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2 | Locos & ExisTENcIA EXISTENCIA E SENTIDO: A LOGOTERAPIA COMO UMA GENUINA PSICOTERAPIA FENOMENOLOGICA EXISTENCIAL EXISTENCE AND MEANING: THE LOGOTHERAPY AS A GENUINE EXISTENCIAL-PHENOMENOLOGICAL PSYCHOTHERAPY Valdir Barbosa Lima Neto Instituto Sherpa CE Resumo, Este trabalho tem como principal intuito apresentar a logoterapia e a andlise existencial como uma legitima psicoterapia fenomenolégico-existencial a partir da exposi¢io de seus principais fundamentos epistemoldgicos, te6ricos ¢ metodolégicos, bem como da antropologia ¢ da ontologia defendida por Viktor Frankl, criador da abordagem. Inicialmente seré apresentada uma breve introdugio sobre a fenomenologia- cexistencial enquanto fundamentos metodolégicos © te6ricos, que embasam as abordagens psicoteripicas existenctis ¢ as psicologias compreensivas. Em seguida, sera apresentada a logoterapia, bem como suas bases epistemolégicas, desde sua concepcio antropolégica até sua metodologia, explicitando sua proposta psicolégica e relacionando seus conceitos fundamentais com seus pilares epistemol6gicos. Realizando o entrelagamento da abordagem logorerdpica com suas inspiragio e fundamentagées em pensadores da fenomenologia e da filosofia cexistencial, Coneluindo, a partir de seu fundamento, que a proposta terapéuticae psicolégica de Viktor Frankl se constitui como uma genuina forma de psicoterapia fenomenolégico-existencial Palavras-Chaves: Logoterapia; Fenomenolégico-existencial; Psicoterapias existenciais. Abstract. This work has as main objective to present the Logotherapy and Existential Analysis as a legitimate cexistentiakphenomenological psychotherapy from the exposure of its main epistemological, theoretical and methodological as well as anthropology and ontology advocated by Viktor Frankl, creator of the approach, Initially it will be presented a brief introduction to the existential phenomenology as the methodological foundations and theoretical approaches that underpin existential psychotherapy and psychology understanding. You will then be presented to Logotherapy and its epistemological foundations, from its conception to its anthropological methodology, explaining his psychological approach and its fundamental conceprs relating to their epistemological pillars. Performing interlacing approach logoteripiaca with their inspiration and justification for thinkers from phenomenology and existential philosophy. In conclusion, from its foundation, the proposed therapy and psychological Viktor Frankl is consticured as a genuine form of existential phenomenological psychotherapy. Keywords: Logotherapy; Existential-phenomenological; Existential psychotherapy. LOGOS & EXISTENCIA REVISTA DA ASSOCIAGAO BRASILEIRA DELOGOTERAPIAE ANALISE EXISTENGIA 21), 215, 2013 INTRODUGAO A FENOMENOLOGIA ‘0 final do século XIX, 0 método positivista ascendia como a_ principal forma de investigagio de conhecimento, obrendo grande sucesso nas. ciénciasnacurais. Grandes avangos foram observados na Fisica, Biologia, Geologia, entre muitos outros conhecimentos cientificos que, guiados pelo “progresso” e pelo “desenvolvimento” do método positivista, aleangaram sua “maturidade” ¢ sua “evolugio”. Porém, nas ciénciashumanas, as chamadas ciéncias do. espirito, a metodologia positivista acabou encontrando dificuldades ¢ certas estranhezas do ponto de vista de alguns autores, que passaram a questionar a forma de ver homem e de investigé-lo por meio de paradigmas de causa e feito, entendendo o ser humano como um objeto manipulivel, determindvel -e~—-medido quantitativamente. Em resposta a0 problema levantado por esses questionamentos, no inicio do século seguinte surge a Fenomenologia como um novo paradigma que se inseria nas investigagées de qualquer natureza. Por fenomenolégico entendese 0 método filoséfico de conhecimento inaugurado no inicio do XX por Edmund Husserl (2008), influenciado fortemente pelo pensamento de Franz Brentano (1973). Observando uma crise no método século positive de investigagio cientifica, sobretudo no momento de investigar humanos, Husserl, que inicialmente ditigia seus inceresses para fenémenos os estudos mateméticos, redireciona suas pesquisas para a psicologia, através do contato com as ideais de Brentano referentes 4 intencionalidade, as quais compreendiam consciéncia existindo. de modo entreagado intrinsecamente com 0 mundo, em uma Idgica na qual consciéncia ¢ mundo apresentar-se- iam, através de uma relagio miitua, como co- originérios. A partir de tais concepgées, pensow-se em um método no qual 0 fundamento do conhecimento confirmava-se por meio de um estudo empirico da consciéncia (Brentano, 1973; Fonseca, 2000). Desse modo, todos os esforgos filosdficos de Husserl voltaram-se para o desenvolvimento de uma metodologia de rigor que _possibilitasse 0 conhecimento de todos os fendmenos, tanto aos que competem as ciéncias da natuteza quanto aos focos de interese das ciéncias do espitito, Posteriormente, tal método contou com outros pensadores para o seu desenvolvimento € para sua ampliagio. Autores como Martin Heidegger (1989) e Max Scheler (2003) sio alguns dos mais conhecidos no campo da fenomenologia, cada qual atribuindo suas especificidades 4 esta desenvolvendo seu proprio pensamento filoséfico. FENOMENOLOGIA E EXISTENCIA A. Fenomenologia enquantométodo de conhecimento filos6fico universal, tal qual proposto por Husser! (2008), de forma demasiada sintética, pode ser entendida como forma de acesso ao sentido da experiéncia imediata. Por meio da suspensio dos pressupostos, juizos de valor ¢ préconceituagées (cpochd a respeito do “algo” a ser conhecido no momento da investigagio. Permitindo que na experigncia do contato direto. com 0 objeto nvestigado seja desvelado 0 conhecimento sobre 0 fendmeno, conhecimento este que € produzido pela descrigio e analise do sentido do fendmeno. Husserl ambidonava conhecer a esséncia dos fendmenos das “coisas mesmas”, porém acreditava que a existéncia do mundo é incompreensivel: eis 0 motivo do seu interesse nao se voltar em tentar provar a existéncia do mundo e das esséncias das coisas, mas, sim, unicamente, tentar desenvolver_ um método para compreender 0 sentido dos fendmenos (Dastur, 1989). Para Husserl, a esséncia, a “coisa mesma” do fendmeno, € 0 seu sentido (Penna, 2000). Contudo, outros autores, inspirados pela metodologia fenomenolégica, passaram a investigar [3 4| Locos & ExisTENCIA novas temiticas © um relevante interesse pela cexisténcia, que aparece como 0 modo de ser cminentemente humano possivel de acesso por meio do contato com a experiéncia imediata do encontro, foi surgindo nos estudioso da Fenomenologia. Tal interesse no surge por acaso, mas sim devido as peculiaridades do método fenomenolégico, no qual desde a nogio de intencionalidade, mostrase em total sintonia e proximidade com a perspectiva cxistencial do homem ¢ com a nogio de existéncia. A tigor, € a propria Fenomenologia que di as condigées de possibilidades do acesso dimensio cexistencial humana, Uma ver que desde Heidegger, que propée uma ontologia orientada pelo mécodo fenomenolégico, repensase desde as condigies metodolégicas da Fenomenologia, quanto de sua orientagio para a qualidade existencial do ser humano, o Dasein O inevitével bindmio “fenomenolégico-xistencial” passou a set enfocado enquanto a principal temética levantada por muitos outros filésofos que foram influenciados, de alguma maneita, pelas ideias de Brentano ¢ Husser. (Fonseca, 2000; Husserl, 2008) Um dos principais responsiiveis em enfocar 0 cardter existencial aos holofotes da fenomenologi foi Martin Heidegger (2009). existéncia ¢ enfatizandoa na tentativa de Tematizando a compreender 0 sentido do Ser do homem, Heidegger, por meio de sua Fenomenologia Hermenéutica, constituiu o que ele autodenominou de “ontologia fundamental”. Foi um dos primeiros fenomendlogos a enfatizar o existir enquanto um ato de acontecer, um “acontecendo”. Entendendo que 0 homem é, enquanto esta sendo. E dasein, ou seja, é um ser pritico, é agio em movimento, aquele que nunca esti completamente terminado nem instalado, mas que ek-sistere danga-se, destaca-se), portanto, que precisa acontecer para ser (Stein,2009). Este ser existencial € marcando pelo sentido de sua temporalidade, um ser finito que se desvelae realiza no tempo, no acontecer do presente, no desdobramento da possibilidade que ‘corre no “aqui e agora”. Max Scheler (2003) também se interessou pelo método fenomenolégico, voltando seus estudos para a ética € para os valores, constituindo uma fenomenologia denominada como “Fenomenologia Material dos Valores”. Sua metodologia apresentava tum forte clemento empitico ¢ existencial, e como Heidegger, também dialogou seu lugar na fenomenologia com a existéncia humana. Scheler desenvolveu uma antropologia filosofica que aborda © homem como um ser espiritual consequentemente, existencial, Ao falar de espirito enquanto algo que é pura atualidade, s6 existindo na medida em que se realiza, Scheler(2003) ressalta em sua visio de homem a qualidade humana de dirigir e orientar seu aspecto pulsional. O carater espiritual se representa como a vontade humana que norteia 0 homem, caracterizando a pessoa espiritual como o ser cemergente no desdobramento de suas atualidades, capaz de reconfigurar sua propria realidade. Sendo 0 impulso animico que move 0 cexpitico ato puro, sé existindo na medida em que se realiza, a pessoa espiritual encontrase, nesta perspectiva, como o elemento organizador dos atos espirituais. Novamente, 0 caréter presente do “aqui © agora”, enquanto a condigio de possibilidade do espitito, que se constitui como puro ato & evidenciado, bem como evidenciou Heidegger, porém, sobre as lentes de outro lugar na fenomenologia e de outro olhar antropolégico. Marin Buber (2010) foi dos mais importantes pensadores do encontro existencial ¢ da relagio —interhumana por uma ética fenomenoldgica. Inspirado pela tradigao oriental € pela mistica judaica. Inseriu a ideia da dialégica e da relagio EwTu como fundamento essencial para 0 genuino momento da investigagio fenomenolégica.. ressaltando a relagio e 0 vivido. A experiéncia de permissividade a alteridade do Tu que se relaciona LOGOS & EXISTENCIA REVISTA DA ASSOCIAGAO BRASILEIRA DELOGOTERAPIAE ANALISE EXISTENGIA 21), 215, 2013 com o Eu, numa postura de “deixar ser”, de disponibilidade e reciprocidade. A pessoa encontrar seia de forma auténtica por meio de uma afetagio mutua com o Tu, A. palavraprincipio EwTu representaria 0 modo existencial da intencionalidade, que marcatia a relagio original de todo ser humano com 0 mundo. Implicando no compartilhamento de sentidos entre duas alteridades, 0 Eu se constituiria a partir do Tu. A condigio da existencia de tudo seria, para a dialégica buberiana, a propria relacio (Fonseca, 1998; Buber, 2010). Mas, contudo, como se pode conhecer a existéncia? Como acessar essa dimensao instantinea, imediata, momentanea ¢ misteriosa? Como analisar aquilo que € vivido, que nio se mede, quantifica, manipula, objetiva-se e explica-se? A Fenomenologia surge, entéo, como uma resposta ao positivismo teorético e objetivista e & todas as sua limitagées em abordar 0 conhecimento que é préprio