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FRENTE REVOLUCIONÁRIA DO TIMOR-LESTE INDEPENDENTE

FRETILIN
CONSELHO PRESIDENCIAL

Conferência Geral de Quadros da FRETILIN


15 – 20 de Maio de 2000

Análise e perspectivas apresentadas por Mari Alkatiri


I Vice-Coordenador Geral da FRETILIN
em nome do
Conselho Presidencial da FRETILIN

I – Introdução

A ASDT/FRETILIN nasceu de um núcleo de patriotas que a partir de Janeiro de 1970


decidira iniciar o processo de contestação do colonialismo em busca de ideias e ideários,
meios e formas de luta pela Libertação Nacional.

As condições geo-políticas de Timor-Leste - uma meia ilha situada entre dois grandes
vizinhos interdependentes económica e estrategicamente – foram factores que pesaram
em desfavor do desenvolvimento da Luta de Libertação Nacional até Abril de1974.

Não obstante a natureza colonial-fascista do regime Salazar/Caetano de Portugal, todos


os esforços desenvolvidos pelos jovens patriotas timorenses conducentes a obtenção de
apoio da Indonésia para lutar contra o colonialismo português nunca foram bem
sucedidos.

Só depois da mudança de regime em Portugal com a revolução dos cravos a 25 de Abril


de 1974, mudança que teve como consequência o reconhecimento pelo governo de
Lisboa do direito a autodeterminação e independência para as suas colónias, se tornou
possível o trabalho de mobilização e organização do povo maubere para o exercício
daquele seu direito inalienável.

Nasceu então a 20 de Maio de 1974 a ASDT (Associação Social-Democrata Timorense)


que privilegia no seu programa mínimo a reivindicação do direito a autodeterminação e
independência para Timor-Leste.
Muito cedo, e face às ameaças cada vez mais evidentes do regime de Suharto, os
dirigentes da ASDT decidiram dar corpo a edificação de uma organização com outras
características e natureza. Conscientes da necessidade de unir todo o povo para a luta de
libertação nacional, o núcleo dirigente da ASDT efectuou contactos com a Direcção da
UDT no intuito de se edificar uma frente única capaz de assumir esta responsabilidade.
Registou-se aqui o primeiro esforço em busca de uma Unidade de todos os timorenses na
luta pelo direito a autodeterminação e independência. Perante a ausência de perspectivas
de um acordo entre a UDT e a ASDT, esta dissolveu-se, dando lugar a FRETILIN (Frente
Revolucionária do Timor-Leste Independente) a 11 de Setembro de 1974.

Contudo, esta vontade de unir se afirmou de novo em Janeiro de 1975 com a Coligação
FRETILIN/UDT , coligação cuja vida se revelou muito curta e pouco funcional.

Ainda em 1975 deu-se início as Conversações preliminares entre Portugal e as chamadas


Associações Políticas timorenses que culminaram com as negociações de Macau sem a
participação da FRETILIN. Importa saber das razões da nossa ausência e de tudo que
fora decidido mesmo naquelas condições da falta de participação de uma das principais
componentes do processo timorense. O equivalente seria tomar decisões sobre os destinos
de Angola em 1974/75 sem o concurso de uma das principais componentes do processo
angolano.

Mas antes de passarmos a análise sucinta de cada facto histórico queremos aqui realçar
que, ao fazê-lo, o nosso objectivo único é retirar do passado recente lições capazes de
contribuir para uma visão crítica e desapaixonada, recusando categoricamente ressucitar
fantasmas.

Porque é nossa intenção contribuir para a edificação de uma sociedade tolerante e


democrática onde os valores da paz e do progresso, do amor à pátria e à justiça social se
apresentem como os alicerces básicos para a construção de pactos políticos e sociais
dinâmicos, buscaremos a verdade material dos factos, utilizaremos com o mais rigoroso
sentido de justiça o nosso bisturi para se proceder a autópsia dos últimos 25 anos da nossa
História, com particular incidência sobre os 24 anos da ocupação ilegal de Timor-Leste
pelo regime de Suharto. Não é nosso propósito branquear a História. Nem tampouco,
objectivamente, temos alguma necessidade de o fazer.

