘Vem depressa, que eu verta em teus ouvidos Minha coragem, bata com 0 vigor De minha lingua tudo 0 que te aparta Do circulo dourado com que a sorte E a ajuda sobrenatural parecem Querer te ver coroado. (Entra um mensageiro) Que noticias Trazes? MENSAGEIRO. © Rei pernoitard esta noite ‘Aqui. MACBETH, 25 LADY MACBETH, Estas Iouco? Teu senhor nao estava Com ele? Se fosse assim, ter-me-ia avisado Para os preparativos. MENSAGEIRO. £ a verdade, Com vossa vénia, O Tane est4 a caminho. Um de meus companheiros, despachado Por ele, aqui chegou, quase sem fOlego, Mal podendo falar. LADY MacneTH. Déem-he assisténcia: Ele traz grandes novas. (Sai 0 mensageiro) Até 0 proprio Corvo esta rouco, que crocita a entrada Fatidica de Duncan sob as minhas Ameias. Vinde, espititos sinistros Que servis aos desfgnios assassinos! Dessexuai-me, enchei-me, da cabeca ‘Aos pés, da mais horrivel crueldade! Espessai o meu sangue, prevenindo Todo acesso passagem a0 remorso; De sorte que nenhum compungitivo Retorno da sensivel natureza Abale a minha determinagio Celerada, nem faga a paz entre ela E 0 seu efeito! Vinde, 6 vés, ministros Do Mal, seja onde for que, em invisiveis Substancias, instigais o que € contrario Aos sentimentos naturais humanos! ‘Vem, noite tenebrosa, € te reveste Do mais espesso fumo dos infernos Para que o meu punhial nio veja 0 golpe Que vibrard, nem possa o céu ver nada 26 ‘WILLIAM SHAKESPEARE Através do lengol da escuridade Para gritar: “Detém-te!” (Entra Macbeth) Grande Glamis! Nobre Cawdor! Maior que 0s dois no titulo ‘Com que seris saudado no futuro! ‘Tuas cartas transportaram-me do cego Presente aos dias que virio, ¢ eu sinto-os ‘Como se jai chegados. ‘MACBETH. Bem-querida, Dyincan vird esta noite. LADY MACBETH. E quando parte? MACBETH. Amanhd, Assim o pretende. Lapy MACBETH. Oh nao, jamais © sol vera esse amanha! Tua face, meu Tane, € um livro onde Se podem ler estranhas coisas. H4 Que parecer como os demais, a fim De 05 poder enganar; mostra-te afivel No olhiar, na mao, na fala. S@ a inocente Flor na aparéncia, € no intimo — serpente! ‘Ao héspede que vem h4 que aprontar-se Boa acolhida; fique a meu encargo A grande empresa desta noite: a que ha de Dar-nos nas demais noites, demais dias De nossa vida o império incontrastado. MAcBETH. Falaremos depois. LADY MACBETH. Mas no te alteres: ‘Nao diga o teu semblante 0 que no queres. Deixa 0 resto comigo. (Saem) MACBETH. n Cena VI Diante do castelo (Ob0és e tocbas. Entram Duncan, Malcolm, Donalbain, Banquo, Lennox, Macduff, Ross, ‘Angus ¢ séquito) DUNCAN. Este castelo est em situagao Muito aprazivel; 0 ar fino ¢ macio Refaz nossos sentidos fatigados. BANQUO. Este hspede do estio — o martinete, Freqiientador de templos, escolhendo-o Para sua morada esta mostrando Que 0 hélito do céu cheira amoravel Aqui: no hi saliéncia, nao ha friso, Contraforte ou recanto em que a avezinha Nio tenha feito ninho: onde eles vivem E procriam, ja observei, 0 ar £ deticado, DUNCAN. Olhai! Othai! A nossa Hospitaleira casteld, — O afeto, Que nos dedicam, muita vez € causa De incmodos; no entanto o agradecemos, Mesmo assim, como afeto. Aprendei nisto A pedirdes a Deus nos recompense Pelo trabalho que tomais. LADY MACBETH. Todo ele ‘Duas vezes cumprido € redobrado, £ bem pobre servico, se 0 cotejo Com as mercés tio grandes € tio altas Sobre esta nossa casa acumuladas Por Vossa Majestade: as velhas honras Eas que acabais, meu Rei, de conceder-nos, 28 \WILLIAM SHAKESPEARE Impem-nos o dever de rezar sempre Pela vossa pessoa. DUNCAN. E vosso esposo ‘Onde esti? Galopamos-Ihe no encalgo, Querendo antecipi-lo, mas € o Tane Bom cavaleiro; ¢ seu amor, agudo Como as suas esporas, ajudou-o A levar-nos vantage. Nobre ¢ bela Castela, somos esta noite vossos Hospedes. LADY MACBETH, NOs, 08 vossos servos, temos Nossas pessoas ¢ as de nossa casa E tudo 0 que possuimos como coisas De vosso patriménio, utilizveis A bel-prazer de Vossa Majestade. DUNCAN, Dai-me a mio, conduzi-me ao que me hospeda. Estimamo-lo imenso e seguiremos Dispensando-the sempre as nossas gracas. Com a vossa licenca. . Saem) Cena VII Sala no castelo (Qboés ¢ tochas. Entram e atravessam a cena um mordomo e varios criados com iguarias e objetos de servico. Em seguida entra Macbeth) MACBETH. Se nio houvesse mais que praticé-lo, Seria bem fazé-lo sem delonga, MACRETHL 2 Se 0 golpe detivesse em suas redes Todas as conseqiiéncias, ¢ lograsse Triunfar com a morte dele; se 0 assassinio Fosse aqui tudo e o fim de tudo — aqui, Nestas praias do tempo, eu arriscara Minha vida futura. Nestes casos H4 aqui, porém, sentenca, de maneira ‘Que as sanguindrias instrugdes se voltam Contra 0 proprio inventor; ¢ 0 contetdo ‘Da nossa copa envenenada leva-a ‘A justiga imparcial 208 nossos Labios, Ele est aqui sob dupla salvaguarda: Primeiro, € meu parente € eu seu vassalo, Motivos ambos poderosos contra © ato; depois, neste momento o h6spede, Nao devo abrir a porta ao assassino Nem usar 0 punhal eu mesmo. Allés Reina com tal brandura, exerceu sempre Suas altas fungdes com tal pureza, Que as virtudes que o exornam clamariam Como anjos clarinantes contra o crime Monstruoso do seu assassinato. E semelhante a um nu recém-nascido Cavalgando a tormenta, ou a querubins Arrebatados sobre os invisiveis Correios do ar, a compaixio ferira De to brutal horror todos 0s olhos, ‘Que as Légrimas fariam abater-se © vento. Outro acicate no possuo Para os flancos picar do meu intento Se no esta ambicio, que 20 arrojar-se ‘Com demasiado impulso, vai cair Do outro.. (Entra Lady Macbeth) fs tu? Que ha de novo? 30 ‘WILLIAM SHAKESPEARE LADY MACBETH. Pouco falta Para que finde a ceia. Que motivo Te fez sair da sala? ‘MACBETH. Indagou ele Por mim? LADY MACBETH. Nao sabes que indagou? ‘MACBETH. Ndo vamos Prosseguir nesta trama. O Rei acaba De distinguir-me, ¢ junto a toda sorte De pessoas ganhei por esse fato Alto conceito, que convém gozarmos No seu lustre recente € nio jogé-lo De lado tio depressa. LADY MACBETH. Estava bébeda ‘Tua anterior esperanga? Porventura Dormiu depois para acordar agora E olhar, pilida e verde, 0 que fizera Tio livremente? Desde j4 me ponho ‘A duvidar de teu amor. Tens medo De ser na acio € no valor 0 mesmo Que és no desejo? Queres ter aquilo Que estimas como o ornato da existéncia, E te mostras em tua mesma estima Um covarde, dizendo “Nao me atrevo"” Depois de “Quero"', como o pobre gato Do provérbio, que quer comer o peixe ‘Mas sem sujar as patas? MACBETH. Cessal- Quanto Cumpre a um homem fazer, fi-lo-ei sem medo: ‘Quem se abalanga a mais, nfo 0 LADY MACBETH. Que bruto Foi que te fez falar-me desta empresa? Quando a ousavas fazer, sim, eras homem! MACBETH a” E querendo ser mais, serias por isso ‘Tanto mais homem. Nem local propicio ‘Nem ocasio ento se apresentavam. ‘Mas tu os criaste a ambos. Ora cxistem, E 0 ensejo te apavora! Bem conheco ‘As delicias de amar um tenro filho Que se amamenta: embora! eu Ihe arrancara As gengivas sem dente, ainda quando Yendo-o sorrir-se para mim, 0 bico De meu seio, ¢ faria sem piedade Saltarem-Ihe os miolos, se tivesse Jurado assim fazer, como juraste ‘Cumprir esta empreitada, ‘MacwerH, E se falharmos? Lapy MACBETH. Falharmos! Se sustens tua coragem, io falharemos. Quando esteja Duncan Adormecido, a0 que 0 terdo depressa Conduzido as fadigas da jornada, Distrairei de tal modo com bebidas Os seus dois camareiros, que essa guarda Do cérebro — a memOria, sera apenas Um fumo, € 0 recipiente da razio Mero alambique; quando em suino sono Mergulhados os dois como na morte, ‘Que no podemos nés contra o indefeso Duncan? Que no podemos por 4 conta Dos beberrdes, que levario a culpa Do nosso crime? MAcBETH. Nao concebas nunca Senio filhos vardes; tua alma indomavel © pede assim. Se usarmos os punhais Dos camareiros ¢ mancharmos a ambos De sangue, quem nio acreditaria 32 ‘WILLIAM SHAKESPEARE. Que 0s matadores terdo sido eles? Lapy MAcBETH. Quem ousar4 pensar de outra ‘maneira, ‘Nosso clamor ouvindo € nossas ldstimas * Depois da morte dele? MacBETH. Estou j4 agora Firme na minha decisio; ja sinto Tensa em todo 0 meu corpo cada fibra Ato II Para cumprir 0 ato terrivel. Vamos! Respirem inocéncia, enganadoras, Tuas feigdes: falsa aparencia esconda oa No falso coragio a trama hedionda! By cincnndecaas (Saem) (Entram Banquo e Fleance, este trazendo uma tocha) FLEANCE, Nio vi o relégio; A lua ja se pos BANQuO. E ela se poe A meia-noite. FLEANCE. Tenho que é mais tarde. Banquo. Toma li minha espada. Ha economia Hoje no céu: vés? foram apagadas Suas luzes todas. Toma também isto. Cai sobre mim, pesado como chumbo, © apelo ao sono. E todavia agora Prefiro no dormir. 6 Potestades Misericordiosas! reprimi Em mim os maus pensamentos que nos sonhos Instila a natureza! . Py \WILLIAM SHAKESPEARE MACBETH, 35 — Dime a espada! BANQUO. Obrigado. © mesmo vos desejo. (Entram Macbeth e um criado com uma tocha) (Saem Banquo e Fleance) MACBETH. (Ao criado) Quem vem? ‘MACBETH. Amigo. BANQUO. V6s? Ainda acordado? (© Rei jf foi deitar-se, ¢ tio contente De tudo, que doou largas propinas Ags vossos servigais. A vossa esposa Envion este diamante, pelo nome De encantadora hdspede saudando-a. Nao cabe em si de satisfeito. Macserit, Estando Desprevenidos nés, nio foi posstvel Recebé-lo melhor dg que o fizemos. BANQUO, Tudo esté bem. Sonhei ontem de noite ‘Com as trés bruxas: no que vos disseram Houve algo de veraz. MacuerH. Nao penso nelas. Contudo, se uma hora disponivel Tiverdes, poderemos sobre 0 assunto ‘Trocar idéias Banquo. Como bem quiserdes. MACBETH. Caso aderirdes a0 que tenho em mira, ‘Uma vez realizado, muita honra Vos seri acrescentada. BANQUO. Se ndo perco Nenhuma com querer multiplicé-las; Se 0 coragio posso guardar isento De culpa, e pura a minha lealdade, Contai comigo. MacneTH. Por agora, boa Noite, Dize a tua Senhora que eu the mando Que cla toque a sineta quando a minha Bebida estiver pronta. Vai deitar-te. (Sat 0 criado) £ um punhal o que enxergo, com o seu ‘cabo Voltado para mim? Vem, que en te empunho! Nio te seguro, € certo, mas te vejo Sempre. Nao és, fatal visio, sensivel ‘Ao tato como & vista? Ou és apenas Imaginiria criago da mente Que a febre exalta? Vejo-te, contudo, ‘Tio palpivel na forma como estoutro Que saco neste instante. Apontas-me 0 caminho em que eu seguia, E de arma semelhante ia servir-me. Ou bem sio estes olhos um joguete Dos meus demais sentidos, ou bem valem Por eles todos: nao me sais da vista, E ha agora em tua limina, em teu cabo Gotas de sangue que antes no havia. ‘Mas nfo hd tal? & a trama sanguindria Que toma corpo ante os meus olhos. Neste Momento a natureza € como morta Em metade do mundo. Hora em que os sonhos 36 \WILLIAM SHAKESPEARE ‘Maus se insinuam sob os cortinados; Em que celebra a bruxaria os ritos De Hécate pélida; e descarnado Assassinio, alertado pelo lobo, Seu sentinela, com furtivos passos, A semelhanga do raptor Targiiinio, Move-se em diregio a sua vitima ‘Como um fantasma. Tu, s6lida terra, Firmemente assentada, oh nao escutes ‘Meus passos, nem aonde eles se encaminham. Pois receio que as tuas mesmas pedras, A conversarem de meu paradeiro, Roubem a esta hora o horror que ela revela! Eu,ameago e ele dorme... Um frio bafo Sobre o calor da ago sopra a palavra. (Toque de sino) Um golpe, e € tudo: 0 sino me convida. No 0 ougas, Rei, no 0 oucas, que esse toque ‘Te chama para 0 Céu — ou para o Inferno! (Sai) Cena II Entra Lady Macbeth ~ LADY MACBETH. O que a eles embriagou, a mim deu-me audacia, Escutemos... Siléncio! Foi o mocho Que piou, esse tétrico vigia , MACBETH, a Que da 0 boa-noite mais sinistro. As portas Estdo abertas. Neste instante 0 golpe ‘Yai ser vibrado. Os camareiros, bébedos, Roncam, como a zombar de seus deveres. Deitei-Ihes na pogo droga tio forte, Que natureza e morte altercam sobre Se esto vivos ou mortos. MACBETH. (No interior) Eh! Quem & TAPYMACBETH. Ai, temo que eles tenham despertado E nada haja de feito: a tentativa, Que no 0 golpe, poderi perder-nos. Escutemos... Deixei os punhais deles Bem a mostra. £ impossivel que os no visse. Se no seu sono nJo lembrasse tanto ‘Meu pai, té-lo-ia eu mesma apunhalado! ‘Meu marido! (Entra Macbeth) MACBETH. Estd feito. Nao ouviste ‘Um ruido? LADY MACBETH. Ouvi o grito da coruja Eo crictido dos grilos. Tu falaste? ‘MacpeTH. Quando? ‘LADY MacneTH. Ainda agora mesmo, MACBETH. Ao vir descendo? LADY MACBETH. Sim, ndo falaste? MACBETH. Escuta! Quem ficou Dormindo no outro quarto? Laby MacberH. Donalbain, MACbETH. (Olbando as maos ensangiientadas) Triste espetaculo este! Laby Macern. Tola idéia Dizer que € triste, . Um riu-se no seu sono, 38 WILLIAM SHAKESPEARE Outro gritou: “Assassino!"” De maneird Que despertaram. Eu parei a escuta. Depois eles fizeram suas preces B adormeceram novamente. Lapy MacaetH, Ha dois No mesmo quarto Macneri Um deles gritou: “Valha-nos Deus!” Eo outro: “Amém!” como se houvessem visto Estas mlos de carrasco. E eu, a ouvir-thes © medo, no podia repetir “amiém!