do homem: (© conhecimento da “presenga” Gera) , de sua existéncia, seu Jospeh Zinker (2007) afirmou com sabedoria que a Fenomenologia é 0 método que traduz a existéncia, carter eminentemente humano. constituindo-se como a linguagem do existir ¢ a forma de acesso ao sentido da experiéncia imediata do fundamento humano. As influéncias de tal proposta filossfica inspiraram varias éreas de conhecimento enquanto uma metodologia inovadora de captagio do conhecimento, passando a entender 0 homem como um ser que escapa a toda objetivagio, teorizagio ou racionalizagio, sendo apenas possivel abordé-lo inteiramente de forma vivencial, convidando-o ¢ provocando-o em uma relagio dialégica, de experincia de sie do outro, enquanto. um compartilhamento de valores ¢ sentidos simultineos (Fonseca,1998). Na Psicologia, como também na Psiquiatria, a fenomenologia teve grandes influéncias em muitos pensadores, configurando uma linha psicoterpica que passou a ser chamada de “psicoterapia “abordagens fenomenolégico-existenciais” ou mesmo a “terceira forsa _psicol6gica”, diferengas comumente existencial”, marcando fandamentais sobre as outras escolas psicoterépicas da época, sobre tudo no modo de atuagio, na medida em que, em terapia, passou-se a priorizar a vivéncia que 0 paciente tem de si mesmo e de seu softimento, enquanto ele se mostra no “aqui ¢ agora” do momento terapéutico, ¢ os significados que cle proprio desvela em relagio a isso, em detrimento de andlises diagnésticas _ prévias, teorizagdes ou mesmo interpretagdes explicativas do psicoterapeuta a respeito. do paciente. Diferenciando-se das terapias tradicionais do século XX, segundo Zinker (2007), 0 fenomenolégico em psicoterapia se interessa, de diversos modos, pelo caréter ontol6gico do homem, método, bem como por sua condigéo singular, dnica, mundana, relacional ¢ sem 0 amparo de qualquer esséncia preconcebida. Deixando de lado a questio da interpretacio, © ponto significative & que sou o iinico autor de minhas experiéncias.. Ninguém me leva a fazer © que fico, ninguém mais pode ser considerado responsivel pelo meu comportamento. A visio da filosofia existencial salienta enfaticamente esse ponto... A fenomenologia é 0 método basico usado pelo filésofo existencial... Uma linguagem aplicada para se compreender a condicio humana suas afligées, matemética é uma linguagem utilizada para se compreender o mundo fisico (Zinker, 2007, pag. 102). Alguns autores utilzam a denominagio de “interpretagio compreensiva” para tal metodologi com o intuito de diferencié-la da “interpretagio explicativa” do método analitico positiv. a pessoa em terapia passa a se interpretar, vivenciando a si mesma, seus sentimentos, valors ¢ sentidos, 6 | Locos & ExisTENCIA empaticamente com o terapeuta, experienciando-se como ator, como agente responsivel, atualizador € configurador de si mesmo (Fonseca, 1998). Portanto, tal método compreende o homem enquanto fendmeno que age € se expressa, necessariamente, de alguma maneita, consciente livre © responsivel. Como um ser que existe concretamente, cm um fluxo constante acontecer, ser-ai, O “aqui e agora” na psicoterapia, portanto, nao acontece no vacuo, mas sim, é criado em um momento onde um Eu e um Tu se encontram, no qual cliente e terapeuta aparecem como co-autores € co-participantes do. processo, desdobrando juntos tum momento existencial nico e irrepetivel. E todo 6 fundamento fenomenol6gico-existencial constitu- se como a base para a sustentagio de uma teoria que pretende enfocar uma prética em tal “aqui e agora” € desdobrar 0 sentido que desvelase em cada situagio concreta. LOGOTERAPIA E ANALISE EXISTENCIAL Oriundo de Viena, Médico, psiquiatra © neurologista, sobrevivente de quatro campos de concentragio no periodo da segunda guerra mundial, Viktor Emil Frankl conhecido como 0 pai da Logoterapia © 0 principal nome da abordagem em todo 0 mundo. Nascido em Viena, no ano de 1905, deu inicio a sua trajetéria académica dedicando-se a estudos em psicanilise € posteiormente aproximandose da _perspectiva adleriana da Psicologia Indiviual.(Gomes, 1992) A aproximagio dura alguns anos, mas logo Frankl também se afasta do pensamento adleriano € seus escuddos vio a0 encontro, entio, da fenomenologia & todas as suas inclinagées para o interesse na existéncia, devido, principalmente, as ideias de Max Scheler, bem como toda a gama de pensadores das tradigdes fenomenoldgicas ¢ existencialistas No periodo de 1942 a 1945, Frankl atravessa um dos momentos mais trigico de sua vida, tornando-se prisioneiro em campos de concentrasio nazistas.Na referida experiéncia, 0 autor, jé com um manuserito do que seria as ideais da teoria logoteripica, dar-se conta do quanto 0 homem apresenta uma sede por sentido, por um significada na vidi ¢€ uma motivagio em cada momento da existéncia, Apés sua sofrida experiéncia com 0 holocausto nazista, Frankl passa, entio, a sistematizar € a difundir a logoterapia por todo 0 mundo (Frankl, 2008). Logoterapia, do grego logos que pode significar sentido ou o elemento espiritual humano, & portanto, a terapia do sentido, ou mesmo, a terapia direcionada ao espirito (Frankl, 2012). E a abordagem psicoterépica que visa 0 encontto de sentido de cada momento tinico e singular da vida e seu posterior desdobramento, por meio de um encontro existencial auténtico entre terapeuta € cliente, Orientado para o logos presente na urgéncia de cada momento experenciado na relagio dialigica, a abordagem se norteia por meio de uma postura fenomenoldgica e existencial. Em paralelo com a logoterapia, Frankl faz 0 que chamou de anilise existencial: um momento dirigido & existéncia € a vivencia concreta da pessoa, nio confundindo com uma anilise objetiva do homem. Ressaltando que é na dimenséo existencial que o homem é plenamente humano, € que esta s6 € passivel de ser vivenciada, experienciada ¢ nunca objet é voltando-se para o homem enquanto responsivel por seu préprio projeto existencial, apresentando-se como um “sendo” no mundo € nas relagées que so vada (Frankl, 1989). Frankl compreende que intrinsecas a sua qualidade de serno-mundo, bem como afirmou Heidegger (2009), que o homem se capacita a responder a vida e se abrir para o sentido. Quando se fala em anilise existencial, apontase para a pesquisa psicoldgica antropolégica que embasa 0 método logorerapéutico LOGOS & EXISTENCIA REVISTA DA ASSOCIAGAO BRASILEIRA DELOGOTERAPIAE ANALISE EXISTENGIA 21), 215, 2013 € que abre possibilidades do cliente experienciar-se ‘como responsivel para com sua prépria existéncia, orientando-se para os sentidos inerentes ¢ urgentes, que se presentificam em cada momento concreto (Frankl, 1989). Nesse sentido a andlise existencial ¢ a tentativa de uma antropologia psicoterapéutica, de uma antropologia anterior a toda psicoterapia, nio apenas i logoterapia.."a analise existencial * no apenas um complemento a psicoterapia, nao, cla € a sua base spiritual imprescindivel” (Frankl,2012, p.57). A logoterapia ¢ a anilise existencial atuam, portanto, em conjunto a fim de, na medida em que, ‘o cliente vive existencialmente seus sentimentos, emosées e valores como consciente de sie responsivel por si, capacita-se a se orientar para 0 encontro de sentido, do logos de cada situacio concreta na qual ele se vivencia e se reconfigura constantemente. O encontro de sentido passa a ser uma busca com a participagio mutua do cliente e de seu terapeuta, em uma relagdo autentica € criativa, (Frankl, 1989). Nao cabe a0 homem indagar o sentido de sua vida. Ele deveria considerar-se como alguém que € inquerido. E a propria vida que lhe faz a pergunta ¢ cle tem que responder, responsabilizandose por ela. Com efeito, a anilise existencial vé na responsabilidade 0 sentido da existéncia humana, a esséncia da cxisténcia. (Frankl, 1976, p. 53) Para compreender a logoterapia e a anilise existencial, fundamental conhecer os pressupostos epistemoldgicos de seus aspectos maodolégicos € tedricos, bem como sua visio antropolégica ¢ ontoldgica. Sera exatamente sobre tais teméticas que 1s capitulos seguintes irio se debrugar. ANTROPOLOGIA DA LOGOTERAPIA Frankl (2011) parte do posicionamento de que toda psicorerapia, direta ou indiretamente, edifi antropolégica para sustentar 0 método proposto ¢ se sobe uma filosofia de vida ¢ uma visio validar seus embasamentos teéricos. A respeito de tal ideia, lembremo-nos das palavras de Nietzsche: Nao existe, a rigor, uma cigncia “sem pressupostos”, 0 pensamentos de uma tal ciéncia € impensivel, paralégico: deve haver antes uma filosofia, uma “Re”, para que a ciéncia dela extraia uma diregio, um sentido, um limiteum método, um direito a existéncia” (Nietzsche, 2009, p. 130). Para a construgio de tal abordagem em (2011) uma psicologia © em psicoterapia, Frankl esforgouse em claborar eexplicitar antropologia, uma filosofia e uma ontologia que cembasasse € norteasse sua pritica ¢ sua pesquisa psicolégica. Oriundo de uma formasio novos médica, posteriormente, encontrando horizontes através do campo filosédfico © psicolégico, Frankl parte fundamentalmente da antropologia filoséfica proposta por Max Scheler(2003) para edificar a visio de homem que embasa 0 método logoterpico © a anilise existencial . Porém, seu pensamento nio se limita somente a uma mera reprodugio € aplicagio das ideias de Scheler & psicologi influenciado também por importantes como Martin Heidegger (1989), Martin Buber (2010), Nicolai Hartmann(1975) entre outros, o pai da Logoterapia tem 0 mérito de produzir uma visio de homem prépria inspirada no pois outros autores méxodo fenomenoldgico ¢ na filosofia existencialista para a construgio de um pensamento gentiinamente psicol6gico. ESPIRITO HUMANO NA ONTOLOGIA FRANKLIANA Max Scheler (2003) afirma que existem duas dimensoes ontoldgicas que constituem o homem: a dimensio animica ¢ a dimensio espiritual. O \7 8 | Locos & ExIsTENCIA contetido animico seria referente a toda condigio natural, no sentido vital, presente na constituicio do ser humano, Enquanto ser vivo, estio presentes no homem, bem como em todos os outros animais, as quatro formas essenciais da vida, que Scheler elenca da seguinte forma: 0 impulso afetivo, uma forga cexpressiva priméria, na qual pulsio e instinto ainda nio se diferenciam; 0 instinto, série de comportamentos adaprativos que estio a servigo da cespécie; a meméria associativa, fundamento de toda a cultura e dos condicionamentos mais sofisticados ¢ a inteligéncia pritica, a agio intuitiva priméria. Estas quatro formas da vida seriam presentes em toda dimensao natural (Scheler,2003). Porém, um ser se diferencia de todos os demais por apresentar algo que o filésofo chama de espirito, este ser seria 0 préprio homem. A dimensio cspirieual representa a parte humana capaz de afastarse de toda sua condigio animica, natural, determinada por instintos ¢ pulsées. © homem é capaz de se autodistanciar da natureza ¢ toméla objeto, podendo objetivar, inclusive, sua prépria condigio natural. Esse ser capaz de se diferenciar de sua sina animica, tornowse, entio, o grande criador, criando ¢ recriando a si mesmo a0 longo dos cempos. (Sheler,2003) Mas do que consist, afinal, ese tal espirivo? Como abordado anteriormente, Scheler (2003) fala que o espirito € pura arualidade, 6 existindo ‘enquanto ago presente, enquanto ato. A pessoa, 0 ser espiritual, seria a organizagio desses atos, que s6 existe na medida em que reliza a si mesmo. O espitito ¢ 0 tinico ser que € por si incapaz de ser objetivado - ele € pura atualidade, s6 tem sew ser na livre realizagio de seus atos. O centro do cspitito, a pessoa, nio é portanto, nem um scr objetivo, nem um ser coisifiado, mas apenas uma estrutura ordenadora de atos que leva a Cempo constantemente a si mesma. A pessoa s6 & ‘em scus atos ¢ através deles... algo animico nio realiza a si mesmo: cle ¢ uma série de acontecimentos no tempo... tudo o que é ico ¢ passivel de objetivacio - mas nio o ato «spiritual. Nés s6 podemos nos reunir ao ser da nossa pessoa, nos concentrar em sua direcio- mas nio podemos objetivé-lo, Como pessoas no podemos objetivar nem mesmo as outras pessoas (Scheler, 2003, p. 45). Apresentandose como 0 ser capaz de centralizar a si mesmo ¢, portanto, adquirir consciéncia nfo sé do meio ¢ do mundo, mas também capaz de uma autoconsciéncia, 0 homem portanto, o tinico ser que tem mundo, pois nao se limita a um tinico meio, néo esté inteiramente preso a uma cadeia de determinantes causais de estimulos ¢ instintos que 0 determinam, uma ver que sua dimensio espiritual transcende a todos seus determinantes. A dimensio animica ¢ 6 motor que move o homem, seus instintos e pulsées, sua forsa, que & conduzida, guiada, orientada pela vontade spiritual. A dimensio espiritual € a dimensio existencial por exceléncia, constituindo-se sempre em relagio entrelagada com o mundo, cla & portanto, a resposta do homem ao seu Tu, bem como disse Buber (2010, p. 75): “O espirito néo estd no Eu, mas entre o Eu eo Tu. Ele néo é compardvel ao sangue que circulas em ti mas ao ar que respiras”. Exssistir significa sair de si ¢ se apresentar ante si mesmo, uma dindmica na qual o homem sai do plano corpéreo-psiquico e chega a si mesmo atravessando o espago do espiritual.A ex-sistencia acontcce no espirito.E o homem se apresenta diamte ¢ si, na medida em que cle se apresenta como pessoa espiritual diante de si mesmo como organismo psicofisico (Frankl, 2012, p.59). Inspirado pelo pensamento de Husserl (2008) ¢ Scheler (2003), Nicolai Hartmann (1975) compreende um ser humano composto por camadas: a somédtica (camada_orginica), a psicolégica (camada pulsional) ¢ a noolégica (do ‘grego nous que significa espirito, esta seria a camada spiritual) na qual esta abrangeria aquelas, de modo que quanto mais elevada a camada, mais inclusiva LOGOS & EXISTENCIA REVISTA DA ASSOCIAGAO BRASILEIRA DELOGOTERAPIAE ANALISE EXISTENGIA 21), 215, 2013 seria cla, Hartmann entende que exista uma liberdade do condicionamento somitico ¢ psiquico em todo o ser limiagio a homem, — um humano, mas que, apesar destes determinantes, 0 homem ¢ livre, havendo, portanto, uma liberdade spiritual apesar do determinismo animico. Frankl (2008), norteado pelo pensamento hartamaniano, afirma que os determinantes da condigio humana seriam como o solo sobre o qual homem impulsionaria seu voou para a liberdade. Toda liberdade assumida em Logoterapia € uma liberdade “para algo” © nio “de algo”. E uma iberdade diante dos determinantes, sempre em relagio, pois o ser livre s6 existe em relagio a algo que tenta determinélo.(Frankl,1989). A existéncia é um modo de ser, ¢, em verdade, 0 ser humano, o ser que é especificamente préprio ao omen, 0 ser cujo modo de ser consiste no fato de que que esti em questio no homem nao é um ser fitico, mas um ser facultative, no. um precisar-ser-dessa-verde-tamodo-e-néo-de- outro que € 0 modo como o homem neurético compreende mal o seu serde-tal-modo, mas muito mais um sempre-poder-vi-a-ser-de-outro- modo (Frankl, 2012, p.59). E por meio da proposta antropoldgica cexposta até entio, que Frankl justifica sua escolha cem cleger 0 fator espiritual como foco de atuagio da Logoterapia, Pois ¢ a dimensio noética onde se apresenta a forga de escolha e de decisio do homem sobre si mesmo. fa partir desta dimensio que o ser humano se mostra em sua totalidade, espiritual existencial. Assumindo as consideragées de Scheler (2003) e Hartmann 1975) a respeito do cardter spiritual ¢ das «rés camadas humanas, para Viktor Frankl 0 homem & composto por trés dimensées fundamentais a dimensio somética, que seria 0 homem biolégicos a dimensio psicolégica, que seria ‘0 homem dos desejos inconscientes, das pulsées dos condicionamentos e, por fim, a dimensio noética, aquela que representa o espirito humano € sua vonrade livre diante dos determinantes socias, bioldgicos ¢ psicolégicos.Cada dimensio est intimamente relacionada uma com a outta, sendo a dimensio espiritual a mais abrangente, Seria impossivel abordé-la sem se considerar as demais. Ao se falar em um ser espiricual, em Logoterapia, deve- se, obrigatoriamente, considerar as dimensoes somitica e psicolégica, compreendendo 0 homem como uma toralidade significativa irredutivel. Esta perspectiva dimensional do homem, Frankl nomeari de “Ontologia Dimensional”, podendo 0 homem, nela, ser tomado por diferentes aspectos de suas caracteristicas somaticas e psiquicas, mas sé sendo intciramente integrado em seu clemento espiritual (Frankl, 2012). SER-CONSCIENTE E SER-RESPONSAVEL Frankl afirma que o homem integrase em um binémio: ser-consciente ¢ serresponsivel, marcado por uma realidade existencial inevitével: a liberdade. A ideia de espitito em Logoterapia traz consigo todos os pressupostos schelerianos abordados, desembocam em relagio, em escolha ¢ em acio, Frankl ressalta que antes de ser responsivel consciente, o set humano constitui em relacio ¢ na relagio. (Frankl, 