O que pretendemos é repor a justiça e desmistificar as manobras e cumplicidades


movidas contra a nossa vontade de sermos nós próprios – mauberes – povo pacífico,
enraizado na sua própria história, fiel aos seus ancestrais. Povo determinado a aceitar
todos os sacrifícios pelos seus ideais de Liberdade e Independência.

II – Da ASDT para FRETILIN

A passagem da ASDT para FRETILIN, mais do que uma mudança de sigla, foi uma
mudança de postura cuja profundidade política se veio revelar ao longo dos anos; mais do
que uma opção ideológica, foi de todo o assumir de uma responsabilidade perante o povo
e perante a Comunidade das Nações de criar todas as condições políticas e psicológicas

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para a Luta que se revelava como inevitável contra um novo tipo de colonialismo – o
colonial-expansionismo do regime de Suharto; mais do que a edificação de uma
plataforma política, foi a escolha de uma filosofia de vida onde o conceito da Libertação
da Nação radica no da libertação e dignificação do ser humano, na iguladade de direitos,
na justiça social, na protecção do ambiente, na emancipação da mulher, em suma, nas
transformação dos biberes e mauberes.

Da ASDT para a FRETILIN, o maubere reencontrou o seu Eu, dignificou-se, rompendo


com séculos de humilhação. Nasceu Timor-Leste, marcando o fim do conceito colonial
de Timor português. O Povo e a Terra libertaram-se dos complexos do colonizado.
Maubere se tornou o próprio povo e Timor-Leste a sua Pátria.

III - A Unidade Nacional

A Unidade Nacional como uma realidade social e política dinâmica nasce e cresce à
medida das necessidades de ordem estratégica e política.

Os paises colonizados, para desenvolver a sua Luta pela Libertação Nacional, procuraram
a nível interno criar instrumentos unificadores que exprimissem a aspiração lógica de
todo o povo pela independência.

No plano externo as alianças dividem-se por razões que se prendem com os diferentes
conflitos internacionais: i) conflito Leste/Oeste, ii) o diferendo sino-soviético e iii) o
insuperável conflito Norte/Sul. Conflitos que tinham a ideologia como pano de fundo e a
natureza do poder a edificar como sua consequência.

Por esta razão, mesmo o espaço político da alternativa não-alinhada foi-se convertendo
gradualmente em palco privilegiado dos diferendos internacionais. A afirmação da
independência nacional ou se obtinha através de um equilíbrio na corda bamba, difícil,
senão mesmo impossível, ou se determinava de modo exógeno através da inclusão do
país emergente nas zonas estratégicas de influência deste ou daquele bloco.

Esta era a conjuntura internacional em 1974/75 quando Timor-Leste aprofundava a sua


luta pela emancipação nacional. A tudo isso se acrescentava a crise própria da transição
para a democracia em Portugal e a juventude das lideranças políticas timorenses. Toda
esta situação pesou em desfavor do desenvovimento de uma capacidade de entender,
programar e conduzir o processo de descolonização de Timor-Leste de um modo
independente e racional.

Contudo, havia no seio das lideranças timorenses a consciência da necessidade de se


aproveitar o espaço da liberdade criado pela mudança de regime em Portugal para o
reforço de uma identidade nacional marcada pelas semelhanças e diferenças próprias de
um povo cuja geografia e história sublinharam de uma forma indelével a sua
personalidade.

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Neste esforço de dinamizar a construção de uma nova Nação, nem sempre foi possível
discernir de modo a encontrar-se um equilíbrio dinâmico entre as semelhanças e as
diferenças. Muitas vezes as semelhanças eram perspectivadas como o igual, as diferenças
como o antagónico. Como consequência, algumas vezes as ideias não chegaram a fase de
projectos; os projectos não se converteram em programas; os programas em estratégia
nacional unificadora.

Mas, graças à nossa persistência, a vontade unificadora deu os seus frutos. Com o
nascimento a 11 de Setembro da FRETILIN marcou-se o início de uma fase decisiva de
todo um processo de Luta pela Independência e Unidade nacionais. Como resultado,
tivemos o primeiro ensaio de unidade FRETILIN /UDT estabelecida em Janeiro de 1975.
O rompimento da coligação contra a nossa vontade foi já resultado de uma ingerência do
regime de Suharto.