* quando disseram: “Deus nos valha! LADY MACBETH, Nao o leves tanto a sétio MACBETH. Que motivo Me impediu proferir “Amém", se tanto Me era a graga divina necessétia? © “Amém'" colou-se-me & garganta. Lapy Macaeri. £ absurdo Pensar em coisa tais dessa maneira. Isso leva a loucura. MacaevH. Pareceu-me Ouvie bradarem: “Despertai do vosso Sono! Macbeth trucida o sono!”” — O sono Inocente, o sono dissipador as preocupagies, morte da vida De cada dia, banho apés a dura Labuta, balsamo de almas doridas, Principal alimento no banquete Da grande natureza! Lapy MAcnETH. © que pretendes Dizer com isso? Macnevs. vor clamava a toda ‘Acasa: “Despertai! Glamis matou MACBETH, 39 © sono, € Cawdor no dormiri mais Nunca! Macbeth nao dormiré mais nunca!" MACBETH. Mas quem gritava assim? Querido Tane, Nao afrouxes destarte a tua nobre Goragem a falar morbidamente Destas coisas. Vai ¢ lava as mos. Por que ‘Trouxeste para c4 esses punhais? Leva-os de novo para o quarto e suja ‘De sangue os camareiros. \CBETH. Nao, no posso! ‘De pensar no que fiz fico aterrado: ‘Nao ousarei voltar a ver aquilo. ‘MACBETH, Homem fraco! Da-me os punhais. Aqueles Que estio mortos ou dormem so pinturas Apenas. As criangas € que temem Ver o diabo pintado. Se ele sangra Ainda, besuntarei de sangue as faces Dos homens: € preciso que sobre eles Recaia a culpa. (Sai, Batem a porta) “MACBETH. Quem ser4 que bate? ‘© que hd comigo, que qualquer ruido Me sobressalta assim? Que maos slo estas? Oh, elas horrorizam-me! me arrancam Qs olhos! Lavaria 0 grande oceano De Netuno esta mio ensangiientada? Nao! esta minha mao € que faria Vermelho 0 verde mar de pélo a pélo! (Volta Lady Macbeth) EADY MAcBETH. As minhas mios esto da cor das tuas, ‘Mas me envergonho de guardar Go branco 0 coragio. (Batem a porta) Esto batendo a porta Do lado sul. Convém nos recolhermos ‘Ao nosso quarto. Um pouco d’gua limpa-nos Deste ato: como € simples! Tua firmeza ‘Abandonou-te. + Gatem novamente) Estas ouvindo? Insistem. ‘Veste 6 roupio, para que ndo pareca, Se chamados, que estivamos despertos. ‘Nao fiques to perdido assim em teus proprios ‘Miseros pensamentos! . ‘MacnerH. Ter conscigncia Do ato que pratiquei — melhor seria Perder conhecimento de mim mesmo! (Batem) Bate! Desperta 0 Rei! Ah, se 0 pudesses! (Saem) MACBETH 4“ Cena I Entra o porteiro (atem a porta) PORTEIRO. Irra! Batem deveras! Homem que " fosse porteiro do Inferno teria grande pritica de dar 4 chave. (Batem) Toc, toc, toc! Quem €,emnome de Belzebu? — £ um lavrador que "se enforcou porque esperava uma boa colhei- ta. — Entra, homem dependente do tempo, € traze lengos em quantidade, porque aqui has de suar na labuta. (Batem) Toc, toc, toc! Quem €,emnome do outro deménio? — A fé, um je~ sufta capaz de jurar por qualquer um dos pra- tos da balanga contra 0 outro prato; que trait. quanto pode por amor de Deus, mas nfo con- seguiu intrujar o Céu. Entra, jesuita. (Batem) Toc, toc, toc! Quem é? — f um alfaiate ingles que vem para ci porque achou meio de furtar paras no pano de uns calg6es franceses. — En- tra, alfaiate. Aqui podes esquentar bem 0 teu ferro de engomar. (Batem) Toc, toc, toc! Nao hhd um minuto de sossego! Quem é? Mas este lugar € frio demais para Inferno. Nao quero mais saber de ser porteiro do demo. Tive foi a idéia de dar entrada a alguns sujeitos de to- das as profissdes que li se vio por caminho de flores a fogueira eterna. (Batem) Um momen- to, um momento! Por favor, lembrai-vos do porteiro. (Abre a porta) a WILLIAM SHAKESPEARE (Entram Macduff e Lennox) MacburF. Era to tarde quando te deitaste, ‘Amigo, que tio tarde te levantas? © Porrsiko, Na verdade, senhor, estivemos beben- do até o segundo cantar do galo. Ea bebida € uma grande provocadora de trés coisas. MAcDUFF. E que trés coisas slo essas que a bebida provoca tio especialmente? ‘© PoRTERO. Ora, meu senhor, nariz vermelho, so- ‘noe vontade de urinar. Quanto a luxtiria, a be- Dida incita-a e reprime-a a0 mesmo tempo: pro- ‘yoca o desejo, mas impede-Ihe a execucdo, Por isso se pode dizer que a bebida em demasia € ‘um verdadeiro logro para a luxtiria, pois sus- cita-ae frustra-a, instiga-a e corta-a, persuade- ae desanima-a, arma-a ¢ desarma-a, Em con- ‘lusio: engambela-a, adormecendo-a, derruba-a vai-se embora. » MACDUFF. Esté me parecendo que a bebida te derrubon esta noite. (© PoRTEIRO. Derrubou sim, meu senhor, saltando- ‘me a goela, mas revidei-lhe o golpe e, sendo eu forte demais para ela, em certo momento ‘em que ela me agarrou pelas pernas, achei meio de langé-la fora. MacDUFF. Teu amo 4 esta de pé? (Entra Macbeth) LENNOX, Ei-lo! Nossas pancadas despertaram-no Nobre senhor, bom dia! MACBETH, A ambos bom dia! MACDUFF. O Ret jf esti de pe? MACBETH, 4 yerH. Nao, por enquanto. ‘Ordenou-me cle que 0 chamasse cedo. ‘Quase me ia esquecendo, \CBETH, Irei levar-vos ‘Ao seu quarto. purr. £ um incOmodo agradavel, ‘Bem sei, mas sempre é incémodo. iH. O trabalho Em que nos comprazemos cura a pena. , Ousarei desperti-lo: foi a ordem Que recebi. (Sat) (OX. © Rei parte hoje? i Parte, assim mo disse. oo A noite foi horrivel. Onde estavamos, ‘As chaminés ruiram. Ao que dizem, Foram ouvidos ais ¢ estranhos gritos De morte e, predizendo com sinistros Acentos 0s terrificos tumultos E confusos sucessos, incubados Nesta funesta hora, a ave das trevas Clamou a noite inteira. Parecia, Dizem alguns, tremer febricitante A terra, “Macuer, £ certo, a noite foi medonha. TENNox. Minha parca experiéncia nao se lembra De outra como esta (Volta Macduff, gritando) Macburr. Oh horror! horror! horror! Boca nem coracio poderio nunca Nomeé-lo ou concebé-lo! “ (WILLIAM SHAKESPEARE MACBETH € LENNOX. Que foi que houve? MAcbUFF. Gerou a confusio sua obra-prima! ‘Assaltou o mais sacrilego assassino © templo do Senor, dali roubando A vida do lugar! MACBETH. Que vida? LENNOX. A vida De sua Miajestade? Macpurr. Entrai no quarto E destrui vossos olhos contemplando ‘A nova Gérgona, Nao me facais Falar: vede ¢ falai depois vés mesmos. (Saem Macbeth e Lennox) Alerta! Alerta! Fazei soar 0 alarme! “Assassinio € traigo! Banquo, Malcolm, Donalbain, acordai, espancai o mole, Suave sono, imitagio da morte, E olhai a morte mesma! Levantai-vos E vinde ver a pavorosa imagem Do Juizo Final! Malcolm e Banquo, ‘Como de vossos ttimulos erguei-vos E avangai, semethantes a fantasmas Neste sitio de horror! (Entra Lady Macbeth) LADY MACBETH. Que foi? Que odioso » Rebate nos convoca a0s que dormimos Nesta casa? Falai! Falail MAcDUFF. Senhora, Nio € para escutardes o que eu possa Dizer, pois repeti-lo a femininos Ouvidos fora outro assassinio. MACHETH 4s (Entra Banquo) Oh! Banquo! Banquo! Nosso real senhor € morto, ‘Apunhalado! LADY MACBETH. Que ougo? Desgracada De mim! Em nosso lar? Quo. Cruel demais Fosse onde fosse! Caro Duff, desdize-te, ‘Nega que seja assim! (Woltam Macbeth e Lennox) BETH. Tivesse cu sucumbido uma hora antes Deste momento € dera por ditoso ‘© meu tempo na terra; mas agora, A partir deste instante, nada sério Deparei na vi mortalidade. ‘Tudo € futilidade: honra e renome Estdo mortos; o vinho da existencia Esgotou-se até 4 borra € 86 Ihe resta Borra a esta triste adega. : (Entram Malcolm e Donalbain) Que desgraca Aconteceu? A origem, 0, principio, a fonte mesma Do vosso sangue € extinta, DUFF. Assassinado Foi o Rei, vosso pai. . Oh! E 0 assassino Quem foi? 46 WILLIAM SHAKESPEARE LENNOX. AO que parece, 0s camareiros. Tinham faces € mios tintas de sangue; Os seus punhais também, que, no enxutos Ainda, encontramos sobre 0s travesseiros. Othavam fixamente € como atdnitos. A gente assim jamais se deveria Confiar a vida de ninguém, MacseT. Contudo, ‘Oh! me arrependo de, na minha féria, Os ter matado. MACDUFF. E por que tal fizestes? MACBETH. Quem pode ser prudente, transtornado? ‘Comedido furioso? Leal € neutro ‘Ao mesmo tempo? Homem nenhum. 0 impulso Do meu violento afeto antecipou-se ‘Ao freio da raz4o. Aqui, jazia Duncan, a pele, branca como prata, Dourada do seu sangue, e assemelhavam ‘As punhaladas uma brecha aberta Na natureza para dar entrada A ruina assoladora; ali, laivados ‘Com as cores de seu crime, os assassinos 0s seus punhais to afrontosamente Revestidos de sangue. Quem, possuindo Coragio para amar ¢, dentro dele, ‘Coragem de provar o seu afeto, Poderia conter-se, quem? LADY MACBETH. Lévai-me Daquit Macpurf. Acudi-the! MatcoLm. (A parte, a Donalbain) Por que silenciamos, Se a n6s cabe falar como ele fala? DONALBAIN. (A parte, a Malcolm) Para dizer MACBETH, ” ‘© qué, neste momento Em que pode o destino, de surpresa, Saltar sobre nés dois? Antes fujamos: Ainda nio estdo maduras nossas lagrimas, yim. Nem nossa imensa dor aparelhada Para a agio. 1. Ocupai-vos da senhora. Macbeth é carregada para fora da sala) Cubramos a nudez do nosso corpo Sensivo a0 frio. ApGs 0 qué, reunidos Todos examinemos este horrendo Grime, a ver se podemos apuri-lo. Sobre nés pesam dtividas € medos: Na grande mio de Deus me ponho, de onde Combaterei contra o desfgnio oculto Da traigoeira malicia. (Saem todos, exceto Malcolm ¢ Donalbain) MALCouM. Que pretendes fazer? E perigoso Para nés avistarmo-nos com eles. Exibir o pesar que no se sente Ff facil 20 fingido. Vou-me embora Para Inglaterra. IN. E eu para Irlanda. Nossas Forwunas separadas, mais seguros Nos deixam. Onde estamos, ha punhais 4“ ‘WILLIAM SHAKESPEARE Nos sorrisos dos homens: os mais préximos Pelo sangue € que sio mais sanguindrios Para conosco. MALCOLM. A seta portadora Da morte corta os ares: evitemos Ser alvo dela. Conseguintemente, ‘A cavalo € partamos, sem delongas De cortés despedida. £ furto licito Furtar 0 corpo onde nio ha justica. (Saem) Cena IV. Fora do castelo (Entram Ross e um Velbo) © Veto. Setenta anos vivi e guardo meméria De horas tertiveis de estranhas coisas. Mas slo todas nonadas se as comparo A esta noite espantosa. Ross. Ah, meu bom velho! ‘Ves como os céus, turbados pelo humano Feito, ameacam o palco do sangrento Drama: pelo rel6gio € dia, ¢ eptanto ‘A tenebrosa noite afoga ainda ‘A impada viajora. Seri acaso Influigao da noite ou remiténcia Do dia envergonhado esta escureza ‘A sepultar a terra quando a vivida Luz devia beiji-la? (© VELHO. Isto que vemos MACBETH, 0 £ contranatural, do mesmo modo Que 0 crime perpetrado. Terca-feira Passada, ao remontar-se em altaneiro ‘Yoo, foi um falcio preado € morto Por tim mocho rateiro .E, coisa muito Estranha € certa, 0s dois corcéis de Duncan, Soberbos ¢ velozes, os mais belos De sua raca, enfurecidos subitamente, despedacaram suas baias, Langaram-se ao at livré, refugando Toda obediéncia, como em declarada Guerra 20 género humano. Yuito. E mutuamente Se devoraram! . Como, para assombro Destes meus olhos, vi! (Entra Macduff) © bom Macduff Que vem chegando. Como vdo as coisas, Senhor, neste momento? UuFF. Pois no vedes? . J se sabe quem sao os criminosos? UFR. Os que Macbeth matou, Que pretendiam, ‘Meu Deus, com isso? uF. Foram subornados. Malcolm € Donalbain, filhos do Rei, Esto fugidos, 0 que atrai sobre ambos Suspeitas do delito. . Outra vez contra ‘A natureza! 