1989). © homem € sempre centrelagado por tcias relacionais que 0 compée hartmanianos anceriormente, que enquanto ser humano, a relagio é fandamento para tudo, Tal pressuposto softe inspiragoes diretas da ideia de intencionalidade de Brentano, em que consciéncia ¢ mundo sio co-origindtios, apontando para uma metodologia que enfoca o agit ¢ 0 relacionar. Invertendo a ldgicapassiva que aprisionaria a humanidade @ uma visio causal da existéncia, 0 pai da Logoterapia questiona aqueles que se perguntam sobre o que mais a vida tem para Ihes oferecer, enfatizando que 0 homem nio é aquele que questiona a vida, mas sim, aquele que deve dar as respostas as questées lancadas por ela. 10 | Locos a existéNciA Essa seria a origem ontoldgica do ser-responsivel, 0 ser que responde a mundo em cada momento vivido (Frankl, 1989; Frankl 2012). © conceito de responsabilidade precisa ser recambiado, do campo da ética especializada, de tum “deve” que flutua livremente no ar, para 0 dominio da vida vivida.... Responder a que? Responder ao que nos acontece, que nos é dado ver, ouvir, sentir. Cada hora concreta, com scu contetido do mundo e do destino, designada a cada pessoa, é linguagem para a atengio despertada... Essa linguagem nio possui alfabeto, cada um de seus sons é uma nova criagio ¢ sé ‘como tal pode ser captada (Buber, 1982, p.49). Portanto, nessa perspectiva, o homem é marcado por uma dialégica origindria (Buber, 2010). Ele € 0 ser capaz de escapar das determinagéespulsionais ¢ mundanas, para transcender 0 habitat ¢ direcionar-se ao mundo. Porém, vivendo especificamente orientado para 0 sentido, sendo © tinico ser capaz de interpretar as perguntas da vida e respondéla com atos espirituais. © mundo, nessa ética, nio € mais um estranho causador de efeitos no bicho homem, produtor de sua “esséncia”, responsivel pelo suposto absurdo da vida humana, coberta de diividas, ser ter sem sentido algum, mas um Tu que se relaciona intrinsecamente com a pessoa espiritual, que a constitu originariamente € que dialoga com ela como uma alteridade relacional (Frankl, 2012; Buber, 2008). Mas se 0 mundo surge como uma alteridade relacional, entio, como responder a ele? Nunca pela reflexio, somente pela agio, na atualizagio dos atos espiticuais, nos atos vividos. A existéncia, segundo Frankl, s6 pode ser acessada de modo vivencial, inconsciente, ou melhor, —_pré-reflexivamente (Frankl,2012). Nesse sentido, consciéncia responsabilidade coexistem de forma complementar ¢ inseparivel, pois em todo ato espiritual, portanto em toda resposta do serresponsivel, em toda vivencia, hd, necessariamente, consciéncia, existe 0 ser-consciente. Como ressaltou Frankl (1989), a cexisténcia s6 € passivel de ser acessada em uma “tealidade de execugio”. A agio, nesse sentido, é um. fendmeno cognitivo, bem como a reflexio também © €. O responder, neste sentido, é vivencia, & pura cognicio, & sempre consciencia (Fonseca, 2000). Mais uma ver as palavras de Nietzsche (2010) se fazem valiosas: Nao existe “ser” por traz do fazer, do atuar, do devir; “o agente” é uma ficgito acrescentada & agdo — a agéo é tudo (p. 33). Nessa perspectiva, ser- responsivel, significa agir, responder por meio da palavra prinefpio Eu-Tu, através da relagio dialégica de vivencia no mundo, € esse agir, esse ato de responder, por sta especificidade, € pura conscigncia préreflexiva, intuitiva, conhecimento vivenciado na imersio da agio enquantopossibilidade em desdobramento (Fonseca,1998). E por esse motivo que o ser-consciente € 0 ser-responsivel constitueme se como um bindmio inseparavel, coexistente no fluxo do devir da presenga humana (Frankl 1989). NOODINAMICA, A DINAMICA DO ESPIRITO E A AUTOTRANSCENDENCIA HUMANA A Logoterapia € conhecida por defender 0 sentido da vida, © sentido de cada momento concreto em cada situagio concreta. Mas afinal, 0 que significa sentido para a terapia do logos? Ao langar os fundamentos que sustentam a Logoterapia, Frankl (2011) afirma que a mesma & edificada por trés pilares: a liberdade da vontade humana, a vontade de sentido ¢ 0 sentido da vida. Tais concepgdes promovem, de antemio, sua visio de homem e de mundo, compreendendo um ser humano de liberdade, que demanda por sentido, € acredita que a vida é plena de sentidos. Sentido € enrendido como a motivagio priméria da existéncia, no seria algo metafisico ou abstrato, mas sim, puramente concreto, presente em cada momento experienciado, direcionado a cada pessoa que se relaciona com a possibilidade que emerge no momento vivido. (Moreira & Holanda, LOGOS & EXISTENCIA REVISTA DA ASSOCIAGAO BRASILEIRA DELOGOTERAPIAE ANALISE EXISTENGIA 21), 215, 2013 2010; Frankl, 2008; Fonseca, 2000). Frankl comprova em suas expetiéncias nos campos de concentragio que a vida é plena de sentidos concretos a cada momento ¢ mais: descobre que todo ser humano € sedento por sentido. O sentido 6 motor da existéncia, ou melhor, aquele que atrai 0 cexistir ese desdobra experiencialmente Para tanto, Frankl (2008) entende que homem estd em uma tensio entre o “ser” e o “dever- set”, no ponto médio da relagéo do que é ¢ do que pode ser. Esta ¢ tensio existencial, a tensio saudavel que o homem busca no seu dia a dia. Essa forma de operar, o autor chamou de noodinamica(do grego noos que significa espitito), a dinimica do espitito, © que o Frankl quer dizer com tal conceito & que 0 homem é a todo o instante, um “poderser”, possibilidade. O ser espiritual, existencial, como vimos anteriormente, opera numa tealidade de execugio, no “aqui e agora” do presente. Ele € pura atualidade, como ressaltou Scheler (2003), ou seja, possibilidade em