O então regime de Jakarta estava consciente de que o entendimento entre a FRETILIN e


a UDT lhe retiraria argumentos para agitar a bandeira do anti-comunismo e do perigo da
instabilidade regional. Assim, apostou tudo no sentido de romper com qualquer projecto
para o estabelecimento de plataformas políticas nacionalistas, programou sucessivas
operações umas de charme, visando “conquistar” a simpatia das lideranças políticas
timorenses, convidando alguns dos seus elementos a visitar Jakarta, outras de intimidação
e de ameaças, com o objectivo sempre evidente de determinar o sentido da evolução do
processo político em Timor-Leste a favor da “integração” na Indonésia. Como
consequência de todas estas manobras aconteceu o “movimento de 11 de Agosto de
1975”, mais conhecido como “Golpe de 11 de Agosto”, iniciado pela UDT e que resultou
numa guerra entre irmãos que conheceu o seu fim em meados de Setembro do mesmo
ano com o controle de quase todo o Território pela FRETILIN.

A curta duração da guerra mostrou claramente que:

1. já em 1975 não havia condições nem políticas, nem sociais, e muito


menos psicológicas para o desenvolvimento de uma guerra civil em
Timor-Leste;
2. o conflito entre a FRETILIN e a UDT era já produto de uma manobra
do regime de Suharto, contra a FRETILIN;
3. que só a cumplicidade internacional poderia permitir que Suharto e a
sua Nova Ordem continuassem com as suas acções com vista a
anexação de Timor-Leste.

A invasão em larga escala a Timor-Leste desencadeada a 7 Dezembro de 1975 marcou


uma nova etapa no processo de libertação nacional de Timor-Leste. Fracassados todos os
esforços desenvolvidos pela FRETILIN durante os meses de Setembro, Outubro e
Novembro no sentido de:

1. restabelecer a Administração portuguesa no Território para continuar


com o processo de descolonização e

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2. negociar com a liderança da UDT o fim do conflito e a definição de
uma plataforma de entendimento,

a FRETILIN teve que assumir sozinha a liderança da luta de resistência nacional contra a
invasão e anexação de Timor-Leste pela Indonésia.

Só em 1983, face a barbárie da Indonésia de Suharto, desenvolvem-se novas condições


políticas para o alrgamento da plataforma nacionalista timorense. A FRETILIN passou a
definir novas orientações para a Unidade Nacional. Nasceu então a Convergência
Nacionalista em 1986, o CNRM em 1987/88 e a Comissão Coordenadora da Frente
Diplomática em 1991. Como ponto culminante de todo este processo, teve lugar em Abril
de 1998 em Peniche, Portugal, a Convenção Nacional Timorense donde brotou o CNRT
e a aprovação de uma Magna Carta.

Para fazer face a um inimigo poderoso era necessário que a Unidade Nacional se
exprimisse sob a forma de uma unidade orgânica e estrutural forte onde os espaços de
consenso se alargam, sobrepondo-se as diferenças naturais entre as várias componentes.

A estratégia de Unidade Nacional em tempo de guerra comporta as suas próprias


características, conferindo à liderança unida a natureza de um pacto político-orgânico que
actua de um modo vertical, garantindo uma cadeia de comando único, disciplinador e
tendencialmente monolítico.

Uma vez libertada a Pátria e conquistado o direito de edificar um Estado independente e


democrático, a questão da Unidade Nacional merece ser vista sob bases diferentes.
Devem ser escolhidos novos pilares definidores desta mesma Unidade, a saber:
− A defesa da Independência e Soberania nacionais;
− A defesa das liberdades fundamentais dos cidadãos;
− A tolerância e a defesa da democracia;
− A defesa da paz e da estabilidade;
− A rejeição da violência e da guerra como meios de fazer política;
− O respeito estrito pelas diferenças político-partidárias;

Portanto, numa sociedade democrática pré-estatal, importa encontrar mecanismos


adequados de transição de uma unidade estrutural e orgânica para uma unidade funcional
assente em princípios definidores do interesse nacional. Em síntese, a Unidade só pode
existir quando construida sob os alicerces da paz e de uma cultura democrática e de
progresso social e económico, tendo como linha condutora a defesa da soberania nacional
e da irreversibilidade da independência nacional.