6 cega, 6 perduliria Ambici0, que esperdigas os teus proprios 50 \WILLIAM SHAKESPEARE Meios de vida! Entdo € bem provitvel ‘Que venha a ser Macbeth 0 soberano. ‘MacDUFF. Jé foi nomeado e viaja para Scone, ‘Onde seré investido. Ross. E 0s reais despojos ‘De Duncan, onde estio? MacpuFF. Foram levados Para S. Columbano, onde, em sagrado ‘Recinto, jazem seus antecessores. Ross. Ides a Scone? ‘Macburr. Nao vou para Fife Ross. Eu, para Scone. MacDUFF. Bem, estimarei ‘Que encontreis tudo em paz. Adeus. Contanto Que as nossas velhas vestes nao parecam Mais cOmodas que as novas. Ross. Meu bom velho. ‘Adeus! © Veo. A béngio do Senhor seja convosco E com todos também que amam fazer, Neste mundo de dores € perigos, Do mal o bem, € amigos de inimigos. (Saem) re Ato IIL Cena I Fores. Sala no Palacio (Entra Banquo) ._ Tens tudlo agora: és rei, Cawdor € Glamis, ‘Conforme as bruxas prometeram. Muito Receio que o nao tenhas conseguido Sendo a custa da traigio mais negra. Todavia foi dito que a coroa Nio ficaria em tua descendéncia, ‘Mas que eu serei 0 tronco ¢ pai de muitos Reis. Se verdades podem provir delas, ‘Como se deu, Macbeth, no que falaram Sobre ti, que muito € por esperanca No que a mim predisseram? Mas silencio ‘Agora! (Fanfarras. Entram Macbeth, em trajo de rei, ‘Macbeth, em trajo de rainba, Lennox, Ross, senbores e criados) IETH. CA est o nosso principal Conviva. 32 WILLIAM SHAKESPEARE LADY MACBETH, Sem o qual, caso o tivéssemos Esquecido, haveria uma lacuna Que estragaria a nossa grande festa MAcueTiL. Esta noite, senhor, damos um lauto Banquete, para 0 qual solicitamos Vossa presenca. BANQUO. Ordene Vossa Alteza, ‘Que a Vossa Alteza estio os meus deveres Presos por lago o mais indissolivel. MAcnETH, Cavalgais esta tarde? BANQUO. Assim pretendo, ‘Alteza. € MACBETH. Nao fosse isso, eu gostaria De ter, na reunio de hoje do Conselho, © vosso parecer, sempre discreto E proveitoso. Deixaremos isto Para amanhd. Ides a muito longe? Banquo. Longe bastante para encher o tempo, ‘Alteza, até o jantar: se meu cavalo [Nao for ligeiro, tomarei de empréstimo A noite uma ou duas horas. MACBETH. Nao falteis ‘Ao banquete. BANQUO. Nao faltarei, Alteza MACBETH. Soube que 05 nossos sanguinsrios primos sto um na Inglaterra, outro na Irlanda. Longe de confessarem 0 seu barbaro Parricidio, relatam aos que os ouvem Estranhas imposturas, Falaremos isto amanha, ao tratarmos de outro assunto De Estado que reclama 0 nosso exame. ‘A cavalo, ¢ até 4 noite! Vosso filho Vai convosco? MACBETH 3 BANQUO. Vem, sim, Alteza. O tempo Urge. MACBETH. Ligeiros ¢ seguros sejam Os vossos animais, a cujos lombos Vos recomendo. Adeus! (Sat Banquo) Cada qual seja dono de seu tempo Até as 7 da noite. Para mais gentilmente recebermos (Os nossos convidados, ficaremos $6 até a hora do banquete. Guarde-vos Deus até li. (Saem todos, exceto Macbeth e um criado) Rapaz, uma palavra: Estio ai aqueles homens? CRiaDo. Fora Do portio do palécio, Alteza. ‘MacBETH. Faze-os ‘Vir 4 minha presenga (Sai 0 griado) Ser o rei ‘Nao € nada: ha que sé-lo sem perigo. ‘Banquo inspira-nos medos. Nele aponta Algo que € de temer: tem grande audacia; EA témpera indomavel de su’alma Alia uma prudéncia que encaminha (0 seu valor a agir com seguranca. 86 nele vejo alguém cuja existéncia 5 \WILLIAM SHAKESPEARE Me atemoriza; 0 genio que preside K minha vida inclina-se ante o dele; Como 0 de Marco Ant6nio ante 0 de César, Segundo contam. Inctepou sem medo AAs trés velhas fatidicas, ouvindo-as Dar-me o nome de rei, depois mandou-thes Que Ihe falassem, ¢ elas 0 saudaram Em palavras proféticas, com 0 titulo, Sendo de rei, de pai de uma linhagem De reis: puseram sobre a minha testa ‘Uma coroa estéril, colocaram-me Nas mos um cetro que outras mios de estranha Estirpe hao de arrancar-me, nenhum filho Meu sucedendo-me! E se for destarte, Pelos filhos de Banquo é que manchado ‘Terei minh’alma, assassinando 0 nobre Duncan; por ¢les, que verti no cilix De minha paz rancores, s6 por eles! Para fazé-los reis — reis 0s rebentos De Banquo! — terei dado 20 inimigo ‘Comum da espécie humana a minha j6ia Imortal! Ah, mas antes que assim seja, Desce a estacada, 6 meu destino, ¢ em transe De vida e morte enfrenta-me! Quem vem? A (Entra 0 criado com dois Assassinos) ‘Vai, fica a porta até que te chamemos. (Sai 0 criado) ‘Nao foi ontem, pois nfo, que nos falamos? MACBETH ss 12 AssassiNo. Foi sim, Alteza MACBETH. Entdo? Considerastes No que vos disse? E conheceis agora ‘Que era ele, no eu, quem vos mantinha Em situagdo tlo inferior 20s vossos Merecimentos, 0 que atributeis ‘A mim, inocente? Isto expliquei-vos a ambos Em nosso conciliébulo passado, Demonstrei como fostes iludidos. Como fostes frustrados; que instrumentos ‘Usaram para tal e quem com eles ‘Manobrou; ¢ outras muitas circunstancias ‘Que mesmo a uma alma obtusa ou fraco espitito Fariam dizer: “Isto € obra de Banquo!” 12 AssAssiNo, Demonstrastes-nos sim. MacseTH. E fui mais longe, © que sera 0 assunto deste encontro, Tanto impera a paciéncia em vossas indoles Por que atureis assim tantas ofensas? Sois tdo amigos do Evangelho a ponto De rezar por esse homem, por seus filhos, — Esse homem cuja dura mao pesada ‘Vos empurrava para a sepultura? Que reduziu os vossos 2 miséria Até hoje? AP ASSASSINO. Que remédio? Somos homens, Meu suserano. MacuerH. Sim, passzis por homens Na catalogacio; como os sabujos, Mastins, podengos, galgos, perdigueiros, Cies de rua, cies-lobos ¢ cies-d’égua So todos designados sob 0 nome 56 ‘WILLIAM SHAKESPEARE De cies; porém no rol classificado Se distingue 0 sutil, 0 lesto, 0 lento, 0 de guarda, 0 de caga, ¢ isso conforme Certo dom com que foi para com eles Prodiga a natureza; € assim, recebem Designacio particular na lista Que os compreende a todos igualmente. Di-se o mesmo com 0s homens. E se acaso Figurais em tal lista, no na classe ‘Mais vil da espécie humana, confiaremos ‘Aos vossos peitos um projeto, cuja Execugio vos livra do inimigo E meter-vos-4 dentro, ¢ para sempre, Do nosso coracio € nosso afeto: Pois com sua vida, adoece-me a satide, ‘Que, em morrendo ele, entio sera perfeita. 29 AssassiNo. Uma criatura sou, meu suserano, ‘A quem tanto indignaram os infames Golpes € bofetadas deste mundo, Que a tudo estou disposto por vingar-me Dele. 12 ASsASsINo, Outro tanto digo: tho cansado De reveses estou, tio malferido Da mé fortuna, que exporei meus dias ‘A qualquer sisco para melhori-los (Ou dar cabo da vida. . MacneTH. Tendes ambos Um inimigo em Banquo. 29 Assassino. Na verdade, Alteza, MacBETH. Ele € também meu inimigo. E tdo cruenta é a nossa inimizade, ‘Que cada instante de sua vida ameaca ‘As minhas partes mais vitais; € embora MACBETH 2 Bu pudesse, exercendo abertamente (© meu poder, varré-lo deste mundo, Sem alegar sendo minha vontade, Nio deverei fazé-lo, todavia, Em consideracio de alguns amigos Tanto meus como dele € cujo afeto Nio desejo perder; antes me importa ‘A mim chorar-the a morte, eu quem 0 mata. Dai o recorrer 4 vossa ajuda, Dissimulando a ago ao olho pablico Por diversos motivos ponderosos. 22 AssassiNo. Cumpriremos, Senhor, quanto mandardes. rhc ahestio wAtrits epee nessa vacate MACBETH. A coragem Brilha no vosso olhar. Dentro de uma hora Farei saber onde deveis postar-vos, Darei precisa informacao do instante ‘Mais propicio a empreitada, H4 que ser feita Hoje, ¢ a alguma distancia do palicio; Tendo-se sempre em vista que eu parega Alheio a0 caso. E para que nao haja Na empresa erro nenhum que a ‘comprometa, Fleance, o filho, que 0 acompanha, € cujo ‘Sumico nao me € menos necessario Do que o do pai, partilhara do mesmo Sombrio fado. Resolvei sozinhos. Yoltarei logo. 29 Assassivo. Estamos resolvidos, Alteza. ‘Macneti. Bem. Chamar-vos-ei em pouco. 38 ‘WILLIAM SHAKESPEARE. Esperai no palicio, (Retiram-se os Assassinos) ‘Tudo assentado. Ai, Banquo, se em seu vOo £ para o Céu que tu’alma se encaminha, Breve o entraris: tua hora se avizinha! (Sas) Cena Il Fores. Em outro salio (Entram Lady Macbeth e um criado) Lapy MACBETH. Banquo saiu? CRIADO, Saiu, minha senhora, ‘Mas vai voltar 3 noite. LADY MACBETH. Dize ao Rei Que, se pode dispor de alguns instantes, Quero falar-Ihe. Caiapo, Com licenga, Alteza. (Sai) Macperu. Nada ganhamos, ndo, mas, 20 nee oy ‘contririo, ‘Tudo perdemos quando 0 que queriamos, ‘Obtemos sem nenhum contentamento: Mais vale ser a vitima destruida Do que, por a destruir, destruir com ela © gosto de viver. Nio nos preocupe (© que no tem remédid. O que esta feito, Estd feito. MACBETH, 2 (Entra Macbeth) MACBETH. Estropiamos a serpente, ‘Mas sem mati-la. Ora, ela pode ainda Recobrar-se € voltar a ser a mesma, Ficando a nossa misera malicia De novo exposta 208 riscos de seu dente Antes vacile a fibrica das coisas, Eos dois mundos perecam, do que a medo ‘Comer nosso alimento e adormecermos Na afliclo destes sonhos espantosos Que a noite nos sacodem! Melhor fora Estar com os mortos que, para vivermos Em paz, mandamos n6s & paz do timulo, Do que Sofrer no ‘espltits a tortura De uni desvairo incessante, Duncan jaz Em sua campa e dorme sossegado ‘Apés arder na febre desta vida. Fez-the a traicio o pior mal que pode: Nem aco, nem veneno, nem revoltas, Nem ameaga estrangeira, nada agora Pode mais atingi-lo! Lapy MacseTH. Animo, Alteza De minh’alma: adogai o olhar severo E mostrai-vos afivel e brilhante Entre os vossos convivas hoje 4 noite. MacBETH. Assim farei, amor, ¢ tu, procede Da mesma forma. Sejam para Banquo ‘Tuas melhores atengdes: distingue-o Com palavras e olhares. Triste necessidade a de lavarmos Nossa grandeza em ondas de lisonjas, De fazermos os nossos rostos mascaras De nossos coragdes para ocultarmos, © ‘WILLIAM SHAKESPEARE Querida, 0 que eles sio! Lapy MACBETH. Nao penseis nisso. MacbETH. Oh, cheia de escorpiées trago a ‘minh’alma! Banquo € seu filho vivem! LADY MACBETH. Mas a c6pia Da natureza neles nio € eterna. MacneTH. S20 vulnerdveis: hid conforto nisto. Portanto, alegra-te. Antes que 0 morcego Bata o vOo claustral, ¢ que aos apelos De Héclte tenebrosa 0 estercorario Escaravelho com os seus sonolentos Zumbidos faca ouvirem-se os bocejos Da noite, um ato seri perpetrado De sinistra mem6ria, LADY MACBETH, Que ato € esse? MACBETH. ica inocente de 0 saberes, pomba Querida, até o momento de o aplaudires. ‘Vem, 6 tu, grande noite veladora, £0 tenro olhar do compassivo dia Venda; com as mios sangrentas ¢ invisiveis Rompe, destr6i 0 lago que me torna ‘Tao palido. A luz baixa, as grathas rumam ‘Aos seus ninhos na mata. [As criaturas do dia ja se inefinam ‘Ao sono, enquanto os lObregos agentes Da noite vio movendo-se & procura Da presa. Nao te espantes do que digo. ‘Tem-te trangiila. As coisas comegadas No mal, no mal se querem acabadas. ‘Vem, querida, comigo. (Saem) MACBETH, 6 Cena I Em Fores. Parque, com estrada que leva ‘20 Palacio (Entram os tres Assassinos) 12 ASsASsINO. Quem te mandou juntar-te a n6s? 32 ASSASSIN. Macbeth. 