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Digitalizado por Dumane http://semeador.forumeiros.com/portal.htm Copyright ® 1972 The Zondervan Corporation Titulo do original: Ethies: Alternatives and Issues, publicado pela Zondervan Publishing House, Grand Rapids, MI, USA I" edigdo: 1984 Reimpressdes: 1986, 1988, 1991, 1996, 1999, 2000, 20007, 2001, 2002, 2003, 2005, 2006 Publicado no Brasil com a devida autorizagio e com todos os direitos reservados por Sociedade RELIGIOSA EDIGOES VIDA NOVA Caixa Postal 21266, ‘Sao Paulo-SP 04602-970 www.vidanova.com.br Printed in Brazil / Impresso no Brasil ISBN 85-275-0150-3 CAPA: Ato Propaganda REVISAo: Jilio P. T. Zabatiero INDICE PREFACIO. PRIMEIRA PARTE:ALTERNATIVAS ETICAS BASICAS. a IntaoDuGho: ABORDAGEKS€ ALTERNATHVAS ETICAS BASICAS. a 1. AS ALTERNATIVAS BASICAS NA ETICA NORMATIVA wrens seommnannnnnnnnie® ‘A. Mentir Néo & Nem Certo Nem Errado: Néo Hé Normas1. a B. Mentir € Geralmente Errado: Ndo Ha Normos Univers... sammenmnenenenenonene CO Mentir As Vezes £ Certo: Hé Uma Norma Universal3 10 D. Mentir Sempre € Errado: Hé Muitas Normas Nao-Confltantes4. 10 E, Ment Nunca & Certo: H6 muitas Normas Confltantes6 0. a a F. MentirAs Vezes E Certo: Hé Normas Mais Altas?. 12 6. Resumo e Comparagto das Alternativas nr. sen sone 11.AS ABORDAGENS BASICAS: NORMAS ETICAS OU FINS ETS? 3 A. Regras Versus Resultados... sem 2B 2. Prescitiva Versus Descritiva e Emotiva 14 . Cotegorica Versus Hipotétic. 15 D. Principios, Normas e Regras. 45 E, Universal Versus Geral 16 IIL POR QUE UMA ABORDAGEM NORMATIVA?. 16 A.AS Normas Sd0 Inescopévels. 16 8. As Normos Séo Necessérias. 18 NOTAS DE RODAPE. 19 COANTINOMsMo: NA HA Noawas. 20 |. OANTINOMISMO EXPLICADO. 20 A. Kierkegaard: Transcendenda.o que é Etico. 20 8. Nietesche: Transvalorizando a Etica 23 © Sortre: A Rejeigd0 do Fico. sammesmenenennonn sonnei D.A.J. Ayer: A Eliminagbo do Eco, 29 1, AAVAUIAGAO DO ANTINOMISMO .racsnreonronnonnn senannnannnnnn 30 A. Alguns Valores na Etica Antinomista 30 8. Alguns Problemas Com uma Etica Antinomista 3 Leituras Sugeridas 32 NOTAS DE RODAPE. 32 (0 Genenausto: NAO HA NORMAS UNIVERSAS 34 41. O GENERALISMO EXPLICADO. 34 A. Jeremy Bentham: O Utiltarismo Quantitative, 34 2. John Stuart Mil 0 Utitarismo Qualitative, 35 €.G.E, Moore: Regras Gerais ea Obediéncia Universal 37 John Austin: Nenhuma Regra Geral Deve Ser Quebrada. 39 11. O GENERAUISMO AVALIADO. 40 ‘A. Alguns Valores do Generalismo. 40 8. Algumas Insuficiéncias do Generalismo. a Leituras Sugeridas. 43 NOTAS DE RODAPE. CO Siuactonso: HA Ua Noawa Unvensst |. OSITUACIONISMO EXPLICADO. ‘A. Evitando ois Extremos: 0 Legalisma e o Antinomismo, 8. Propondo as Pressuposicdes . Explicando as Proposigdes. . Apliconde a Norma do Amar: 10 SITUACIONISMO AVALIADO. ve A. Algumas Vantagens da Posicdo Situacional. 2. Algumas Insuficiéncias do Situacionismo de Uma Sé Norma. Leituras Sugeridas. NOTAS DE RODAPE.. (© Aasouuriswo NKo-Conruiranre: H& MUrras NORRAAS UNIVERSAS NKo-CONFLTANTES |. O ABSOLUTISMO NAO-CONFLITANTE EXPLICADO. A. Plat: dias Universais de Moralidode 2B. Emanuel Kant: 0 Imperative Categérico Outros Absoltists Puratstos:Algumas Premissos Subentendides. 1, 0 ABSOLUTISMO NAO-CONFLITANTE AVALIADO. ‘A. Alguns Aspectos Positivos do Absolutismo Pluralsta. 8. Alguns Problemos com 0 Absolutismo Pluralista Leituras Sugeridas.. NOTAS DE RODAPE. /ABsoLUIISMO IDEAL: HA MUITAS NoRIAS UNVERSNIS CONFLITANTES |, OABSOLUTISMO IDFAL EXPLICADO. A. Doutrinas Bésicas do Absolutismo Ideal. 8. Algumas Doutrinas Associadas do Absolutism Idea! .Alguns Exemplos Examinados. 1, ABSOLUTISMO IDEAL AVALIADO. A. Algumas Contribuicdes Positivas do Absolutismo Ideal. 8. Algumas Difieuldades Sérias com 0 Absolutismo Ideal. Leituras Sugeridas NOTAS DE RODAPE. 0 Hirranauiswo: Hé Noms UNIVERSAS HifRARQUICRMENTE ORDENADAS. 1. 0 HIERARQUISMO ETICO EXPLICADO,, A.A Tese Bésica do Hierarquismo. 8. Algumas llustragBes do Hierarquismo... 1 O HIERARQUISMO CRITICADO. ‘A. Qual é a Base para Determinar a Hierarquia de Valores? Como uma Norma Pode Ser Transcendide e Ainda Ser Universal? Il 0 HIERARQUISMO ETICO: UMA SINTESE DAS DEMAIS POSICOES. ‘A. OAntinomismo: Ressaltando a Responsabilidade Pessoa. 8. OSituacionismo: Ressaltando 0 Dever Absoluto do Amor. ©. OGeneralismo: A Luta por Normas Universas. os D. OAbsolutisme Pluraista: Mantendo Normas Absolute. NOTAS DE RODAPE. SEGUNDA PARTE: QUESTOES ETICAS. CO castao eo AmoR-PROPRIO 1, O ESPECTRO DE OPINIOES SOBRE 0 AMOR-PROPRIO. ‘A. Ayn Rand: Amando a Si Mesmo por causa de Si Mesmo. 43 4a 44 45 46 50 52 52 54 56 57 58 58 58 61 65 7 6 68 70 nm ” 7 73 78 7” 7 at a 33 24 3a aa 39 92 92 98 98 99 99 100 101 102 202 102 103 2. Erich Fromm: Amando 0 Ego Como Representante da Humanidade... Pou! Tilich: Amando a Si Mesma como Afirmaco do Ser. D. Soren Kierkegaard: Amando a Si Mesmo Altrusticamente, E, Um Resuma do Amor-Praprio. 1. EXAMINANDO OS DADOS BIBLICOS SOBRE © AMOR-PROPRIO... ‘A. 0 Amor-Préprio Conforme & Condenado na Escritura. 8. 0 Amor-Préprio Conforme é Recomendado na Escritura II UMA SINTESE E UMA SOLUCAO... vs ‘A. ANatureza do Homem Nao EstéTotaimente Corrompida 8. Amando 0 Bem em Si Mesmo. Leituras Sugeridas. NoTas.. Ocastaa ra Gueana. |. OATIVISMO: £ SEMPRE CERTO PARTICIPAR DA GUERRA. A. OArgumento Biblico: "O Governa £ Ordenado Por Deus.” B. 0 Argumento Floséfico: 0 Governo £ Guardido do Homem... 1, OPACIFISMO: NUNCA € CERTO PARTICIPAR DA GUERRA A. 05 Argumentos Biblicos: A Guerra Sempre Errado. 8. Os Argumentos Saciais: A Guerra E Sempre Mé I 0 SELETIVISMO: £ CERTO PARTICIPAR DE ALGUMAS GUERRAS. ‘A. Uma Base Bibica para o Seletivism. 8. A Base Morol para o Seletivismo. C. OSeletivismo e 0 Guerre Nuclear. D. OSeletvismo e @ Hlerarquismo, Leituras Sugeridas.. Notas (O CastAo€& RESPONSABIUDADE SOCAL 1. A RESPONSABILIDADE SOCIAL DO CRISTAO EM GERAL. A.A Responsabilidade para com Outras Pessoas.. 8. A Responsabilidade para com a Pessoa Total 1, AS RESPONSABILIDADES SOCIAIS ESPECIFICAS DO CRISTAO. A.AResponsabilidade Social Pelos Seus. 2B. A Responsabilidade Social para com Todos os Homens Ill O MOTIVO E 0 METODO DA RESPONSABILIDADE SOCIAL DO CRISTAO. A.Os Motivas para a Prética do Bem Social 8. O Método para Fazer o Bem Social C.AResponsabilidade Social ea Etica Hierérquica Leituras Sugeridas.. NOTAS DE RODAPE. Ocastho eo Sex. I. BASE BIBLICA PARA O SEXO. A. ANatureza do Sexo, 8. A Fungo do Sexo. os II ABASE HIERARQUICA PARA UM CONCEITO CRISTAO DO SEXO. A.A Poligamia e uma Hierarquia de Dever. 8, 0 Divércio e uma Hlerarquia do Dever. A Fomnicagao e uma Hierarquia do Dever. D. Resumo e Conclusio Leituras Sugeridas NOTAS DE RODAPE. CO castAo, o CoNTROLE DA NATALDADE Eo ABORTO. |, UMA ETICA DE CONTROLE DA NATALIDADE, A. 0s Argumentos Contra o Controle da Notolidade.... 8. Respondendo aos Argumentas Contra o Controle da Natalidade, . Um Conceito Cristdo do Controle da Natalidade, 1. UMA ETICA DO ABORTO. sen A. OAborto Na E Necessariomente Assassinato B. O Aborto E Uma Atividade Muito Séria. . Quando © Aborto EJustificado, . Quando o Aborto Nao €Justificdvel. E, Algumas Areas Problemdticas. F. 0 Aborto Pode Ser Justificado Segundo o Principio do Qualidade da Vida?. ILO QUE SE DIZ DA INSEMINACAO ARTIFICIAL? A. Quando o Inseminacdo Artificial Seria Errada.. 8. Quando @ Inseminoséo Artificial Seria Certo NOTAS DE RODAPE. CO CasTAO €& EuTANASA, 0 SUICIDE & PENA CAPIAL |. UMA ETICA CRISTA DA EUTANASIA ‘A. Nem Sempre Tirar Uma Vide € Assassinato,. 2B. Morrer Misericordiosamente Néo £ 0 Mesmo que Matar Misericordiosamente. .A Obrigacao £ Perpetuar Vida que é Humana. D. AEutonésia f Justificével Fm Qualquer Caso?. NUMA ETICA DO SUICIDIO.... ‘A. O Suicidio para Si Meso. B. 0 Suicidio em Pro! dos Outros. II UMA ETICA CRISTA DA PENA CAPITAL... A.A Base Biblco para a Pena Capital. B. Algumas Objegdes & Pena de Morte. A Base Légica para a Pena Capital IV, O HIERARQUISMO E TIRAR OUTRAS VIDAS. NOTAS DE RODAPE. Ocastao€ A Eco1oeiA |. UMA BASE BIBLICA PARA A ECOLOGIA. A. 0Valor da Criagéo... 8. 0 Valor da Encarnagto. 1, AECOLOGIA € 0 VALOR INTRINSECO DAS PESSOAS... A. O Mal E Sempre Pessoal. 8, Poluiro Meio-Ambiente € Moralmente Errado.. nn Ill. A ECOLOGIA E 0 DEVER MORAL DE CONTROLAR O AMBIENTE DO HOMEM, A. Controlando o Ambiente Fisico. 8. Controlando 0 Ambiente Humane. LEITURA SUGERIDA NOTAS DE RODAPE.. 156 vo 5B 157 1 58 161 161 161 162 vo 168 166 se 167 168 vo 6B 168 169 170 170 a7 a7 172 173 174 174 176 17 17 179 181 183 183 184 184 184 185 so 185 186 187 189 190 190 191 vo 191 PREFACIO Numa sociedade pluralista, como a em que nés vivemos, & fundamental a existéncia de valores éticos definidos que norteiem a conduta dos eristaos, de modo que venham a oferecer um modelo de vida alternativo & sua sociedade. No meio evange'lico ha diferentes propostas éticas, quer conscientemente claboradas, quer nao: todas querendo a aprovaco dos ctistios, reivindicando serem biblicas. Entretanto, como a leitura deste livro deverd deixar claro, nem todas as alternativas éticas contemporain realmente biblic esmo as cristis. F preciso avaliar filoséfica e tologicamente as propostas éticas existentes, a fim de ndo laborarmos em erro. £ isso que o autor faz na primeira parte do livro. Expée seis diferentes alternativas éticas contempordneas, avaliando-as filoséfica e teologicamente; dando ao leitor condigdes de pesar seus argumentos e decidir-se por uma delas. Na segunda parte, o Dr. Geisler procura demonstrar diferentes aplicagdes priticas de sua alternativa bisica @ alguns problemas éticos de relevancia atual. Ao invés de ditar regras arbitrérias, ele argumenta caso por caso a partir de seu conceito hierdrquico de valores, dando, novamente ao leitor, oportunidade de determinar por si mesmo qual a melhor posigao a seguir. © leitor atento it perceber que alguns problemas éticos importantes em nosso meio ndo so abordados. P. ex. a questo do novo casamento de um cristo divorciado, ou a questi do envolvimento politico-partidério do cristo. Longe de ser uma falha, porém, essa lacunas propiciam ao estudante a oportunidade de pensar por si mesmo, tentar aplicar os principios da ética hierdrquica a esses problemas. Ao estudante diligente este livro-texto seré uma rica mina de informagGes € formagdo do seu posicionamento ético, Possa Deus usilo para a edificagio de Sua Igreja e a construgo de uma nova sociedade em nossa terra. Jiilio PT. Zabatiero Afetuosamente dedicado aos meus filhos RUTH, DAVID, DANIEL, RHODA, PAUL, e RACHEL PRIMEIRA PARTE:ALTERNATIVAS ETICAS BASICAS © objetivo desta primeira parte do livto & expor ¢ analisar as principais alternativas éticas bisicas contempordneas, e apresentar a posigdo hierdrquica como a alternativa ‘4 em tomo da questo da existéncia e da vatidade dos absolutos éticos universais, especialmente no que tange a solugdo dos conflitos entre valores Aticos absolutos, Cada posigdo discutida receberé uma cuidadosa avaliagio a luz da filosofia © da Palavra de Deus, no intuito de permitir que 0 leitor, por si mesmo, possa considerar a argumentagdo do autor e decidir por uma das alternativas apresentadas, Introdugdo: Abordagens e Alternativas Eticas Basicas E correto mentir a fim de salvar uma vida? A pergunta postula um conflito em normas éticas, Contar a verdade é mais importante do que salvar vidas? O que vocé faria? As varias respostas a esta pergunta podem ser usades para ilustrar seis abordagens bisicas a ética e para introduzir a primeira segdo deste livro. Todos os pontos de vista Gticos tém a ver com perguntas éticas fundamentais, viz. existem normas éticas validas? Se existem, quantas so? E se existirem muitas normas éticas, 0 que se faz quando duas delas entram em conflito? A pessoa conta uma mentira para salvar uma vida, ou sacrifica uma vida para salvar a verdade? I. AS ALTERNATIVAS BASICAS NA ETICA NORMATIVA AS posigdes basicas que podem ser adotadas quanto A ques podem scr ilustradas por um caso recente que envolveu 0 Comandante Lloyd Bucher, do navio-espido Pueblo, que, com sua tripulagdo de 23 homens, foi capturado pelos norte-coreanos. Quando os interrogadores ameagaram matar a tripulagdo, Bucher assinou confissdes, confessando falsamente a culpa de fazer espionagem nas dguas territoriais da Coréia do Norte. Estas falsas confissdes vieram a ser 0 fundamento para poupar as vidas da tripulagdo ¢ levar a sua libertagao. A pergunta, portanto, é esta: ‘mentira de Bucher para salvar estas vidas foi moralmente justificada? Ou, de modo mais geral, mentir para salvar uma vida é moralmente certo em qualquer situagio? Uma maneira de responder a esta pergunta é rejeitar totalmente a nogio de moralidade. A. Mentir Nao é Nem Certo Nem Errado: Nao Ha Normas1 Uma das alternativas a esta pergunta negar a existéncia de quaisquer normas dticas relevantes. Esta posigdo & chamada antinomismo (literalmente, "contra a lei"), Afirma que no hé nenhum prinefpio moral (tal como "ndo se deve mentir") que possa, validamente, ser aplicado ao caso de Bucher, e mediante 0 qual se pudesse pronunciar sua ago como certa ou errada, E se no houver padrdes morais, ndo pode haver julgamentos morais. Logo, Bucher nao estava nem certo nem errado segundo a ética. O que ele fez pode ter sido pessoal, militar ou nacionalmente satisfat6rio, mas ndo pode set declarado moralmente bom ou mau. Hé vérias maneiras segundo as quais um ato de mentir pode ser "justificado", mas no hd nenhuma maneira pela qual possa ser objetivamente julgado. Isto porque, segundo 0 ponto de vista antinomista ndo existe nenhuma norma objetiva mediante @ qual o julgamento possa ser feito. A mentira de Bucher, por exemplo, pode ser "justificada” por meio de apelar para seus resultados sobre sua tripulagio ou seu pais. Ou pode ser "justificada” subjetivamente como uma decisio auténtica que escolheu fazer. Mas em caso algum estas consequéncias pragmaticas ou escolhas pessoais seriam critérios morais objetivamente validos para concluir que sua escolha foi correta. De fato, as consideragdes subjetivas que eram "boas" para a tripulagdo de Bucher e para seu pais, eram, concomitantemente "més" para o pais inimigo, ou seja 4 medida em que se sabia que a confissio era falsa. Quando no hd padrdes morais objetivos que transcendem a subjetividade de individuos € nagdes, entdo no ha maneira objetiva de declarar um ato moralmente bom ou mau, num sentido objetivo. Noutras palavras, faltando quaisquer normas morais objetivas, as agdes de Bucher poderiam ser consideradas boas ou més, dependendo da perspectiva da pessoa. E de um ponto de vista global, sua mentira ndo foi nem boa nem mé. Realmente ndo ha ponto de vista global ou objetivo. Se existisse semelhante perspectiva global, entdo seria possivel fazer um pronunciamento objetivo sobre a ago, quanto a ser ela realmente certa ou errada, Mas visto que nio ha padrdes objetivos, nao se pode dizer que a mentira de Bucher foi certa ou errada, B, Mentir E Geralmente Errado: Nao Ha Normas Universais2 ‘A maioria das pos ticas evita a posigGo antinomista contra todas as normas objetivas. Uma maneira de fazer isto sem condenar a mentira de Bucher & sustentar que mentir é geralmente, mas ndo sempre, etrado. Este ponto de vista seré chamado generalismo. Ou seja: mentir & errado como regra geral, mas ha ocasides em que a regra deve ser quebrada, viz., quando um bem maior é realizado, e salvar uma vida é certamente um bem maior. Que a pessoa ndo deve contar uma mentira € objetivamente significante mas nao é universal. Nalgumas circunstancias, a pessoa deve mentir. Logo, ste principio moral (¢ outros também) é geralmente, mas ndo universalmente, vilido, Ou seja: dentro do alcance dos principios éticos, sio objetivamente validos. Mas as normas éticas nao so universais, hd excegdes. Existem muitas razdes possiveis para sustentar o generalismo, ie., que as normas Gticas ndo so universais mas, sim, admitem algumas excegdes. Uma razdo bisica & que havendo duas ou mais normas gerais que entram em conflito (tais como contar 2 verdade ¢ salvar vidas) as duas nao podem aparentemente ser universais. Pareceria que deve haver pelo menos uma excegdo a pelo menos uma delas, visto ndo ser possivel -guir as duas. E se houver excegdes a todas clas (ou mesmo todas menos uma), entio no hé muitas normas universais. Na melhor das hipéteses, todas (ou pelo menos uma) as normas éticas objetivas devem ser gerais, mas nao podem ser, todas elas, principios Se falar a verdade for somente uma norma geral, entdo quando € correto mentir? O generalista pode responder a isto de diferentes maneiras. Uma resposta comum é sugerir que € correto mentir quando o mentir realizaré um bem maior do que no mentir. Esta abordagem ¢ utilitéria, © mentir € utilizado para levar a efeito um maior bem para um nimero maior de pessoas. Outra razdo porque alguém pode considerar contar a verdade apenas uma normal geral, mas nao universal, é que hé um prine‘pio sobrepujante para se observar, devido ao qual as vezes & necessério contar uma mentira. Se, no entanto, houver pelo menos uma norma universalmente objetiva, entdo jé nfo ha um gencralismo completo. Pelo contrério, € um universalismo de uma sé norma, o que nos leva a posigdo seguinte. C.O Mentir As Vezes E Certo: Ha Uma Norma Universal? © ponto de vista de que ha uma s6 norma universal diante da qual as vezes & correto mentir, é realmente, um absolutismo, mas por razdes citcunstanciais sera chamado de situacionismo. E chamado de situacionismo nao somente para distingui-lo doutras formas de absolutismo (que sustentam que hé muitas normas universais, em contraste com somente uma) mas também porque os defensores do ponto de vista Ihe dio esse nome. O nome "situacionismo" & algo descritivo. Lembra-nos que, visto que as circunstincias so to radicalmente diferentes, pode haver somente uma norma universal capaz de adaptar-se a todas elas. Argumenta, pois, que s6 uma coisa pode ser verdadeiramente universal a todas as situagdes. Se houvesse mais de uma norma universal, haveria um conflito, ¢ uma excegdo teria de ser feita para resolver conflito. E se uma excegdo pode ser feita a todas as normal menos uma, ento somente uma norma pode ser verdedeiramente universal Quanto & mentira de Bucher para salvar vidas, o situacionista afirma que & certa, porque o Comandante Bucher estava agindo de acordo com a norma mais alta e a tinica verdadeiramente universal. Frequentemente se diz, embora ndo necessariamente, que & uma norma absoluta do amor. Segundo esta maneira de declarar a norma, Bucher estava Justificado por mentir por amor. Mentir era a coisa amorosa para se fazer a fim de salvar aquelas vidas. Sua mentira & julgada certa porque esti de acordo com a tinica norma ética absoluta que existe, viz. 0 amor, Uma mentira poderia ser errada se fosse contada sem amor, ic., egoisticamente (e.g., para encobrir o mal da prépria pessoa). Mas se a mentira for contada com altruismo, por amor aos outros, enti € moralmente correta, conforme a norma do amor. Segundo este ponto de vista, o fim realmente justifica os meios, se os "meios" forem a norma do amor, Na realidade, somente o fim justifica os meios. Nada, pois, sendo a norma absoluta do amor torna uum ato moralmente correto, E nada sendo a falta do amor torna um ato moralmente errado. D. Mentir Sempre E Errado: Ha Muitas Normas Nao-Conflitantes* Sustentar uma iinica norma universal ndo & a tinica posigdo possivel com respeito @ principios absolutos. Existe 0 ponto de vista de que ha muitas normas universais validas que nunca conflitam realmente entre si. Esta posigdo sera chamada de absolutismo nio- conflitante, Pode haver um conflito aparente entre duas normas éticas, mas nunea um conflito entre deveres. Hé sempre uma terceira alternativa ou um modo de cumprir uma das normas sem desobedecer & outra. © dominio de cada norma ética tem sido ideal ou providencialmente alocado a ela de modo que munca realmente coincida parcialmente com o de outra norma universal. Isto significa, por exemplo, que o mentir © © matar nunca entram realmente em conflito, Sempre se pode contar a verdade sem realmente tirar a vida doutra pessoa inocente. Tanto o mentir quanto o matar sempre so errados. Se for assim, o que o Comandante Bucher deveria ter feito? Se no deveria mentir em circunstancia alguma, entio, qual curso de agdo deveria ter seguido.