IV - A República Democrática de Timor-Leste

A FRETILIN demonstrou durante os três meses do seu controle do Território que


pugnava pela implementação do processo de descolonização de Timor-Leste encetado
por Portugal como forma de respeitar a Resolução 1514 (XV) e 1541 (XV) da

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Assembleia Geral da ONU e assim ganhar legitimidade conferida pelo voto popular e
pelo reconhecimento internacional.

Aqui está a razão porque, não obstante o controle quase total do Território, o sucesso na
manutenção de uma situação sem guerra nem outros tipos de conflitualidade interna e,
ainda que em termos muito precários, a edificação de uma administração, a reactivação
da produção e do comércio, dos correios e telecomunicações e dos transportes aéreos e
marítimos, a FRETILIN conservou içada a bandeira portugesa diante do Palácio e de
alguns outros edifícios públicos e desenvolveu esforços no sentido de conseguir que
Portugal restabelecesse a sua Administração, mediasse o conflito com a UDT e retomasse
o processo de descolonização conforme o previsto na Lei 7/75.

Mas, face ao insucesso de todos os esforços e ao início de uma invasão indonésia em


larga escala através da fronteira, o Comité Central da FRETILIN, correspondendo a
necessidade de superar a indefinição legal de um quadro político de facto, proclamou a
Independência Nacional de Timor-Leste sob a designação de República Democrática de
Timor-Leste a 28 de Novembro de 1975.

Ao asumir a responsabilidade de proclamar a independência em nome de todo o povo


maubere, o Comité Central da FRETILIN estava certo de estar a representar a vontade
deste mesmo povo e a fazê-lo em seu nome na impossibilidade de uma consulta directa.

Contudo, ao longo de todo o processo de libertação nacional as condições foram-se


criando para o ganhar da dignidade internacional da nossa luta, a saber:

1. as Nações Unidas matêm o reconhecimento de Portugal como potência


administradora legal do Território;
2. gradualmente, Portugal passa a assumir com maior dignidade as suas
responsabilidades históricas e legais sobre Timor-Leste;
3. a ONU rejeita a chamada integração de Timor-Leste na Indonésia e,
4. a Comunidade Internacional desperta para a necessidade de se criarem
todas as condições para que o povo maubere pudesse livremente
decidir sobre o seu futuro.

Entre outras razões, a RDTL nasceu para colmatar o vazio deixado pela Administraçao
portuguesa e, assim, criar uma situação impeditiva do reconhecimento da anexação pela
Indonésia. E estas nos pareceram totalmente conseguidas. Tornava-se pois necessário
mobilizar a Comunidade Internacional, responsabilizá-la no sentido de criar todas as
condições necessárias conducentes a reposição da legalidade internacional em Timor-
Leste de modo a que o próprio povo pudesse de motu próprio, decidir em devido tempo
sobre:

1. a independência total ou a integração na Indonésia, como primeira


etapa e,

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2. a reafirmação ou não daquilo que foi e é os pontos de destaque da
sequência de factos e actos que integram a História da sua Resistência;

No referendo de 30 de Agosto de 1999, o povo maubere rejeitou a integração, mesmo sob


a forma camuflada de autonomia ampla. Ao rejeitar a integração, rejeitou igualmente a
chamada declaração de Balibó e optou de uma forma categórica a favor da
independência.

Mas qual independência? A restauração da República poclamada a 28 de Novembro de


1975? Ou a proclamação de uma nova República?

E aqui está a questão fundamental. A questão que toca, diria mesmo, fere o íntimo de
cada maubere. A RDTL e a sua bandeira são o património inegável da nossa Resistência -
os luliks do nosso povo. Algo extremamente sensível e, por isso mesmo, merecedor de
uma abordagem cuidada, objectiva e isenta de sectarismos de qualquer natureza.

Por esta razão, alguns pensaram que bastava agitar a bandeira da RDTL, cantar o hino da
FRETILIN de punho cerrado e afirmar-se sua gema, mesmo defendendo interesses
duvidosos ou claramente pró-indonésios e era o suficiente para confundir o nosso povo e
ganhar o seu apoio. Surgiu assim um partido nacionalista que defende a autonomia na
Indonésia cujos fundadores, por sua vez, se organizam em forma de um conselho popular
sem nenhuma legitimidade conferida pela história nem pelo voto popular. Popular sem
povo, diria mesmo, popular contra o povo.