22 ASSASsINO. (Ao primeiro) Nao 4 motivo para ‘nao confiarmos Nele, visto que mostra ter noticia Do que vamos fazer, conforme as ordens Que recebemos, 18 ASSASSINO. , (AO ferceiro) Fica entio conosco. Vai desmaiando 0 ocaso. O caminhante Retardatario estuga 0 passo em busca De oportuna pousada. E j4 vém perto ‘Os que esperamos. 32 AssassiNo. Atengdo! Escuto Um tropel de cavalos. BANQuo. (Fora) Eh, rapaz, “Traze um archote aqui! 2 AssAssiNo. £ ele! O Gltimo ‘Que faltava chegar. 12 AssAssiNo. J desmontaram. 3° AssassiNo. ‘A uma milha daqui; € 0 que ele sempre Faz, prosseguindo a pé, como é costume, Até 0 palicio. (Entram Banquo e Fleance com um archote) 29 AssassiNo. Um facho! Um fach« a ‘WILLIAM SHAKESPEARE 32 AssassiNo. & ele! 12 ASSASSINO. Atengdo! Preparai-vos! BANQUO. Vai chover esta noite. 19 AssassiNo. Pois que choval (O primeiro Assassino apaga o archote ¢ os outros dois assaltam Banquo) BANQUO. Oh, traiglo! Foge, foge, meu bom Fleance! Foge para vingar-me! Ah, miserivel! (Morre. Fleance escapa) 32 ASSASSIN. Quem apagou a luz? 12 AssassiNo, Eu, Pois ndo era (© mais seguro? 39 ASSASSINO. Um $6 foi atingido: Fugiu o rapaz, 29 ASSASSINO. Falhamos a melhor Metade da incumbéncia. E agora? 19 Assassin. Tanto Pior! Vamos contar 0 sucedido. (Saem) Cena IV Saléo de Jantar no Palacio (Bangquete preparado. Entram Macbeth, Lady ‘Macbeth, Ross, Lennox, outros senbores e criados) MACBETH, Sentai-vos: conheceis vossos lugares. MACBETH, 6 Dou-vos a todos, do primeiro ao ailtimo, ‘As minhas boas-vindas. SENHORES. Obrigado ‘A Vossa Majestade. ‘MACBETH. Como humilde Conviva, quero estar entre v6s outros: Cabe 4 dona da casa 0 posto de honra. ‘Mas em tempo oportuno pedir-Ihe-emos Que nos dé as boas-vindas. ‘LaDy MACBETH. Pronunciai-as por mim, senhor, 2 todos Hsses nossos amigos: sio bem-vindos, Diz-me o meu coragio. (Chega a porta o 1° Assassino) ‘MACBETH. Vés? Correspondem eles cordialmente AAs tuas gracas. De um ¢ do outro lado HA o mesmo avimero de convidados. Sentar-me-ei, pois, no mei Abandonai-vos Livremente & alegria. Dentro em pouco Brindaremos 2 roda. (Wat até a porta e fala ao 19 Assassino) Ha sangue no teu rosto. Assassino. Se hé, € de Banquo. ‘MACBETH. Melhor € entdo que esteja em tuas faces Do que nas veias dele. Despachaste-o? ASSASSIN. Pela garganta, Alteza: degolei-o Eu mesmo. Macset. fs 0 maior dos corta-gorjas! Grande é também quem fez. mesmo a Fleance. Se foste tu, ndo tens rival. 64 ‘WILLIAM SHAKESPEARE ASSASSINO. Alteza, Fleance logrou escapar. ‘MACBETH. Entdo de novo ‘Me vai voltar 0 acesso; de outro modo, Estaria cu perfeito — inteiro como © mérmore, firme como a rocha, livre EB irrestrito como o ar que nos envolve: Mas, a0 contrrio — sinto-me coibido, Confinado, claustrado, presa facil De insolentes suspeitas € terrores. ‘Mas Banquo, esté esse a0 menos seguro? ASsASSINO. Se est4, meu bom senhor! Jogado a um fosso, Com vinte brechas na cabeca, a minima Delas mortal. MacseTH, Gragas por isso, A serpe Maior jaz esmagada, O seu filhote £ de uma natureza que, com o tempo, Gerard o seu veneno, mas por ora io tem dentes ainda. Podes ir: Conversaremos amanha de novo. (Sai 0 Assassino) LADY MACBETH, Nao animais a festa, Alteza minha. Jantar durante 0 qual nao insistimos ‘Que 0 damos com prazer ser, nao dado, Porém vendido; entdo melhor seria Jantar-se em casa; fora dela o molho ‘Que di sabor aos pratos € a constante Cordialidade. Reunio sem cla Sera sempre vazia. ‘MAcETH. Encantadora Mestra! Siga-se agora a0 apetite MACBETH 6s A boa digestio, ¢ aos dois perfeita Satide! LENNOX. Queira sentar-se Vossa Alteza Mac Teriamos aqui que de mais nobre HA neste reino, se presente fosse A pessoa de Banquo, (Entra o espectro de Banquo e se senta a mesa no lugar de Macbeth) Ross, Desonra é sua auséncia para a sua Palavra, Vossa Alteza no quer dar-nos A honra de sua companhia? Macneri.A-mesa std completa, LeNNOox. Ainda hi um lugar, Altea, Macnert, Onde? LENNOX. Aqui, meu senhor. Que € que perturba A Vossa Alteza? 3 Macneri, Quem de v6s fez isto? Os Sexniones, Alteza, 0 que? MACBETH, io podes acusar-me De téo feito! Nao sacudas diante De mim tua cabeca ensangidentada! Ross. Sua Alteza esté indisposto: levantemo-nos, Senhores. Lapy Macneil, Nao, permanecet sentados, Nobres amigos. Desde sua inflncia Sofre meu real senhor destes acessos E coisa passageira. Daqui a pouco star bem de novo. Se prestardes Demasiada atencio ao seu delirio, Sera pior e ficard ofendido, Rogo-vos conserveis vossos lugares 6 \WILLIAM SHAKESPEARE E continueis comendo. Sois um homem ‘Ou nao? MACBETH. Se sou! E bastante temeririo Para olhar 0 que 20 diabo aterraria! LADY MACBETH Oh, que tolices! Tudo sio imagens Fithas do vosso medo: como aquele Punhal que vieis no ar € que dizfeis Apontar para Duncan. Esses transes B estremegoes, ridiculos disfarces Do medo verdadeiro, quadrariam ‘A um conto de ama, dito com licenga Da av6, no inverno, a0 canto da larcira £ vergonhoso! Por que tais esgares? Nao vedes mais que uma cadeira. MacBerH. Olhai! Pois nao vedes? Alil/Mas que me importa? Nao farei caso. — Fala, jf que podes Menear tua cabeca! Se 08 jazigos E sepulturas podem devolver-nos Os mortos que enterramos, entio sejam 0s buchos dos milhafres nossas covas! (0 espectro desaparece) Laby MACBETH, Ah, tio pouco homem na Joucura! Macneri. Vio ‘THo certo como eu estar aqui presente. LADY MACBETH, Oh, pois nao vos pejais dessas palavras? ‘MACBETH, Outrora muito sangue foi vertido, Nas velhas eras, quando as leis humanas Nao haviam purgado 0s maus instintos Da grei, tornando-a boa. Ai, depois disso, MACHETE pS Quantos crimes terriveis, demasiado Terriveis, quantos ndo se cometeram! Foram-se os tempos em que, aberto 0 cranio, © homem mortia € pronto! tudo estava Acabado. Hoje a vitima, com vinte Ferimentos mortais, sai de seu tiimulo, Toma a nossa cadeira! £ mais estranho Do que © proprio homicidio. LADY MACBETH. Caro espos ‘Vossos nobres amigos vos reclamam. MACBETH. Esquecis-me. Amigos, no facaig Caso da minha estranha enfermidade, ‘Sem importincia para os que bastante ‘Me conhecem. Satide € afeto a todos! ‘You sentar-me. Servi-me: quero a taga Cheia. Bebo 3 alegria de vés todos, Ea pessoa de Banquo, nosso amigo, Que nos faz tanta falta, Ah, quem nos dera Que estivesse conosco! (Reaparece o espectro) Eia! Bebamos Por todos e por ele! (Os Sennionss, Pela vossa Satide, Alteza! Macwert. (Falando ao espectro) Para tris elonge ‘Da minha vista! Volta a tua cova! Vai-te! Teu sangue € fio, nos teus ossos Nao tens medula, ¢ nesse olhar, que : abrasa, Nao ha expresso de humana inteligencia! cy ‘WILLIAM SHAKESPEARE |. Tomai o que estais vendo, nobres pares, ‘Como coisa habitual. $6 que isso estraga © prazer desta noite. MACBETH. Ousarei tudo ‘Que um homem pode ousar! Vem, arremete Como 0 hirsuto urso russo, ou como 0 armado Rinoceronte, ou o tigre hircano! Toma Todas as formas que quiseres, todas ‘Menos essa € vers: meus nervos firmes No tremerdo jamais! Ou ressuscita E ousa enfrentar-me, 2 s6s, com tua espada Em lugar ermo. Se eu ficar tremendo Em casa, vai dizer a0s quatro ventos Que Macbeth € um poltrio! Some-te, = sombra Sinistra! Some-te daqui, fantasma Sem realidade! Lapy MAcBEt (0 espectro desaparece) Foie... Ainda bem! Volto ‘A ser um homem. Rogo-vos, sentai-vos, Amigos. Lapy MacneTH. Espancastes a alegria, Interrompestes 0 prazer da festa ‘Com imaginagdes as mais absurdas. MacwerHt. Podem tais coisas existir e, como [As nuyens de verio, passarem sobre Nés, sem pasmo maior de nossa parte? De mim proprio me admiro quando penso Que podeis contemplar tais espetéculos Guardando o natural carmim das faces, MacBerH e Quando as minhas de assombro empalidecem! Ross. Alteza, que espetéculo? LADY MACBETH. Suplico-vos, Nao Ihe faleis: f3-1o-4 piorar, irrita-o ‘Qualquer pergunta. Assim, boa noite a todos. ‘Nao aguardeis a ordem de retirar-vos, E sai juntos imediatamente. LENNOX. Boa noite! Estimamos as methoras De Sua Majestade. LADY MACBETH. Afetuoso Boa noite a todos vés. (Saem senbores ¢ criados) MACBETH. Haverd sangue, Dizem que o sangue pede sangue. Viu-se Pedras moverem-se, drvores falarem; Augitios, relagdes subentendidas, ‘Tem feito descobrir, por gralhas, pegas E corvos, o assassino mais oculto, Que horas da noite sio? Lapy MacneTH. Aquelas quando Luta 0 dia com a noite € nao se sabe - Se € noite ou dia. Macner, Que achas de Macduff Se recusar a vir 4 nossa grande Convocagio? LADY MACBETH, Mandastes convidd-lo? MACBETH, Nao, indiretamente 0 sei. Mas hei-de Mandar alguém. Nao hd nenhum em cuja Casa eu no tenha um assalariado. Irei ver amanha (¢ irei bem cedo) 70 ‘WILLIAM SHAKESPEARE As tres irmas fatidicas: Fé-las-ci dizer mais, Estou, ja agora, Decidido a saber, pelos piores “Melos, 0 pior; tudo farei dobrar-se Ante os meus interesses: fui tio longe Neste rio de sangue, que, a vadea-lo, Retroceder ser-me-ia tio penoso Quanto ir adiante, Estranhas coisas trago Em minha mente, urgindo que as realizem ‘As minhas mios, ¢ tem que ser cumpridas Sem exame. LaDy MACBETH, Necessitais do sono, Reparador de toda criatura MACBETH. Sim, tens razio, durmamos. Minha estranha Ilusio foi efeito de meu medo, Fruto da inexperiéncia nestes atos, Em que ainda somos, eu ¢ tu, novatos. (Saem) Cena V Charneca (Trovao. Entram as Trés Bruxas, encontrando-se ‘com Hecate) 12 BRUXA, Que se passou, que to zangada colhais, Hécate? Hecate. E com razdo! Pois no ousais, ‘Torpes bruxas antipaticas, MacRETH n Entrar em cométcio ¢ priticas De mortes © maleficios ‘Com Macbeth? E eu, que em ficticios Prodigios sou mestra, em nada Sou ouvida nem cheirada?! E 0 que é pior, procedestes De tal modo por um destes Homens ingratos, odientos, De malvados sentimento: Que no bem que thes € feito $6 pensam no seu proveito, ‘Nao no prestado servigo. Pedi desculpas por isso! Ide e me esperai as trés Na caverna que sabeis Amanhi de manhazinha, Levai 14 vossa cozinha, ‘Vossos vasos de bruxedo, De malfeitos, Em segredo Al ira ter o assassin A inquirir do seu destino, ‘Transportar-me-ei pelos ares, Sobre os montes, sobre os mares, Por cumprir coisa importante: Pende da lua minguante Espesso floco de névoa; ‘You eu mesma cothé-ta; levo-a ‘Onde sei, e ali fabrico Um sortilégio to rico De artificiosa ilusao, Que o afundara em confusio! Dara com o pé A prdpria sorte, Desprezari a mesma morte, E acima havera de por Da virtude e do temor n WILLIAM SHAKESPEARE F da prudéncia — a esperanca! ra, sabeis, a confianga Em si, quando por demais, £ a perdiglo dos mortais, (atusica e canto nos bastidores) Ouvi! Da névoa azul no floco leve ‘Meu geniozinho chama-me. Até breve! (Sai) 12 BRUXA. Vamos! Com pouco ela estard de volta, (Saem) Cena VI Algures na Escécia (Entram Lennox ¢ outro nobre) LENNOX. Minhas palayras anteriores foram. ‘TA0-6 tocar, senhor, vossas idéias, Que, interpretando-as, podem ir mai onge: (© que sei € que as coisas se passaram De modo bem estranho. © bom Rei Duncan Foi deplorado por Macbeth: puderat Se estava morto... Eo bravo © honrado Banquo Prolongon por demais o seu passcio Noite adentro. Podeis, se vos apraz, MACBETH, ee Dizer que Fleance 0 maton, pois Fleance Fugiu. Ninguém devia demorar-se Em passeios tio tarde. Quem acaso Nao achara monstruoso que Malcolm E Donalbain tenham assassinado © pai, tio bom? Medonho crime! Como © abominou Macbeth! Pois no € certo Que, pela compaixio enfurecido, Estragoou incontinenti os matadores — Dois escravos do sono e da bebida? Nio agiu nobremente? E com prudéncia ‘Também? Pois haverd coragao vivo ‘A quem no indignasse ver os homens Negar mais tarde 0 fato? Assim que, penso Que se porto: com grande habilidade. E se os filhos de Duncan Ihe caissem Nas mios (0 que Deus queira nao suceda), Hayeriam de ver que coisa é um filho ‘Matar seu pai. Do mesmo modo Fleance. ‘Mas silencio! Pois soube que, devido A ter falado franco e haver negado Comparecer a festa do tirano, Macduff vive em desgraca. Poderieis, Senhor, dizer-me onde se encontra? Nosre. 