* Ha varias coisas que Bucher poderia ter feito de modo consistente com esta posigdo, mas em circunstincia alguma deveria ter contado uma mentira para salvar as vidas da sua tripulagao. Poderia ter mantido siléncio. Ou soja: poderia ter-se recusado a fazer qualquer confisso falsa. Ou, poderia ter filado a verdade (viz., que estava fazendo 10 espionagem) mas nao ter falado a mentira de que sua embarcagdo estava nas dguas territoriais coreanas quando nao estava realmente ali, Se esta confissio nao fosse aceitével aos interrogadores, entSo Bucher e seus homens teriam de softer as conseqiiéneias de contar a verdade ¢ rogar miscricérdia. Ou, poderia ter orado pedindo intervengao divina para eliminar o dilema, Mas as conseqiiéncias de contar a verdade no sdo um mal maior, viz. a matanga de pessoas inocentes? Uma resposta direta a este dilema, que & perfeitamente consistente com esta posigdo (de que hé muitas normas universais ndo-confitantes), & que matar é errado, mas contar a verdade que leva outra pessoa a matar no é errado, Quer dizer, Bucher nao tinha dilema moral algum. Sua escolha nao era: "Contarei uma mentira ow matarei?” Pelo contrétio, sua escolha era: "Contarei uma mentira ou permitirei a possibilidade de que outra pessoa seja morta?" E visto que Bucher no poderia ter certeza absoluta de que os norte-coreanos matariam sua tripulagdo, e visto que ele pessoalmente ndo estaria matando, ele seria absolvido da responsabilidade moral. Segundo este ponto de vista, Bucher nao poderia ser considerado moralmente culpado pelo mal que outros homens fariam porque ele contara a verdade. Na realidade, 0s proponentes deste ponto de vista podem apelar a algum tipo de teleologia ou providéncia que diz que um mal maior nunca viré (ou pelo menos em altima andlise, no imediatamente) por causa de guardar uma norma universal. Em termos teistas, Deus sempre providenciaré um modo de escape de modo que a pessoa ou nao teri de mentir ou um mal maior nao viré do contar a verdade. E, Mentir Nunca E Certo: Ha muitas Normas Conflitantes6 Outra saida do dilema aparente, de sustentar que hi muitas normas universais que as vezes conflitem entre si, 6 declarar que uma violagdo de qualquer delas é errada. Ou seja: & sempre errado mentir e também & sempre errado tirar uma vida inocente (ow até errado ndo procurar evitar que outra pessoa fara um ou outro destes atos), e se alguém for preso num verdadeiro dilema entre os dois, deve praticar o menor dos dois males. O ‘menor dentre dois males pode ser julgado por aquilo que resultaria no nimero menor de conseqiiéncias mas, i., de maneira utilitaria, Mesmo assim, os dois atos (mentir © matar) sao intrinsicamente maus; nenhum dos dois esté certo, de acordo com as normas universais. E mesmo se houvesse alguma maneira de julgar qual ato é intrinsccamente (e no meramente instrumentalmente) melhor, os dois ainda seriam errados, no obstante, Um deles, no entanto, provavelmente seria um mal menor do que 0 outro Segundo este ponto de vista, Bucher teria sido errado ndo importa qual das duas inicas alternativas possiveis adotasse. Apesar disto, ainda que o mal fosse inevitavel para ele, também era desculpdvel, especialmente porque escotheu dos dois males 0 menor. © tefsta cristio talvez diria que para Bucher, 0 pecado era inevitavel, porém perdodvel. Ele devia cometer 0 pecado menor (seja este julgado intrinsecamente, seja extrinsecamente) ¢ depois colocar-se de joelhos e confessé-lo. Idealmente, se ninguém quebrasse qualquer das normas universais, no haveria qualquer conflito entre elas. Muitos dilemas morais se estabelecem porque alguém esta, pecaminosamente, forgando outra pessoa para uma posigdo em que esta outra teré de scolher entre duas normas universais, Visto, porém, que o mundo esti caido, € que hé um conflito, somente a expiagdo ou o perddo de Deus pode resolver o problema. F dificil dar a este ponto de vista um nome deseritivo. Seri chamado o absolutismo ideal, porque acredita em muitos absolutos que idealmente ndo entram em conflito mas que realmente (por causa dos pecados dos outros ou dos proprios pecados da pessoz envolvida) as vezes entram em conflito. Mas por causa da sua conexio com o pecado por causa da sua resolugao final no perdio, este ponto de vista também poderia ser cy chamado o absolutismo hamartiolégico (que diz, respeito 4 doutrina do pecado) ou absolutismo soteriolégico (que diz respeito 4 doutrina da salvacao). F, Mentir As Vezes E Certo: Ha Normas Mais Altas7 Outro modo de responder a este problema ético escolhido como amostra pode ser chamado 0 hierarquismo. Pode ser argumentado, e.g., que hi muitas normas éticas universais, mas que ndo séo iguais na sua importéncia intrinseca, de modo que quando duas entram em conflito, a pessoa & obrigada a obedecer 0 mais alto dos dois mandamentos. Desta maneita, portanto, na escolha entre matar e mentir, sendo que as duas ages so universalmente erradas na auséncia de qualquer conflito entre elas, deve~ se escolher poupar a vida, por ser ela um valor intrinsecamente mais alto, Contar a verdade é bom, mas nao ao custo de sacrificar uma vida Segundo este ponto de vista, a mentira de Bucher [oi certa, embora 0 mentir em si mesmo seja universalmente errado, porque hé uma norma ética mais alta do que falar a verdade, viz. salvar vides. Bucher seguiu a norma intrinsecamente mais alta quando achou duas normas universais em conflito. A boa agio & sempre aquela que & intrinsecamente melhor. Este ponto de vista é semelhante a varios outros pontos de vista ja mencionados, embora diferente. Primeiramente, difere do ponto de vista imediatamente precedente chamado absolutismo ideal. O absolutismo ideal sustenta que as duas alternativas esto erradas quando entram em conflito, ao passo que o hierarquismo argumenta que uma é certa, viz., aquela que & intrinsecamente mais alta, Segundo o primeiro ponto de vista, as duas alternativas sio erradas, mas homem deve fazer dos males o menor. Segundo esta ltima posigio, pelo menos uma altemnativa é certa, ¢ o homem deve fazer 0 maximo bem possivel. Além disto, 0 hierarquismo deve ser distinguido do situacionismo, pois aquele sustenta que hi muitas normas universais (embora as inferiores as vezes devam ser suspendidas a favor das superiores) ¢ © situacionismo sustenta que hé somente uma norma universal. Estas muitas normas, conforme 0 conceito hierarquico, so universais na sua drea, posto que no entrem em conflito com outra érea. Sao universais dentro do aleance daquele relacionamento, a néo ser que haja um conflito de relacionamentos. O hicrarquismo sustenta que mentir, como tal, sempre & errado, mas que mentir, transcendido por salvar vidas, no & errado, Na realidade, no tltimo caso nfo se trata, efetivamente de mentir (no senso de ser alguma coisa errada); & justificdvel falsificar por amor a salvar vidas. Nas circunstancias de Bucher, dar as informagdes erradas era a coisa certa a ser feita porque era agir segundo uma norma ética mais alta Finalmente, o hierarquismo difere do generalismo sendo que aquele argumenta que ha muitas (ie., pelo menos duas) normas éticas universais que nfo sio meramente princfpios gerais. Ha ixengdes da guarda de normas inferiores (viz., quando entram em conflito com as normas mais altas), mas ndo ha excegdes &s normas inferiores. Tirando emprestada uma ilustrago do Ambito natural, nio ha isengdes 4 lei da gravidade para os corpos fisicos, mas um prego pode ficar isento de “obedecer" a lei da gravidade mediante sua "obediéncia” a forga fisica mais alta de um ima, G. Resumo e Comparacao das Alternativas Hé outro ponto de vista possivel, viz., "Mentir € sempre certo", mas no serd considerado com detalhes por duas razdes basicas. Primeiramente, porque nao é proposto com seriedade por qualquer filésof ético contemporineo de relevancia, a0 que saiba o presente autor. Em segundo lugar, a posigo derrota a si mesma. Se, pois, 2 todos mentissem, ndo existiria verdade acerea da qual se pudesse mentir, e, neste caso, Jj nao seria possivel cumprir a ordem no sentido de mentir. Além disto, se a pessoa deve sempre mentir, entdo presume-se que o autor da declaragdo esta seguindo seu proprio conselho, c, neste caso, devemos entender que o inverso disso seja a verdade na questo. Mas se 0 inverso for verdadeiro, entdo, nao se deve sempre mentir. Destarte, voltamos pata a questio de quando se deve mentir ¢ quando nao se deve, que € a questo que os demais pontos de vista esto examinando. Finalmente, se o autor do universal ético "Deve-se mentir sempre" fosse dar a declarago da maneira em que realmente deveria ser dada (ie., veridicamente), entio no estaria seguindo seu proprio prinefpio, sendo, portanto, inconsistente. Em qualquer uma das eventualidades, portanto,* se a norma for seguida ou ndo, derrota-se a si mesma. Estes seis pontos de vista podem ser resumidos pela seguinte comparagio. O antinomista expoe um ponto de vista para a exclusiio de todas as normas éticas, sejam elas universais, sejam elas gerais. © generalista diz que ha normas objetivas, mas que todas tém excegdes. O situacionista insiste em uma s6 norma universal exclusiva, reconhecendo facilmente que todas as demais so, na melhor das hipdteses, apenas gerais, Do outro lado, o absolutista no-conflitante argumenta em prol de muitas normas ‘universais que munca se sobrepdem realmente, deixando sempre uma via de escape do suposto dilema moral. Apegando-se a muitas normas universais que na realidade conilitam entre si (embora idealmente nao o fariam), 0 absolutista ideal diz que praticar © mal ¢ inevitével porém desculpdvel, especialmente se alguém cometer 0 menor dos males. Finalmente, o hierarquista aceita muitas normas universais conflitantes que sio dispostas de acordo com o valor intrinseco e, tendo em vista as mesmas, 0 homem tem uma isencdo de observar a norma inferior em virtude de agir de acordo com a norma superior. Os seis capitulos que se seguem serio dedicados a uma discussio mais completa destas alternativas éticas. Todas estas alternativas giram em torno de normas éticas. Na realidade, contudo, ha outra abordagem A ética que nao ressalta normas, mas, sim, fins. I, AS ABORDAGENS BASICAS: NORMAS ETICAS OU FINS ETICOS? A distingaio entre estas duas abordagens pode ser expressada pelas palavras teleolégica ¢ deontoldgica. A primeira destas ressalta os fins ou resultados éticos das ages; a outra enfatiza normas éticas ou principios para a ago ética, If necessério compreendé-las melhor antes que se possa entender adequadamente a abordagem normativa adotada neste livro. A. Regras Versus Resultados A diferenga bisica entre a ética teleolégica © a deontoldgica pode ser explicada pelo significado das raizes das palavras. A teleologia vem da palavra grega felos, que significa "fim" ou "propésito." A deontologia vem da palavra grega deon, que significa aquilo que é devido. Na aplicagdo & ética, portanto, uma abordagem teleologica é aquela que ressalta o fim ow o resultado da agdo, ¢ uma abordagem deontolégica depende de regras basicas mediante as quais se pode determinar 0 que € devido em qualquer caso especifico, independentemente dos resultados. Ou seja, a primeira é uma ética pragmdtica ou utilitéria, que se ocupa com se uma ago funcionard, afinal, para o bem dda maioria dos homens. A segunda é uma ética de principios, que se ocupa com o dever da pessoa de fazer aquilo que ¢ inerentemente correto a parte das consequéncias que se possa prever. B Noutras palavras, a ética teleolégica ocupa-se com 0 bem extrinseco dos atos, & medida em que produzem o bem ou o mal. A ética deontolégica, do outro lado, procura um bem intrinseco no ato propriamente dito, independentemente do alegado bem ou mal que porventura produza. A primeira ocupaese com o dever por amor aos bons resultados; a altima, com o dever por amor ao dever. Nao se quer dizer, naturalmente, que a ética do dever nfo se preocupa com os resultados. Realmente, os deontologistas podem acteditar que cumprir 0 dever pode trazet © maior bem afinal das contas. Esta, no entanto, nfo a razao para alguém cumprir seu dever (i.é., porque traré 0 bem maior); pelo contrério, cumpre seu dever porque é intrinsecamente bom fazer aquilo que a pessoa deve fazer. Nao segue uma regra primariamente porque trard 0 bem, mas, sim, porque é bom fazer assim, Isto nio significa, do outro lado, que @ ética utilitiria no se ocupa com regras. dizer que hi uma diferenga radical na teoria, € que a abordagem teleolbgica baseia 0 bem das ages humanas somente na sua utilidade para os homens em geral. A ética deontologica baseia 0 bem das ages humanas no valor intrinseco de seguir certas normas ou regras porque estas ages sio intrinsecamente certas. De fato, os "utilitirios das regras” sustentam que algumas regras nunca devem ser quebradas, ainda que haja excegdes individuais legitimas, simplesmente porque observar regras (até mesmo nos casos excepcionais) leva a efeito um bem maior do que a quebra das regras. Mas estas regras que nunca devem ser quebradas no séo qualificadas como normas universais segundo nossa discussio, visto que nao sio normas do dever que dizem respeito a0 valor intrinseco, nem so realmente universais. Sua "universalidade" & justificada somente por um apelo aos resultados (ie., extrinsecamente). Destarte, realmente no so universais. Ha algumas excegdes, como no caso de duas regras que entram em conflito, Além disto, a razio de néo quebré-las é apenas que de modo geral, quebrar regras & mau, embora possa ser justificado num determinado caso. Na discussio que se segue, serdo incluidas as normas intrinseca ¢ utilitéria. Mas a pergunta para a qual uma resposta sera procurada aqui ¢ a seguinte: Hé alguma norma deontolégica relevante que € universal? Noutras palavras, hd preceitos morais que nunca devem ser violados? B. Prescritiva Versus Descritiva e Emotiva Uma ética normativa é preseritiva mais do que meramente descritiva, E uma ética que ordena certos cursos de ago em oposi¢io @ outros. Uma ética normativa no descreve apenas como os homens agem, pelo contritio, preceitua como devem agir. Nao & uma ética do "é",mas, sim, uma ética do "deve ser". Numa abordagem normativa 4 ética, preocupa-se primariamente em descobrir normas relevantes para preceituar aquilo que os homens devem fazer em contraste com as descrigdes meramente cientificas ou estatisticas daquilo que os homens realmente esto fazendo. ‘Nao somente uma ética normativa é prescritiva em contraste com deseritiva, como ica puramente emotiva que se centraliza na maneira dos homens se sentirem acerca de certas ages humanas. A abordagem puramente emotiva argumenta que todas as alegadas declaragdes éticas (ic., declaragdes que contém simbolos éticos tais como “ndo deve" ¢ “deveria") ndo sio mais nada do que expressdes de como o individuo sento acerca de certas questées. Ou seja: aquilo que & certo varia entre os sentimentos individuais de uma pessoa para outra, Por exemplo, a ordem: "Vocé nao deve mentir", realmente significa "Eu ndo gosto de mentir." © emotivista argumenta que as declaragdes éticas nem so prescritivas nem descritivas. Ou seja: no "sentimentos" individuais. A ética normativa, do outro lado, fica oposta a ética emotiva, pois sustenta que haverd pelo menos algumas declaragdes éticas que no so puramente 4 emotivas © subjetivas © sim, imperativas para todos os homens. A. ética normativa argumenta que, além das asseveragdes declarativas (declaragées descritivas, daquilo que "8 e as asseveragdes exclamativas (declaragdes emotivas, do "sentimento"), hé declaragdes nitidamente éticas (i.c., declaragdes prescritivas, daquilo que se "deve"), Sustenta que ha certas coisas que os homens devem fazer, independentemente de se algum homem realmente as faz ou de se algum homem sente que deve fazé-las. A ética normativa argumenta em prol de normas prescritivas que tém precedéncia tanto sobre os sentimentos quanto sobre os fatos. C. Categorica Versus Hipotética Outra maneira de ressaltar 0 que se quer dizer aqui com ética normativa & distingui-la como categérica, em contraste com hipotética. E a ética dos mandamentos, nfo das condi 7: "Tu Paras isto", € ndo Se fizeres isto, resultara em bem, ete." E a ética do modo imperative © nio do modo subjuntive. Em resumo: fomnece-se uma norma que ordena um determinado curso ou modo de agir que é intrinsecamente bom, em contraste com um que & meramente a condigio ou o fundamento para produzir o bem. A diferenga pode ser esclarecida por uma ilustragdo. A abordagem categérica sustenta que o ato de procurar salvar um homem que esté se afogando € um ato c c bom, quer a tentativa seja bem sucedida, quer ndo. O ponto de vista hipotético, do outro lado, argumenta que o ato de procurar salvé-lo no é intrinsecamente bom mas, sim, & bom somente se leva a efeito bons resultados, tais como realmente salvar 0 homem.* A razo para a diferenga é que a abordagem categérica € edificada sobre um mandamento categérico no sentido de fazer um bem intrinseco, ¢ o ponto de vista hipotético é baseado numa condi¢ao hipotética que leva a uum bem extrinseco. D. Principios, Normas e Regras Hé numerosas distingbes, as vezes sutis, que se fazem entre prineipios, normas & regias. Nenhuma delas sera tentada a esta altura. Visando a inclusividade (dentro de um contexto normativo), estes termos, e outros semelhantes a eles (e.g., axiomas, postulados) sero usados como aproximadamente sindnimos. Apesar disto, a fim de nao set to abrangente ao ponto de ser ambiguo, uma abordagem normativa pode ser definida como sendo aquela que postula um ou mais preceitos morais que possuem significado pelo menos formal (se ndo algum significado com contetide) mediante 0 qual as ages humanas devem ser controladas. No fim, naturalmente, a pessoa deve resolver se quaisquer normas que porventure existam (universais ou ndo) sio suficientemente relevantes para se bascar decisdes éticas sobre elas. Afinal das contas, uma norma puramente formal (sem qualquer contetido experimental real) pode set pouco melhor do que nenhuma norma, De acordo com o uso comum dos. termos ", "norma", © "regra" (que so aproximadamente sinénimos, embora os dois tiltimos tenham mais conteiido), estamos procurando, em dltima andlise, descobrir se existem "principios" cheios de contetido, ou quaisquer "regras” universais. Visto, porém, que por enquanto estes termos serio usados como sindnimos, @ pergunta & simplesmente: Existem normas relevantes que nunca devem ser quebradas? 15 E. Universal Versus Geral essa forma, a preocupaedo aqui ndo diz respeito somente & pergunta: Hé normas éticas relevantes? A pergunta verdadeira &: "Hé quaisquer normas éticas universais? Se houver, quantas so? Logo, é necessério discutir exatamente o que se quer dizer com a palavra “universal” na sua aplicagao as normas éticas. Por norma universal quero dizer uma que se aplica a todos os homens em todos os lugares nas mesmas circunstancias. Nao ha excegdes inespecificdveis ou indefiniveis a uma norma universal. Na realidade, visto que uma excegdo definivel ndo & realmente excegio alguma, mas, sim, realmente faz. parte da definigo de que tipo de ato esta sendo preceituado, uma norma universal realmente ngo tem exce¢3o alguma. Por exemplo, se (¢ este pode ser 0 caso, ou nao) alguém propde a norma de que "a mentira nunca deve ser praticada, a ndo ser num contexto em que ndo se espera a verdade, " entZo esta seria qualificada como sendo uma norma universal,” Qualificaria como sendo norma universal porque especifica a excego contextual como parte daquilo que uma mentira quer dizer. A assim chamada "excegdo" ou citcunstancia na qual o ato pode ser realizado qualifica o ato de modo que no seja realmente uma mentira, mas realmente seja uma forma boa de falsificagio, Falsificar para levar um amigo para uma festa~ surpresa de aniversério pode ser daco como uma ilustragao. Visto que os amigos esto apenas "brincando" e visto que este tipo de atividade & esperado nestas circunstancias, nio se ditia que as informagGes falsas realmente fossem mentirosas (ie., moralmente erradas). Festas de surpresa no so um contexto em que se pode esperar a verdade. Fazer espionagem em prol da patria também € usado para explicar este_mesmo argumento, Mas haverd mais sobre isto adiante. Quer se aceite estas ilustragSes quer no, ou até mesmo quer haja, quer nfo, em qualquer tempo, quaisquer assim-chamadas "excegdes" a intencionalmente dar somente informagies correias; mesmo assim, 0 argumento basico € 0 mesmo. Uma norma universal é uma que se aplica a todas as criaturas moralmente responsiveis em qualquer determinada situagdo. Isto porque quaisquer "excegdes" definiveis que existem tomaram-se parte da regra geral que entdo realmente se aplica a todos os homens naquela circunstancia especifica sem exceco. O problema, naturalmente, é se existem normas éticas tais que possam ser definidas de modo relevante ao ponto de nio admitir qualquer outra excecao. Ou, © problema é achar uma norma que, depois de qualificada por todas as excegdes, ainda tem um significado. Mas antes da discusso avangar na diregdo de buscar normas universais, esta na hora de dizer uma palavra sobre a razio por que uma abordagem normativa ¢ adotada em contraste com uma abordagem niio- normativa ou utilitéria, Ill. POR QUE UMA ABORDAGEM NORMATIVA? Ha varias razdes para estudar a ética do ponto de vista de "normas” ao invés de meramente do ponto de vista de "fins." A medida em que a discussio se desdobra, as razdes, dadas aqui em forma resumida, devem tornar-se mais evidentes. Duas razdes bbisicas podem ser declaradas: as normas séo inescapaveis ¢ so necessérias, ‘A. As Normas Sao Inescapaveis As normas sdo inescapaveis por vérias razdes. Este fato se toma ébvio quando se vé como a ética ndo-normativa ou utilitéria realmente depende das normas, de varias maneiras relevant LA Necessidade de Normas para Prever Consequéncias — Talvez a critica mais fundamental & abordagem a ética dos "fins" ou resultados da ago, ¢ 0 16 fato de que a totalidadade do valor pratico deste sistema depende da capacidade de prever as consequéncias de longo alcance das decisdes. Decerto, 0 individuo nao pode ver o que aconteceré a longo prazo. Endo pode aguardar os resultados antes de ter alguma certeza de que sua decisio & certa. O futuro pode ser um guia ttil somente se ha alguma maneira de saber agora o que o fituro trara em termos dos resultados bons ou maus das decisdes da pessoa. Mas visto que 0 individuo como tal nao tem este tipo de conhecimento prévio, nao tem maneira de saber qual modo de agao traré 0 méximo bem a0 maior nimero de homens a longo prazo. Noutras palavras, agir exclusivamente na base de fins utilitérios funcionaria somente para um Deus onisciente. © homem finito simplesmente nao pode conhecer de antemao os resultados finais ¢ totais das suas escolhas. Alguns que adotaram uma abordagem utiltéria tém sido francos em confessar: "Durante grande parte do tempo estamos fazendo, na methor das hipdteses, ‘adivinhagdes cultas.’ ""! Os utilitérios clissicos ndo estavam inconscientes deste problema. A resposta deles era mediante um apelo ao "fundo" da experiéncia humana, como guia para determinar qual modo de ago provavelmente levaria a efeito o melhor bem para o maior nimero de pessoas."? Ou seja: pode-se tirar das experiéncias daquilo que a maioria dos homens no passado descobriu que funcionavam para produzir 0 maior bem, Mas esta concessio a0 uso do ‘fundo" da experiéncia passada, como guia, envolve normas, de varias maneiras que sero reveladas nas criticas que se seguem. Na realidade, 0 préprio "fundo" fica sendo normativo para determinar quais consequéncias provavelmente sero as melhores. Mas ainda mais basico do que isto, & 0 fato de que as normas SAO necessarias para stabelecer o "fundo" ja de inicio. 2.A Necessidade de Normas para Determinar o "Fundo" — Um fator que € fiequentemente olvidado € que a propria origem do "fundo" da experiéncia pressupde algum tipo do orientagdo ou norma, Ou seja, as primeiras criaturas nham, sem davida, algum tipo de diretriz que era anterior ao "fundo" © mediante 4 qual o proprio “fundo" foi estabelecido. As experigncias, pois, nio podem ser avaliadas como sendo "boas" ou "melhores" e, portanto, ndo podem se qualificar para fazerem parte do "fundo", para orientagao futura, a nfo ser que algum padrdo de valores a parte das experiéncias seja aplicado as experiéncias. Ou a pessoa teria que admitir que as experiéncias vém com valor intrinseco (que é contrario ao utilitarismo, que diz que somente tém valor extrinseco) ou deve haver algum padrdo fora da experiéncia mediante © qual podem ser avaliadas. Seja qual for este padrio, é obviamente normative para o “fundo." A pessoa nio tem ‘maneira de saber que possui uma "boa" coletanea de diretrizes para determinar os "melhores" resultados, a no ser que tenha algum padrdo do bem mediante o qual possa julgé-la "boa." Este padrdo, portanto, seria normativo, ¢ seria anterior a0 "fundo” que estabel 3.A Necessidade de Normas a Fim de Determinar as Consequéncias — Independentemente de como 0 "fundo” foi estabelecido em primeiro lugar, & ébvio que o préprio "fundo” tem uma fungio normativa. Serve como diretriz para © utilitario determinar qual modo de ago provavelmente resultaré no maior bem para 0 nimero maximo de homens. O individuo sozinho nao possui usualmente (talvez munca) a previsio para escolher aquilo que aumentaré ao maximo o bem, Deve depender da sabedoria do passado para guid-lo no presente a respeito daquilo que serd melhor no futuro. Esta sabedoria, seja qual tenha sido a sua origem, serve como norma para escolhas éticas. Sem diivida alguma, estas normas do "fundo" da experiéncia humana ndo so consideradas realmente universais ou absolutas. Nao so guias infaliveis, mas, sim, v7 uma parte necessaria do procedimento do utilitério em tomar decisdes. Mesmo assim, algum tipo de norma € necessério para fazer a ética utilitéria funcionar com qualquer grau razodvel de probabilidade. Realmente, a necessidade de normas é tal, que alguns utilitérios j4 sugeriram que as normas ou regras nunca devem ser quebradas, no porque realmente séo universalmente validas, mas, sim, porque quebrar regras traz resultados piores do que guardar regras. Por exemplo, ainda que contar uma mentira talvez traga, tum bem maior num caso especial, mesmo assim, um bem maior resultaria de guardar a regra de contar a verdade em todos os casos, simplesmente porque quebrar a regra em qualquer caso tende a subverté-la em todos os casos . Guardar as regras em todos os casos resulta num bem maior (até mesmo com as més consequéncias nalguns poucos casos) do que a quebra das regras. Sem pronunciar julgamento sobre o certo ou o errado da posigo utilitéria das regras, basta concluir agui que os dois tipos de utilitarismo ifustram a necessidade de regras ou normas, havendo ou ndo quaisquer ocasides em que se deva quebté-las. 4,A Necessidade de Normas para Avaliar as Consequéncias — Além de necessidade de normas para ajudarem a determinar qual resultado sera melhor para © maior nimero de pessoas, hi, também, a necessidade de uma avaliagdo normativa de que o resultado tenha sido melhor para a maioria, uma vez ocorrido. Nao hi maneira de saber se 0 resultado é realmente "melhor" a ndo ser que haja um padrio de "melhor" mediante o qual possa ser julgado. Noutras palavras, deve haver alguma norma mediante a qual se possa avaliar as consequéneias uma vez cocorridas (a parte da questo da necessidades de normas para guiar a pessoa em fazer ocorrer os melhores resultados). Destarte, 0 utilitério precisa de normas para determinar se aquelas consequéncias sio realmente melhores e no meramente diferentes, se e quando realmente ocorrerem. Em resumo, as normas so inescapiveis, até mesmo para o utilitarista cuja posigiio std supostamente centralizada em fins ou resultados. Até mesmo a abordagem alegadamente nao normativa exige normas para fazé-la fimcionar apropriadamente, As nnormas so inescapaveis, quer sejam desejaveis, quer nao. Destarte, a pergunta na ética nio é se hd normas, mas, sim, quais as normas que serdo usada B. As Normas Sao Necessarias {As normas no somente sfo inescapaveis, como também sio necessarias. Elas sto necessérias, se € que a pessoa quer ter orientagdo relevante para as decisbes da vida Sem algum tipo de diretriz que possa ser pensada e declarada, pois, no hé maneira de alguém fazer decisées razodveis ou significantes acerca de alterar modos de ago, Para a ética ser relevante, portanto, deve ser normativa. Que as declaragdes éticas normativas sio relevantes subentende varias coisas. Primeiramente, as declaragées normativas so racionais. Ou seja, so declaragdes sujeitas & lei da ndo-contradigdo. Isto significa que o oposto daquilo & certo, é errado. Se n pessoa sempre deve ser amorosa, segue-se que € errado ser desamoroso. Se modos opostos de ago no so opostos entre si como sendo certos ¢ errados, entdo € impossivel que alguém Inga uma decisdo ética relevante entre eles. Em segundo lugar, declaragSes normativas podem ser mais do que formalmente racionais; podem ser plenas de conteido.’’ Nao somente podem ser faladas, como também podem ser experimentadas. Hé uma base na experiéncia humana para seu significado. Pode-se no apenas conceitualizé-las como também dar exemplos coneretos, Se uma norma no pode ter mais do que uma forma em que se pode pensar, no pode ter qualquer conteiido experimental relevante para o individuo que deseja entendé-la em termos de sua propria experiéncia. 18 Além disto, uma norma pode ser prética, Nao somente as normas podem ser apreendidas pela mente de modos relevantes, como também podem ser aplicadas de modo prético a vida da pessoa. Seu significado ndo somente deve ser baseado na experiéncia como também deve ser aplicdvel & experiéncia, Isto nos leva a outra caracteristica das normas que as torna indispenséveis para uma ética relevante. Finalmente, as normas sio objetivas. Constituem-se num padrio, fora da experiéncia subjetiva do individuo, mediante o qual pode determinar se suas experiéncias éticas so boas ou més. Se as normas fossem puramente subjetivas, realmente ndo seriam normas de modo algum. Se alguma coisa hé de julgar uma experiéncia, ndo pode ser, ao mesmo tempo, uma parte intrinseca daquela experiéncia Deve haver padres ou normas fora da experiéncia individual, subjetiva, a fim de medi- la como boa ou m Resumindo: as normas sfo tanto inescapaveis quanto essenciais para uma ética relevante. So inescapdveis porque sdo necessérias para estabelecer ¢ avaliar 0 que se quer dizer com "bom" ou “melhor.” Sao essenciais porque ndo ha maneira relevante de fazer decisdes éticas (ou até mesmo falar frases éticas) sem algum modo nfo contraditério e/ou cheio de contetido de compreensio ou expresso. O "bom" pode ser captado sem 0 uso de normas, mas no pode ser ensinado ou até mesmo pensado sem algum tipo de declaragdes éticas cognitivamente relevantes. E.além disso, 0 "bom" no pode ser praticado sem alguma norma ética relevante para determinar qual é a coisa “boa” para se fazer NOTAS DE RODAPE 1. aalaomisme ao sedan ag no seed gars de conta el as, sino settdo oan de em lek © sbaicado ume discusto da posite atiaons, Ise porta devin set no capo ree. ‘SE possivel,coaforme um absoluisino afo-cosfitants, armenia ques biiagio de Bucher nfo ea ume wena (Le, ko es ‘muriment ead) pelo motvo de que maguceconteio rao wa una meni. Nous plas, pr una exer Co igaeado ern par inca tangs emo a de Bucet,snds Se odi suse gue "Nou sempre eado”c mes ws, quee fonts fio de Bacher ee moraimedt eta O capa cin di mas wo exs skews Posto assu do copitl ss mn rune mai comets dota pois ache no capital ete quis tote de quo ao sesineno lev sefloclres hon rail, ta cote per caragemn woe dena enavolver ter naquele que enouo svat, ou ocular apeiaso ns amigos do oem sega Mas meme sete atid, 030 Inl-snceido mo € onsdcraén aor ssi nes, mas sent or causa dos bons resltados et, ont sis realm urivers efor bsseads em valores uttnion ai do que itisesos, ser resend par 0 fin do apa We {lect Sitaion Ete: The New Moray, Wesiats Pros, 1966, 4g 184 =f ae 186. 2.0 pons deve itr sr dicta oo sap tesa oa. perl.” 13 Exton como nonnsscheis de corti Cove ser evant como oWém sey consid, # umn queso as resavide rus tarde ver + een no im Go eaitsle quo) To qualo ext senda angmentde ae gue uma oxma eve ser plo O Antinomismo: Nao Ha Normas A primeira alternativa no que diz respeito ds normas éticas & que ndo existe norma alguma, ou pelo menos nenhuma norma objetiva, Ou seja: estamos literalmente sem lei 13 (anti-nomos) para guiar agdes éticas relevantes. As alegadas normas éticas que os homens usam, ou so destituidas de valor objetivo ou destituidas de relevancia empirica, Sao, ou puramente subjetivas, ou completamente emotivas. Duas posigdes que © existenciatismo e 0 emotivismo, 1.0 ANTINOMISMO EXPLICADO Os trés primeiros representantes da ética existencial que serio usados aqui so Soren Kierkegaard, Friedrich Nietzsche ¢ Jean Paul Sartre. Nem todos estes sio tecnicamente antinomistas mas manifestam uma tendéncia ascendente naquela diregdo, culminando em Sartre. O quarto representante, A. J. Ayer, é da escola do positivismo 1égico cuja ética & conhecida como emotivismo. A. Kierkegaard: Transcendendo o que é Etico Falando a rigor, Kierkegaard ndo era um antinomista. Acreditava sinceramente na lei moral, © até mesmo sustentava que é universalmente obrigatéria num sentido ético, Mesmo assim, para Kierkegaard, quando ha conflito entre o ético € 0 religioso, o ético deve ser suspendido diante do dever religioso do homem no sentido de obedecer diretamente a Deus. Neste sentido, portanto, Kierkegaard é um precursor de urn tipo de transcendéncia antinomista daquilo que é ético. 1. 0 Etico como Universal — Kierkegaard acreditava que "o ético como tal é 0 universal, € como o universal, aplica-se a todas as pessoas, 0 que pode ser expressado doutro ponto de vista, dizendo que é aplicavel a cada instante."' Ou, "o ético como tal 6 universal, e também, como 0 universal, 6 manifesto, o revelado."? Diz, de fato: "O &tico & o universal, e, como tal, também é 0 divino." E, tendo em vista este fato, "tem- se, portanto, um direito de dizer que, fundamentalmente, todo dever & um dever diante de Deus."* Isto nio deve deixar davida alguma de que Kierkegaard acreditava sinceramente nas obrigagdes morais universais, até o ponto de chamar o dever moral de obrigagdo divina Esta, no entanto, € apenas uma parte do quadro. Kierkegaard escreve: "Mas se niio se pode dizer mais, entao afirma-se ao mesmo tempo que, propriamente dito, nfo tenho © dever diante de Deus." Ou seja: Yo dever fica sendo o dever por ter referéncia 2 Deus, mas no proprio dever nio entro em relacionamento com Deus." Por exemplo: "é um dever amar ao préximo, mas ao cumprir este dever, ndo entro em relacionamento com Deus mas, sim, com o préximo a quem amo.” Na realidade, o paradoxo da fé é este, que 0 Individual € mais alto do que o universal ... O paradoxo também pode ser expresso ao dizer que hé um dever absoluto diante de Deus, porque neste relacionamento do dever o individuo como individuo tem um relacionamento absoluto com 0 absoluto."* Noutras palavras, ainda que 0 ético como tal seja universal, nem sempre ¢ obrigatério. O individual, no dever absoluto diante de Deus pode e deve transcender o ético ersal Etico — Ha ocasides em que o dever direto do individuo diante de Deus entra em conflito com seu dever universal diante doutros homens. Em tais ocasides a ética bem como o universal devem ser transcendidos polo individual religioso. "A f& & exatamente este paradoxo, que 0 individual como o particular é mais alto que o universal, ¢ justificado diante dele, no & subordinado, mas, sim, superior. E, ¢ permanece sendo para toda a etemnidade, um paradoxo, inacessivel ao pensamento.”* Este paradoxo da responsabilidade religiosa do individuo sobre seu dever ético ¢ focalizado no relato de Abraao e Isaque. Quando Deus mandou a Abrao que matasse seu filho a quem amava de todo o cor 20 colocava suas esperangas para a béngdo futura, Abralo tinha de suspender sua responsabilidade ética a fim de expressar seu dever a Deus. "Na vida de Abraio nao ha expresso mais alta da ética do que esta, que 0 pai ame seu filho. .. Por que, ento, Abraio fez isto? Por amor a Deus ¢ (em completa identidade com isto) por amor a ele mesmo."” Destarte, a despeito do imperativo moral universal acerca do matar, ¢ por causa da sua £8 em Deus, Abraiio foi além da ética de modo total. Demonstrou que individual religioso esté mais alto do que o universal ético. “A Suspensao Teleolégica do Etico — Quando o ético é transcendido por aquilo que é religioso, o universal pelo individual, ndo & suspendido em virtude de ‘uma norma superior ética. Nao ha nenhum telos ou propésito ético superior que justifica 0 ato religioso. Conforme a maneira de Kiekegaard expressi-lo, 0 cavalheiro da fé ndo é um her6i tragico. O her6i tragico assegura-se de que hi um dever ético superior, que cumpre ao quebrar um inferior, assim como quando Jefté sacrificou sua filha em prol da nagdo inteira.’ No caso de Abraio nio hi semelhante base légica superior da ética. "Ele age em virtude do absurdo, porque & precisamente absurdo que ele, como o particular, seja mais alto do que o universal, .. Abraiio, portanto, no foi em momento algum um her6i trégico, mas, sim, algo bem diferente, ou um assassino, ou um crente."” A diferenga entre 0 heréi tragico e Abraao fica clara. © her6i tragico "deixa uma expresso da ética achar seu felos numa expressio mais alta da ética" mas "com Abraio a situagdo era diferente, Por seu ato ultrapassou totalmente a ética © possuiti um telos superior fora dela, ¢ com relagdo a este telos suspendeu a ética.""” A ética é suspensa em prol daquilo que é religioso, mas no hé nenhum propésito ou principio ético superior que justificaria esta suspens3o. Aliés, a maneira conforme a qual o religioso transcende a ética pode importar numa "inversio" da ética, *A “Inverséo” Religiosa das Normas Eticas — Quando um homem como Abraio age pela fé em virtude do seu dever absoluto a Deus, "a ética é reduzida @ uma posigtio de relatividade.” Por exemplo, "o amor a Deus pode levar 0 cavalheiro da f€ a dar a0 seu amor a0 préximo a expresso oposta aquela que, segundo a ética , é exigida pelo dever.""" Isto é bem Gbvio no caso de Abrado. De fato, Kierkegaard admite que no gue diz respeito @ lei moral Abraio era um assassino, nfo um crente, A f8, porém, "é capaz de transformar um assassinato em ato santo, do beneplicito de Deus.. .""? Até mesmo os amigos e entes queridos mais achegados foram incapazes de justificar 0 ato de Abraio em qualquer sentido Atico Além disto, segue-se dai que, se Abrado fosse processado diante de um tribunal por assassinato, seus préprios entes queridos teriam de confessar a culpa dele diante da lei moral! Realmente, nem sequer Abrado podia justificar seu proprio ato moralmente. "Acreditava em virtude do absurdo; no podia, pois, haver questo do calculo humano, e era realmente absurdo que Deus, que fez a exigéncia da parte dele, fosse cancelé-la no instante seguinte." De fato, "a afligdo e o temor neste paradoxo que, humanamente, ele ¢ inteiramente incapaz de se tornar inteligivel."'* A ética é relevante ¢ racional, porque pode ser colocada numa declaraco proposicional universal e inteligivel. Nao € assim com aquilo que é religioso, que & apaixonado, subjetivo, ¢ radicalmente individual.’* Em resumo, nio ha» declarag6es éticas universais que ndo devam ser "invertidas" pela experiéncia religiosa individual do dever absoluto diante de Deus, tal como Abraio enfrentou. 5.0 Etico E Desentronizado Mas Nao Destruido — A fim de que Kierkegaard ndo seja deturpado, porém, deve ser notado que de modo algum a ética & descartada simplesmente porque as vezes & despojada dos seus privilégios 2a por aquilo que é religioso. A ética como tal permanece universalmente obrigatéria. Somente porque a ética é considerada relativa em relacdo aquilo que é religioso, nio significa que no permanece absoluta em si mesma. A ética pode ser suspensa, ‘mas nao pode ser descartada."* "Nao se segue disto, no entanto, que a ética deve ser abotida, mas sim, adquire uma expresso inteiramente diferente, a expressdo paradoxal.. ,"'” Na realidade, a ética é um ingrediente essencial em estabelecer a tensio dialética que dé ocasifo a0 paradoxo. Sem ter grande respeito pela lei moral, 0 homem religioso ndo teria "temor ¢ tremor" algum ao transcendé-la. A parte a crenga no racional, no haveria mérito no ato "irracional" da fé, e assim por diante, Repetindo: ninguém pode ser religioso sem primeiramente acreditar profundamente na ética. Aquilo que é religioso desentroniza a ética, mas nunca a destroi E por esta razio que Kierkegaard nao teme qualquer abuso da ética pelo homem religioso. "Aquele que aprendeu que existir como individuo & a coisa mais terrivel de todas... dificilmente seré uma armadilha para o homem desnorteado, pelo contrério, ajudé-lo-4 a entrar no universal..." Porque "o homem que vive sob sua propria supervisio, sozinho no mundo inteiro, vive de modo mais rigoroso e mais recluso do que uma donzela no seu quarto privado.” Que hé alguns que, sem compulsio, tomario liberdades e serdo egoistas, Kierkegaard no duvida, "mas 0 homem deve comprovar exatamente que nio é deste nimero pelo fato de que sabe falar com temor e tremor.""* Em resumo: o ético € uma exigéncia prévia para aquilo que é religioso, e 0 ético permanece intacto, mesmo quando € transcendido pelo religioso, 6. O Solo para o Antinomismo Incipiente — Ainda que o ético no seja destruido enquanto é suspenso por aquilo que é religioso, hd pelo menos duas maneiras segundo as quais o ensino de Kierkegaard & solo para o antinomismo incipiente. Primeiramente, Kierkegaard postula como superior o dever de quebrar normas éticas universais sem ter uma razdo superior ética ou racional para assim fazer. Noutras palavras, nenhuma norma ética é realmente universal; pode e deve ser quebrada por es ndo-éticas (ou nfo-razbes). Destarte, Kierkegaard tomou posi¢do contra luer normas éticas inquebrantéveis — sempre existe 0 dever religioso no sentido de desobedecer s normas éticas "universais" — assim chamadas — quando o homem & convocado para assim fazer, mediante uma considerasio religiosa, Em segundo lugar, 0 Ambito do dever ulterior do homem & descrito por Kierkegaard como sendo “absurdo," "paradoxal," ¢ além de toda a "compreensio” racional, Nao hi maneira de declarar o dever religioso numa proposigo universal, N5o € conhecido proposicionalmente nem racionalmente; & conhecido apenas passionalmente mediante um ato (ou "pulo") da fé. E este ato "irracional" da fé pode até mesmo "inverter" o prineipio ético. Kierkegaard, naturalmente, no identificou este ambito do "irracional” ou "paradoxal" como sendo ético. Disse, no entanto, que eta o Ambito do dever ulterior do homem, ainda que chamasse este dever de religioso ao invés de ético, Nao ¢ dificil compreender como outra pessoa poderia tirar a concluso de que a propria ética deva ser colocada neste Ambito além das categorias do bem do mal. Semelhante abordagem é subentendida nas obras de Friedrich Nietzsche." B, Nietzsche: Transvalorizando a Etica Kierkegaard acteditava que 0 ético deve ser transcendido pelo religioso; Nietzsche acreditava que 0 religioso ¢ o ético devem ser transvalorizadas. Conforme indica 0 titulo de um dos seus livros 0 homem moderno deve ir "além do Bem e do Mal." Deus 2 morreu, ¢ todos os valores tefstas morreram com Ele, © homem modemno deve achar novos valores & parte destes valores tradicionais defuntos. 