Aproveitando-se do facto da FRETILIN ter assumido com todas as consequências a


Unidade Nacional orgânicamente representada pelo CNRM/CNRT e, derivado disso, ter
abraçado o processo democrático de legitimação dos seus objectivos e conquistas, estes
grupos habilmente tentaram ocupar um espaço político e psicológico que julgaram
desocupado, deserto, abandonado – o espaço da FRETILIN, coquistado com sacrifícios
inegáveis, o espaço de uma história de luta representada por símbolos que são o
património dos mauberes. O Foho Ramelau é o ritmo que marca a cadência da marcha
maubere para a Liberdade e a RDTL e a sua bandeira simboliza a sua aspiração máxima.

Assim, a todos os filhos do povo, a todos quantos encontram na história da FRETILIN a


sua realização como patriota mas que distraidamente se deixaram desviar por grupos
desestabilizadores, as portas da FRETILIN continuarão abertas para os receber de novo,
desde que declarem respeitar os seus Estatutos e Programa Político.

Felizmente o povo conhece bem quem nunca vacilou ao longo dos vinte quatro anos de
Luta, quem pode e deve representar as suas aspirações e quem de um modo inaceitável
procura aproveitar-se de alguma distracção sua para o desviar do caminho da
independência.

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V – As Consequências da Guerra

A FRETILIN foi lançada para uma guerra que nunca desejou, e nem tampouco a inciou,
pouco mais de um ano da sua fundação. Organizou-se para a resistência com pouco mais
de trinta homens pessimamente armados com armas de caça ou outras que restavam da
segunda guerra mundial.

Um mês depois, com a adesão dos soldados timorenses no exército português e com o
controle dos paióis portugueses a FRETILIN teve à sua disposição armas para armar mais
de vinte mil soldados. Não há registo de algum Movimento de Libertação ter crescido
tanto e em tão pouco tempo.

Mas tudo teve as suas consequências, traduzidas na capacidade de organizar as Forças de


uma forma coesa e disciplinada, contruir uma cadeia de comando capaz de decidir e fazer
cumprir as decisões, ordenar e controlar a implementação das suas ordens. Os generais de
Suharto sabiam-no e decidiram não dar tempo para a FRETILIN se estruturar
devidamente.

Em Setembro de 1975 iniciaram a flagelação das zonas fronteiriças. A 16 de Outubro


iniciaram a invasão através da fronteira, utilizando milhares de soldados e meios bélicos
de todo o tipo. A 7 Dezembro do mesmo ano deu-se a invasão em larga escala, por terra,
mar e ar. Dezenas de milhares de soldados indonésios foram lançados contra o povo de
Timor-Leste. A população em massa recuou para as montanhas, organizada e dirigida
pela FRETILIN e defendida pelas FALINTIL. Estava ditada a sorte de Timor-Leste –
defender-se com todos os meios ao seu alcance e resistir sempre na certeza de algum dia
vencer.

Perante a envergadura da agressão e a necessidade de defender as populações, a pressão


psicológica sobre os responsáveis aumenta e com ela a imprudência e a atitude para a
intolerância cresce. As orientações do Comité Central nem sempre eram acatadas por
alguns dirigentes que se julgaram donos e senhores do espaço territorial e da massa
humana sob o seu controle. Assim, não obstante o balanço deveras positivo da acção
global da FRETILIN, excessos foram igualmente praticados, resultando em depurações e
lutas internas, em medidas sumárias na resolução dos diferendos. Hoje, cerca de duas
décadas depois, e sem a pressão psicológica de então, estamos em condições de dispensar
uma cuidada reflexão e análise dos factos. Não pretendemos com isso julgar o passado, o
que pretendemos é repor a verdade e corrigir os erros.

A FRETILIN tem clareza suficiente para poder assumir da sua História gloriosa o passivo
e o activo. Não temos é o direito de ocultar as gerações vindouras toda a verdade porque
só a verdade contribui para o reforço da nossa unidade.