0 filho De Duncan, a quem cabe por direito ‘De nascimento o cetro que o tirano Detém, vive na corte de Inglaterra, Onde do piedosissimo Eduardo F tido em tal favor, que a m4 fortuna 'Nao Ihe faz perder nada do respeito Que Ihe é devido. Ali foi ter Macduff Para pedir a0 santo Rei que chame, Em auxilio do Principe, Northumberland ” WILLIAM SHAKESPEARE E 0 belicoso Siward, de maneira Que, assim ajudados, e com o beneplicito De Aqueloutro lé em cima, novamente Possamos dar comida a nossas mesas, E sono a nossos leitos; libertarmos De punhais homicidas nossas festas E banquetes; prestarmos livremente E recebermos honras € homenagens — Enfim tudo por que hoje suspiramos. E este relato exasperou a tal ponto © Rei, que ele prepara uma ofensiva Guerreira. LeNNox. Mandou ele algum recado A Macduff? Nope, Mandou sim, mas a resposta Foi um “Nao!” perempt6rio, e 0 mensageiro Deu-lhe as costas sombrio, resmungando ‘Como quem diz: “Haveis de arrepender-vos Deste momento que me pde nos ombros Encargo to pesado.” LENNOX. O que, de certo, Ter-Ihe-4 feito sentir como devia Acautelar-se, pondo-se em seguro Tio distante daqui quanto aconsetha A prudéncia. Oxalé voe algum anjo A corte de Inglaterra, antecipando-o E expondo-the a mensagem, por que em breve Possa, divina béngio, a ventura Alegrar como dantes este nosso Pais, que tanto sofre sob um guante Maldito! Nope, As minhas preces o acompanham! (Saem) Ato IV Cena I Caverna. No centro, um caldeirio fervendo (Trovao. Entram as Trés Bruxas) 12 BRUXA. 22 BRUXA. 32 BRUXA. ‘Tres vezes 0 gato malhado miou Trés vezes mais uma o ourico gemeu. Harpia “Jé € tempo! Ja € tempo! gritou, 12 BRUXA. Toca a lancar na panela AAs sustincias da mistela. Sapo, que a dormir te inchaste Da peconha que engendraste, Sers a coisa primeira A ferver nesta caldeira ‘Topas. Borbulhe a papa ao fogacho: ‘Arda a brasa e espume o tacho! 22 BRUXA. Rabo de vibora, dardo De venenoso moscardo, Fel de bode, unto de bicha, Pernas de osga ¢ lagartixa, 76 (WILLIAM SHAKESPEARE Asa de coruja, pélo De rato, olho de cobrelo Refervam na otha do tacho Para 0 feitigo do diacho. ‘Topas. Borbulhe a papa ao fogacho: ‘Arda a brasa e espume 0 tacho! 32 BRUXA, Escama de drago, dente De lobo, iscas de serpente Paulosa, ramos de teixo Cortados no eclipse, ¢ um queixo De sanioso tubarao, Mio de r4, lingua de cio, Raiz de cicuta arrancada Da noite pela calada, ‘Miimia de filha do demo, Bofe de judeu blasfemo, Beigos de mongol, focinho De turco, dedo mindinho De criancinha estrangulada ‘Ao nascer, logo jogada Por uma rameira 20 fosso — Tudo isso dé ponto grosso E forca a sopa do diacho! ‘Topas. Borbulhe a papa ao fogacho: Arda a brasa € espume 0 tacho! 2% BRUXA. Esfriai com o sangue de um sfmio, E eis pronto 0 feitigo eximio! (Entra Hécate e diz para as bruxas) HifcaTe, Bravo! Mestras que sois no oficio, Partilhareis do beneficio. E agora, como elfos e fadas Em ronda, cantai, de maos dadas, MACBETH n Ao redor da mix6rdia ardente, Embruxando cada ingrediente. cangao Maus espititos da noite”: “'Maus espiritos da noite”, ‘Negros, brancos e cinzentos, Bailai conosco, bailai! Vinde todos € rabeai Como os ventos! Tiffy, Tiffin, Robin, Puckey, Vinde todos! Bailai conosco, bailai!”) 22 BRUXA. Pelo comichar Do meu polegar Sei que deste lado Vem vindo um malvado. Abre-te, porta: A quem, no importa! (Entra Macbeth) ‘MACBETH. Eh, horrendas bruxas, filhas do deménio, Que estais fazendo? ‘Topas. Obra que nao tem nome. MACBETH. Eu vos conjuro, pela negra arte Que, como quer que fosse, conseguistes Aprender, respondei-me: ainda que os ventos, Soltos por vés, furiosos, arremetam Contra as igrejas; ainda que nas bravas ” WILLIAM SHAKESPEARE Ondas socobrem todos os navios; Ainda que roje 0 trigo jf espigado, Desarraiguem-se as arvores; ainda Que desmoronem os castelos sobre Seus ocupantes; ainda que palicios E pirimides toquem com os seus cimos Seus alicerces; ainda que 0 tesouro os germens naturais role em tremenda Balbiirdia, a ponto que se esgote estruida A destruicao mesma — respondei-me ‘Ao que vou perguntar! 12 BRUXA. Fala, 24 BRUXA. Interroga 32 BRUXA. Responderemos, 12 BRUXA. Quererés ouvi-lo De nossa boca ou da de nossos mestres? MacaeTH, Da deles. Evocai-os: quero vé-los! 12 BRUXA. Deitemos caldeirada (© sangue da mala porca Que comeu sua ninhada; E 0 unto que escorreu da forca ara um assassino armada. Topas. Alto ou baixo, vem mostrar-te, ‘Tu e tua migica arte. (Trovao. Primeira Aparicao, uma cabeca armada de capacete) MACBETH. Dize-me, 6 tu, poder desconhecid 14 BRUXA. (Interrompendo-o) Ble I@ em teu pensamento; Nao fales, escuta atento. 1% APARIGAO. Macbeth! Macbeth! Macbeth! ‘Cuidado com MACHETHL ” Macduff Cuidado com 0 Tane de Fife! £ 6: dispensai-me Wesaparece) MACBETH. Quem quer que sejas, Por tua boa adverténcia, obrigado. Pressentiste 0 meu medo. Uma palavra Ainda... 1 BRUXA. (Interrompendo-o) Ele nio sofre ser mandado. Eis que outro vem, mais forte que o primeiro. (Trovdo. Segunda Apari¢ao, uma erianga ensangiientada) 22 ApaniGho. Macbeth! Macbeth! Macbeth! MAcBETH. Tivesse eu trés ouvidos para ouvir-te! 22 Apanicho. Sé sanguindrio, audaz e resoluto! Ri da forga dos homens, pois nascido De mulher nenhum foi, que possa um dia Causar dano a Macbeth! (Desaparece) MACBETH. Entdo vive, Macduff! Por que temer-te? ‘Mas quero pOr-me em dupla seguranga: Nio viveris! para que eu diga ““Mentes!"” Ao descorado medo, € durma a sono Solto, a despeito dos trovoes, (Trovao. Terceira Aparigao, uma crianca coroada, com uma drvore na mdo) Que € aquilo Que, como estirpe régia, se levanta E na testa infantil traz a coroa Do poder soberano? TODAS AS BRUXAS. Ouve e nao fales. 34 APARIGAO. Sé fero como 0 leo. Nao se te dé De quem conspira € onde conspira: até Que a floresta de Birnam ndo avance Rumo de Dunsinane e nio se lance Contra ti, no serés, Macbeth, vencido! (Desaparece) ‘Macueru. Tal jamais se vera! Que destemido Pode mandar nas arvores, fazer ‘Uma floresta inteira obedecer As suas ordens? Augarios excelentes! Rebelido, no me mostreis os dentes ‘Antes que contra mim toda nao ande De Birnam a floresta. Até Ia, o grande Macbeth ha de reinar. Chegaré 20 fim Normal de sua vida, como assim (© quer a natureza. Todavia, Pulsa-me o cora¢io precipitado Por saber uma coisa: respondei-me (Ge de tanto € capaz esta arte vossa): ‘Acaso dard reis a Escocia um dia ‘A progénie de Banquo? ‘ToDAs AS BRUXAS. Nao procures Saber mais nada. MACBETH, Quero saber isso! Se mo negais, que a maldigio eterna Recaia sobre v6s! Oh, revelai-mo! Por que se abisma esta caldeira? O que € MACBETH, a Este rumor de misica? (Obo6s) 1% BRUXA. Mostrai-vos! 22 BRUXA. Mostrai-vos! 32 BRUXA. Mostrai-vos! Topas. Enchei-the a mente de pesar: Desfilai como espectros no ar! (Otto reis desfilam, 0 ultimo dos quais trazendo na mao um espelbo. Acompanba-os 0 espectro de Banquo) MACBETH. Vai-te! Que és demasiado semelhante Ao espectro de Banquo. Essa coroa Fere-me os olhos. Tu, que thes sucedes, Cingida a fronte de ouro, teu semblante £ igual ao do primeiro, E este terceito Semelha os outros dois. Bruxas imundas! Por que me mostrais isto? Um quarto? Abri-vos, Bem abertos, meus olhos! Porventura Vai esta descendéncia prolongar-se Até 0 Juizo Final? Outro! E mais outro! Um sétimo! Nao quero ver mais nada! Todavia este, 0 oitavo, traz na destra Um espelho, que me mostra muitos outros, Alguns dos quais tendo nas mios dois orbes E tés cetros. Horrivel espeticulo! Agora vejo que € verdade: Banquo, Empastados de sangue os seus cabelos, ‘Me sorti, apontando-me com 0 dedo Seus descendentes... (Desvanecem-se as aparigoes) 2 ‘WILLIAM SHAKESPEARE Qué! Sera assim mesmo? 1% BRUXA. Sim, sera! Mas por que motivo Est 0 grande rei apreensivo? Vinde, vinde, irmas, alegra-to, Dai-lhe 0 nosso melhor regalo, Bailando a0 som de doces Arias ‘Nossas rondas vivas e varias. E assim em nés ele possa ver A delicia de 0 receber! (tisica. As bruxas dangam e desaparecem ‘com Hecate) MACBETH. Onde esto elas? Foram-se! Maldita Seja esta hora funesta para sempre No calendirio! — Entre quem esta 1 fora! (Entra Lennox) LENNOX. Que desejais, Alteza? MACBETH. Acaso vistes Essas irmas sinistras? LENNOX. Nio, Alteza. MACBETH. Nao cruzaram convosco? LENNOX, Na verdade, ‘Nao, meu senhor. MacBETH. Inficionado seja © ar que elas atravessem! E maldito Quem quer que nelas creia! — Ouvi galope De cavalos... Alguma novidade? LENNOX. Chegaram mensageiros com a noticia De que Macduff fugiu para a Inglaterra. MACBETH. Fugiu para a Inglaterra? MACHETE, 88 Lenvox. Com efeito, Meu bom senhor. Macnemn, 6 tempo, que antecipas Meus terriveis projetos! O volivel Designio.nfo seré nunca alcangado Se a acto nio 0 acompanha, Desde agora ‘Andem sempre acertados os primeiros Impulsos de minh’alma com os de minha Mio. E por conseguinte, coroando Meus pensamentos com a acio, pensado Seja e logo cumprido: agora mesmo Cairei sobre o castelo de Macduff, Tomarei Fife e passarei a fio De espada sua esposa, seus fithinhos E quantos tenham a infelicidade De ser de sua gente. Nada adianta Bravatear como um louco. Agirei presto, Antes que 0 meu propésito arrefaca Mas nada de visBes! Onde ficaram Esses senhores? Vinde, conduz-me Onde eles estdo, (Saem) Cena II Em Fife. Aposento no castelo de Macduff (Entram Lady Macduff, seu filho e Ross) LADY MacDUFF. Que mal fez ele para deste ‘modo Fugir de seu pais? a“ ‘WILLIAM SHAKESPEARE. Ross. Tende paciéneia, Senhora. LADY MACDUFF. E teve-a ele? Uma loucura fico que fol'sua fuga. © nosso medo, Quando nao nossos atos, nos inculea De traidores Ross. Senhora, no sabeis Se foi, no medo, mas prudéncia dele. LADY MACDUFF. Prudéncia? Abandonar a sua esposa, Os seus filhinhos, sua gente e titulos No lar de onde fugiu? Nao! Nao nos ama! £ pai desnaturado, Até a carrica, Das aves a menor, quando atacado © ninho, onde deixara os seus filhotes, Luta contra a coruja. Tudo nele Foi medo; amor, nenhum. Nao é prudencia Fugir quando a raz4o manda 0 contrario. Ross. Minha querida prima, dominai-vos, Por quem sois; vosso esposo € nobre, é bravo, E judicioso, ¢ bem conhece a crise Destas horas terriveis, em que somos, ‘Sem o saber, traidores; em que ouvimos Falar do que se teme € nao sabemos ‘© que temermos, € flutuamos todos A mercé do destino em mar violento! Mas preciso partir. Nao ser longa Minha auséncia; com pouco estou de volta ‘Ou as coisas tornardo 20 que eram dantes, ‘Ou, se forem a pior, cessario breve. MACRETH 85 Meu lindo primo, adeus: Deus te protej Lapy Macpurr. Pobre! Tem pai e est sem pail Ross. Um louco Sou se aqui permanego por mais tempo: Fora minha desgraga e vossa ruina Partirei ja. (Sai) LADY MAcDUFF. Filho, teu pai € morto. Que faris? Como iris viver agora? FILHO. Me, como