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XI II Encontro do Historia Anpuh- Rio Identidade Ss Jovem Guarda e Mi ‘a Brega: as brechas na “inddstria cultural” Adriana Mattos de Oliveira* Resumo: Este trabalho objetiva buscar alguns entrelagamentos existentes entre 0 movimento da Jovem Guarda ea “iisica brega”, para isso seré utilizado 0 conceito de Theodor Adomo e Max Horkheimer de indistria cultural, bem como materialismo cultural de Raymond Wiliams e as formulagdes de Jesiis Martin-Barbero acerca da produgio da indistria cultural e sua recepgao. Palavras-chave: industria cultural; Jovem Guarda; miisica brega. Abstra The aim of this work is make relations between the musical moviment “Jovem Guarda” and the popular romantic music (“misica brega”). The study support the analisys on the concept Culture Industry, coined by Theodor Adorno and Max Hokheimer, as well as the ideas of Raymond Williams about the Culture Industry, moreover the contribution of Jestis Martin-Barbero with your comments production and the reception of such Industry Keywords: culture industry; Jovem Guarda; popular romantic music (“miisica brega”). XI II Encontro do Historia Anpuh- Rio Identidade Ss A poderosa indiistria cultural e suas diferentes recepgoes Este trabalho tem como objetivo perceber entrelagamentos, semelhangas continuidades existentes entre 0 movimento da Jovem Guarda ¢ a “misica brega”. Para analisar a disseminagao e recepgao dessas misicas, utilizo 0 conceito de indiistria cultural, termo utilizado pela primeira vez por Theodor Adomo e Max Horkheimer em 1947 em contraponto 4 expressdio cultura de massas, j4 que, segundo os autores, este iiltimo passa a idéia de uma cultura que surge espontaneamente das prdprias massas. Porém, dentro da I6gica atual do capital, em que a cultura virou uma mercadoria, 0 consumidor nio & 0 sujeito que a indistria cultural o faz acteditat set, mas sim 0 objeto dessa indistria’ Assim para Adomo e Horkheimer a indtistria cultural, através de seus produtos, transmite-nos uma ideologia de conformagio aos interesses dos mais poderosos. Cria nas pessoas a falsa sensagio de que o mundo esti em ordem, impede a formagao de individuos auténomos ¢ independentes, tolhendo a sua consciéncia. Desse modo, vemo-nos diante de um. quadro de extremo pessimismo cultural, no qual o expectador assume uma posigao de total passividade, sendo a indistria cultural responsével por criar uma cultura alienada, conformista e sem espago para a resisténcia das massas aos seus produtos. Buscando safdas para essa visio adorniana de total passividade das massas, tentaremos conciliar a radicalidade critica do conceito de indistria cultural com a perspectiva marxista, imprescindivelmente comprometida com uma préxis voltada para a superacio histérica do capitalismo ¢, portanto, do status quo. Para isso, serio de grande valia as formulagbes de Raymond Williams acerca do materialismo cultural, em que 0 autor busca uma unidade qualitativa entre as instancias politica, econ6mica e cultural no mundo contemporaneo. Através dessas proposigdes deriva-se uma idéia de cultura como um campo de lutas € disputas por significados e sentidos. Apesar dessa luta ser travada em uma sociedade de classes, na qual as forgas so desiguais, ela pode ser vista como uma safda para a superagao de uma visio catastréfica que nfo prevé mediagdes entre as intengdes dos comandantes da poderosa indiistria cultural e as apropriagdes realizadas pelos seus consumidores, * Graduanda em Histéria na Universidade Federal Fluminense Theodor Adorno alerta para 0 fato de que nio se deve tomar o (ermo indiisria literalmente, pois este, diz respeito a estandardizagao da propria coisa © & racionalizagdo das técnicas de distribuigdo, ndo se referindo, estritamente, ao processo de produsao. XI II Encontro do Historia Anpuh- Rio Identidade Ss Neste sentido, podemos recorrer & grande contribuigao trazida por Jesis Martin- Barbero na obra Dos Meios as Mediagdes: comunicacdo, cultura ¢ hegemonia (MARTIN- BARBERO, 2006), na qual o autor faz um estudo nao s6 da produgao realizada pela indiistria cultural, mas também de suas mediagdes e recepgdes efetuadas pelas massas. Desse modo, as massas deixam a sua posigao de exclusiva passividade e passam a ser vistas como sujeitos desse processo. Agora