desdobramento. Sentido constituise, entio, como o desdobramento de possibilidades enquanto agio, consciéncia pré-reflexiva, vivéncia de valores por meio de atos noéticos. Para exemplificar sua explicagio sobre o sentido, Frankl (2008) afirma que a percepgio de sentido é como uma percepgio gestiltica, porém, a0 invés de perceber uma figura diante de um fundo, na apreensio do sentido, a pessoa percebe uma possibilidade diante de um plano de fundo de realidade. A apreensio de sentido eminentemente uma vivéncia, uma experiéncia relacional entre homem ¢ mundo, nunca uma reflexio, construgio ou teorizagio sobre algo. Voltando para 0 pressuposto antropolégico de Frankl, 0 ser humano apresenta a qualidade de sempre esti direcionado para 0 mundo, para algo ou para alguém, ¢ s6 entéo, ser capaz de se realizar. Tal caracteristica, Frankl chama de “autotrascendéncia” que implica em estar sempre _relacionado € direcionado a algo além de si mesmo, a capacidade mais humana presente no homem (Frankl, 2008). Teorizando que 0 homem é um ser espiricual que mundo, eminentemente existe sempre constituindo-se em relacio como algo relacional, como uma possibilidade que se desdobra, Frankl (1989) acredita que 0 sentido nao é criado pelo homem, mas também nio acontece sem cle. Nas palavras de Martim Buber (2010), € como surfar onda, experienciar participative com 0 mundo, na celebragio e na o da vida, com 0 uma em ato co afirma Ao falar sobre sentido da vida, é importante esclarecer que a crenga da Logeterapia nao € que cexista um sentido tinico para a vida de uma pessoa singular, mas que cada momento vivido é pleno de sentidos iinicos, que cada situagio apresenta uma urgéncia, uma série de possibilidades que atingem uma dominincia, uma forma a ser “gestaltificada”, percebida e desdobrada por cada pessoa, ¢ que tal realizagio & motivadora, criadora ¢ recriadora da realidade de cada (Frankl,2008; Fonseca, 1989). pessoa Questionar se existe um sentido Gnico para a vida seria, como Frankl (2011) explica, 0 mesmo que perguntar a um jogador de xadrez pela jogada perfeita para todas as partidas, Cada jogo necessita da jogada especifica de cada problema que surge durante 0 desenrolar do préprio jogo, assim € 0 sentido de cada momento vivido. O homem nio é entendido, em Logoterapia, como 0 questionador do sentido da vida, mas como aquele € questionado © que responde a vida por meio de atos plenos de sentido, a cada instante. O sentido € relative na medida em que se relaciona a uma pessoa cspecifica, que cst cenredada numa situagio especifica. Pode-se dizer que o sentido difere, primeiramente, de homem para homem e, depois, de dia para dia e, de fato, |i 12 | Locos a existéNcIA até de hora para hora... De fato, eu prefio falar da unicidade do sentido — mais do que da relatividade — do sentido, Ese cariter de algo Minico € uma caracteristica mio s6 de uma situagio, mas da prépria vida como um todo, jé que esté se apresenta como uma série de sieuagées tinicas (Frankl, 2011, p.72). VALORES ENQUANTO SENTIDOS UNICOS Em uma posigio fundamental na_ visio filoséfica de Frankl (1989) estio os valores. Para Logoterapia, todo desdobramento de sentido é valorativo, ¢ a realizagio de um valor. Valores sio entendidos como agrupamentos de _sentidos realizados em uma escala hierdrquica, em um determinado periodo no tempo € no espago, por um grupo de pessoas especifico. Ou seja, quando no desdobramento da possibilidade, se vivencia o sentido, apés a realizagio do mesmo, este se torna valor, um sentido metafisico, que orienta cada ser humano na existéncia, que é passivel de ser experienciado a qualquer momento (Frankl, 2011). Bem como assina-la Frankl (2011): “O sentido sinico de hoje, 60 valor universal de amanhi.” (p.82). Para Max Scheler (2003) valores nd. sto criagdes do homem por si sé, mas sim, uma co- produgio e uma co-ealizagio dialética de esséncias junto ao logos eterno de criagio e atualizagio do homem como agio histérica ¢ temporal, tinica especifica, passiveis de serem percebidos vivenciados concretamente por cada ser espiritual. Enquanco universais de sentido, nessa perspectiva, a vida é a todo o momento, plena de valores, logo, plena de sentido. £ como afirma Scheler (2003): [...) As ideias néo séo “antes”, néo sio “em” e néo séo “depois” das coisas, mas juntamente com elas: as ideais 6 sao geradas no ato da constante concretizagéo do mundo no espirito eterno (p.46). Mais uma vee ressalta-se a qualidade dialégica da existéncia humana com o mundo. Para Frankl, os valores norteiam compéem o homem. © homem & valor, que se constitui ¢ se leva & prova constantemente em cada acio realizada, em cada possibilidade desdobrada, em cada sentido desvelado, ele se valora (Frankl, 2011; Kretschmer, 1990). Abordar ose humano em Logoterapia significa, necessariamente, voltar-se para os valores do cliente, a fim de __investigi-los fenomenologicamente, de_modo experiencial, no qual, por meio da investigagio de tais valores, possa se promover a vivéncia de sentidos em cada momento em terapia. Portanto, a visio antropolégica da logoterapia € de um ser biopsicossocio-espiricual, que existe em constante relagio com 0 mundo. Sendo um ser livre, responsivel e consciente de si, esse ser espiritual s6 € conhecido de forma experiencial fenomenolégica, _impossivel de objetivagio, Operando em uma realidade de agio, 0 ser humano espiritual € movido por valores € sentidos, que constituem e 0 integram constantemente (Frankl 1989; 2008; 2011). FENOMENOLOGIA ENQUANTO METODO PARA LOGOTERAPIA Por meio de um método fenomenolégico ¢ experiencial, a Logoterapia constitui-se como uma psicoterapia