as aves. LaDy MAcburF. De vermes e moscas? FILHO. Do que encontrar: € 0 que elas fazem. LADY MacbuFF. Pobre Avezinha! Jamais tiveste medo A rede, ao algapio, a0 visgo, 0 Iago: FILHO. Por que ter medo, mae? Nao se armam lacos A pobres passarinhos. Meu pai no morreu, como voce esta dizendo. LADY MACDUFF. Morreu sim: que farés agora Para arranjares outro pai? FILHO. E vocé, que € que vai fazer para arranjar outro marido? Lay MAcDUFF. Ora, eu posso comprar vinte ‘quando quiser. FILHO. Entio compra para revender. Laby MAcDUFF. Falas com toda a tua inteligéncia, Que € muita para a tua pouca idade, FILHO. Mie, meu pai foi um traidor? Lapy MacburF. Um traidor, sim, € 0 que ele foi 86 WILLIAM SHAKESPEARE. Fino. © que € um traidor? LADY MACDUFF. © que €? Uma pessoa que mente quando jura, FILHO. Todos que fazem isso sio traidores? Lapy MAcDUFF. fo, e todo traidor deve ser enforcado. FILHO, Todos que quando juram mentem devem ser enforcados? Lapy Macpurr, Todos. FILHO, E quem é que enforca? Lapy MAcDUFF. Ora, os homens de bem, que no ‘mentem, FILHO, Entdo os mentirosos sto muito bobos, porque, sendo tantos, podiam bater e enforcar os outros. LADY MACDUFF. Deus te projeja, meu bichinho! Mas que fards para arranjares um pai? FILHO. Se ele tivesse morrido, voce estaria chorando por ele; se voce ndo chorasse, era bom sinal que eu arranjaria depressa outro. LADY MACDUFF. Meu tagarelazinho! Como falas! (Entra um mensageiro) MENSAGEIRO, Deus esteja convosco, nobre dama. ‘Se no sabeis quem sou, cu, todavia, Conhego bem vossa alta condicio. Receio para v6s risco iminente. Se quiserdes seguir o meu humilde Conselho, ide daqui com vossos filhos. Assustar-vos assim sera crucldade. Mais cruel, porém, seria nio fazé-lo. MAcHETH = Deus vos guarde! Nao ouso demorar-me. (Sai) LADY MACDUFF. Onde fugit? Nao cometi maldade. Mas (agora me lembro) estou num mundo Em que fazer o mal € muitas vezes Louvado, e praticar 0 bem € tido As vezes por loucura perigosa Por que entdo alegar este argumento Feminino, ai de mim, que estou inocente De maldades? Que homens sao estes? (Entram Assassinos) ASSASSINO. Onde Se escondeu vosso esposo? Lapy MAcburF. Nao em sitio ‘Tao sem favor de Deus que possa achi-lo Um homem como tu! "ASSASSINO, Ele € um traidor. Fuo. £ mentira, bandido! AssassiNo. £ assim? Pois toma E cala-te! (Apunbata-o) FILHO, Mic, foge! Ele matou-me! (torre) (Sai Lady Macduff gritando “Assassino!” e erseguida pelos Assassinos) a8 (WILLIAM SHAKESPEARE Cena IL Na Inglaterra. Sala no Palacio do Rei (Entram Matcolm e Macduff) MaLcotM. Procuremos alguma desolada Sombra ¢ em lagrimas tristes aliviemos Os nossos coragdes. Macpure, Nao! Empunhemos Nossas mortais espadas: como bravos, Defendamos a patria malferida. Cada nova mana novas vitvas Gemem de dor € novos 6rfi0s choram; Novas calamidades bofeteiam (Os céus na face, € eles ressoam como Se sentissem com a Escécia € os mesmos gritos De dor soltassem. MALCOLM. Acredito em quanto Sei, € deploro tudo que acredito. Repararei o que me for possivel ‘Quando a hora for propicia. O que dissestes Poderd ser verdade. Este tirano Cujo $6 nome ulcera as nossas linguas, Ja foi julgado homem, de bem; v6s mesmos ‘© amastes j, Nao vos tocou até agora. Sou mogo, mas podeis & minha custa Merecer algo dele. f de prudente Ganhar com o sacrificio de um cordeiro Inocente o favor de um deus irado, MacburF. Nao sou traidor. MALCOLM. Macbeth o é Uma alma Virtuosa e boa poder dobrar-se MACHETE, 9 Ao régio mando. Mas perdoai-me: aquilo Que sois nao 0 mudario meus pensamentos s anjos ainda esplendem, muito embora ‘Tenha caido 0 mais esplendecente. Ainda que tudo quanto seja odioso Assuma as aparéncias da virtude, Nem por isso a virtude deixaria De parecer como é. Macpurr. Perdi as minhas Esperangas, MALCOLM. Talvez precisamente Onde achei minhas davidas, Por que Desamparastes vossa esposa e filhos (Esses entes preciosos, esses fortes Lagos de amor) sem despedir-vos deles? Rogo-vos nio vejais nesta suspeita Agravo contra a vossa lealdade, Seniio penhor de minha seguranga: Pense eu 0 que pensar, nada isso afeta A vossa retidio, MACDUFF. Sangra, perece, Pobre pitria! E tu, grande tirania, Firma-te em tua base, usa dos ganhos Mal adquiridos; confirmado € 0 titulo. ‘Adeus, senhor. Nem pela terra toda Sob as garras do déspota e acrescida Das riquezas do Oriente cu quereria Ser 0 vilio que imaginais. MALCOLM. Suplico-vos, Nio fiqueis ofendido. Nao havia No que vos disse puro ¢ simples medo De v6s. Nosso pafs, curvado ao jugo, ‘Chora, se esvai em sangue; ¢ a cada novo Dia uma punhalada vem juntar-se 0 ‘WILLIAM SHAKESPEARE ‘Aos golpes recebidos. Penso entanto Que em meu favor haverd maos erguidas. Do bom Rei da Inglaterra tenho a oferta De milhares de bravos; nada obstante, Quando eu calcar aos pés a vil cabega Do tirano ou espeti-la em minha espada, Pobre do meu pais! Curtira males ‘Mais numerosos do que no passado, Sofrerd mais, de mais diversos modos Que nunca, pela mo do rei futuro. MACDUFF. Quem poder ser ele? MaLcoLM. £ de mim mesmo Que falo, em quem esto tdo bem plantadas ‘As sementes dos vicios, que, em rompendo Elas, parecer 0 negro Macbeth ‘Tao puro como a neve, ¢ 0 pobre reino Estimé-lo-4 um cordeiro, no cotejo ‘Com os meus danos sem conta. Macpurr. Nem do Inferno [Nas legides tenebrosas ha deménio Que em danadas maldades ultrapasse ‘A Macbeth. MALCOLM. Eu bem sei que é sanguinirio, Falso, avaro, brutal, libidinoso, Embaidor, capaz enfim de todo Pecado conhecido. Nao tem fundo, Porém, minha lascivia: vossas filhas, ‘Vossas esposas, aias € serventes, Juntas, no encheriam a cisterna ‘Do meu desejo; € a minha incontinéncia Derrubaria todos os obstéculos Que viessem contrgstar minha luxéria. Melhor reinar Macbeth do que tal homem. ‘MACDUFF, A intemperanga, quando ilimitada, E tirania em nos da natureza: MACBETH ot ‘Tem sido causa de ficar vacante Muito trono feliz antes do tempo; De muitos reis cafrem, Todavia, ‘No temais de apossar-vos do que € vosso. Bem podeis desfrutar vossos prazeres A puridade e 2 saciedade, e entanto Parecer frio para todo o mundo. ‘Temos bastantes damas complacentes; Nao escondais em vos aquele abutre Capaz de devorar quantas quiserem Dar-se-vos livremente, se vos virem ‘Assim inclinado, MALCOLM. A isso se junta em minha {ndole mal formada uma tamanha Avareza, que, sendo eu rei, matara s nobres por tomar-lhes suas terras; A um cobigara as j6ias, a outro a casa; A gana de ter mais seria o molho Para abrir-me o apetite; de tal sorte, Que eu forjaria injustas desavencas Contra os bons ¢ os leais por destrui-tos, E 05 bens aps tomar-thes. MacDUFF. A avareza Deita mais fando no animo raizes ‘Ainda mais perniciosas que a luxéria Semethante 20 verdo. Ela tem sido Uma espada fatal que deu a morte A nossos reis. Mas nao temais: a Esc6cia t Tem riquezas demais, afora aquelas Que vos sio proprias. E depois, tais pechas Se compensam em v6s com outras gracas, MALCOLM. Nao as tenho nenhumas. As virtudes Que tanto aos reis incumbem — a justiga, A verdade, a firmeza, a temperanga, (ies * A lberalidade, a fortaleza, A coragem, 0 zelo, a persisténcia, ‘A modéstia, a cleméncia — disso tudo io ha vestigio em mim, antes abundo Nas variadas feig6es de cada vicio. Praticando-os de todas as maneiras. Sim! tivesse eu poder ¢ derramara No Inferno 0 doce leite da concérdia; ‘A paz universal subverteria; Langara em confusio a terra inteiral MacourF. © Esc6cia, Escécial MALCOLM. Se julgais tal homem igno de governar, fala; sou ele. MacbuFF. Digno de governar? Nao! Nao € digno Nem de viver! © mfsera nagio, Que um tirano sem titulo governa Com ensangiientado cetro! Quando acaso Vers dias melhores, se 0 legitimo Herdeico do teu trono se interdita ‘A si mesmo e difama sua propria Linhagem? Vosso real pai foi sempre ‘Um santissimo rei. Quanto a rainha, ssa, vivendo mais freqlentemente De joelhos que de pé, morria a cada Dia de sua vida. Adeus! Os vicios De que vos acusais me desterraram Da Escécia. © alma minha, aqui se finda Tua tiltima esperangat MALCOLM. A nobre célera, { Macduff, filha de vossa integridade, Desoprimiu-me 0 coragio de negras Suspeitas, conciliou meu pensamento Com a vossa lealdade € a vossa honra. © sinistro Macbeth, por muitos desses | MACBETH, 93 Estratagemas, procurou ganhar-me Ao seu poder. Assim, com moderada Prudéncia me defendo da excessiva Credulidade. Seja Deus If em cima © nosso intermediirio! Doravante Sigo © vosso consetho; e me retrato De quanto me inculpei. Aqueles vicios, Maldades e pecados que a mim mesmo Atribuf, quero agora desmenti-los Como estranhos 4 minha natureza. ‘Nao conhego mulher; nao fui perjuro; Mal cobigo 0 que € meu; no quebrei nunca Minha palavra; ndo trairia 0 Diabo A-um seu igual. Amo a verdade tanto ‘Quanto amo a vida. Se menti, foi hoje Falando contra mim. O que realmente Sou, vos pertence ¢ 4 minha pobre patria, Para a qual, ainda antes que chegasseis, Dez mil bravos guerreiros, sob as ordens Do velho Siward, ja se preparavam Para partir. Agora partiremos Juntos. Seja a fortuna favoravel As nossas armas, cuja causa é a mesma Da Justiga. Por que ficais calado? MacburF. Duras de conciliar so tantas coisas Boas ¢ mis. (Entra um médico) MALCOLM. Bem, logo falaremos Mais, (Ao médico) O Rei vem chegando? MEDico. Vem. Li fora 9 ‘WILLIAM SHAKESPEARE Ha uma turba de enfermos, pobres almas Que 6 nele confiam. £ doenga Que nfo cede aos remédios; mas um toque De suas mos, tamanha € a santidade Que 0 Céu Ihes conferiu, cura-as de pronto. MALCOLM. Obrigado, doutor. (Sai 0 médico) MACDUFF. Que doenga € essa? MALCOLM, Chamam-lhe 0 mal do Rei. Na minha estada Aqui, presenciei curas milagrosas Do santo homem. Como ele solicita Os Céus, s6 ele o sabe. Vi infelizes Em chagas, tumefactos, desespero Da Medicina, sbito curados. Cura-os rezando € pondo aos seus pescocos ‘Uma medatha de ouro. Ao que se conta, ‘Transmitiré aos reis seus sucessores © poder de curar. Mas a essa estranha, Milagrosa virtude junta ainda Em si o divino dom da profecia. Cobrem-he o trono béngios, que o proclamam. Cheio de graca (Entra Ross) ‘MACDUFF, Olhai, senhor, quem chega. MALCOLM, Meu compatriota, mas ndo sei quem seja Macpurr. Sede bem-vindo, nobre e caro primo. MALCOLM. Agora sei quem €. Deus de bondade, ‘Afastai prontamente as tristes causas Que nos tornam estranhos uns aos outros! MACHETE ms Ross. Amém, senhor, MALCOLM. Dizei-me: a nossa Esc6cia Esté onde sempre esteve? Ross. Ai, pobre patria! ‘Mal ousa conhecer-se. Nem podemos Chamar-the mie, que €, antes, sepultura; ‘Onde ninguém se vé sorrir, exceto Quem nao sabe o que faz; onde suspiros E lamentos ¢ gritos dilaceram © ar sem serem notados, e violentas Dores parecem jé triviais pesares; ‘Onde, se os sinos dobram a finados, Mal se pergunta por quem €; ea vida Das pessoas de bem expira ainda antes Que thes fenegam nos chapéus as flores Que 0s enfeitam, Macourr. © vivido relato, Que, com ser to perfeito, é no entretanto Tio verdadeiro! MALCOLM. Qual a mais recente Desgeaca? Ross. A que € de uma hora faz vaiarem Seu narrador: cada minuto gera Um infortiinio novo, | ‘MacpurF. Como vai ‘Minha esposa? Ross. Est bem. ‘MACDUFF. Meus filhos todos? Ross. Bem, igualmente. J MACDUFF. Nao atentou o tirano Contra o sossego deles? Ross. Nao; deixei-os Em perfeito sossego. Macurr. Nao poupeis ‘Vossas palavras: como vio as coisas? 