1. A Morte de Deus e do Bem — Numa passagem famosa em Sabedoria Alegre, Nietzsche esereve acerca do homem moderno: " ‘Para onde foi Deus? exclamou. Pretendo contar-he! Nés o matamos, — voce e eu! Nos todos somos seus assassinos! Nao ouvimos o som dos coveiros que esto enterrando a Deus? Nao cheiramos a putrefagdo divina? — porgue até os Deuses apodrecem! Deus esté morto! Deus permanece morto! E nés © matamos!"*! No seu bem-conhecido livro: Assim Falou Zaratustra, Nietzsche exortou: "Rogo-vos, meus irmaos, permanecei fiéis & terra, e nio acrediteis naqueles que vos falam de esperangas noutros mundos!. .. Anteriormente, pecado contra Deus era o maior pecado; mas Deus morreu, e estes pecadores morreram com Ele. Pecar contra a terra agora é a coisa mais horrorosa.. 7? Se Nietzsche queria dizer que um Deus que certa ver realmente vivia agora realmente morrera (conforme acredita Thomas Altizer),”* ou se queria dizer que Deus morrera culturalmente sendo que o homem moderno jd nio cré nEle*, ou seja o que for; o resultado tico final é 0 mesmo: viz., Deus e todos os valores tradicionais cairam. Nietzsche denominava a si mesmo de "o primeiro imoralista" que desejava passar além de toda a moralidade tradicional assim como a quimica passou além da alquimia, ¢ a astronomia além da astrologia.”* Até mesmo principios éticos muito gerais, tais como: "Nio fira homem algum, pelo contrario, ajude a todos os homens na medida da sua capacidade," so questionados por Nietzsche. "Em resumo: os deveres morais também so apenas uma linguagem simbélica das paixées... ""* A moralidade cristi do amor altruista ¢ selecionada para um ataque especial por Nietzsche. "O que? Alega-se que um aio de amor é ‘ndo-egoista’? Ora, seus idiotas... 'O que se diz de louvar aquele que sacrifica a si mesmo?" Porque "cada moralidade altruista que se toma por absoluta e procura aplicar-se a todos, peca nfo somente contra o bom gosto, mas faz algo pior: & um incentive aos pecados da omissdo."”’ Realmente, Nietzsche reserva suas palavras mais amargas para a ética cristi. Em Ecce Homo escreveu: "A moralidade crista ¢ a forma mais maligna de toda a falsidade.... & realmente venenosa, decadente, debilitante. Produz simplérios, e nao homens." Acrescenta noutro trecho: "Condeno o eristianismo e © conffonto com a mais terrivel acusago que um acusador jé teve na sua boca, Na minha opinigo & a maior corrupgdo da qual se pode conceber. .. Chamo-o de a iinica mancha imortal da raga humana,"** 2. Reavaliando o Bem e o Mal — A acusacdo principal de Nietzsche contra a a cristd & que é uma moralidade de fraqueza. "Desde © proprio inicio, a fé eri ‘um sacrificio: o saerificio de toda a liberdade, de todo orgulho, de toda a auto-confianga da mente; a0 mesmo tempo, é servidio, zombaria de si mesmo e auto-mutilaga Segundo Nietzsche: " Torne-se mediocre!" agora é a tmica moralidade que faz, sentido, que acha ouvidos para ouvir."”” E no centro desta moralidade da mediocridade hi 0 conceito cristo do amor. " ‘A compaixdo para todos’ importaria em rigor e tirania para vocé, meu caro vizinho!” exclama ele, Além disto, diz: "amar a humanidade por amor a Deus tem sido, até agora, 0 sentimento mais distinto ¢ forgado que a humanidade tem galgado.” Esta ética do amor, conforme & personificada na vida de Cristo, ¢ "um dos exemplos mais dolorosos do martirio que advém de conhecer acerca do amor." E o fim trigico de uma ética da frequeza inspirada pelo amor, que tem urgente necessidade de trensvalorizagao. “Jesus disse para seus judeus,” escreveu Nietzsche, "Amem a Deus, conforme eu 0 amo, amem-no como um fillio ama. O que € que nds, os filhos de Deus, nos importamos com a moralidade?" Deus esté morto, Jesus esté morto, ¢ a moralidade morta. "Talvez um dia os conceitos morais acerca dos quais mais lutavamos € 23 softiamos, os conccitos de 'Deus' e do ‘pecado’ no nos parc que o brinquedo da crianga ou a tristeza da crianga parece a um velho. 0 que é necessétio hoje, diz Nietzsche, € uma nova moralidade, nao dos fracos, mas dos fortes. A velha moralidade morreu; uma nova moralidade deve ser elaborada. A moralidade tradicional & edificada sobre a obediéneia dos muitos aos poucos, ¢ produziu virtudes "moles." E uma moralidade do rebanko. O que & necessério hoje € uma moralidade do individuo ¢ das virtudes "duras", tais como as qualidades préprias do guerreiro: a perseveranga, a aspereza, e a suspeita, Esta moralidade do "super-homem’ também incluira a inteligéncia, a honestidade, e a generosidade que d4, nfo por compaixao, mas, sim, de uma super-abundancia de poder."! Mas seu alvo no é a uniformidade da moralidade para todos os homens, mas, sim, uma variedade de moralidades. Porque "a exigéneia de uma s moralidade para todos importa numa invasio do tipo superior de homem." Ha uma ordem de categoria entre os homens, € deve havé-la também entre as moralidades.”” De onde vem esta nova moralidade? De génios criadores, pois "os verdadeiros fil6sofos so mandantes e legisladores, Dizem: ‘Serd assim!" Determinam o ‘para onde’ & ‘com que fim’ da humanidade... 0 'saber' deles & criador.”" Talvez. seja necessério que 6 filésofo genuino tenha sido um critico, um dogmético, um cético, ¢ um historiador, "Todas estas, porém, sio apenas condigdes prévias para sua tarefa. A tareia propriamente dita @ outra coisa: exige que ele crie valores. " Nietzsche no esti Interessado na descoberta do valor mas, sim, na sua criagao, ¢ os super-homens sto os criadores. A "vontade de poder" do supei-individuo substitui a vontade do santo de ser sobrepujado pelos outros. Todos os valores do grupo sio transformados em valores individuais, todos os absolutos em relativos, toda a moralidade em extra-moralidade Qualquer coisa que aumenta a vontade de poder é valiosa. O bem moral é achado na afirmagdo da vontade, ¢ ¢ fortalecido pelo ideal dos super-homens™ De que mancira se deve abordar a ética, portanto, sc todo o valor é relative & vontade individual ao poder? A resposta é, numa s6 palavra: a experimentago. Mas este estudo de sentimentos de valores e diferengas de valores mediante 2 experimentagdo ndo deve ser dirigido para estabelecer uma ciéncia da moralidade mas, sim, apenas para preparar uma tipologia, "Pelo nome com que me aventurei a batizé-las, expressamente enfatizei sua experimentagdo e seu deleite na experimentagao,” escreveu Nietzsche. E "na sua paixdo por novo entendimento, nfo devemos ir mais longe em experigncias ousadas ¢ dolorosas do que o gosto emasculado e mérbido de um século democratico possa aprovar?™* Mas 0 que freari esta ética individualista a0 poder da anarquia e do caos? A resposta de Nietzsche é: a etema reocorréncia voluntéria, © super-homem aceita o fato final de uma volta perpétua ao mesmo estado de coisas. Os cielos eternos afugentardo a insinceridade daqueles que aceitarem esta nova moralidade. 3. A Rejeigéo de Todo o Valor Absoluto — Nao somente Nietzsche procurava rejeitar todo © valor tradicional e desejava reavalié-lo mediante a recriagio dos valores radicais do individualista robusto, como também rejeitava enfaticamente todos os valores absolutos de modo total. "Repetirei uma centena de vezes," esereveu ele, “que a ‘certeza imediata’ bem como o 'conhecimento absoluto’ e a ‘coisa em si mesma’ so todas contradigdes em termos." Tanto a verdade como o valor esto numa scala deslizante sem qualquer padrio absoluto, "O que nos forca." Nietzsche pergunt, "a pressupor dalgum modo que haja uma diferenga essencial entre 'verdadeiro'e 'falso" ‘Nao & suficiente supor niveis de semelhanga, sombras e tons mais claros e escuros de semelhanga, por assim dizer, "valores' diferentes, do modo que o pintor usa 0 termo?” O filésofo da verdade absoluta esti predisposto pela pressuposigdo de que existam opostos sro mais importantes do 24 tais como verdadero ¢ falso, bom ¢ mau. "A fé basica de todos os metafisicos ¢ a fé na natureza antitética dos valores. " "Nunca Thes ocorre duvidar desta pressuposiga0," diz Nietzsche. "Mas realmente podemos duvidar: primeiramente, se as antiteses realmente cxistem, e, em segundo lugar, se aquelas avaliagdes populares e antitéticas de valores As quais os metafisicos deram seu carimbo de aprovacdo ndo sto, talvez, avaliagdes meramente superficiais. . "" E a crenga metafisica bisica de que Deus é a verdade, de que a verdade é divina, decerto deve ser questionada. "Mas 0 gue se diz se isto em si mesmo torna-se menos fidedigno," pergunta Nietzsche, "o que se diz se mais nada se comprova divino, a no ser que seja 0 erro, a cegueira € a falsidade; 0 que se diz se 0 proprio Deus é revelado como sendo nossa mentira mais persistente?"* De fato, a totalidade do livro de Nietzsche, Anti-Christ é dedicado a destruigdo da verdade absoluta, Era apenas a primeira parte de uma magnum opus projetada (nunca completada) que ele chamou de A Revaluation of All Values. Resumindo: Nietzsche procura ir além do bem e do mal por meio de transvalorizar & propria natureza do bem © do mal. Nas suas préprias palavras, fi-lo “numa reavaliacdo de todos os valores, numa libertagao de todos os valores morais, ao filer Sim a tudo quanto até entio tem sido proibido, desprezado, condenado; e ter confianga nele.. . A moralidade nao é atacada, meramente jd ndo faz parte do quadro."*” Em resumo: Nietzsche esti sem normas éticas relevantes de varias maneiras: Primeiramente, esté sem quaisquer normas absolutas. Deus esta morto e todos 0s valores absohitos morreram com Ele. Em segundo lugar, Nietzsche esté sem normas objetivas. Cada individuo cria sua propria variedade de valores. Em terceiro lugar, est sem normas crists. Nietzsche & profunda e irrevogavelmente anti-cristdo. O proprio Nietzsche, temendo que alguém um dia o canonizaria (conforme fez Altizer), * escreveu: "Tenho um medo tremendo de que, um dia, alguém me pronuneiara santo." Dificilmente era santo no sentido cristo, certamente no no seu conceito de Deus ¢ dos valores morais edificados em Deus. Encarava "Deus como a decleragdo de guerra contra a vida, contra a natureza, contra a vontade de viver! Deus — a formula para toda calinia contra ‘este mundo’ para toda mentira acerca do 'além'! Deus — a deificagdo do nada, 2 vontade de nada pronunciada santa!"*” C. Sartre: A Rejeigio do Etico Kierkegaard comegou o avango existencial moderno em diregdo a0 antinomismo, Nietzsche 0 continuou, e ele culminou em Sartre. Kierkegaard disse que as normas Gticas universais podiam ser transcendidas pelo individual religioso, Nietzsche disse que as normas éticas objetivas devem ser trans-avaliadas pela vontade de poder do individuo irreligioso, e Sartre disse que devem ser totalmente rejeitadas. Kierkegaard postula um ambito supramoral para © homem religioso. Nietzsche designa um dominio extramoral para os super-homens, ¢ Sartre declara que tudo ¢ completamente amoral para todos os homens. A razo porque Sartre rejeita qualquer tipo de ética objetiva & que, para ele, a totalidade da vida humana é absurda, Isto se torna evidente ao examinar= se 0 conceito do homem sustentado por Sartre. 1. 0 Homem E Uma Paixao Inittil — © homem é uma bolha vazia flutuando no Mar do Nada. Os homens tém uma sede insacivel, porém fit, por Deus. Escreve "A melhor maneira de conceber do projeto fundamental da humanidade é dizer que 0 homem é 0 ser cujo projeto ¢ tomnar-se Deus." Porque "ser um homem significa estender sua mio em diregio a tornar-se Deus." Ou, se vocé assim o preferir, o homem fundamentalmente & 0 desejo de ser Deus."*" ‘A amarga ironia, naturalmente, & que 0 projeto inteiro € absurdo e impossivel. Deus & por definigdo, um Ser causado por Si mesmo (causa sui) © causar sua propria 25 existéncia & impossivel para Deus como para 0 homem."? 0 "ser por-si-sé" (étre-pour- soi) nunca pode tornar-se 0 "s i-mesmo" (étre-en-soi); 0 contingente nao pode ser tomnar-se necessério; a liberdade no pode tomnar-se determinada; o nada ndo pode ficar sendo alguma coisa. A fim de criar a si mesma, a pessoa teria que ficar fora de mesma, teria de ser anterior a si mesma, isto é impossivel. Em sintese, 0 homem acha em si mesmo uma sede fundamental para o transcendente, absolutamente sem nenbuma capacidade de satisfazé-la 2. 0 Homem Esta Condenado a Liberdade — No coracio da futilidade do homem ha sua liberdade, O homem é totalmente livre. No pode deixar de ser livre, At mesmo quando um homem quer escapar ao seu destino, est fugindo dele livremente "Eu sou minha liberdade,” escreve. "To logo tu [Zeus] me criaste cessei de ser teu." Destarte,"eu era como um homem que perdeu a sombra, E no sobrou nada no céu, nenhum certo ou errado, nem alguém para me dar ordens.. .Mas nfo voltarei para debaixo da tua lei; estou condenado a ndo ter outra lei sendo a minha. .. Porque eu, & Zeus, sou um homem, ¢ cada homem deve achar seu préprio caminho."** artre aceita 0 desafio de Dostoievski, de que se no houver Deus, entio tudo & permitido. O melhor que se pode fazer € um ateu herdico, tomando a plena responsabilidade pelos seus proprios atos. Cria sua propria vida mediante suas proprias escolhas livres. Na realidade, ele é seus atos livres. Ndo hi Deus para aceitar a responsabilidade ulterior pela existéncia e as escolhas do homem. O maximo que alguém pode fazer & aceitar sinceramente seu proprio absurdo, i, reconhecer que niio hi explicacdo nem justificativa pela sua vida fora da sua propria liberdade radical. Nao hé leis ou normas no eéu nem na terra que possam guiar a pessoa nas suas escothas. O estudo do Ser no ajudara, porque "a propria ontologia nio pode formular preceitos éticos. Ocupa-se exclusivamente com aquilo que é e nto temos a possibilidade de derivar imperativos dos indicativos da ontologia."** Nas palavras de David Hume, ndo se pode derivar "deve" de "é." Nao somente o homem esté despojado de normas ontolégicas, como também esté sem quaisquer fins utilitarios objetivamente relevantes. A ética é puramente descritiva. "Indica-nos a necessidade de abandonar 2 psicologia do interesse juntamente com qualquer int 0 utilitarista da conduta hhumana..."** Na realidade, no hé nada, no sentido de preceito ou projeto ético, que um homem deva levar a sério 3.Repudiando o Espirito da Seriedade — Conforme Sartre, 0 resultado principal de uma andlise existencial "deve ser levar-nos a repudiar o espirito da seriedade. "O espirito da scriedade da a entender duas coisas: "[1] Considera os valores como sendo dados transcendentes independentemente da subjetividade humana, ¢ [2] transfere a qualidade de ‘desejavel' da estrutura ontolégica das coisas para sua constituigo material simples... Os objetos sdo exigéncias mudas, ¢ ele [o homem] nada é em si mesmo, sendo a obediéncia passiva a estas exigéncias.""° Tudo isto deve ser repudiado. A medida em que os homens acreditam em valores transcendentes e em exigéncias objetivas, ainda acreditam que podem realizar seu projeto absurdo de achar uma base ou justificativa relevante para sua vida. Na realidade, tudo quanto os homens descobrem & 0 desespero diante do seu esforgo absurdo em diregdo a um significado transcendente. "Descabrem, pois, a0 mesmo tempo, que todas 35 atvidedes humanas so equivalentes, visto que todas tendem a sacrificar 0 homem a fim de que possa surgir a causa-d fica sendo a mesma coisa se alg hd nenhuma diferenea real porque nfo hé valores objetivos reais para fazer uma diferenga. © homem deve chegar a reconhecer "que ele & 0 ser mediante o qual o valor existe. Ai ento sua liberdade tomaré conscigneia de si mesma ¢ se revelaré na angustia 26 como sendo a tinica fonte do valor ¢ do nada, mediante a qual 0 mundo existe."*” NBo ha valores fora da liberdade do individuo que ele deva levar a sério, Todo o valor volicional, nao ontol6gico; subjetivo e no objetivo; amoral e ndo moral. 4.Escolhendo por Outros — "O que seri da liberdade se virar as costas a este valor ... Em particular, € possivel para a liverdade tomar-se por um valor como fonte de todos os valores..." Sartre termina seu famoso Being and Nothingness com estas perguntas. "Devotaremos a elas um livro futuro, " foi uma promessa que nunca cumpriu. Como, pois, a pessoa deve relacionar sua liberdade com outras, pessoas?" A resposta de Sartre a estas perguntas pode ser achada no seu conceito de liberdade "auténtica." Ou seja, um homem deve escother por todos os homens, ¢ deve respeito a liberdade dos outros. Sartre, no entanto, argumenta que estas declaragdes de "deve" so apenas logicas ¢ no valorativas."” Mas se ndo do valorativas, logo, no tém forga ética, E se fossem valorativas, entdo, seriam normativas, posigdo esta que Sartre repudiou. Em sintese, a posigdo de Sartre & amoral em qualquer sentido ético da palavra Faltando critérios externos para agir na liberdade auténtica para si mesmo e para os outros, como alguém poder saber quais sio as caracteristicas de um ato auténtico? Sartre cita duas: a lucidez e a responsabilidade pelos outros. Mas aqui, também, ndo hi padrdes mediante os quais estas possam ser julgadas. De fato, ndo hi razdo porque alguém deva ser "responsivel’ pelos outros, se cada homem deve ser plenamente responsdvel por si mesmo, AAlém disso, conforme indicaram outros, pode baver uma lucidez diabética, e um emprego desapiedado do poder pode ter em mira o suposto "bem" dos outros." Hi varios outros problemas envolvidos em assumir a responsabilidade de escolher pelos outros. Primeiramente, nao ¢ realmente um problema ético de modo algum, se cada homem deve ser completamente responsivel por outra pessoa nas bases de Sartre Em segundo lugar, escolher pelos outros importa em colocé-los em ordem como objetos, em derredor de si mesmo como sujeito livre. Mas isto nao funcionaré; os homens rebelar-se-do contra serem usados como objetos, visto que eles, também, s30 sujeitos livres. A sociedade, pois, ¢ uma forma de conflito mituo. Nas palavras de artre: "O inferno so as outras pessoas"*' Em terceiro lugar, no hé nenhuma razio ética porque um homem deve escolher pelos outros. A liberdade esta sem razo para Jjustificd-la e sem normas para guiéla 5. Procurando Redimir a Etica de Sartre — Sartre nunca escreveu sua obra prometida sobre a ética, mas sua amante a escreveu, Simone de Beauvoir, no livro dela, reconhece que a ética de Sartre & individualista, mas nega que seja solipsista. Ou seja: & uma ética "que se recusard a negar a priori que existentes separados possam, ao mesmo tempo, ser ligados uns aos outros, gue suas liberdades individuais possam forjar leis validas para todos."** Desta maneira, pode ser uma ética dos livres sem ser anarquica Comega no desespeto, mas no precisa terminar ali, O absurdo € apenas o ponto de partida; ¢ essencialmente uma ética da ambiguidade.** E verdade que ndo hé nenhum valor absoluto fora do homem, nenhuma justificativa objetiva ou externa pela sua existéncia, escreve Beauvoir. O homem dé , € no tem, razies pela sua existéncia, Sua tentativa para ser Deus ¢ vi, mas neste proceso toma-se homem, ¢ isto nfo é vo. © homem no pode estar de bem com Deus, mas pode estar de bem consigo mesmo. Destarte, a auséncia de Deus no autoriza @ licenciosidade; estabelece a responsabilidade do homem. Embora 0 homem seja livre, € no possa ser libertado num sentido ontolégico, mesmo assim, deve escolher ser livre num sentido ético. Ou seja, © homem no pode, por um ato da vontade, perder sua liberdade como um ser, pois este préprio ato da 27 vontade demonstra que ¢ livre. Até mesmo ao fugir da liberdade num sentido positivo, a pessoa esté exercendo a liberdade num sentido negative. Cada homem esté inescapavelmente livre no sentido ontolégico de que espontaneamente langa-se no mundo, Mas no so todos que accitam este impulso de um modo positivo. Exige mais do que uma resignacao estdica; deve-se fazer uma afirmagio positiva do seu ser para ser ético, Esta afirmagao positiva € uma decisio ética porque oposto (a mé vontade) é possivel. A pessoa pode determinar que no aceitard seu proprio projeto de dar objetivamente para sua prépria subjetividade, Ou seja: na prépria condigio do homem, como homem, hi a possibilidade de no cumpri-la.