genuinamente fenomenolégica, que propée explorar o ser humano € seus valores experiencialmente ¢, portanto, dialogicamente, a fim de vivenciar valores, norteando-se pelo legos de forma co-participativa, cliente terapeuta, No campo da Anilise Existencial, a terapia se volta para o cliente a fim de afirmalo como ser responsivel e atuante, possbilitando a vivencia de si mesmo como ator, como agente que responde a vida. No campo da Logoterapia, € a partir da vivéncia de si mesmo como set responsivel, que 0 LOGOS & EXISTENCIA REVISTA DA ASSOCIAGAO BRASILEIRA DELOGOTERAPIAE ANALISE EXISTENGIA 21), 215, 2013 cliente se abre para o sentido, Como ser responsével, cada aio € uma resposta. Ora, 0 que é sentido, se ndo uma acio pré-reflexiva plena de sentido, uma possibilidade que se desdobra, uma gestalt que emerge do real ¢ configura uma forma no possive, ‘como uma forga que ergue e afirma a vida A atuagio logoterdpica_mostrase eminentemente fenomenoldgica ¢ existencial, uma ver que seu método promove uma postura de manterse aberto aos contetidos que venham a surgir para o cliente, deixando o terapeuta disponivel a0 dialogo genuino, sem conceituagbes prévias, seguida de uma postura nfo analitica € néo explicativa, A atuagio promove também a énfase em uma consciéncia empirica e vivida, que se dé de modo telacional por meio de encontro de duas alteridades, promovendo um ambiente acolhedor € seguro no qual o cliente se permite experienciar os contetidos que surgem nas vivéncias imediatas, por meio do encontro dialégico com seu terapeuta, explorando valores. € desdobrando sentidos (Frankl, 2012). E importante ressaltar que 0 norte do encontro logoterapéutico é 0 sentido. A Abordagem nao se constitui como uma mera proposta de encontro e promogio de experiéncias. Enquanto uma relagio dialégica ¢ auténtica, na etimologia da palavra, dialloges, significa compartilhar sentidos, portanto, todo encontro existencial € orientado para o sentido. E, necessariamente, uma relagio que tem o lagos como meta, no qual a vivéncia se configura como sentido (Fonseca, 1998). Frankl (2011) nio tinha a pretensio de delimitar e protocolar a forma de abordar as pessoas em logoterapia, sua intengio era expor seus fundamentos ¢ esclarecer sua proposta antropolégica € metodolégica, estimulando cada logoterapeuta a disponibilizarse & relagio, & experigncia de valores do cliente e a0 didlogo genuino orientado a0 sentido, nessa ética lembremos-nos de suas palavras: “Eu desej, sim, que, no futuro, a logoterapia seja levada adianie por expiritos independentes e criativos” (Frankl, 2011, p. 196.) A intengio de Viktor Frankl (2011) era convidar e provocar a psicologia e a psicoterapia a reinventarse como uma ciéncia do espirito, como uma forma de abordar ¢ contemplar co homem em toda a sua humanidade ¢ possibilidades de ser. Surgindo com uma missio para os estudiosos do sentido, resgatar 0 legado do pai da logoterapia © —compreendet sua fundamentagio, com o intuito de produzir uma psicoterapia inovadora, criativa e auténtica, CONCLUSAO. Coneluindo-se, 0 artigo contemplou a antropolégica e metodolégica da enquanto psicoterapia perspectiva logoterapia uma genuinamente fenomenolégica, passeando por conceitos fundamentais ¢ bases epistemoldgicas cessenciais para se compreender devidamente a proposta logoteripica. Sua particularidade filos6fica antropolégica, que se apresenta desde sua proposta terapéutica de resgatar 0 elemento espiritual na Psicologia, por meio da explicitacio de sua visio de homem ¢ suas filosofias de base, justfica-se através dos pilares edificantes de sua abordagem psicol6gica. Tais fundamentos foram devidamente explorados, relacionando conceitos chaves com suas rafzes fenomenol6gicas e existenciais, clarficando 0 solo epistemolégico no qual a proposta franklina se firma, Reconhece-se 0 lugar da logoterapia enquanto uma forma psicoterdpica existencial, solidamente fandamentada em um método, uma antropologia e uma filosofia, enraizadoseminentemente na proposta fenomenoldgica ¢ existencial, sendo um marco diferenciado em todas as outras abordagens da tereeira via que softeram com criticas a seus fandamentos ¢ a sua organizagio epistemolégica. A compreensio de tais fundamentos demonstram-se imprescindiveis para 0 profundo entendimento do sentido da perspectiva logoteripica e para ctiar condigies de possiblidades de se repensar ¢ |13 14 | Locos & existéNcIA reconfigurar a abordagem, levando a logoterapia | Frankl desejou. adiante de forma criativa e responsivel, bem como 0 REFERENCIAS Brentano, F. (1973). Pycholagy from an Empirical Sandpoint. Trans. Antos C. Rancuerllo, D. B. Terrell, and Linda L. McAlister. London: Routledge & Kern Paul. Buber, M. (2010) Bue tu Sao Paulo, SP: Ed. Centauro Buber, M. (1982) Do ditélogo e do dialdgico, Ed. Perspectiva $.A.: Sao Paulo, SP. Dastur, F.(1989) Réduction et Intersubjecivité in Huser, Collectif sous La direction de Eliane Escoubas et Marc Richir, Grenoble, J. Milon Fonseca, A. H. L, (1998). Jnterpretagao Fenomenolégico-Existencial: Sobre o Sentido do Interpretativo na Concepgio ¢ Método da Psicologia e Psicoterapia Fenomenolégico-Existencial, Maccid, AL: Pendag. Fonseca, A. H. 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Enviado em: 07/02/2013 Aceico em: 02/04/2013 SOBRE O AUTOR Valdir Barbosa Lima Neto. Psicélogo formado pela Universidade Federal do Ceara, membro da Associacio Latino-americana de Estudos de Psicologia Humanistica Existencial (ALEPH) e da Associagao Peruana de Anilise Existencial e Logoterapia E-mail: valdirbarbosaneto@hotmailcom

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