96 (WILLIAM SHAKESPEARE Ross. Ao partir para aqui, trazendo novas De que tanto me peso, ouvi rumores De estarem rebelados muitos bravos. ‘Ao que logo dei crédito, pois via Em pé de guerra as tropas do tirano fa hora de ajudar. Vossa presenca LA criasia soldados, levaria A uta até mulheres por livrarem-se De cruéis afligdes. MALCOLM. Em seu socorro ‘Marcharemos. Conosco dez mil homens ‘Vio, comandados pelo bravo Siward, Que o bom Rei de Inglaterra nos empresta: ‘Nao h4 mais velho nem melhor soldado Em toda a cristandade. Ross. Ah, se eu pudera Dar-vos noticias to confortadoras ‘Quanto as que ougo de vos! Mas as que trago Deviam ser gritadas no deserto, ‘Onde ouvidos nenhuns as escutassem! ‘MACDUFF. A quem dizem respeito? A causa piibtica? Ou € dor de um 56? Ross. Nao hé alma bem formada Que nessa grande dor nao tenha parte. Mas a parte maior $6 a vés pertence. MacbuFF. Se € minha, nao tardeis em revelar-ma. Falai presto, Ross. Oxali vossos ouvidos Nao tomem aversio irredutivel A minha voz, pesada das palavras Mais duras que jamais eles ouviram, MacaErH, ” MACDUFF. Ah, j4 adivinho! ROSS. Fol vosso castelo Acometido de surpresa; vossa Esposa, vossos filhos, cruamente Assassinados; relatar-vos como, Fora a morte das corgas inocentes Actescentar a vossa. ‘Matcotm. Deus piedoso! ‘Vamos, nio enterreis até aos olhos ‘Vosso chapéu: dai voz A vossa mégoa. Pois a dor que nao fala, essa cochicha ‘Ao coracio pejado em demasia, Incitando-o a quebrar-se. MACDUFF. Até meus filhos ‘Também? Ross. Esposa, filhos, servos — todos Que foram encontrados. MACDUFF. E eu ausente! Minha esposa também? Ross. Como vos disse. Mazcom. Animo, nobre amigo. Em nossa grande Vinganga buscaremos o remédio Com que curar a dor incomportivel. MACDUFF. Ah, ele no tem filhos! Meus amores ‘Todos, dizeis? Oh, abutre dos infernos! ‘Como? Meus lindos pintainhos todos, Com a mie, de uma s6 atroz arremetida? MALCOLM. Lutai contra © infortiinio como um homem. Macburr. Assim farei, sem diivida; no entanto, Forca é também senti-lo como um homem. Mas niio posso esquecer que aqueles entes Viviam, ¢ eram para mim na vida 98 WILLIAM SHAKESPEARE © que de mais precioso havia nela, Viram tal crime os Céus € 0 consentiram? Macduff, é 0 culpado! Por teus eros Pagaram. Desprezivel criatura Que sou! Nao por pecados que nao tinham, Mas pelos meus, caiu-thes sobre as almas Morte cruel. © Cén no seu regaco s tenha agora! MALCOLM. Que isto seja a pedra Que afie a vossa espada: a dor converta-se Em ira € ffria; no se vos abrande © coragio: encrueca. Macpurr. Oh, eu podia Chorar como mulher, ameagar como Um fanfarrio. Mas, Deus onipotente, Cortai toda delonga, defrontai-me Com 0 deménio da Escécia; colocai-mo ‘Ao alcance da espada: se escapar-me, Perdoe-the 0 Céu também! MALCOLM. Isto € falar Como homem. Vinde, vamos ter agora Com 0 Rei. As nossas forgas est4o prontas Para marchar. $6 falta despedirmo-nos. © tirano Macbeth esté maduro Para ser sacudido; e as forgas do Alto Preparados ja tém seus instrumentos. Aceitai © conforto que em tamanha Dor possa dar-vos nossa simpatia Longa € a noite que nunca chega a0 dia. (Saem) k Ato V Cena I Em Dunsinane. Sala no castelo (Entram um Médico e uma Dama de Companhia) MEDICO. Velei convosco duas noites, mas no vi confirmada a verdade de vossas informacées. Quando foi que ela mais recentemente se le- vantou € andou assim? DAMADECoMPANHIA. Depois que Sua Majestade par- tiu para a guerra, via levantar-se da cama, vesir (0 roupio, abrir o armirio, tirar papel, dobri- lo, escrever, depois ler 0 que tinha escrito, por. Ihe o sinete e voltar para a cama. E durante to- do esse tempo, profundamente adormecida, MéDIcO. Grande perturbagio nas fungdes naturais, essa de receber 0 beneficio do sono € a0 mes- ‘mo tempo de proceder como se estivesse acor- dada! E nessa atividade sondmbula, além de an- dar e praticar outros atos, nao Ihe ouvistes por- ventura dizer alguma coisa? DAMA DE COMPANHIA. Ouvi sim, doutor, mas eram coisas que no posso repetir. 100 \WILLIAM SHAKESPEARE Mépico. A mim podeis, ¢ seré até muito conve- niente que o facais. DAMA DE COMPANHIA. Nao, no o farei, nem a vos ‘nem a ninguém, pois nao tenho testemunha pa- ra confirmar 0 que eu disser. (Entra Lady Machetb trazendo uma vela acesa na mao) thai! ai vem ela, Tal qual a vi das outras ve- zes; e, por vida minha, profundamente ador- mecida, Observai-a: escondei-vos. ‘MEDIco. Onde arranjou ela esta luz? DAMA DE COMPANHIA. Tem-na sempre a seu lado: ‘nunca fica as escuras, foi a ordem que deu. Mépico, Tem os olhos abertos. DAMA DE COMPANHIA. Sim, mas o sentido deles es- tf fechado. MEDICO. Que est fazendo agora? Olhai como es- frega as mios, DAMA DECOMPANHIA. Costuma fazer isso: fingir que esta lavando as maos. Vi-a persistir nesse ges- to durante bem um quarto de hora. LADY MACBETH. Por mais que eu faga, esta mancha ao sai MEéDICO, Atengio! Esti falando. Vou-tomar nota do que ela disser para guardar lembranga mais. viva. LADY MACBETH, Vai-te, mancha maldita! Vai-te, digo! — Uma, duas: € tempo de por mios a obra. — Como € lobrego 0 Inferno! — Por quem sois, ‘meu senhor, que vergonha! Um soldado com ‘medo? — Por que havemos de recear que al- MACBETH, io guém o saiba, se ninguém nos pode pedir con- tas? — Mas quem poderia ter imaginado que © velho tivesse tanto sangue nas veias? MiDIco. Ouvistes bem o que ela disse? LADY MACBETH. O Tane de Fife tem esposa: onde std cla? — Que coisa! estas maos nunca fica- io limpas? — Parai com isto, meu senhor, pa- rai com isto: esses ¥ossos sobressaltos podem. Or tudo a perder. MEDICo. Vamos embora, vamos embora: ouvimos © que nao deveriamos ter ouvido. DAMA DE COMPANHIA. Bla disse coisas que nao devia dizer, disso estou certa: 86 Deus esta a par de tudo 0 que cla soube! LADY MACBETH. Sinto ainda aqui o cheiro do san- gue: nem todos os perfumes da Arabia pode- ‘io faze-lo desaparecer desta mao pequenina, ‘Oh! Oh! Ont MEDIcO. Que suspiro! Um coragio gravemente atormentado, o dela. DAMA DE COMPANHIA. Nio gostaria de ter tal cora- ‘cio no meu peito, mesmo com as grandezas da Pessoa inteira. Mépico. Esti bem, esta bem. DAMA DE COMPANHIA. Oxald estivesse, doutor! MéDico. Esta enfermidade esti acima da minha ciéncia; contudo, conheci pessoas que andavam durante 0 sono € no entanto morreram santa- mente em seus leitos. LADY MACBETH. Ide lavar as vossas mAos, vesti o roupio; no vos ponhais to pilido. — Repito- ‘os: Banquo esti enterrado, no pode sair da cova, Méibico. Sera possivel? 102 \WILLIAM SHAKESPEARE LADY MACBETH. Deitai-vos, deitai-vos: esto baten- do a porta, Vinde, vinde depressa, dai-me a mio, O que esti feito no pode ser desfeito. Deitai-vos, deitai-vos, deitai-vos. (Sai) Mépico. Voltara para a cama agora? DAMA DE COMPANHIA. Diretamente. MEDIco. Terrivel o que ouvimos! Quando os atos ‘Violam a natureza, eles produzem Desordens também contra a natureza. As consciéncias culpadas 20s seus surdos ‘Travesseiros confiam seus segredos. ‘A pobre mais precisa dos cuidados Do padre que do médico. — Perdoai-nos, Senhor, a todos nés! Othai por ela: Afastai dela os meios com que possa Fazer mal a si mesma. Protegci-a — Boa noite. Ela langou no meu espitito ‘A confusio, € 0 assombro nos meus olhos. Penso, mas no ouso falar. DAMA DE COMPANHIA. Boa noite, Meu bom doutor. (Saem) MACBETH, 103 Cena I Campo nos arredores de Dunsinane (Entram, precedidos de tambores e bandetras, Menteith, Caithness, Angus, Lennox e soldados) MENTEITH. As tropas de Inglaterra se aproximam, ‘Comandadas por Malcolm, por seu tio Siward ¢ pelo bravo Macduff. Arde A vinganga em seus peitos, pois a causa Que 0s move € dessas que levantariam Para o horror dos combates até um morto! ANGUS. Devemos ir-thes a0 encontro perto Da floresta de Birnam: desse lado ‘Avangam. CAITHNESS. Sabe alguém se Donalbain ‘Vem com 0 irmio? LENNOX. Nao vem, seguramente, ‘Tenho a lista completa da nobreza Presente; ha um filho de Siward e muitos Jovens ainda imberbes, que as primicias Dario aqui de sua galhardia. MENTEITH. E 0 que faz 0 tirano? CAITHNESS, Fortifica © mais que pode 0 s6lido castelo De Dunsinane. Uns dizem que esta louco; Outros, que o odeiam menos, a isto chamam Valente firia: 0 certo € que no pode Afivelar a causa to perdida © cinturdo da ordem, ANGUS. Sente agora Picar-the as maos os crimes cometidos 104 \WILLIAM SHAKESPEARE Secretamente; agora sucessivas Reyoltas de seus stiditos Ihe exprobram ‘A sua felonia; os que comanda Movem-se a voz do mando, nao do afeto. Ja agora esti sentindo que o seu titulo De rei the pende bambo na pessoa Como no corpo de um ladrao nanico A roupa de um gigante, MENTEITH. Por que se ha de Censurar a0s seus nervos perturbados retrair-se ¢ estremecer, se tudo © que hf nele a si mesmo se condena Por estar ali dentro? CarrHNess. Bem, marchemos, Para dar obediéncia a quem se deve: ‘Unamo-nos ao médico da patria Doente, e por curi-la derramemos Até a Gltima gota 0 nosso sangue. LENNOX. Pelo menos 0 quanto for preciso Para regar a flor da realeza E afogar as mds ervas. A caminho Da floresta de Birnam! (Saem marchando) Cena I Em Dunsinane, numa sala do castelo (Entram Macbeth, 0 Médico e o séquito) formes: que cles MACBETH, Nao quero ouvir novos MACBETH 108 Fujam todos, que importa? Inacessfvel Serei ao medo, enquanto a Dunsinane A floresta de Birnam nio avance! Quem € afinal esse rapaz, Malcolm? ‘Nao nasceu de mulher? Pois os espiritos, Que esto a par de todas as mortais Conseqiiéncias, disseram no meu caso: “Macbeth, nao tenhas medo: nenhum homem Nascido de muther terd jamais Poderes sobre ti."" Assim, desertem ‘Tanes traidores, ¢ unam-se 20s ingleses Epicureus: esta alma, que governa © coraco que trago no meu peito, ‘Nao tremeri de divida ou de medo. (Entra um criado) Leve-te 0 demo € pinte-te de negro, Poltrdo da cor do leite! Onde arranjaste Esse olhar de patola? CRIADO. Sao dez mil, MacwETH. Dez mil o qué? Dez mil patetas, biltre? CaiaDo. Dez mil soldados, Majestade. MacBETH. Vai-te! Pica as bochechas, pinta de vermelho © teu medo, covarde! Que soldados, Putha? Com mil demOnios! Essa cara De requeijio transmite 0 medo aos outros. Que soldados, palerma? Criapo. Praza a Vossa Majestade, os ingleses. MacueTH, Fora daquil (Sai 0 criado) 106 ‘WILLIAM SHAKESPEARE — Seytor — Me sinto mal ‘Quando contemplo... — Seyton! — Esta crise ‘Ou me pée a vontade para sempre, ‘Ou me derruba agora. Jé bastante Vivi: 0 curso de meus anos chega Ao seu outono, € o que, na velha idade, Me fora companhia desejavel, = Ahonra, 0 afeto, a obediéncia, amigos Nao me € dado esperar: em lugar deles, Maldigdes € 0 que tenho, nio ruidosas, Porém profundas, honraria apenas Da boca para fora, vas lisonjas, Que 0 pobre coragio bem gostaria De recusar, mas nao se atreve. — Seyton! (Entra Seyton) SEYTON. Que ordenais, Majestade? MACBETH. Que noticias HA mais? SeyToN. Foi confirmado tudo quanto Nos informaram antes, Majestade MACBETH. Combaterei até que a minha carne Seja cortada de meus ossos! Dai-me Minha armadura. SeYTON. Nao é tempo ainda. MACBETH. Quero vesti-la. Mandai mais cavaleiros a baterem ‘As cercanias do castelo. E forca Para quem fale em medo! Ide buscar Minha armadura. — Como est passando, Doutor, a nossa doente? MEDICO. Menos doente, Senhor, que perturbada por estranhas, MACBETH. 