* Exatamente o qué, o homem deve determinar a fim de ser livre num sentido ético? Deve determinar num sentido positivo a liberdade que no pode negar a si mesmo negativamente. Deve querer sua propria liberdade e a liberdade dos outros. Deve querer coincidir consigo mesmo ao ultrapassar a si mesmo. Em sintese, a pessoa deve determinar sua prépria ambiguidade. Mas como um homem pode realizar a si mesmo se nio 0 pode fazer em si mesmo? Onde achar o fundamento da sua existéncia? "© homem pode achar uma justificativa da sua propria existéncia na existéncia dos outros homens." ssta € uma verdade irredutivel: "O relacionamento entre mim e os outros € to indissolivel quanto 0 relacionamento entre © sujeito € o objeto." Destarte, “querer sua propria liberdade & também querer a liberdade dos outros." Esta & outra maneira, diz Beauvoir, de afirmar a concordancia com o principio cristo do amor, ou com 0 principio kantiano de tratar os outros sempre como fins, no como meios. Ou, noutras palavras, "o preceito sera tratar o outro... como uma liberdade de modo que seu fim seja a liberdade."”* Devemos usar nossa liberdade para ajudar outros a realizar sua liberdade. ‘Nao se quer dizer com isto, naturalmente, que a cada homem deve ser dado tudo quanto deseja, Nenlum homem deve usar a liberdade para limitar sua liberdade ou a dos outros (como no vicio das drogas), nem para destruir sua liberdade (como no suicidio) simplesmente porque quer fazer assim, Do outro lado, ha ocasides em que talvez. seja necessirio destruir livremente a liberdade de um homem, se 0 nfo fazer assim correr 0 risco de deixar morrer dez homens inocentes. AA liberdade de muitos homens & melhor do que a de um s6 homem. De qualquer maneira, 0 homem deve afirmar a liberdade sempre que € como pode. "Pois se aconteeesse que cada homem fizesse o que devia, a existéncia seria salva em cada um sem haver qualquer necessidade de sonhar em um paraiso em que todos seriam recompensados na morte.""” A primeira vista, talvez parega que Beauvoir redimiu a posigdo de Sartre do antinomismo. Esta, porém, scria uma conclusdo apressada, por duas razdes, pelo menos. Primeiramente, a ética existencial dela é volutivamente postulada pelo individuo e no tum imperativo imposto sobre 0 individuo. Todos os valores sio escothidos, no sio essenciais. Em segundo lugar, ela claramente repudia quaisquer valores objetivas Todos os valores so subjetivamente selecionados ¢, independentemente de um individuo queré-los, nao tém status. Ela enfaticamente rejeitaria normas definidas como principios prescritivos para 0 comportamento humano, vilidos independentemente dos individuos, ic., como a validez.objetiva. D.A. J. Ayer: A Eliminacao da Etica Uma breve palavra deve ser dita acerca da forma de ética antinomista conhecida como emotivismo, Brota de uma escola de filosofia, agora defunta, chamada 0 Positivismo Logico. Esta escola de pensamento emanou de Viena no comego da década de 1930, e era representada por homens tais como Rudolf Carnap, Moritz Sehlick, A J Ayer, e outros, O iltimo a ser mencionado foi, talvez, 0 porta-voz. mais enérgico em inglés. Vejamos seu livro, ja famoso, Language, Truth, and Logic.** 28 1. © "Acognosticismo" Epistemolégico — Com base em um principio rigoroso de verificagao empirica, Ayer ndo deixou nenhuma declinagdo ter significado no ser que pudesse ser puramente analitica ou tautolégica (tal como 7 + 3-10), OU a no ser que pudesse ser verificada delguma maneira através da experiéneia de um ou mais dos cinco sentidos. Desta maneira, pensava que no somente restringiria as declaragdes metafisicas como também as eliminaria totalmente. Porque "certamente, 2 partir das premissas empiricas, absolutamente nada concernente & propriedades, ou até icia de qualquer coisa super-empirica, pode legitimamente ser Baseando-se numa distingdo semelhante feita anteriormente por David Hume entre declaragées acerca do relacionamento entre idéias (ie., definicionais) ¢ declaragdes acerca de questées de fato (i.e., empiricas), Ayer condenou todas as demais declaragies como sendo literalmente contra-senso. Entre estas, hé todas as supostas declaragdes metafisicas acerca da substincia, da realidade, da existéncia, de Deus, etc. Nao se quer dizer com isto que ndo hé coisas tais como a existéncia, Deus, etc. Quer dizer apenas que se ha tais realidades, nenhuma declaracdo relevante pode ser feita acerca delas. Toda a conversa acerca de Deus € contra-senso, Em sintese, o ponto de vista de Ayer nfo é um agnosticismo que sustenta que pelo menos hé relevineia em perguntar acerca da existéncia de Deus. Pelo contrério, a posigio de Ayer deve ser chamada um "acognosticismo,” porque nega que haja qualquer significado cognitive na prépria palavra "Deus" na pergunta acerca da Sua existéncia. Simplesmente no ha significado cognitivo (i., verificdvel) para a palavra "Deus" na pergunta. Ayer nfo negava categoricamente que havia um Deus ou que 0 mistico poderia ter intuigdes dEle, Disse: "Aguardamos apenas ficar sabendo quais so as proposi¢des que incorporam as descobertas acerca dele, a fim de vermos se sao verificadas ou refutadas por nossas observagdes empiricas."" Noutras palavras, talvez seja possivel ter experiéncias de Deus, mas no ¢ possivel expressar esta experiéncia em declaragdes cognitivamente significativas; um "acognosticismo” epistemolégico. 2. O Emotivismo Etico — A consequéncia ética do "acognosticismo" é 0 emotivismo. Ou seja: nenhuma declaragao ética tem significado eognitivo, visto que no nem uma declarago de pura definigio, nem uma mera declarago acerca dalgum fato empiric, As declaragées éticas sio simplesmente emotivas. Sua relevancia no é que declaram fatos ou mandamentos, mas, sim, que expressam 0 sentimento de quem fala. Por exemplo, a alegada declaragdo de mandamento ou "deve": "Vocé nao deve furtar," realmente significa "Eu ndo gosto de furtar.” DeclaragSes tais como essa no sio imperativas, mas, sim, meramente expressam os sentimentos de quem fala, e seu desejo de ver os outros sentirem da mesma maneira, "Voe8 no deve mentit" significa "Eu no gosto da mentira," © "Quero que vocé, também, no goste da mentira." Declaragdes Gticas nfo so declarativas de qualquer estado de coisas reais; so exclamativas dos sentimentos da pessoa e das suas tentativas no sentido de inflienciar os sentimentos dos outros. Tendo isto em vista, "podemos ver agora por que & impossivel achar um cr para determinar a validez dos julgamentos éticos," esereveu Ayer. "Nao € porque tém uma validez ‘absoluta’ que é misteriosamente independente de uma experiéncia comum dos sentidos, mas, sim, porque no tém qualquer validez objetiva."” Ayer reconheceu que sua teoria ¢ "radicalmente subjetivista,” mas distinguia-a do subjetivismo tradicional pelo motivo de que sua teoria no envolve declaragdes acerca de como um individuo se sente (estas seriam verdadeiras ou falsas, de acordo com 0 fato de que se 0 individuo realmente sentia assim, ou nfo), mas meramente declaragSes de seus sentimentos. For exemplo, a possua pode «expressar enfado (por gestos, ¢.g.) sem fazer uma asseveragio acerca do seu sentimento de enfado, tal como: 29 enfastiado." A asseveragao ¢ verificdvel, mas a expresso no o &, As declaragées éticas sto expressées de sentimento, que nio podem ser verificadas, e nao asseveragdes verificdveis acerca dos sentimentos. "So puras expressbes de sentimento e, como tais, no se enquadram na categoria da verdade ¢ da falsidade. "“? Se as declaragdes da ética ndo sdo puramente definicionais ou empiricas, entdo, que tipo de declaragao so? Sdo do mesmo tipo que as declaragdes estéticas; sio declaragdes de sentimento. Tanto as declaragdes éticas quanto as estéticas expressam apenas 0 gosto subjetive da pessoa, e ndo a verdade objetiva acerca dalguma coisa. Ambas so declaragaes de valor, e nio asseveragdes acerca de fatos. "Sustentamos, pois," diz Ayer, "que realmente nunca se disputa acerca de questdes de valor.” Argumentamos somente acerca de questdes de fato. O valor é sempre pressuposto, mas no pode ser nem comprovado nem disputado. "Dado que homem tem certos principios morais, argumentamos que deve, a fim de ser consistente, reagir moralmente a certas coisas de certa maneira." Mas "aquilo acerca de que nao argumentamos, nem podemos argumentar, ¢ a validez destes prineipios morais.""* Em sintese, no hi nenhum "dever" ético. Nenhuma declaragdo & normativa ou prescritiva para outras pessoas. Todas as alegadas normas éticas so puramente subjetivas © individualistas, e expressam nosso sentimento, So emotivas mas no normativas. IL A AVALIAGAO DO ANTINOMISMO- ‘A despeito das suas diferengas hd uma concordancia bisica entre os pontos de vista antinomistas discutidos supra. Sio undnimes na sua afirmagdo de que, em diltima anilise, 0 que © homem “deve” fazer & determinado individualista © subjetivamente Nao hd preceitos morais universalmente obrigatérios para todos os homens. A aveliago que damos a seguir focalizar-se-4 principalmente no aspecto central nao normativo que 6 pontos de vista supra tém em comum, A. Alguns Valores na Etica Antinomista Nem tudo & negativo na ética antinomista. Ha alguns valores positives que sio subentendidos na sua abordagem, ou que emergem dela. Algumas das contribuigdes do antinomismo incluem as seguintes: LRessalta os Relacionamentos Pessoais — Um dos fatores dignos subentendidos num tipo existencial da ética antinomista é a énfase dada a atuago em prol doutras pessoas. € ressaltada no conceito de agir em prol doutras pessoas, Os outros, também, so pessoas e no metas coisas. Ao assumir a responsabilidade pelas outras pessoas, subentende-se o valor das pessoas. Relacionamentos humanos concretos tomam a precedéncia sobre os principios abstratos. A moralidade esta centralizada nas pessoas. E em relagdo as pessoas que se assume compromissos € em prol das quais as promessas sio guardadas, nfo meros preceitos. 2.Ressalta a Responsabilidade Individual — A ética é, em iiltima anilise, uma questo da responsabilidade individual. Cada homem deve escolher por si ‘mesmo. Hé uma qualidade sem igual na situagdo individual. A responsabilidade da pessoa ndo pode ser absolvida ao misturar-se num grupo. Os grupos consistem em individuos, ¢ os individuos so individuos individualmente responsiveis pelas suas escolhas. Este aspecto da ética, frequentemente olvidado, é uma reagdo benvinda a uma énfase exagerada atribuida aos determinantes ambientais e comportamentais sobre a agdo humana, 30 3.Toma Conhecimento da Parte Emotiva — Mesmo se nem todas as alegadas declaragdes éticas sio puramente emotivas, decerto muitas delas 0 so. E um erédito a favor do positivista que focaliza a atengao neste fato. Ou seja, muitas das nossas declaragdcs so colocadas em linguagem prescritiva ("deve,", "deveria,” etc), mas ndo hé base objetiva para. estes imperativos. Tendo em vista a descoberta dos emotivistas, cabe 2 cada moralista reexaminar o repertério das suas declaragGes tipo "deve" para ver se hi mais do que uma base puramente subjetiva para elas. Talver. boa parte daquilo que os homens tomam por imperativos morais objetivos sejam apenas emotivos subjetivos B, Alguns Problemas Com uma Etica Antinomista Embora os antinomistas no sejam necessariamente irresponsdveis nos seus atos morais, mesmo assim, hi algumas dificuldades irredimiveis na posiglo, mesmo nas suas formas melhores. Pelo menos quatro problemas serio indicados aqui 1.€ Demasiadamente Subjetiva — No dmago de todos os pontos de vista antinomistas passados em revista supra, hi um nitido subjetivismo. A esponsabilidade ulterior do homem nao tem guias ou normas objetivas. O que os antinomistas deixam de ver & que uma ética no precisa ser isenta de principios a fim de ser pessoal. Deixam de compreender que uma subjetividade ndo-critica & cadtica e auto-destrutiva, © que uma subjetividade critica ndo & necessariamente antinomista, visto que pode envolver algum padrdo ou norma critica, Uma puramente subjetivista € como um jogo sem regras ou uma civilizagdo sem cédigos. Afinal das contas, realmente no € ética alguma, E um subjetivismo sem rnormas em que cada homem sente e pratica sua propria "coisa." 2.E Demasiadamente Individual — Juntamente com scu subjetivismo, a ética antinomista € radicalmente individualista. © individuo, ou 0 momento ético especifico € diferente, de modo ulterior ¢ radical, de todos os demais. Cada situagdo é atomicamente distinta, Ndo hé comunidade de valores que transcende a individuatidade, Cada decisio ética é tnica e auténoma. Semelhante dicotomia radical dos homens e dos momentos no fornece qualquer ambiente relevante para relacionamentos interpessoais. A melhor maneira (¢ ainda assim, inadequada) dos antimonistas relacionarem-se com outras pessoas & através de projetos voluntariamente adotados. Nao hi leis que transcendem o individuo e ligam todos ‘os homens juntos numa comunidade moral. Nao ha realmente nada que devem fazer. 3.E Demasiadamente Relativista — Concomitantemente a incapacidade de ‘uma ética sem normas fornecer um ambiente para os interrelacionamentos morais, estd sua incapacidade de resolver conflitos morais. Se ndo hi nenhum padrSo ulterior, como podem ser resolvidos 0s conflitos de valores? Sem uma base normativa ulterior, no ha nem base objetiva para comegar uma vida ética, nem hi qualquer maneira de resolver tenses entre padres conflitantes da vida. O que acontece quando uma ética de egofsmo se encontra com uma ética de altruismo, ou {quando uma moralidade do édio se encontra com uma ética de amor? Qual delas & certa, © como se resolve 0 coniflito sem uma base normativa para decidir? Decerto ‘os homens devem fazer mais do que meramente afirmar sua propria liberdade individual as expensas dos outros. Certamente devem fazer mais do que ‘meramente expressar emocionalmente seus sentimentos diante dos outros sem ter ‘um modo objetivo de determinar as estruturas de valores que pressupdem, Deve haver um absoluto com o qual todos os relativos conflitantes podem relacionar-se € mediante o qual podem ser resolvidos. 3 4. E irracionalista — Na anilise final, a ética antinomista ¢ irracional. Ou seja io tenta qualquer resolugo racional dos conflitos éticos. Quer seja chamada de ética do "paradoxo", do “absurdo," da "ambiguidade," ou do “contra-senso,” subentende todas estas coisas pela sua indisposigdo de fazer as pazes com o prinefpio da ri contradigo. Nenhuma das formas deste ponto de vista sustenta a racionalidade da responsabilidade ulterior da pessoa. Na andlise final, aquilo que a pessoa deve fazer é determinado, no por um principio racionalmente relevante ¢ ndo-contraditério, mas, sim, por "um salto" para o ndo-racional ou 0 no-cognitivo. Seja qual for a "resolugao” que possa haver nestes antinomismos, no é racional, mas, sim, puramente existencial ou emotiva, © problema com uma ética que nao se dispde a sujeitar-se a critérios racionais & que é uma ética sem sentido, Nao fornece qualquer base significativa (i.e., que pode ser pensada ou declarada) para a agdo. Realmente, semelhante ética tem dois problemas criticos: um deles € logico eo outro ¢ ético. Em primeiro lugar, logicamente no hé meio de escapar ao principio da ndo contradi¢do. Nao ha maneira de negar (até mesmo no pensamento) que ela se aplica as declaragBes éticas sem afirmar que se aplica mesmo, naquela propria negagio. Em segundo lugar, os modos de ago eticamente opostos sio igualmente aceitiveis se a lei da ndo-contradigio nao for aplicavel. "Deve- se praticar 0 “hem” ndo excluiria "Deve-se praticar 0 mal." Se o oposto do "certo" nido for o "errado," entio sera impossivel qualquer ética relevante. Leituras Sugeridas Ayer, AJ. As Questdes Centrais da Filosofia Kierkegaard, 8. Temor e Tremor Sartre, J.P. O Ser eo Nada NOTAS DE RODAPE L¥oja ear and Trembling, Nova York: Doubladsy an Company ne, 1954, pe. aia Subi lig 80. bid ae 66 Sibi Se 7. Sibi pg 88,9 ies Subd p67 bid, pa 8. iia, ple thd, pee 91-2 incorsnte do stunt, de tadoso ados, de mao que sus desinclatldade global se qicbrada em putes corgrecsvs. Fear ‘nd Trembling pgs. 21, 84 (com ots det. en, pigs. 77.181, passin iba, pig 80 21.Usm dos sencads 6 cto lo do bem edo malo gue sign que oem eo xine ou lad, Outosghificdo de jens €¥ prt duc, sempesarsengho ao bers cao mal Quando Niashe die lg eto plo aor sempre acoaec len do bed el cso plno set dean 4 nose dposiste — 0 ‘ena hn evn pe cum wenreteewia "gna Ta” J Mate Coane yond Cd od 2BUNieteche, Joy Wicom,vadsrdo por Tharas Commom,Fedick Unga Publishing Co, 1960, sexo 125 (pigs. 167,168, 2a Nieteche, Pas Spake Zarathat uro poe Wale Routan, Nova York: Viking Pres, 1966. Flos, pe. 125 23.ejn Aki: The Goopl of Chuan Aeon, Fil: The Westznter Pes, 1986, pig. 103, 669, 9. pas. Ver ‘umbim Radial Theology and the Death of God, edtaco por T. Alize © Wim Hames, The HobbsMen Company, ls 1366, pgs 9825-126, eps, 25 yond Gand ana Fi 32 Cowan (pi. sti to wo mento Indo de orld, 2 )) 0 26.bid, 185,187 ge. 92-90. Yr sbi, 220 pips. 14145). 28 Nicsche i Chat Nova Vk: Kaopl, pas 230 29 yond Good and Ei 46 pig 83),262 (pi. 211) 040i, 2 (ple 79), 60 (pgs 66-67, 269 pb 220, 31 Kaufmann argumeni que Nietzsche "ger tar Uma gues conta 2 avaliago acs, moa cragdo de nova avalingdes” Mache, py 93.94 Di"A venaling' rae ums nov lego delaras, una inverse salagieprovalecee so delum nov ponte de visu mas imum pons de vs, nem arian, mst, sim, sma ea teres” Kean, 20 Grial, recoubece tue bd una dala posidva envolvica sendo que Nidaiche ead egatdo umn Regaine, Ey seeliate Gileica, Netzsce no es evando Ge nave mesmos vlbos alte, mas, sim, est fzstdo valves Nov. Bis gue Une ‘nec S2.bevond Goodand it 264 pi. 87), 57 (ph. 6), 228 (pi. 155) 533.Ver lo Power psp 1819 ‘Mieyend Good and Bl 211 pps. 134138), 186 (p91, 210 (p32), sbi 1 pu, 38 (a. 40), pds 2). 3 Joyful Miso, 344 pga 279280) CC Genealogy of Moral 124 37 Ecce Homo, "Dawa | (Kanaan, Basie Wings of Neche, pis. 746,74), elie, The Gospet of Christin thts 88.75 Spice ome I {Nita dt Chri pi 10. AL Sarre Seing and Nothing, add po azlBarpes, Nova York 42 bid, pigs. 169,256, {45 The Pes om No Exitand Thre Other Pl, ‘$4.Beng an oshingns pls. 625,625, ‘5ihid, pg 626, bid, pe 626. id, pg 02. ANd, pips. 627,628, 4$8,ej0 Bustos oa Humanism $0 James Colin, The Buses, Chicago: Henry Regnery Co. 192, pigs. 2-55. SiN But pe 6. £$2Sioone dea, The Ethic of Ambigwiy, Nova York ilowphial Lity, 1948, nde por Berard Frecnann Shuts paps 16-18156810, Suibid ps 136 siti, pgs 2435, Sebi ps 12-7319, Srimi, pis. 150.158 SRAI. Ayer Language, Truk and Logi, Nove York: Dover Publications, ne, 1946, ssibid, nig sbi, pa 18 10d. pa 18 ‘ait E310, pg. 10. Se se posivel armen acerca de valores, cao munca se podein muds Sem de valores nem Soma por moo ee agar gas valor slo hateadon, pla moos purament nos fos o aos poem sx arguments ogo, os alres da penos poder sr alas tntrtarete por ret de ela (ir, por nove ion) Vea Chases L- Stevenson Ees and Language New Haves, Coma Yale Umetsy Press, 158, ilgnpiel Library, Is, 1956, hp 694 21-423, O Generalismo: Nao Ha Normas Universais A maioria das posigdes éticas rejeita a posigao antinomista de nenhuma norma, a favor dalgum tipo de guias relevantes para a tomada de decisdes. Uma maneira classica de evitar 0 antinomismo, de um lado, ¢ 0 conflito de muitas normas absolutas, do outro, € por meio de sustentar a existéncia de muitas normas éticas de aplicagéo geral mas nao universal. Esta posigdo seré chamada generalismo. Representagdes classicas deste ponto de vista podem ser achadas entre os utilitaristas 3 1. 0 GENERALISMO EXPLICADO Os utilitaristas ndo so antinomistas, visto que acreditam no valor das normas éticas para ajudar 0 individuo a determinar qual a ag3o provavelmente traré 0 méximo bem para o maior mimero de pessoas. Do outro lado, os utilitaristas geralmente nao sio absolutistas, visto que usualmente repudiam as normas universais que representam 0 valor intrinseco. It verdade que os utilitaristas das regras dizem que as regras no devem set quebradas, por causa do valor extrinseco dos bons resultados de guardar regras. Mas a regra & guardada ndo porque é, de fato, universalmente exrado fazer este ato proibido, mas somente porque fazer excegdes a qualquer regra ética é uma praxe que leva a mais mal do que bem. Noutras palavras, 0 ato no & julgado por seu valor intrinseco © universal, ie., pela sua norma, mas, sim, pelos seus resultados. Até mesmo os utilitaristas das regras, portanto, no tém normas universais nos sentidos deontologico ¢ normativo adotados neste estudo.! Isto no quer dizer, naturalmente, que os utilitaristas nio tm absolutos. Podem ter ‘fins absolutos, mas no tém normas absolutas. Podem ter um resultado absoluto ou ulterior mediante © qual julgam todas as ages, mas ndo tém regras absolutas que capacitam as pessoas a concretizar este fim ulterior do maximo bem para o maior mimero de pessoas. A. Jeremy Bentham: 0 Utilitarismo Quantitative Os utilitaristas sdo os herdeitos dos hedonistas que acreditam que © prazer ¢ 0 sumo bem (Summum bonum) para 0 homem. Embora a expressdo popular "Comamos bebamos e nos alegremos” seja uma perversio daquilo que Epicuro ensinava, foram seus antigos seguidores epicuristas que propuseram a doutrina classica de que procurar © prazer fisico e evitar a dor fisica é 0 alvo principal da vida. 1. © Célculo do Prazer — Jeremy Bentham fez deste antigo célculo hedonistico do prazer a posigdo utilitarista, na sua Introduction to the Principies of Morais and Legislation (1789)' Conforme Bentham: "A natureza colocou a humanidade sob 0 governo de dois mestres soberanos: a dor ¢ o prazer, * ¢ cabe a cles somente indicar o que devemos fazer, bem como que faremos.” Estas agdes so resumidas no principio da utilidade, que afirma a posigdo: "que declara a maior felicidade de todos aqueles cujo interesse esti em jogo como sendo o fim justo e apropriado, ¢ somente Justo e apropriado e universalmente desejével, da agdo humana.” Em vista disso, "uma ago pode, pois, ser declarada conformavel com o prinefpio da utilidade... quando a tendéneia que tem para aumentar a felicidade da comunidade & maior do que qualquer tendéncia que tem para diminué-la."