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Outras das consequências da guerra foi a descida de muitos militantes e quadros da
FRETILIN para as vilas a partir de 1979. Descida umas vezes organizada pelo Comité
Central, outras vezes forçada pela situação da guerra, outras ainda sob forma clara de
capitulação por incapacidade de entender o fenómeno da guerra e de continuar a resistir.

Muitos desceram para as vilas e continuaram os trabalhos de apoio a Resistência, outros


foram instrumentalizados pelo inimigo e outros ainda – felizmente poucos – se tornaram
tão assassinos como os piores assassinos indonésios. Mas, quase todos, com o caminhar
do tempo, retornaram às fileiras da Resistência e, como, consequência, hoje, se sentem
parte da FRETILIN.

Estas são outras questões que vão merecer a nossa atenção. É necessário um processo de
reconciliação interna da FRETILIN, condição importante para o sucesso do processo de
reconciliação nacional encetado pelo CNRT. E o sucesso da reconciliação nacional é a
base incontornável para a consolidação da paz e da independência e o aprofundamento da
democracia para a edificação de um sistema político capaz de envolver todo o povo no
processo de desenvolvimento.

VI – A FRETILIN e a Independência de Timor-Leste

Como componente do CNRT, a FRETILIN ao reestruturar-se procura com os seus


quadros reforçar a capacidade de intervenção do Conselho Nacional da Resistência
Timorense no decurso do mandato da UNTAET.

Durante o período de transição, a FRETILIN procurará igualmente intervir no sentido da


educação e esclarecimento políticos do povo no tocante a valores universais da
democracia, da paz, da tolerância, do respeito pelas liberdades individuais e colectivos,
da igualdade, da justiça social e do progresso.

Contudo, para um Timor-Leste independente a FRETILIN pugnará por um sistema


político assente nos alicerces do pluralismo.

Sendo Timor-Leste um país relativamente pequeno e pouco populoso, mecanismos


institucionais deverão ser criados de modo a permitir a participação do povo, não só na
escolha dos seus representantes mas, acima de tudo na gestão dos interesses públicos e
colectivos.

No desenvolvimento social, a FRETILIN prosseguirá os objectivos:

1. do combate a pobreza, promovendo acções adequadas na educação, na saúde e


no desenvolvimento comunitário e rural;
2. no crescimento sustentável da economia;
3. na redução dos desequilíbrios entre as zonas urbanas e rurais, priorizando o
desenvolvimento das zonas rurais;
4. na promoção do emprego;

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5. na consolidação da paz e da unidade nacional; no reforço do sistema judicial
independente, no combate a corrupção e as mais variadas formas de
clientelismo;
6. Na protecção do ambiente, priorizando programas de desenvolvimento
sustentável;

No campo do desenvolvimento económica, a FRETILIN desenvolverá uma política


visando:

1. a erradicação da pobreza absoluta;


2. a redução das assimetrias, promovendo o equilíbrio entre as diferentes
regiões;
3. no apoio ao desenvolvimento dos sectores familiares e cooperativos;
4. na promoção do investimento nacional e estrangeiro de modo a desenvolver o
empressariado nacional e torná-lo mais competetivo;
5. na adopção de instrumentos legais que protejam os recursos renováveis e não
renováveis de Timor-Leste;
6. no desenvolvimento do turismo que respeite o equilíbrio ambiental e os
valores culturais e religiosos do nosso povo;
7. no aumento da produção interna dos bens de consumo de modo a reduzir a
importação e equilibrar a balança comercial e de pagamentos;
8. no desenvolvimento de todas as capacidades internas de modo a reduzir a
dependência da ajuda externa;
9. no tocante aos recursos minerais será prioridade da FRETILIN:

i. pesquisar sobre as nossas potencialidades e inventariar os recursos


existentes;
ii. aumentar a produção sustentável;
iii. promover a capacidade nacional na exploração do sector;
iv. adoptar legislação adequada que defenda os interesses nacionais mas
que atraia investidores nacionais e estrangeiros para o sector;

10. No campo da energia, a FRETILIN priorizará os investimentos na pesquisa de


fontes alternativas de energia de modo a reduzir a dependência externa neste
sector;

Estes são simplesmente alguns dados indicativos de uma futura política da FRETILIN
relativamente ao desenvolvimento social e económico do país. Naturalmente que outros
sectores como o dos transportes e comunicações, o do abastecimento de água, etc.
merecerão necessariamente a atenção da FRETILIN.