no existe apenas a produgao ¢ o consumo, hd também um outro fator: a recepgio. A Miisica Brega e a Jovem Guarda ‘A denominagio “miisica brega” é utilizada por muitos para designar um tipo de miisica romantica de forte apelo sentimental ¢ de dificil classificagao, uma v z que nao hé um ritmo musical propriamente brega: pode ser um bolero, uma balada, um samba ete, sendo na maioria das vezes produzida e consumida pelas classes populares ¢ possuindo altos indices de vendagem de discos. Segundo o historiador Paulo César Aragjo em seu livro Eu ndo sou cachorro ndo (ARAUIO, 2005), o termo “brega” comegou a ser divulgado na imprensa a partir da década de 1980 para designar pejorativamente a misica considerada cafona, cujos artistas na maioria das vezes comegaram a fazer sucesso na esteira da Jovem Guarda, Seus artistas seriam uma aposta da indiistria fonogréfica no perfodo em que 0 cenério politico brasileiro foi marcado pela instaurago de uma Ditadura Militar que engendrou a seus opositores forte censura, perseguigdo e torturas, chegando ao extremo no ano de 1968 com a promulgag4o do Ato Institucional n° 5 (AI-5) que intensificou a censura e perseguicio aos cantores mais engajados na critica ao Regime. Tanto os cantores pertencentes a Jovem Guarda quanto os da “miisica brega” foram acusados pelos eriticos ¢ artistas mais engajados da época de alienados. A expressio Jovem Guarda se refere a um programa televisivo exibido pela Rede Record entre os anos de 1965 € 1968, apresentado por Roberto Carlos, Erasmo Carlos € Wanderléa. Marcelo Frées no livro Jovem Guarda em Ritmo de Aventura (FROES, 2000) defende a idéia de que a Jovem Guarda foi mais do que um simples programa de televisio: foi um “momento” musical brasileiro, uma de nossas mais férteis vertentes musicais nos anos 1960. XI II Encontro do Historia Anpuh- Rio Identidade Ss Suas influéncias no cotidiano dos jovens brasil iros dese perfodo podem ser ilustrativas da forte influéncia e poder da midia televisiva. A divulgagao de estilos de vida - maneiras de se vestir, falar, pensar ¢ agir — através da indistria cultural ganha forga a partir da introdugdo ¢ expansio da televisio, que chega a0 Brasil na década de 1950, expandido-se verdadeiramente na década seguinte, coincidindo com o perfodo do surgimento do movimento da Jovem Guarda, que contou com ampla divulgagio através de programas de ridio. Simultaneamente a televisio trouxe para perto do publico a imagem de seus idolos, mostrando suas roupas, corte de cabelo © maneiras de se comportar, influenciando grande parte da juventude brasileira da década de 1960. Ainda que tenha existido por um perfodo oficialmente curto - entre 1965 ¢ 1968 -, a Jovem Guarda semeou uma infinidade de talentos nas diversas tendéncias que posteriormente surgiriam em nossa cena musical - dentre elas a nossa misica popular romantica, ou “musica brega”. E interessante notar ainda que varios cantores atualmente considerados bregas tiveram algum tipo de didlogo com a Jovem Guarda - como € 0 caso, por exemplo, do cantor Agnaldo méteo, que em 1967 recebeu de presente do principal icone da Jovem Guarda, Roberto Carlos, a cangio Meu Grito, o que ajudou a consagré-lo em todo o territério nacional; o cantor Reginaldo Rossi foi lider dos The Silver Jets, chegando a participar de alguns programas da Jovem Guarda, antes de seguir carreira solo e se auto intitular de Rei do Brega; a cantora Katia teve Roberto Carlos como seu padrinho artistico. Ocome por vezes juntarem-se em um mesmo grupo classificatério cantores pertencentes & Jovem Guarda ¢ cantores considerados pela critica - ¢ algumas vezes auto- intitulados - bregas. E 0 caso do que ocorre no depoimento que José Aberlardo Barbosa? - mais conhecido como Chacrinha — concedeu ao Museu da Imagem e do Som (MIS) em 1972°. Neste depoimento, Chacrinha cita algumas vezes os cantores Jerry Adriani e Wanderley Cardoso — dois grandes nomes da Jovem Guarda, que chegaram até a comandar um programa semelhante ¢ concorrente ao Jovem Guarda: 0 Excelsior a Go Go, na TV Excelsior® ao lado de Waldick Soriano, Nelson Ned, Anténio Marcos ¢ Claudia Barroso. José Abelardo Barbosa de Medeitos foi um grande comunicador de ridio e um dos maiores nomes da televisio brasileira, como apresentador de programas de auditério, que fizeram