* Além disto: "quando sio assim interpretadas, as palavras deve, e certo, © outras desse tipo, tém um significado: seniio, no o tém."” Ou seja: nenhum ato © nenhuma palavra tem qualquer significado Gtico a parte das suas consequéncias. Tudo deve ser justificado pelo seu fim, i. se traz mais prazer do que dor. Mas como se justifica 0 proprio prinefpio da utilidade? Bentham responde que nfo € suscetivel 2 qualquer prova direta, "porque aquilo que & usado para comprovar tudo mais, no pode, ele mesmo, ser comprovado.” Os homens em todos os lugares naturalmente tendem a adotar © principio da utilidade, embora alguns o tenham rejeitado de modo inconsistente, No entanto, "quando um homem tenta combater 0 principio da utilidade, fé-o com razdes tiradas, sem que tenha consciéncia disto, daquele mesmo principio." Além disto, se um homem rejeita o principio utilitarista a favor de seu proprio sentimento, "em primeiro lugar, que pergunte a si mesmo se seu principio nio é despético, e hostil a todo o restante da raga humana," e "no segundo 34 lugar, se no ¢ andrquico, ¢ errado quanto ha homens?" 2. Calculando o Prazer — Se o prazer e 0 evitar a dor so 0 fim dos atos cticamente bons, entdo é razodvel perguntar como # pessoa deve medir quantidades relativas destes dois elementos. Bentham divide sua resposta em duas partes: para individuos e para grupos. Para uma pessoa individual o valor do prazer ou da dor em si serd determinado por quatro fatores: a intensidade, 2 durago, a certeza ou a incerteza, a proximidade ou a distancia remota, Dois outros fatores podem ser acrescentados ao considerar a tendéncia de um ato de produzir outros prazeres ou dores, viz., a fecundidade (i.e., a possibilidade de produzir outros do seu tipo) e a pureza (ie., as probabilidades de ndo produzir o tipo ‘posto de sensagao).!” Ao aplicar 0 céleulo do prazer a um grupo de pessoas, sete fatores devem ser considerados ao determinar o valor do prazer ou da dor, viz., a intensidade, a duragdo, a certeza ou a incerteza, a proximidade ou a distancia remota, a fecundidade, a pureza ¢ a extensdo (ie., 0 miimero de pessoas as quais se estende), Destarte, para fazer um céleulo final do bem de um ato para um grupo, deve-se determinar primeiramente quanto mais prazer do que dor dard para cada individuo, e depois somar todos estes. O saldo total do prazer sobre a dor dard a tendéncia boa e geral do ato. Se houver mais mal do que bem, entdo a tendéneia geral para o mal serd revelada."! Bentham reconhece que "niJo se deve esperar que este processo seja rigorosamente seguido antes de cada julgamento moral ou de cada operagdo legislativa ou judicial.""” ISTO, presume-se, & demasiadamente complexo, psicoldgica ¢ matematicamente, para ser prético. F a esta altura que a necessidade dalgum tipo de norma geral é mais Sbvia na posigao de Bentham, Se, pois, nfo se pode sempre calcular o saldo do prazer, como se pode determinar © modo da ago? A resposta torna-se mais explicita na posigio utilitarista do sucessor de Bentham, John Stuart Mill nesta base no ha tantos padrées diferentes do certo e do B. John Stuart Mil Hé pelo menos uma modificagdo e um desenvolvimento da posigio de Bentham trazidos a luz por Mill. A modificagdo tem a ver com o modo de se conceber 0 prazer (0 fim), ¢ desenvolvimento tem a ver com o modo das normas gerais poderem funcionar num contexto utilitarista 1.0 Prazer E Definido Qualitativamente — © calculo hedonista (ou 0 principio do prazet) de Bentham presta-se facilmente a uma interpretagdo materialista, Parece que esti falando do prazer e da dor fisicos, visto que sdo medidos pela intensidade e pels durago, Bentham procurou em anos posteriores suavizar as implicagdes hedonistas disto ao notar que "alegria" ov "felicidade” talvez sejam palavras melhores para descrever aquilo que queria dizer por “prazer"." ® Mesmo assim, nfo negava o modo materialista segundo 0 qual esta ‘elicidade” deve ser medida, nem 0 modo matemético de calculi-la, John Stuart Mill, do outro lado, argumentava que os prazeres sio diferentes no seu tipo, ¢ os prazeres mais altos devem ser preferidos aos inferiores. Os prazeres nao diferem ‘entre si meramente na sua quantidade nem na sua intensidade, Um deles é superior outro e mais valioso do que cle simplesmente porque a maioria das pessoas que ‘experimentam ambos decididamente preferem um ao outro. A raziio porque os seres humanos dio preferéncia marcante a alguns prazeres como sendo superiores & que tém faculdades mais altas do que os animais, "Nenhum ser humano inteligente consentiria em ser um tolo... ainda que fosse persuadido de que 0 tolo, 0 bobo, ou o velhaco, estejam mais satisfeitos com o seu destino do que ele com o |: O Utilitarismo Qualitativo 35 seu.” Realmente, diz Mill: "£ melhor ser um ser humano insatisfeito do que um porco satisfeito; melhor ser um Sécrates insatisfeito do que ser um tolo satisfeito.""* E se 0 tolo e 0 porco tém opinido diferente, diz Mill, € porque © porco conhece somente um ado da questo; 0 tolo conhece os dois lados. Em sintese, os prazetes cultos sio superiores aos prazeres incultos. Os prazeres intelectuais sdo superiores aos prazeres sensuais, e assim por diante. Ha uma diferenga qualitativa entre eles, e a pessoa & obrigada a buscar o tipo superior de prazer para 0 maior nimero de pessoas. Mais uma vez, porém, pode-se perguntar: Como se pode saber 0 que levard a efeito 0 méximo bem para 0 maior niimero de pessoas a nfo ser que haja algumas orientagdes ou normas para suas decisdes? Decerto, o individuo raras vezes, ou talvez nunca, tem condigdes de poder prever os resultados a longo prazo das suas ages. A resposta de Mill a esta pergunta leva & necessidade de normas. 2.0 Prazer E Determinado Normativamente — A posi¢io utilitarista no estd sem normas, Mill se refere 4 grande utilidade da norma da veracidade. "Mas, que até mesmo esta regra, por sagrada que seja, admite excegdes, € reconhecido por todos os moralistas.""* Ou seja, contar a verdade é uma regra geral, com algumas excegdes (e.g., & certo mentir para salvar uma vida), que pode guiar alguém para fazer aquilo que traré o méximo bem ao maior nimero de pessoas. Mill reconhece que nem sempre se pode caleular as consequéncias das suas ages precisamente por isso que regras € normas slo necessérias. A humanidade j teve tempo bastante para formular um "fundo” da experiéncia humana, ao qual a pessoa pode apelar para ajudé-la a calcular as consequéncias das suas agdes. "Durante todo aquele tempo, a humanidade tem aprendido pela experiéncia a tendéncia das ages," esereve Mill. E a nio ser que suponhamos que os homens so idiotas completos, "a humanidade deve ter adquirido, até esta altura , crengas positivas quanto aos efeitos dalgumas ages sobre sua felicidade." E "as crengas que assim foram transmitidas so as regeas da moralidade para a multidao, ¢ para o filésofo até que este tenha conseguido acher algo melhor."* Em resumo, ha "regras,", "crengas,” "e6digos,” etc. morais validos para guiar as decisdes humanas na direedo de aumentar ao méximo o bem na sociedade, mas nenhuma destas regras ¢ universal, Nenhuma delas esta isenta de excegio; todas clas devem ser quebradas em prol do principio da utilidade, ie., quando 0 bem maior esté correndo riseo. Porque " o cédigo tradicionalmente recebido da ética ndo possui de modo algum, direito divino." Admite melhorias indefinidas. "Mas considerar as regeas da moralidade como sendo passiveis da melhoria é uma coisa; passar por cima da generalizagao imediata (ie., "regras,” "eédigos,” ete.) inteiramente, ¢ procurar testar cada ago diretamente pelo principio elementar (da utilidade) é outra coisa diferente." '7 S6 porque hé somente um alvo ulterior (viz., a felicidade) em diree3o do qual toda moralidade ¢ dirigida, no quer dizer que nao possa haver muilas normas morais que nos dirigem em diregdo aquele ‘nico alvo. Significa, apenas, que estas muitas normas nio so absolutas e que quando entram em conflito, o conflito deve ser resolvido pelo principio utilitarista. H4 um s6 principio da moralidade, c todos os demais esto subordinados a ele. 3. O Problema Com as Excegées — Mill reconhece que sua posigio esta aberta a critica de que as excegdes as regras morais apresentarZo uma tentago no sentido de quebrar as regras morais, indiscriminadamente, pela suposta utilidade de assim se fazer. Sua resposta & dupla. Primeiramente, esta mesma critica pode ser feita contra todos os sistemas de moral. "No € culpa do credo, mas, sim, da natureza complicada dos negécios humanos, que as regras da conduta no possam ser feitas de tal mancira que no requciram excegao alguma..." E "no hé credo ético algum que no 36 tempere a rigidez das suas leis ao dar uma certa latitude... para a acomodagdo as peculiaridades das circunstancias; e sob todos os eredos, na abertura assim feita, 0 auto- engano ¢ a casuistica desonesta conseguem entrar.""* O utilitarista, nio mais do que outros moralistas, deve veneer o abuso das excegdes mediante o intelecto ¢ a virtude. O utilitarista tem um padrdo de moralidade, e embora a aplicagao dele seja dificil, & melhor do que no ter padrdo algum. "Ao passo que noutros sistemas todas as leis morais reinvindicam autoridade independente, no ha Srbitro em comum que tenha 0 direito de interferir entre elas.""? Em segundo lugar, Mill reconhece que as excegdes devem tanto ser reconhecidas como excegdes, quanto ter seus limites definidos. As razGes para isto, diz ele, sao que as excegdes no sejam multiplicadas além da real necessidade delas, © que nfo enfraquecam a confianga das pessoas na regra geral.”? Mill meramente menciona estas consideragdes, sem elaborar sobre elas Outros utilitaristas adotaram uma abordagem alternativa 4 de Mill, ¢ argumentaram em prol de regras morais sem excegdes, ou pelo ‘menos regras, embora no sem excegdes em si mesmas, que nunca devam ser quebradas por razBes militaristas. C. G. E. Moore: Regras Gerais e a Obediéncia Universal Os utilitaristas tratam do problema de "excegdes" de duas maneiras bisicas. Os utilitaristas dos atos sustentam que cada ato ético em particular deve ser julgado pelas suas consequéncias. Logo, pode haver ex 2 qualquer regra ou norma étiea que, num caso especifico, justificaria a quebra dela. Os utilitaristas das regras, do outro lado, argumentam que as regras nunca devem ser quebradas (a niio ser que haja conflito entre elas), visto que as consequéncias de quebrar regras so mas. A posigdo de G.l2, Moore, em certos aspectos, parcee combinar um pouco de cada um destes pontos de vista 1. As Regras Sao Apenas Geralmente Validas — Segundo Moore, a asseveragio: "Estou moralmente obrigado a realizar este ato,” significa: "Esta ago produziri a quantidade maxima de bem no Universo.” Ou seja: os resultados dos atos determinam sua moralidade. Além disto, "no que diz respeito, pois, aos julgamentos Sticos que asseveram que certo tipo de ago é bom, como meio para atingir certo tipo de eftito, nenhum ser’ universalmente verdadeiro: e muitos, embora sejam geralmente verdadeiros em certo periodo, serdo geralmente falsos noutros periodos... Logo, nunca poderemos ter direito a mais do que uma generalizacdo — a uma proposigo que tenha a forma ‘Este resultado geralmente segue este tipo de agio;' © até mesmo esta generalizagdo somente seri verdadeira se as circunstincias segundo as quais a ago ‘corre forem geralmente iguais."”! As regras e as normas sdo geralmente uteis mas nio sio realmente universais De fato, as regras éticas nfo sfo realmente categéricas mas, sim, revelam-se somente hipotéticas. Estdo dizendo que se agirmos desta maneira nestas circunstancias, entGo resultard, provavelmente, 0 maior bem, Mas visto que outras circunstincias podem interferir, ndo € possivel saber isto com qualquer coisa mais do que uma probabilidade. Assim, portanto, "uma lei ética tem a natureza, nfo de uma lei cientifica, mas, sim, de uma predicdo cientifica; ¢ esta Ultima & sempre meramente provavel, embora a probabilidade talver. seja muito grande." Nao se pode saber, por exemplo, que © assassinato universalmente errado, visto que "na realidade, somente observamos seus bons efeitos sob certas circunstincias; ¢ pode facilmente ser visto que uma alterago suficiente destas tomaria duvidosas aquelas que parecem ser as mais universalmente certas das regras gerais." Destarte, a desutilidade do assassinato poderia ser comprovada somente se a maioria da raga humana persistir em acreditar que a vide vale a pena. "A fim de comprovar que 0 assassinato... ndo seria bom como um meio, 7 teriamos de comprovar falso argumento principal do pessimismo — ou seja: que @ existéncia da vida humana é, de modo geral, um mal," Destarte "quando... dizemos que © assassinato deve, de modo geral, ser evitado, somente queremos dizer que & assim, enquanto a maioria da humanidade certamente no concordar com cle, mas, sim, persistir em viver.” No entanto, enquanto a maioria dos homens continua a dar valor & vida, a consideragdo ética de que "de modo geral é errado, para qualquer individuo, cometer o assassinato, parece capaz de prova." © mesmo se aplica a outras regras tais como a temperanga ¢ a guarda das promessas.”” ‘A castidade, semelhantemente, é somente uma regra geral cuja utilidade universal depende de certas condigdes que so consideradas necessarias para a conservagao da sociedade. Por exemplo, ¢ usualmente pressuposto que a castidade seja necesséria para evitar os cidmes conjugais e para preservar 2 afeigdo paterna, e que estas duas condigSes sejam necessérias para conservar a sociedade. "Mas mio é dificil imaginar uma sociedade civilizada existindo sem elas." Logo, a castidade € apenas uma regra geral e condicional que poderia ser deixada se a sociedade pudesse sobreviver sem cla.”? 2. Algumas Regras Gerais Nao Deveriam Ser Quebradas — Apesar do fato de que as normas morais so apenas regras gerais que tém excegdes individuais, Moore argumenta que o individuo nunca deve desobedecer a uma regra que a maioria dos homens considera verdadeira de modo geral. Cita as seguintes razdes Primeiramente: "se for certo que numa grande maioria dos casos a observncia de uma certa regra é itil, segue-se que hi uma grande probabilidade de que seria errado quebrar a regra em qualquer caso especifico." Além disto: "a incerteza do nosso conhecimento tanto dos efeitos quanto do seu valor, em casos especificos, é tio grande que parece duvidoso se o julgamento do individuo de que o efeito provavelmente seré bom no caso dele poderd, em qualquer caso, ser colocado contra a possibilidade geral de que aquele tipo de ago é errado." Além disto, "acrescentando esta ignordncia geral, hi 0 fato de que, se a questo surgir alguma vez, nosso julgamento serd geralmente tendencioso por causa do fato de que fortemente desejamos um dos resultados que esperamos obter por meio de quebrar a regra." Tendo em vista estes fatores, "parece, portanto, que no que diz respeito a qualquer regra que € geralmente itil, podemos asseverar que sempre deve ser observada," escreveu Moore, "Nao pelo motivo de que, em cada caso especilico sera Util, mas pelo motivo de que em qualquer caso especifico a probabilidade de que sera assim € tanto maior do que aquela de nés termos a probabilidade de decidirmos corretamente que temos diante de nés, um exemplo da sua inutitidade... Em resumo: embora possamos ter certeza de que haja casos em que a regra deva ser quebrada, nunca podemos saber quais sfio aqueles casos e, portanto, nunca devemos quebré-la.""* Mesmo que alguém percebesse claramente que no seu caso a quebra da regra seria vantajosa, apesar disto, a medida em que semelhante ago de quebrar regras tende a encorajar outras quebras desvantajosas da regra, tem um efeito mau. Porque "nos casos .. em que 0 exemplo tem alguma influéncia, o efeito de uma agdo certa, excepeional, geralmente seré encorajar ages erradas.” Segundo Moore, a logica disto deveria ser levada até mais um passo adiante. Pois "é indubitavelmente bom castigar um homem que cometeu uma agdo, correta no caso dele, mas geralmente errada; mesmo que seu exemplo nao tenha a probabilidade de ter um efeito perigoso. Porque as sangdes (castigos) tém, de modo geral, muito mais influéncia sobre a conduta do que 0 exemplo; de modo que o efeito de relaxé-las num caso excepeional quase certamente seré um encorajamento da agao semelhante em casos que nao so excepcionais.""> Deve ser notado que a posigdo supra de que a pessoa deve sempre obedecer regras que reconhecidamente so apenas geralmente apliciveis ¢ limitada somente Aquelas regras ou normas que, segundo se sabe "com certeza", tém utilidade geral. Fm casos em 38 que ha "divida" da utilidade geral de uma regra, parece que Moore concorda com uma abordagem utilitarista dos atos. "Parece", diz ele, "que, em casos de diivida, ao invés de seguir as regras, das quais é incapaz de ver os bons efeitos no seu caso especifico, 0 individuo deve, pelo contrério, orientar sua escolha para uma considerago dircta do valor intrinseco da vileza do efeito que sua ago pudesse produzir."”* Em qualquer eventualidade, no hi ages ou tipos de ago que realmente sio universalmente errados; hi apenas algumas coisas que so geralmente erradas, que @ pessoa deve (por razdes utilitaristas) evitar universalmente, Destarte, hd pelo, menos duas maneiras segundo as quais a posigdo de Moore nao fornece quaisquer normas verdadeiramente universais. Primeiramente, as normas que alguém deve sempre seguir nio representam atos que sdo realmente universalmente certos ou errados, mas somente aios que so geralmente errados, Em casos especificos, uma excego pode ser Jjustificada, Mas visto que traz mais mal do que bem, alegar que qualquer determinado ‘caso & qualificado como excegdo legitima segue-se que a regra nunca deve ser quebrada Em segundo lugar, as regras gerais de Moore, que sempre devem ser obedecidas, no jo realmente universais normativas num sentido categorico, visto serem normas Jjustificadas somente pelos seus resultados. Nao sto deontolégicas. Ndo representam tipos de agdes com valor intrinseco.”” Moore é muito claro em sustentar que nenhum ato tem valor intrinseco: todos os atos devem ser julgados pelos seus resultados.”* D. John Austin: Nenhuma Regra Geral Deve Ser Quebrada No utilitarismo das regras de John Austin, a questo das regras "inquebriveis" & levada a um passo adiante em comparagao com G. E. Moore. Moore argumentava apenas que algumas regras nunca devem ser quebradas, por causa da sua utilidade geral € porque a pessoa nao poderia ter certeza de que seu caso fosse uma excegao legitima, ¢ ainda que fosse, outras mas consequéncias ¢ més influéncias, que a contrabalangariam, resultariam fazer dela uma excegdo, Austin, do outro lado, argumenta que regtas acerca de uma classe de agdes, quando praticadas de modo geral, trouxessem bons resultados, ‘nunca deveriam ser quebradas. LAs Regras Sao Justificadas pelos Resultados Gerais — A posicdo de Austin & decididamente utilitarista porque a justificativa para guardar as regtas & apenas, os bons resultados que a guarda das regras traz. Diz: "Nossas regras seriam formadas da utilidade; nossa conduta sobre nossas regras.." De acordo com 0 ponto de vista de Austin, "nossa conduta se conformaria com regras inferidas da tendéncia das agdes, mas ndo seria determinada por um apelo direto a0 principio da utilidade geral." Ou seja: "a utilidade seria o teste da nossa conduta, em iiltima andlise, mas ndo imediatamente.""" As regras so justificadas se conservi-las traz, ‘um bem maior e/ou se quebré-las traz um mal maior para a sociedade. As regras, no entanto, no dizem respeito a atos especificos ou individuais, mas, sim, a classes ou tipos de atos, 2.A Guarda Universal das Regras E Justificada pelos Resultados Gerais — Cada ato individual ndo deve set justificado por seus resultados especificos, como no caso do utilitarismo dos atos. Mas a classe inteira de atos daquele tipo é julgada pelos resultados que atos daquele tipo trazem, Conforme a declaragdo de Austin: "Se quisermos testar a tendéncia de um ato especifico ou individual, nao devemos contemplar o ato como se fosse individual e isolado, mas, sim, devemos examinar a classe de atos a qual pertence.” Além disto, "devemos supor que atos da classe eram geraimente praticados ou omitidos, e considerar 0 eftito provavel sobre a felicidade ou bem geral..” Pois "a conclusdo particular que tiramos, a respeito do ato individual, subentende uma conclusio geral que abrange 39 todos os atos semelhantes."