No tocante a Lei fundamental, a FRETILIN reafirma a Magna Carta como um conjunto


sistematizado de princípios que servem de base para a futura Assembleia Constituinte
eleita democraticamente pelo povo elaborar a Constituição da República. Uma
divulgação da Magna Carta deveria constituir o ponto de partida para a participação do

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povo na discussão da futura Lei fundamental de modo a dotar a Assembleia Constituinte
de dados para elaborar e adoptar a Constituição.

No campo das Liberdades a FRETILIN pugnará pela edidficação de um Estado que adira
e ratifique as Convenções Internacionais que garanta a defesa das Liberdades do ser
humano, que crie todos os mecanismos institucionais que assegure e aborde com
equidade a questão do género, que respeite e defenda os direitos económicos e sociais,
civis e políticos de cada ser humano.

Relativamente à religião, Timor-Leste independente defenderá a liberdade religiosa e de


culto. O Governo definirá mecanismos de cooperação entre o Estado e as Religiões no
campo da Educação, da Saúde e da Moral.

A Religião Católica, como a religião mais representativa de Timor-Leste, tem


desempenhado um papel de destaque na manutenção da harmonia social no seio do povo,
promovendo a tolerância política e religiosa. Um Timor-Leste independente desenvolverá
espaços de cooperação específica entre o Governo e a Igreja Católica de modo a desenvolver uma
educação que previna a violência e promova a paz. Mas num Timor-Leste independente, assim
como se deverá definir espaços de cooperação entre o Estado e as religiões, igualmente se
deverão definir as fronteiras da diferença e de separação no exercício do poder.

VII. A questão da Língua

Um país nasce e cresce não só porque tem uma bandeira, um hino e um governo. No caso
específico de Timor-Leste, uma das opções estratégicas é a escolha da Lingua (oficial ou
de trabalho) capaz de ser o veículo de comunicação e o elemento definidor de uma
personalidade colectiva diferente.

A FRETILIN, desde a primeira hora que defende a língua portuguesa como língua oficial
de Timor-Leste, a par do Tetum que deverá merecer uma pesquisa científica para o seu
desenvolvimento para lhe conferir uma sistematização própria de uma língua
científicamente estruturada.

Face a polémica criada no seio da nossa sociedade, deveremos desenvolver formas de um


diálogo interactivo entre as lideranças políticas e a juventude de modo a estabelecer um
entendimento sobre esta questão.

VIII. Relações Internacionais

Qualquer Estado independente necessita de se inserir política, cultural e economicamente


no mundo. Para que se desenvolvam relações no sentido da sua inserção, Timor-Leste
independente:

- será membro da ONU e receberá na sua Ordem Jurídica a Carta das Nações
Unidas como um conjunto de regras com força constitucional;

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- priorizará relações privilegiadas a nivel multilateral e bilateral com a ASEAN,
o Forum do Pacífico Sul e a APEC;
- desenvolverá relações preferenciais com a Indonésia e a Austrália,
promovendo uma cooperação específica com o Território Norte da Austrália e
a NTT da Indonésia;
- contribuirá para o reforço da CPLP e manterá com países membros relações
que contribuam para a divulgação da língua portuguesa e a generalização do
seu uso a nível pluricontinental;
- desenvolverá relações de coperação com países de todo o mundo.

Caros camaradas.

Nesta Conferência priorizemos a análise sobre a saúde interna da nossa Organização, vis
a vis o CNRT e a sociedade em geral. Se o tempo nos permitir, aprofundaremos a
discussão de outros temas.

Peço a todos abertura, transparência e entrega total na busca das soluções mais adequadas
para a resolução de todos os problemas. Avancemos para uma reconciliação interna
assente sobre os princípios de

Tolerância Máxima e Vigilância Total!

Sairemos daqui mais fortes e unidos para sermos cada vez mais merecedores da
confiança do nosso povo.

Pela Paz, Independência Nacional e Democracia,

A Luta Continua!

Díli, 15 de Maio de 2000.

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