enorme sucesso dos anos 1950 aos 80. > Hste depoimento foi concedido ao MIS em 19/09/1972 e contabiliza um total de OS fitas K-7 que estio disponiveis & consulta no Museu. sso de * 0 Excelsior a Go Go iniciou-se sob o comando de Wanderley Cardoso que, em consequiéncia de seu exe: ccompromissos, teve que ser substituldo por Jerry Adsiani, XI II Encontro do Historia Anpuh- Rio Identidade Ss Brechas na indiistria cultural Apesar da miisica produzida pela Jovem Guarda e da “misica brega” serem vistas por muitos como uma aposta da indistria fonogréfica em um momento em que os cantores da MPB estavam sendo duramente perseguidos pelo Regime Militar, esta seria uma conclusio extremamente simplista para analisar 0s motives do enorme sucesso que obtiveram ¢ ainda obtém junto a uma enorme parcela da populagio brasileira. Cairfamos assim em um pessimismo cultural do qual ndo ha safda, j4 que a poderosa indiistria cultural criatia sozinha seus préprios idolos — produtos — e nés — o piiblico — serfamos meros consumidores sem nenhuma autonomia de escolha. O aparente convivio harménico destes artistas com 0 Regime Militar (1964-1985) nao significa necessariamente que compactuassem com o Regime. Grande parte destes artistas pertenciam as camadas populares ¢ nao haviam freqiientado os meios universitérios, onde havia um intenso debate politico — como ocorreu com grande parte dos artistas pertencentes a MPB. Além disso, tinham que trabalhar pelo seu sustento ¢ muitas vezes o de sua familia, dedicando suas vidas & busca de ascensio social e melhoria de sua qualidade material de vida. © enorme sucesso alcangado por ambos - Jovem Guarda e “miisica brega” ~ talvez no tena sido ¢ seja somente uma vontade da indiistria cultural, mas também um espago conseguido por artistas oriundos das classes menos favorecidas para expressarem seus sentimentos, gostos e desejos. Além disso, seu sucesso pode ser visto nfo apenas como mera conseqiiéncia dos esforgos da indiistria cultural em vender seus produtos, mas pode ser visto também como uma resposta desse mesmo “povo massa” em meio do qual estes artistas sairam. Ou seja, estas muisicas sio consumidas e apreciadas pois o “povo massa” se identifica com os epis6dios que sio relatos ¢ cantados nas mtisicas de seus {dolos. Talvez exatamente por isso tenham sido e sejam (Zo duramente criticados: 0 “povo massa” consegue um espago na poderosa indiistria cultural para se expressar. Obviamente, nao devemos ser ingénuos de acreditar que esse espago seja livre ¢ democritico. E claro que para serem incorporados & indiistria cultural ocorre uma certa adequagio destes mesmos artistas, porém o espago por eles conquistado pode também indicar um caminho em meio ao pessimismo cultural: 0 “povo massa” nio apenas consome o que a industria cultural a ele impde, ele também utiliza esta mesma industria para expressar a sua realidade - a qual nem sempre é a realidade que seus ardorosos criticos gostariam que fosse revelada. XI II Encontro do Historia Anpuh- Rio Identidade Ss Referéncias Bibliogrdficas ADORNO, Theodor. Indiistria Cultural e Sociedade. Sio Paulo: Paz e Terra, 2002. AGUILLAR, Anténio, AGUILLAR, Débora ¢ RIBEIRO, Paulo César Ribeiro. Historias da Jovem Guarda, $0 Paulo: Globo, 2005 ARAUJO, Paulo Cesar de. Eu ndo sou cachorro ndo. Rio de Janeiro: Record, 2005 FAOUR, Rodrigo. Histéria Sexual da MPB: A evolugdo do amor e do sexo na sociedade brasileira, Rio de Janeiro: Record, 2006. FONTANELLA, Fernando Israel. A Estética do Brega: Cultura de Consumo ¢ 0 Corpo nas Periferias do Recife. Recife: dissertagio apresentada no Programa de Pés-Graduagio em Comunicagao da Universidade Federal de Pernambuco, 2005, FROES, Marcelo. Jovem Guarda em Ritmo de Aventura. Sao Paulo: Editora 34, 2000. LEITE, Ivana Arruda. Eu te darei 0 céu ¢ outras promessas dos anos 60. Sao Paulo, Editora 34, 2004. MARTIN-BARBERO, Jesiis. Dos meios as mediagées: comunicagdo, cultura ¢ hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2006. PUGIALLI, Ricardo. Almanaque da Jovem Guarda. Sao Paulo: Ediouro, 2006. WILLIAMS, Raymond. Marxismo e Literatura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1979. Cultura, Rio de Janeiro: Paz ¢ Terra, 1992. XI II Encontro do Historia Anpuh- Rio Identidades

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