*” A mica excegdo a isto é quando as regras entram em conflito ou quando um ato especifico nao se encaixa em regra alguma. Austin dé certo nimero de exemplos da sua posigdo. Um pobre no deve furtar do sevvizinho rico pelo motivo da utilidade deste ato especifico (conforme diria um utilitat dos atos), porque se o furto fosse generalizado, o efeito sobre 2 sociedade seria desastroso. Nem sequet alguém deve evitar o pagamento de um imposto para dedicar o dinheiro a alguma boa causa, pois "o pagamento regular dos impostos é necessério para a existéncia do governo, F eu, como 0 restante da comunidade, desfruto da seguranga que ela da, porque 0 pagamento de impostos é raramente evitado.""" De modo semelhante, o castigo de um individuo como um evento solitério pode fazer mais mal do que bem. "Mas, considerado como parte de um sistema, um castigo & Util ou beneficente. Com uma dezena ou uma vintena de castigos, milhares de crimes sio evitados.""* Ou seja: 0 castigo individual & justificado pelos bons resultados das ptdticas gerais. Excegdes nfo devem ser feitas porque os resultados gerais de desobedecer a regras gerais so geralmente maus. Il © GENERALISMO AVALIADO Ha algumas vantagens no generalismo bem como algumas desvantagens. Mencionemos em primeiro lugar 05 aspectos positivos da abordagem generalista ds normas éticas. A. Alguns Valores do Generalismo Os valores do generalismo variam com suas varias representagdes. Mas, entendidos como um todo, hi pelo menos trés deles que dizem respeito ao estudo normative empreendido aqui. Primeiramente, oferece uma possivel solugdo para normas conffitantes. Em segundo lugar, 0 generalismo reflete uma necessidade de normas Finalmente, alguns generalistas até mesmo argumentam em prol de normas "inquebriveis." 1. Uma Solugao para as Normas Conflitantes — Uma posicdo generalista nio oferece uma solugo para nosso problema paradigmatico (ver o primeiro capftulo) do que se deve fazer quando hé um conffito de dever, assim como entre contar a verdade ¢ salvar vidas. Para alguns generalistas, pois, ndo ha regras universais que realmente ndo tenham excegao. Na melhor das hipéteses so apenas normas que podem ser quebradas se a ocasido assim o exigir. Desta maneira, mentir para salvar uma vida pode ser certo, embora a mentira seja geralmente errada, Hé um s6 fim absoluto (0 maximo bem) ¢ todos os meios (regras, normas, etc.) so relativos Aquele fim. Qualquer caso determinado quando hi um conflito de meios ou normas, pode ser resolvido por um apelo direto ao fim utilitarista. Se, nesta situagd mentir seria mais aitil ou vantajoso para a maioria dos homens, entdo se deve mentir. Conforme jé foi mencionado, a solugdo generalista ndo nem antinomista nem situacional. Os antinomistas, pois, reconhecem o valor de ndo se ter norma alguma, nem sequer normas gerais. E 0 situacionismo (do tipo de Fletcher) alega ter uma s6 norma absoluta, ao passo que os generalistas ndo alegam norma absoluta alguma, Naturalmente, © generalismo tem um fim absoluto que funciona como uma norma a0 ajudar a determinar um dado modo de ago quando hé um conflito entre normas gerais, Tecnicamente, no entanto, o maior bem pata o maior nimeto nao é considerado pelos generalistas como sendo uma norma mediante a qual o melhor fim pode ser atingido, mas, sim, é 0 proprio fim, em consideragdo do qual a melhor norma deve ser escolhida 40 Destarte, 0 generalismo ¢ uma posig3o mediadora, evitando a posigdo de nenhuma norma ¢ oferecendo uma reconciliagao quando hé um conflito entre normas aceitas. 2.A Necessidade das Normas — 0 generalista reconhece a necessidade das normas. Até mesmo os fins utilitaristas precisam de meios normativas a fim de serem atingidos. Deve haver uma mapa das estradas para chegar-se ao alvo final. Os fins morais ndo se atingem por Si proprios. Hé uma necessidade evidente de critérios para orientar a conduta das pessoas, E um erédito para os utilitaristas que recomheceram que sem normas ou outras bases normativas tiradas do fundo da experigneia humana no hé maneira de determinar os resultados das acdes da pessoa, a longo prazo, Ou seja: tém consciéneia do fato de que, na auséncia de poderes de predigdo, os homens devem apelar a principios que, segundo se sabe, produzem bons resultados ao serem seguidos. GE. Moore argumentou que, tendo em vista 0 fato de que a pessoa ndo conhece 0 futuro distante, deve pautar sua a¢do com base no futuro conhecido, a curto prazo, supondo que serio os mesmos. Mas reconhece francamente que esta € uma posigio no comprovada, Acrescenta: "Ser aparente que ainda nunca foi justificada — que nenhuma razo suficiente tem sido achada até agora para considerar uma agdo mais certa ou mais errada do que outra (por meio dos resultados.)"* Tendo em vista este fato, € compreensivel que o utilitarista apele a normas para salvar sua posigdo de entrar em colapso, 3.Uma Norma “Inquebravel" — Outros generalistas oferecem um argumento em prol de regras ou normas que nunca devem ser quebradas. Embora reconhegam, que hi casos excepcionais que, isoladamente, pudessem justificar a quebra de uma regra geral, oferecem argumentos praticos para nunca quebrar uma regra, tal como salvar vidas, guardar promessas, etc. (a ndo ser, naturalmente, que haja um conflito de normas). O proprio desejo de ter normas relevantes ¢ inquebriveis para a conduta & um aspecto recomendavel da ética deles. E um reconhecimento das muitas dificuldades de uma abordagem excepcionista no nivel pratico. Além disto, os generalistas ndo so relativistas completos. Tém um absoluto, ainda que nem sempre seja considerado uma norma absoluta. & um fim absoluto e é usado por eles para discernir entre seus meios relativos. Na realidade, sem um fim absoluto dificil ver como generalistas poderiam, ou justificar sua escolha entre os meios, ou como poderiam argumentar que algumas regras nunca devem ser quebradas. Porque se no houver critério ulterior para decidir sobre estas questdes, entio como um relativo poderia ser escolhido em preferéncia a outro? Colocar na ordem de preferéncia ages separadas conforme o valor intrinseco nfo € algo que os generalistas (da marca utilitarista) tendem a fazer, pois € contrério sua premissa de julgar as coisas pelo seu valor extrinseco (viz., utilidade). B. Algumas Insuficiéncias do Generalismo A despeito dalgumas coisas positivas que possam ser ditas a favor do generalismo, ha alguns pontos sérios com a posigdo. Em primeiro lugar, nunca realmente chega a uma norma universal. Em segundo lugar, néo & normativo num sentido intrinse Finalmente, evidencia anecessidade de uma norme (ou normas) absoluta(s). 1.0 Generalismo Nao Tom Normas Universais — Hé uma nitida diferenga entre uma norma geral, qual, por razdes praticas, sempre se deve obedecer, € ‘uma norma verdadeiramente universal que é sempre intrinsecamente certo segui- 1a, Fsta titima representa um ato intrinsecamente bom (que seri discutido na préxima critica), mas 0 generalista somente oferece normas que tém uma extensio menos do que universal. Hé sempre excegdes inespecificaveis, ou casos que no a1 so abrangidos pela regra por causa da sua utili regra nao é essencialmente inquebravel Em sintese, se alguém esté procurando normas relevantes para a conduta, as quais sempre deve seguir porque o orientardo na pritica de atos que sempre slo a coisa certa para se fazer, entdo soffera uma decepcao no generalismo, O melhor que um generalista pode oferecer é um jogo de regras gerais que nem abrangem todos os casos nem deixam. de conflitar entre si, e para as quais, a fim de que sejam eficazes, deve-se possuir algum outro meio de aplicd-las em casos especificos ¢ frequentemente cruciais, 2.Atos Utilitérios Nao Tém Valor Intrinseco Algum — Outra critica pode ser feita aos generalistas utilitaristas, viz., que as normas que tém no representam qualquer ato com valor intrinseco. A tentativa de salvar uma vida, e.g., nao & um ato intrinsecamente valioso. Tem valor somente se a pessoa é realmente salva ou se algum outro bem aévém da tentativa fitil. De acordo com a premissa utilitarista, uma oferta de caridade que nunca chega aos pobres ou um ato de bondade para 0 qual ndo hé resposta favordvel nao & um ato bom. Na realidade, nenhum ato em si mesmo e por si s6 € bom, a no ser que o bem resulte dele. F nenhum ato moralmente certo a no ser que traga o méximo bem para o méximo mimero de pessoas. Nenhuma benevoléncia, nenhum sacrificio, nenhum amor tem qualquer valor a no ser que venha a ter bons resultados. E, inversamente, se um ato levar a efeito o bem, é um ato bom, quer tenha sido esta a inteng Destarte, a posigao utilitarista reduz o valor ético dos atos aos destinos e fortinios da vida. Tudo ests bem quando termina bem. E o que termina bem é bom. Isto significaria que as intengdes das ages da pessoa nao teriam qualquer conexio essencial com o bem daquelas ages. Presumivelmente, alguém poderia desejar e por em pratica ‘uma mé ago que, pelo acaso, acabasse dando um bom resultado, e seria creditado com. a pritica de uma boa ago. Decerto, 0 acaso e a moralidade nfo convivem em proximidade tao estreita."* 3.A Necessidade de Uma Norma Absoluta — Nao é possivel_ manter consistentemente um grupo de normas gerais que podem entrar em conflito, ¢ entram mesmo, sem ter uma norma absoluta mediante a qual o conflito possa ser resolvido, Este argumento parece ser evidenciado pela necessidade, entre generalistas utilitaristas, de apelarem ao fim para resolver 0 conflito entre as normas. Mas quando o fim ¢ usado assim, cumpre uma fung’o normativa. © fim (viz., 0 maior bem) fica sendo o meio de determinar quais meios serdo os melhores pura atingir o fim, Nao somente hd um argumento claramente circular em apelar assim ao fim, como também ha uma necessidade dbvia de um principio ulterior para resolver a tensio entre os principios e normas menos-que-ulteriores. Colocando a ligo noutros termos, as normas relativas ndo ficam sozinhas. Dever, ser relativas a alguma coisa que ndo seja relativa, Destarte, a no ser que haja uma norma no relativa pressuposta, as normas relativas no podem funcionar. Noutras palavras, as normas gerais pressupSem uma norma ou normas universais. Se 0 nimero de normas absolutas ou universais deve ser um, ou muitos, seré discutido nos préximos quatro capitulos, Basta-nos notar agora que deve haver pelo menos uma norma veraz em todas as condigdes, se & que as demais normas hio de ser verazes em quaisquet condigdes. jc geral, mesmo assim, a propria Leituras Sugeridas Bentham, J. Introdugao aos Principios da Moral e da Legislacdo Mill, J.S. Utilitarismo Moore, G. F. Principia Ethica 42 ISN NOTAS DE RODAPE 21st oepcuunn, ver Epica, Da Nanrena,fgmentos ex Dilgenes Lat, Vides ¢ Opinio de Fsofos Eminent, a KD. Hck (Camldge: Harvard Universty Pros, 1980), ($1; ou ou o pout, Loti, Da Naturesa das Cotas em 4 Flosofa Greg e Romane Depos de Ariss ed Jason. Saunds (Naya York: Calit-Maclln Line, Lodzes), 1968 5 Nowa igo, Onfor, 1823 bid, Capital Cepia xii 1,5 6.10.1, Captulo TV, 0353, Litid, CopinoF¥,¥,5 6 1 Segundo ota ttre jut de 1822, opt Jb Sur él, Utara, leanspois Bobbie Merl, 1957, ‘sid bi. inhi 21GE. Mose, Principia Bia (Cambridge University Pres, 1958), 116 (pg. 22). patti, V9 38 gn 154159) Beth V.96 ps. 158, Dati hie pbe 22) V, 9 pes. 154155, 25h V, 99 pigs. 105,180, Debi V99 (pag 156, 2T-Alem eso csastepas gti sempre deve ser obdedas se so geaieatobsertadas © geramste Gis. Se qualgur dees asus ou ambos) deta de ser rea Togo, as Fors pede ua fae to prvisu Sempre sr obeecins. CL op, V,99 (RAR 1a) IRibid, CF V, 92, 9,104, 105 2 Jon Aus, The Provines0forispadence Determined (Lndce: Weed and Nico, Ld 1954) pig. 47; pend SUdbid ps 47,48 S10 pe 32d, pig 4. 3 Mnere, Principia Bia, V,93 (pe. 152) O Situacionismo: Ha Uma Norma Universal De modo contrério aquilo que a palavra "situacionismo" talvez parece subentender, ela no é usada aqui para representar uma ética completamente sem normas. Conforme um dos seus proponentes mais vigorosos, Joseph Fletcher, 0 situacionismo esti localizado entre os extremos do legalismo ¢ do antinomismo, Os antinomistas no tém leis, os legalistas tém leis para tudo, ¢ 0 situacionismo de Fletcher tem uma s6 lei. 1. O SITUACIONISMO EXPLICADO. Visto que o situacionismo reivindica a lealdade a uma sé norma inquebrivel, seré tratado aqui como um absolutismo de uma sé norma. Isto porque, conforme Fletcher, sua posi¢o nem é um relativismo sem Ici, nem um absolutismo legalista, Nao tem leis para tudo , ¢ ndo diz que nao ha lei para coisa alguma, Pelo contrério, argumenta que hi ‘uma sé lei para tudo, a lei do amor. 43 A. Evitando Dois Extremos: 0 Legalismo e o Antinomismo Fletcher teme tanto a direita radical quanto a esquerda radical na ética. Mesmo assim, a posigdo dele cede mais facilmente a critica de que ela, também, ndo pode ser distinguida do antinomismo.’ Entre estes dois polos, procura fixar firmemente uma so norma absoluta que possa ser aplicada a qualquer situaglo etic: 1. 0 Legalismo: A Lei Sobre 0 Amor — O legalista ¢ aquele que entra em cada situagdo de tomada de decisées sobrecarregado com um fardo de regras © regulamentos predeterminados. Para ele, a letra da lei, ndo o espirito da lei, prevalece Os fariseus pés-macabeus so apontados como exemplo clissico do legalismo. Com suas 613 (ou 621) leis, estavam armados de antemio para qualquer situagZo moral Tinham um manual predeterminado e preceituado para a moralidade. Juntamente com o Judaismo, Fletcher classifica o catolicismo elissico bem como o protestantismo clissico como legalistas, embora o judafsmo seja menos do que os dois ditimos. Os judeus apedrejavam os homossexuais ¢ a Igreja os queimava, diz Fletcher.’ Ambos estavam colocando a lei sobre 0 amor. O legalista acredita no amor ao dever; o situacionista sustenta o dever do amor. 20 Antinomismo: Nenhuma Lei e Nenhum Amor — No outro extremo do especiro ético, Fletcher localiza os antinomistas, que so perfeitos libertinos sem norma alguma. Cada uma das suas decisSes morais é espontinea e sem principios, baseada na situago do ali ¢ entdo. Alguns antinomistas alegam ter uma consciéncia clarividente, um tipo de Introspec¢o moral direta do certo e do errado. Como exemplos do ponto de vista antinomista, Fletcher alista os libertinos do Novo Testamento, com sua falta de lei, os gnésticos primitivos com seu ‘conhecimento especial," 0 movimento moderno do Rearmamento Moral com seu “poder espiritual”, e 0 existencialismo de Jean Paul Sartre (discutido supra, no capitulo dois). que hé de comum em todos estes pontos de vista, diz Fletcher, € 2 rejeigdo de todas as regras morais, até mesmo aquelas que so geralmente vilidas. Nenhuma norma ¢ accita, nem sequer uma norma do amor. Do ponto de vista de Fletcher, 05 antinomistas jogam fora o nené ético (do amor) juntamente com a agua legalista do banho.* °O Situacionismo: O Amor Acima da Lei — Entre estes opostos polares das leis legalistas para tudo, e a falta antinomista de leis para coisa alguma, Fletcher postula seu absolutismo situacional de uma Tei para tudo. O situacionista entra em toda batalha ética armado com uma s6 arma moral — 0 amor. "Somente 0 mandamento do amor é categoricamente bom." Toda oulra decisio ¢ hipotética, viz., faga isto se for coisa amorosa. "Estamos ‘obrigados’ a contar a verdade, por exemplo, somente se a situagdo assim exige; se alguém que quer ser assassino pergunta onde esta sua vitima, nosso dever pode ser mentir." No que diz respeito a outras regras morais, so tteis mas nfo inquebriveis. O ‘nico imperativo ético que a pessoa tem é este: "Aja responsavelmente com amor.” Literalmente "tudo o mais, sem exceyao, todas as leis e regras, e principios, ¢ ideais © normas, so apenas contingentes, somente vélidos se acontece de servirem ao amor em situacionista tem uma s6 lei (0 amor dgape), muitas regras gerais (sophia) que sto mais ou menos fidedignas, ¢ o kairos ou momento especifico da decisio "em que 0 préprio-eu responsavel na situagdo decide se a sophia pode servi ao amor ali, ou no.” Os legalistas fazem da sophia, um idolo, os antinomistas a repudiam, ¢ os situacionistas fazem uso dela,” escreve Fletcher.” A solidificagao destas regras geralmente validas em normas absolutas é legalismo, ¢ a rejeigdo de todo o valor delas ¢ antinomista, 4a Ha, pelo menos, duas razdes bésicas para a accitagdo de apenas uma norma universal. Primeiramente, os universais no podem ser derivados pela dedugdo doutros universais, como os “axiomas do meio” — nio se pode ter um ndo-derivado. Em segundo lugar, cada situ ente de cada outra situago que levanta uma davida séria se uma regra que se aplica a uma situa¢do pode ser aplicada a todas as situagdes como ela (as outras talvez no sejam realmente como ela). Somente 0 axioma ou norma tinica do amor & suficientemente amplo para ser aplicado a todas as circunstincias e a todas 0s contextos, B. Propondo as Pressuposigées Conforme Fletcher, hé quatro principios funcionais do situacionismo. F. pragmético, relativista, positivista, e personalista. Ao aleger que seu ponto de vista & assim, no pretende que concluamos que é totalmente relativista e no-normativo. Quer dizer, pelo contririo, que dentro do arcabougo desta norma absoluta do amor tudo 0 mais € pragmitico, relativo, ete. 1.0 Pragmatismo — Por uma abordagem pragmitica, que conscientemente inspirou o livro de Fletcher, quer dizer que "o correto é apenas aquilo que ¢ itil em nossa maneira de comportar-nos.”” E aquilo que "funciona" ou "satisfiz" em prol do amor. Ele quer colocar 0 amor a trabalhar a fim de fazé-lo bem sucedido e realizar "seu valor em dinheiro." A abordagem pragmética somente tem desdém para as solugdes abstratas e verbais aos problemas éticos; procura, pelo contririo, respostas concretas e priticas. 2.0 Relativismo — I1é um s6 absoluto; tudo o mais é relative a ele, "Assim como a estratégia é pragmética, as titicas sdo relativistas." 0 mandamento divino do amor € imutivel no seu por que, mas contingente no seu 0 que © como especiticos. "O situacionista," escreve Fletcher, "evita palavras tais como ‘nunca’ e ‘perfeito' e ‘sempre’ e ‘completo’ assim como evita a peste, como evita ‘absolutamente,'" Naturalmente, ¢ impossivel ser "absolutamente relative.” "Deve haver um absoluto ou uma norma dalgum tipo se é que deve haver qualquer relatividade verdadeira... No situacionismo cristdo, conforme veremos dentro em breve, é 0 ‘amor agdpico.' "'° Mas os cristéos devem constantemente lembrar-se de que tudo o mais & relative a esta tinica norma 3.0 Positivismo — Uma posicdo positivista, em oposicéo a um ponto de vista naturalista, sustenta que os valores sio derivados voluntariamente e no racionalmente, O homem decide sobre seus valores; ndo os deduz da natureza. ‘Também é chamado "emotivismo" porque considera-se que os valores morais so expressées dos sentimentos mais do que preceitos para sua propria vida." Uma ética positivista ou emotiva coloca a arte ¢ a moralidade no mesmo arraial — as duas exigem uma decisdo ou um "salto" da f&, As declaragdes éticas ndo procuram a verificac3o; procuram 2 justilicago. * E somente na tinica forma do amor cristo € que todas as outras expresses morais acham sua justificagao ulterior. 4.0 Personalismo — Os valores morais nfo’ sio apenas 0 que as pessoas expressam; as pessoas so os valores morais ulteriores. Nao hd coisas inerentemente boas; somente as pessoas so inerentemente valiosas, O valor somente "acontece" ds coisas. As coisas sio de valor apenas para as pessoas. "AS coisas devem ser usadas; as pessoas deve ser amadas. "’ O inverso disto, que é amar as coisas e usar as pessoas, & a perversdo da moralidade, Segundo Fletcher, considerar que somente as pessoas tém valor intrinseco & aquilo que Kant queria dizer ao tratar as pessoas sempre como fins e nunca como meios. Este, pois, & 0 45 significado do amor, viz., fazer tudo relacionar-se com o bem das pessoas, pois somente elas sdo boas como tais Em sintese, o situacionismo & uma ética com uma estratégia pragmédtica, com uma filica relativista, uma atitude positivista, © um centro personalista de valores. uma ética com um 6 absoluto em comparacdo com o qual tudo o mais é relativo, e que & dirigida para o fim pragmético de fazer 0 bem as pessoas. C. Explicando as Proposigées ‘A posigdo situacional pode ser explicada por suas proposigdes bisicas. Cada proposicio @ uma elaborac3o daquilo que significa viver situacionalmente com uma s6 norma absoluta: o amor. A discussio aqui seguira a ordem dada por Fletcher. 