107 Obsessivas imagens, que the impedem De repousar em paz MacnerH, Curai-a disso: Nao podeis ministrar algum remédio ‘A-um espirito enfermo, e da meméri Arrancar-he uma dor enraizada, Apagar-Ihe os escripulos gravados Na alma? Nao conheceis algum nepente Capaz de Ihe extispar a um peito inquieto ‘A matéria que pesa insuportivel No coragio? Méoico. £ caso em que s6 0 doente Pode ajudar-se MACBETH, Ent3o lancai aos perros A Medicina! Nao preciso dela. — Seyton, vesti-me as minhas armas; daicme Meu bastio de comando. Despachai Batedores. — Doutor, os tanes fogem De mim. — Vamos, aviai-vos! — Se pudésseis, Doutor, diagnosticar pelas urinas De meu pais o mal de que ele sofre E restitui-lo a pristina satide, ‘Como eu vos decantara aos proprios cos, Para que renovassem meus aplausos! — Arrancai logo! — Que ruibarbo ou sene, Que droga purgativa evacuaria Daqui estes ingleses? Ja tivestes Noticia deles? MéDICO. Tive alguma pelos Vossos preparativos, Majestade. Macweru. — Trazei-a atris de mim! — No temerei a morte nem a ruina 108 WILLIAM SHAKESPEARE Enquanto nao marchar a Dunsinane A floresta de Birnam. (say Mépico. (4 parte) Visse-me eu Longe de Dunsinane, a sio € salvo, Dificilmente aqui me atrairia A ambicio de proventos algum dia. (Saem) Cena IV Campo nas cercanias de Dunsinane. Floresta a0 fundo (Entram, precedidos de tambores ¢ bandeiras, Malcolm, 0 velbo Siward e seu filho, Macduff, ‘Menteith, Caithness, Angus, Lennox, Ross € soldados, marchando) MALCOLM. Primos, espero venha perto o dia Em que nos nossos leitos poderemos Dormir em seguranga, ‘MENTEITH. Assim confiamos. SIWARD. Que mata € aquela 4 nossa frente? ‘MENTEITH, Birnam, MALCOLM. Corte cada soldado um ramo dela E se esconda atras dele: assim marchando, Encobriremos o efetivo exato De nossas forgas, estorvando 0 cilculo Aos nossos inimigos. MACBETH, 109 SOLDADOS. Ser4 feito SiWARD. Tudo quanto se sabe € que o tirano Permanece, confiante, em Dunsinane, E sofrera que nés ponhamos cezco A fortaleza | Marcon. £0 seu melhor parti Pois onde a desercio era possivel, Foram-se dele grandes € pequenos: S6 tem a seu servico mercenrios, De coragdes remissos. Macburr. Bem, deixemos Para depois da aco as nossas justas j Criticas. Por agora, preparemo-nos Para a batalha. Srwanp. O tempo se aproxima Em que a sorte das armas vai dizer-nos © que ganhamos nds ¢ 0 que perdemos. As idéias te6ricas inspiram Estimativas muitas vezes falhas: [A decisio reside nas batalhas ara Id avanga a guerra (Saem, marchando) : Cena V Em Dunsinane, no interior do castelo (Entram, precedidos de tambores e bandeiras, Macbeth, Seyton e soldados) ' Macweri Iai nossas bandeiras nas muralhas Exteriores. Nosso grito é sempre: no (WILLIAM SHAKESPEARE. “Bios que vem!” A forga do castelo Zombard deste assédio: que se fiquem Até que a fome e as febres 0s consumam. Nao 0s tivessem reforcado aqueles Que deviam ser nossos, j4 os teriamos Atacado sem medo, cara a cara, E enxotado daqui. (Grito de mutheres dentro) Que ruido € este? SevTON. grito de mulheres, Majestade (sas) MACBETH. J4 quase que esqueci o gosto do medo. ‘Tempo houve em que © meu pulso pararia De ouvir alguém gritar dentro da noite; Em que um sinistro conto relatado Me faria ericar-se os meus cabelos Como se vivos fossem. Mas fartei-me De horrores: 0 terror, jé acostumado ‘Com os meus pensamentos homicidas, Nio me surpreende mais. (Volta Seyton) ‘Qual foi a causa Deste grito? SEYTON. A Rainha, Majestade, £ morta, Macaera, morta... Nao devia ser agora ‘Sempre seria tempo para ouvir-se Essas palavras, Amanh’, volvendo Airset ol on anes MACBETH, m ‘Tris amanbd e tris amanhil de novo. Vai, a pequenos passos, dia dia, At€ a dltima sflaba do tempo Inscrto, E todos esses nossos ontens ‘Tem alumiado aos tontos que n6s somos Nosso caminho para o p6 da morte. Breve candela, apaga-te! Que a vida f uma sombra ambulante: um pobre ator Que gesticula em cena uma hora ow duas, Depois nfo se ouve mais; um conto cheio De bulha e fara, dito por um louco, Significando nada, (Entra um mensageiro) Vieste para servir-te de tua lingua: Depressa, 0 teu recado, MENSAGEIRO. Majestade, Deveria eu contar o que estou certo Que vi, porém nao sei como fazé-lo. ‘MACBETH, Vamos, fala! MENSAGEIRO, Estando eu de sentincla No alto de uma colina, volvi os olhos Na diregao de Birnam € eis que vejo Mover-se 0 bosque. ‘MACBETH. Mentes, miseravel! MENSAGEIRO, Desabe sobre mim a vossa c6lera Real meu Senhor, se isto no for verdade Podeis vé-lo a trés milhas de distincia Repito: € um bosque em marcha. MacuerH. Se no for ‘Verdade, mandarei que te pendurem Vivo 3 arvore mais préxima, onde moras De fome. Mas se for como disseste, na WILLIAM SHAKESPEARE Nao se me di que a mim fagas 0 mesmo, ‘Ji niio posso dar rédeas 4 confianga. E entro a desconfiar das profecias Equivocas do demo, que nos mente Sob a cor da verdade: “Nio receies ‘Até que Birnam venha a Dunsinane."” E agora uma floresta vem marchando Na diregio de Dunsinane. — As armas! As armas, e saiamos! Se € verdade (© que este nos refere, nfo adianta Fugir daqui ou aqui quedar. Comeco ‘A me sentir cansado deste sol, E desejara ver neste momento Espedacada a miquina do mundo! Dai rebate! Ora sus, 20 inimigo! Yentos, soprai! Catastrofe, abatei-vos! ‘Ao menos morreremos combatendo. (Saem) Cena VI Em Dunsinane. Planicie diante do castelo (Entram, precedidos de tambores ¢ bandeiras, ‘Malcolm, 0 velbo Siward, Macduff etc. e ‘seu exéreito, trazendo cada soldado um ramo de Grvore na mao) MALCOLM. Eis-nos enfim bem perto: deitai fora Os folhudos disfarces e mostrai-vos Como realmente sois. Vs, nobre tio, ‘Com meu valente primo, vosso filho, MACRETHL ns j Comandareis nosso primeiro corpo De exército; Macduff e eu tomaremos Sobre nds tudo 0 mais, conforme 0 nosso Plano, SIWARD. Adeus. Se esta noite depararmos {As tropas do tirano, que sejamos Batidos, caso os no acometamos. MACDUFE, Fazei ressoar nossos clarins: dai forte Sopro 4 prenunciacio de sangue ¢ morte! (Saem. Continuam os rebates) Cena VII Em Dunsinane. Outro trecho da planicie (Entra Macbeth) MacserH, Amarraram-me a um poste: nio me posso Livrar, mas é preciso que, maneira Do urso, lute até o fim, Entre esses homens Que vém, quem sera aquele nao nascido De muther? A este 86, que nio a outro, § Ha que temer. 4 7 (Entra o jovem Siward) | Jovmw siwax. ‘Tew nome? MACBETH. ‘Tremerias de escuté-to. JOVEM SrWARD. Nao! Ainda que ele fosse mais fervente Do que nenhum no Inferno, 6 WILLIAM SHAKESPEARE MACBETH, Eu sou Macbeth, JOVEM SIWARD, © deménio em pessoa nio pudera Articular um nome mais odioso Aos meus ouvidos. MACBETH, Nao, nem mais terrivel JOVEM SIWARD, Mentes, tirano abjeto, ¢ vou prova-lo ‘Com a minha espada. (Lutam. O jovem Siward 6 abatido) ‘MACBETH. De mulher nasceste: ‘Mas zombarei de espadas, de qualquer ‘Arma de homem nascido de mulher. (ai, (Rebate, Entra Macduf) MACDUFF. Vem deste lado 0 rufdo. Mostra a face, Tirano! Se tombaste € ndo por golpe De minha espada, as sombras ainda inultas De minha esposa ¢ filhos serdo sempre Diante de mim. Nao devo nem desejo Cair sobre estes pobres irlandeses, Que alugaram seus bracos. Contra ti, Macbeth, quero bater-me. Do contritio, Prefiro embainhar, com 0 fio intacto, ‘A minha espada. Por aqui o pressinto, Pois este grande estrépito anuncia Combatente de marca. Di Fortuna, Que cu me enfrente com ele! Nio te pego Mais nada, (Sat. Rebate) MACBETH us (Entram Malcolm e 0 velho Siward) SIWARD. Por aqui, meu senhor; — a fortaleza Entregou-se sem grande resisténcia: HA gente do castelo batalhando Por nds contra o tirano. Os nobres tanes Batem-se com bravura. Jé a vit6ria Se decide por v6s € pouco resta Que fazer. ‘MALCOLM. Deparamos inimigos Que vieram pelejar do nosso lado. SIWARD. Senhor, entremos no castelo. (Saem. Rebate) Cena VII Outra parte do campo (Entra Macbeth) ‘MAcweTH, Por que haveria eu de, arremedando (© insensato romano, traspassar-me Com a minha propria espada? Enquanto vejo Inimigos com vida, methor ficam Neles que em mim as cutiladas, (Entra Macduff) MACDUFF. Vira-te, Cio dos infernos, vira-te! MacperH. De todos 116 ‘WILLIAM SHAKESPEARE (Os demais homens foste o que evitei. ‘Vai-te daqui! Minha alma esta referta Com 0 sangue dos teus. ‘MacpuFF. Nao direi nada: Minha voz falard por esta lamina, Malvado, mais vilio do que as palavras Poderiam pintar-te! (Batem-se) ‘MACBETH. Vios esforgost Pois mais facil sera o ar impalpavel ‘Marcares tu com o gume do teu ferro Do que ferir-me. Descarrega tua arma Sobre elmos vulneraveis: minha vida ‘Nao a pode cortar homem nascido De nenhuma mulher. MACDUFF. O teu encanto ‘Nao vale contra mim. Diga-te 0 anjo Que € teu senhor: “Macduff foi arrancado Do ventre de sua mae antes do tempo!” MacperH. Amaldigoada lingua a que o revela! Pois assim me acobarda a melhor parte De homem em mim. Ninguém mais fie agora Desses diibios demOnios, que se riem De n6s com seus equivocos; que sopram A palavra aliciante a0 nosso ouvido E nao a cumprem. Nao combaterei Contigo. ‘MacpuFF. Entdo, entrega-te, covarde! E vive pata seres 0 espeticulo Do mundo inteiro. Como aos monstros raros Se faz, a tua imagem pregaremos MACBETH nz No alto de um poste, com o letreiro embaixo, “Vinde ver o tirano!”” ‘MACBETH. Ndo me entrego! ‘No beijarei 0 p6 aos pés do jovem Malcolm; ndo ouvirei os arrenegos Da canalha. Que embora a Dunsinane Haja 0 bosque de Birnam avangado, E eu te tenha ante mim, que nao nasceste De nenhuma mulher, hei de bater-me At€ 0 Gltimo alento. Eis-me coberto ‘Com o meu broquel de guerra. Em guarda, pois, ‘Macduff, e amaldigoado 0 que dos dois Gritar primeiro: “Basta!” (Saem batendo-se. Rebates. Tornam lutando e Macbeth € abatido) Cena Ix No interior do castelo (Clarins. Entram, precedidos de tambores bandeiras, Maicolm, o velbo Siward, Ross, tanes e soldados) MaLcoLM. Oxali aqui encontremos sos ¢ salvos ‘Os companheiros desaparecidos. SiwaRD. Alguns, por certo, devem ter tombado. Contudo, por aqueles que estou vendo, Barato € 0 prego de t4o grande dia! MALCOLM. Macduff esti faltando, ¢ 0 jovem Siward. ne WILLIAM SHAKESPEARE Ross. Vosso filho, senhor, pagou a sua divida De soldado: viveu somente 0 tempo De se tornar um homem. Mal provara Que era um bravo, caiu, mas como um homem. SiwaRD. Morto meu filo? Ross. Desgragadamente. ‘A vossa dor no pode ser medida Pelo mérito dele: de outro modo ‘Nanea teria fim. SIWARD. Seus ferimentos Recebeu-os de frente? Ross. Em pleno rosto. SIWARD. Se foi assim, esti bem que seja agora ‘Um soldado de Deus. Tivesse eu tantos Filhos quantos cabelos na cabeca, Nio desejara morte mais bonita Para eles. Neste instante os sinos dobram Por sua alma. MALCOLM. Maiores condoléncias Nos merece € as tera. SrWARD. Isto Ihe basta: Foi-se, mas bem — pagando a sua parte Assim, que Deus 0 tenha! — Fis mais conforto! (Volta Macduff trazendo a cabeca de Macbeth) MACDUFF. Salve, Reil pois j4 0 sois. Aqui vos trago A cabeca maldita do tirano, A pitria € livre. Vejo-vos cercado Pelas mais finas pérolas do reino, Os quais em mente o meu saudar secundam; Cujas vozes desejo que bem alto MACBETH, 19, Queiram todas bradar comigo: Viva Rei da Escécia! ‘Topos. Viva o Rei da Escécia! (Clarim) MALCOLM. Nao me deixarei estar por muito espago Sem que vos retribua 0 voss0 zelo E me quite convosco. De ora em diante, Meus tanes e parentes, sereis condes — 0s primeiros na Escécia a ser honrados Com titulo tao alto. O que me resta Por fazer, € que as novas circunstancias Pedem venha a cumprir-se, como seja: Reconduzir 20 lar nossos amigos Que, fagindo 3s ciladas do tirano, Tiveram que passar-se a0 estrangeiro; Desembucar os pérfidos ministros Do camniceiro morto e da diabética Rainha, que, a0 que dizem, por suas proprias Maos se matou violentas; isto ¢ 0 mais Que for mister, farei executar, Com a graca de Deus, em seu lugar E tempo. A todos v6s, agradecido, ‘A Scone, & minha coroagio, convido. FIM

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