1. "Somente uma ‘coisa’ é intrinsecamente boa: a saber: 0 amor: e nada mais" — o realista argumenta que Deus determina alguma coisa porque é boa. Fletcher segue os voluntaristas (tais como Scoto, Occam) que dizem que alguma coisa & boa porque & da vontade de Deus. Nada é bom em si sé e por si sé. E bom somente se ajuda as pessoas, ¢ mau se danifica as pessoas. A pessoa que esti "achando" o valor pode ser divina ow humana, mas somente as pessoas — Deus, 0 proprio-eu, o proximo — determinam que algo ¢ valioso, Nenhum ato tem valor intrinseco. Obtém seu valor somente 4 medida em que se relaciona com as pessoas. A parte de ajudar ou lesar as pessoas, todos os atos éticos esto destituidos de significado. Todo 0 valor, o bem, a bondade e 0 certo sio predicados, nio propriedades. Podem ser predicados das pessoas, mas ndo so coisas reais em si mesmas. Deus ¢ bondade amor; todas as outras pessoas meramente ‘ém ou praticam 0 bem. Q amor é uma atitude, no um atributo. O amor & algo que as pessoas dio ¢ algo que somente as pessoas devem receber, porque somente as pessoas tém valor intrinseco. De fato, segundo Fletcher, a imagem de Deus no homem niio ¢ a razo, mas, sim, 0 amor. © amor e 2 personalidade se constituem na semelhanga caracterfstica entre os homens ¢ Deus. i! por isso que a tinica coisa humana com valor intrinseco 6 0 amor — torna o homem semelhante a Deus. © outro lado da proposigdo de que somente a benevoléncia (0 amor) & inerentemente boa, é que somente a malevoléneia é intrinsecamente md, Para Fletcher, no entanto, o anténimo do amor nao é 0 édio (que realmente & ums forma pervertida do amor); 0 oposto do amor & a indiferenca. O édio, pelo menos, trata 0 outro como um tu ou pessoa, A indiferenga considera as outras pessoas como coisas neutras. Desconsiderar totalmente outra pessoa ¢ suas necessidades & despersonalizi-la. & pior do que alacé-la, porque um ataque pressupde que 0 alacante considera a outra pessoa como uma pessoa que vatha a pena atacar. Fletcher opde-se a chamar alguns atos de males menores e, portanto, desculpéveis, ‘A mentira de um espio, por exemplo, nao é errada de modo algum. "Se uma mentira for contada em amor, é boa ¢ certa." Nao é um mal desculpével; é um bem positivo. "Se © amor aplica um veto a verdade, assim seja.""* Tudo quanto a pessoa deve fazer pelo amor € bom, porque somente 0 amor ¢ intrinsecamente bom, nenhuma outra coisa é boa Scja qual for a coisa amorosa para se fazer numa determinada situaglo é a coisa certa para se fazer, ainda que envolva o suicidio sacrificial sob tortura para evitar trair os camaradas ao inimigo. 2. "A norma predominante da decisao cristd 6 o amor: nada mais.’ —O Amor substitui a lei. O espirito substitui a letra, "Seguimos a lei, se a seguimos, or causa do amor." No se segue 0 amor por causa da lei; segue-se a Tei somente por causa do amor. Tradicionalmente, os homens acreditavam que observavam 0 amor a0 obedecerem a lei, porque os dois eram idénticos. Mas o amor ea lei as vezes entram em 46 conflito, e quando assim acontece, é a obrigagao do eristao colocar 0 amor ‘Nao & 0 amor a lei mas, sim, a lei do amor que a pessoa deve seguir. Repetindo: nfo é 0 amor ao dever, mas, sim o dever do amor. Conforme Fletcher, Jesus resumiu a lei mosaica © os Dez Mandamentos numa sé palavra, 0 amor. Realmente, ndo ha nenhum s6 dos mandamentos que no possa ser quebrado nalguma situago por causa do amor. "Nao hé ‘leis universais’ sustentadas por todos os homens." Porque "quaisquer preceitos aos quais todes os homens podem concordar sf chavdes tais como 'pratica o bem e evita o mal’ ou ‘a cada um segundo the € devido.'”" Ou seja, ndo ha leis universais sendo 0 amor. Toda outra lei pode ser quebrada pelo amor. Conforme a expresso de Agostinho: "Ama com atengdo, ¢ entdo faze 0 que desejas fazer." Nao disse, acrescenta Fletcher: "Ama com desejo e faz 0 que apraz.""" O amor cristo € um amor que dé, © amor cristdo nio é, nem o amor roméntico (erético), nem o amor-amizade (filico). © amor cristdo & um amor sacrificial (agépico). E também € um amor responsdvel que ndo € mais sujeito & exploragao do que os motivos evasivos do legalismo, Na realidade, um refiigio legalista na seguranca das leis universais pode ser um escape & responsabitidade individual. A pessoa pode estar desejando a seguranga dos absolutos ao invés da responsabilidade de relativos. O pacifista clissico est4, para Fletcher, escapando a responsabilidade de decidir quais guerras slo justas. E uma ética mais facil se outra pessoa decide o que é certo ou errado, ¢ simplesmente ordena 0 que devemos fazer. 3."0 Amor e a Justiga sAo os mesmos, porque a justiga é 0 amor distribuido, nada mais.” .""? © amor ¢ a justiga sdo idénticos. O amor faz mais do que levar em conta a justiga; o amor fica sendo a justiga. A justiga significa dar as outros 0 que thes pertence, eo amor ¢ aquilo que Ihes pertence. © apéstolo Paulo disse: "A ninguém fiqueis devendo coisa alguma seno o amor", Fletcher cita, Ainda que houvesse diferenga entre o amor e a justiga (¢ no hd), 0 minimo que o amor poderia fazer seria dar a justiga a cada homem, ‘Ao amar (ie., ao ser justo) a pessoa deve ser multi unidirecional. © mandamento é amar aos semelhant atividade presente ao préximo imediato, O amor deve ter previsio, Deve tomar emprestado o principio utilitarista e procurar trazer © maximo bem (0 amor) ao maior nimero de homens. Se, pois, © amor ndo calcular as consequéncias remotas, torna-se egoista, Em resumo: a justiga & o amor usando sua cabs A Gtica erista dé as boas-vindas & lei e & ordem por causa do amor. Até mesmo vé, as vezes, a necessidade de um emprego amoroso da forga para proteger os inocentes & tomar priticos os “direitos.” As vezes, alguém pode ter a responsabilidade moral (i.e., amorosa) de desobedecer a leis civis injustas. E ocasionalmente o amor pode exigir uma revolugdo contra o estado — se o estado for além do Ambito do amor.”! 4."0 amor deseja o bem do préximo, quer gostemos dele, quer nao.” —A quarta proposigo ressalta que o amor é uma atitude € no um sentimento. Ressalta as caracteristicas distintivas do amor cristo. "Ao passo que em eras 0 desejo & a causa do amor, em dgape o amor & a causa do desejo." © amor dgape nio € reciproco. Uma comparagao dos trés tipos de amor revela o que Fletcher tem em mente aqui. © amor erético ¢ egoista. Diz: "Minha primeira e iltima consideragdo & eu mesmo." O amor filico & mutualista, Diz: "Darei enquanto cu receber.” O amor agépico, do outro lado, € altruista, e diz: "Darei, sem exigir nada em troca." E este tipo de amor que € a norma dominante na ética situacional. O tipo agapico de amor é aquele com 0 qual a pessoa deve amar seu préximo como a si mesma, irecional e ndo apenas ‘Amar nfo & meramente uma 47 Fletcher esboga quatro interpretagées do mandamento no sentido de amar o préximo como a si mesmo. Primeiramente, alguns dizem que significa amar seu préximo tanto quanto ama a si mesmo. Em segundo lugar, pode significar amar aos outros além de amar a si mesmo. Em terceiro lugar, outros (c.g., Séren Kierkegaard), sustentam que significa amar ao seu préximo conforme vocé deve amar a si mesmo (eg., correta ¢ honestamente). Em quarto lugar, diz-se que 0 mandamento é amar seu proximo ao invés de amar a si mesmo, i.e., conforme tem feito mas agora deve cesar de fazer. Qual & 0 verdadeiro significado do amor préprio? Seguindo a escada do amor proprio sugerida por Bernardo de Clairvaux que sobe do (1) amor ao préprio-eu por causa do proprio-eu, para (2) 0 amor a Deus por causa do préprio-eu, para (3) 0 amor a Deus por causa de Deus, para (4) 0 amor ao préprio-eu por causa de Deus, Fletcher esboca seu proprio modo de entender o amor a0 proximo como a si mesmo. Avangamos, diz ele, do (1) amor a nés mesmos por causa de nds mesmos, para (2) 0 amor ao préximo por causa de nds mesmos, para (3) 0 amor ao préximo por causa do préximo, para (4) 0 amor a nés mesmos por causa do proximo. Esta iltima condigio é a mais alta e a melhor. E 0 tipo certo de amor-proprio, viz., © amor por si mesmo por causa de amar aos outros.*? Quando 0 amor-préprio © o amor ao préximo entram em conflito, "a Wbgica do amor & que a preocupago consigo mesmo é obrigada a cancelar o bem a0 proximo sempre que mais bem ao préximo for atingido por meio de servir 20 proprio-eu." O capito de um navio ou o piloto de um avid, e.g., devem conservar-se vivos, mesmo as expensas dalguns passageiros se necessério for, por causa da seguranga do restante dos passageiros. Na realidade, no hd nenhum conflito real entre 0 amor-proprio © © amor a0 préximo. A pessoa deve amar a si mesma somente até a0 ponto que aumenta ao miximo © amar ao préximo. Todo o amor & amor-préprio, mas € o préprio-eu amado por causa de amar 0 maior nimero possivel de pessoas. O amor é um s6, mas hi trés objetos: Deus, 0 préximo, e 0 préprio-eu. © amor-préprio pode ser ow certo ou errado. "Se amarmos a nés mesmos por causa de nés mesmos, estamos errados. Se amarmos a nds mesmos por amor a Deus ¢ ao nosso proximo, ento estaremos certo. Amar a Deus e 20 proximo, pois, ¢ amar a si mesmo da mancira certa. .; amar a si mesmo da mancira certa é amar a Deus e ao préximo.""* E emcaso algum amar ao préximo subentende que devamos gostar dele. De fato, 0 amor nem sequer necessariamente envolve agradar ao nosso proximo, O amor exige que queiramos o bem do nosso préximo, independentemente de se cle agrada a nds, € independentemente de se nosso amor agrada a ele, Calewlar 0 bem do préximo, mesmo que desagrade a ele, nfo € cruel, Uma enfermeira militar, e.g., pode, amorosamente, tratar os pacientes de modo dspero, a fim de apressar sua recuperagdo sua volta & batalha, O amor, como uma noiva, precisa de uma receita e no mero sentimento para 0 ente querido.”* 5. "Somente o fim justifica os meios; nada mais." — Se esta no fosse a verdade, nenhum ato seria justificado. Nao ha atos intrinsecamente bons sendo 0 ato do amor. Logo, a tinica coisa que pode justificar um ato é se € feito com fins ou propésitos amorosos. Nao se quer dizer com isto que qualquer fim justifica quaisquer meios, mas, sim, somente que um fim amoroso justifica qualquer meio.”* Por exemplo, talvez seja uma coisa amorosa furtar a pistola de um assassino ou mentir a um paciente esquizofiénico a fim de conservi-lo calmo para receber tratamento. O que, pergunta Fletcher, justifica fazer um corte num corpo humano com uma faca? Certamente nfo é 0 6dio a ele como inimigo. Mas 0 ato de mutilar 0 corpo nao seria justificado se o fim em 48 mira nio fosse salvar sua vida ameagada por um 6rgio doentio ou canceroso? O fim no Justifica 0 meio nesta situagao? Na realidade, 0 que mais, a ndo ser o fim, tem qualquer possibilidade de justificar os meios? pergunta Fletcher. Os meios ndo podem justificar a si mesmos. Realmente, “nenhum ato, & parte das suas consequéncias previsiveis, tem qualquer significado ético que seja.""* O significado do ato advém do seu propésito ou fim. E 0 tinico propésito Justificével para realizar atos éticos € © amor agépico. Quaisquer meios que sio procurados por amor a eles mesmos sio errados. Na realidade, todos os fins so apenas meios a fins mais altos, até que se chegue finalmente ao fim ulterior, que é 0 proprio amor. Como resposta aqueles que acusam, na base do principio da "cunha" que & perigoso ter excegSes a normas morais tais como contar a verdade e salvar vida, Fletcher argumenta que "o abuso nao exclui o uso.” Somente porque alguns abusardo posigdo situacionista do amor responsdvel mediante ages irresponsiveis, nilo refuta 0 valor da norma do amor propriamente dita. E o assim-chamado argumento da "generalizago” —"O que aconteceria se todos 0 fizessem?" — nio é mais do que obscurantista, uma titica de atraso pela moralidade estética,”” 6. "As decisées do amor sao feitas situacionalmente, nao prescritivamente.” — © postulado expositério final da ética situacionista marca fortemente a diferenga entre 0 principio basico ético (ie., a norma do amor) e a aplicago daquele principio numa determinada circunstincia, O principio do amor uma norma universal, porém formal. Nao preceitua de antemao quais modos especificos de agdo serio amorosos. Para o preceito exato do amor, a pessoa tera de esperar até que esteja dentro da situagdo. O amor esta livre da pré-definigo especifics, Nao se pode saber de antemo a "particularidade existencial" que o amor adotaré uma vez que esteja dentro da situagdo. O amor opera a parte de um sistema de regras morais medidas fabricadas de antemio. O amor funciona circunstancialmente, neo-casuisticamente. O amor niio toma decisdes antes de ter visto 0s fatos, ¢ 0s fatos advéem da situagao.”* que o situacionista realmente tem de antemio & um conhecimento geral (embora nio especifico) do que deve fazer (viz., amar), por que deve fuzé-lo (por amor a Deus), © a quem deve ser feito (seu préximo). Sabe, naturalmente, que o amor é altrufsta ¢ no egoista, E sabe que deve ser exercido diante tantos dos seus vizinhos quanto possivel, Sabe de antemio como este amor provavelmente operaré de modo geral por meio da sophia, ou sabedoria... Mas ndo pode dizer com certeza qual ser a coisa amorosa que deve ser feita até que todos os pormenores scjam conhecidos. Por exemplo, 20 perguntar-se a Fletcher: "O adultério é errado?" ele responde? "Nao sei. Talvez. Dé-me um exemplo."” De fato, 0 proprio Fletcher fornece um caso em que o adultério pode ser certo se for feito com amor (diseutido abaixo). Em sintese, o situacionista sustenta que que e por que so absolutos, mas que 0 como é relativo. Hi um preceito absoluto, mas & apenas desenvolvido na situagio relativa. O amor é ulterior, mas exatamente como a pessoa deve amar depende das circunstincias imediatas, Mediante um exame mais acurado dalgumas situagSes morais dificeis, poderemos entender ainda mais exatamente como 0 absolutismo de Fletcher, com uma s6 norma, funciona em contextos diferentes, D. Aplicando a Norma do Amor Pelo uso de ilustragdes provocadoras no decurso do seu livro, Fletcher pode explicar mais exatamente por. que sustenta uma sé norma absoluta e como provavelmente seria aplicada sob condigGes diferentes. Alguns dos casos morais marginais agora serdo examinados. 49 1. O Caso do Adultério Altruista®’ —Certa mic alema de dois filhos foi presa pelos russos perto do fim da Segunda Guerra Muncial. As regras da sua concentragdo de prisioneiros na Ucrinia permitiriam sua soltura para a Alemanha somente mediante a gravide7; neste caso, seria devolvida como uma responsabilidade dispendiosa. A mulher Pediu que um guarda amigo no acampamento a engravidasse. Foi mandada de volta para a Alemanha, recebeu as boas-vindas da familia, dew & luz a crianga, e fez dela parte da sua familia reunida. © adultério dela foi justificado? Fletcher nfo diz expliticamente que sim, mas subentende que foi, a0 chamé-lo de “adultério sacrificial.” Noutros trechos, no entanto, Fletcher fala com aprovacdo da troca de esposas para adultos que consentem nisto, de uma mulher que seduziu um homem que estava patologicamente atraido a uma menina pequena, ¢ de um jovem casal que forgou a aprovagdo do seu casamento por seus pais ao terem relagées sexuais.’! A implicagdo direta ¢ que todas estas coisas podem ser feitas amorosamente e, portanto, podem ser moralmente corretas. °0 Caso da Prostituigao Patriética — Uma jovem trabalhando para um servigo de inteligéncia dos Estados Unidos recebeu o pedido no sentido de engodar ‘um espiio inimigo numa chantagem por meio de usar o sexo. Disfargada de secretiria, ela deveria envolver um homem casado que estava trabalhando por uma poténcia rival. Quando protestou que no poderia colocar sua integridade pessoal no cepo, como se oferecesse seu Sexo por aluguel, disseram 2 ela: "E como seu irmfo arriscando sua vida ou um dos seus membros na Coreia, Temos certeza de que este servigo no pode ser feito de qualquer outra maneira."” Ela era patridtica e queria servir sua pétria. Qual seria a coisa amorosa a fazer? Aqui, mais uma vez, Fletcher nio di sua resposta, mas tendo em vista que noutros lugares aprova as ‘mentiras dos espies e dos homens que morrem em prol da patria por causa do amor, no parece haver, para ele, nenhuma razo porque no se possa justificar a fornicagdo por amor a Ptria, também.” 3.Casos de Si Sacrificial —Tirar a propria vida sempre é moralmente errado? Segundo a ética situacional, no; 0 suicidio pode ser feito com amor. Por ‘exemplo, se um homem somente tem as escolhas de tomar remédios caros que esgotardo as finangas da sua familia e levardo ao cancelamento do seu seguro por falta de pagamento, somente para viver mais trés anos, ou de recusar o remédio € morter dentro de seis meses, mas deixar, assim, provistes financeiras abundantes para sua familia, qual & a coisa amorosa a se fazer? Nao é dificil ver como um situacionista poderia aprovar este tipo um pouco indireto de suicidio artificial. Na realidade, Fletcher fala com aprovagao tanto da morte da Madre Maria nas cmaras, de gas nazistas para tomar o lugar de uma jovem judia que era uma ex-comunista, e do soldado capturado que tirou sua propria vida para evitar trair seus camaradas ao inimigo.’* O suicidio pode ser feito pelo amor, ¢ neste caso esté moralmente certo, conforme uma étiea situacional *O Caso do Aborto Aceitavel — Embora Fletcher favorega 0 controle da natalidade em comparagdo com o aborto, como meio de controlar a populagdo,”* ‘mesmo assim, hd circunstancias em que se declara abertamente a favor do abort. Dé o exemplo de uma paciente esquizofiénica solteira, que ficou gravida depois de ter sido estuprada, O pai dela pediu que fosse feito um aborto, mas o pessoal do hospital recusou, pelo motivo de ndo se tratar de um aborto terapéutico ¢, portanto, cera ilegal, Fletcher criticava severamente esta recusa por ser baseada numa ética legalista. "O situacionista ... quase certamente, neste caso, favoreceria 0 aborto e apoiaria 0 pedido do pai da moga.""" Noutro caso. Fletcher da aprovagdo Licita a um médico judeu romeno que abortou trés mil nenés de mies judias nos campos de concentragdo, porque, se ficassem 50 grividas, as macs seriam incineradas. Isto quer dizer que 0 médico salvou trés mil vidas. E, segundo 0 ponto de vista de que os embrides eram vidas humanas (que Fletcher rejeita), 0 médico, ao "matar" trés mil vidas, salvou trés mil, e evitou o assassinato de scis mil* Decerto era esta a coisa amorosa para se fazer, de acordo com o situacionismo, 5. O Caso do Assassinato Misericordioso — Devemos realmente virar as costas a um homem que esté desesperangosamente preso num avido em chamas € que implora que seja fuzilado? Nao teria sido bom assassinar a Hitler? Fletcher oferece as dduas ilustragdes e parece indicar que qualquer um destes poderia ser um assassinato misericordioso, e, portanto, justificdvel.”” Parece favorecer 0 ato de uma mie que sufocou sua criancinha que chorava, a fim de salvar 0 grupo do qual fazia parte de ser detectado e morto por indios hostis.“” A implicagdo direta é que semelhante ato poderia ser realizado em amor sacrificial pelo bem do grupo inteiro. Fletcher claramente aprova o ato de jogar alguns homens fora de um barco salva- vidas superlotado para salvar todos de afundarem. O imediato do navio William Brown, saido de Liverpool em 1841, estava encarregado de um barco salva-vidas superlotado, Ordenou que a maioria dos homens fossem jogados ao mar para salvar as demais pessoas no barco. Mais tarde, Holmes, o marinheiro que os jogou no mar, foi condenado por assassinato, com recomendagdes de cleméncia. "A ética situacional diz que era corajosamente pecaminoso, era boa coisa." Conforme Fletcher, Holmes realmente agiu em amor para com o maior nimero das vidas. HA muitos outros casos marginais que Fletcher oferece, tais como a recusa de fazer respiragdo artificial numa crianga monstruosamente deformada, carregar 0 inventor de uma cura para 0 cncer para fora de um prédio em chamas ao invés de levar 0 proprio ai, a esterilizagio dalguém que se casa com um sifilitico, fornecer a matemnidade para mulheres solteiras, através da inseminagdo artificial.” Nao vamos tomar tempo aqui para diseutir mais casos. A lig precisa ser enfatizada aqui, 6 que em cada situagio ha um conflito de normas morais, que, segundo sente o situacionista, pode ser melhor resolvido mediante 0 apelo a uma nica norma superior. Frequentemente, as mormas que entram em conflite sio consideradas inquebraveis c universais por alguns homens. Mas como duas ou mais normas podem ser universais e inquebraveis se conflitam entre si? Nao se pode seguir dois caminhos opostos. Deve-se escolher. Certamente nfo se pode ser considerado responsivel por obedecer a uma delas, E neste aspecto que a solugo do situacionista brilha, Hé realmente somente uma norma universal ¢ inquebrével, viz. © amor. Todas as demais normas sfo gerais, na melhor das hipéteses e podem ser quebradas por causa do amor. A simplicidade e a Togica da solugdo tem um apelo forte, mas também ha algumas dificuldades graves. Voltemos nossa atengdo agora a uma avaliag3o da posigao do situacionismo: a de uma s6 norma absoluta. 110 SITUACIONISMO AVALIADO- Nenhuma avaliagio abrangente da totalidade da ética situacionista ser empreendida, a nao ser 4 medida em que diz respeito & questo das normas. Quanto a isto, a avaliagdo sera tanto positiva quanto negativa. Em primeiro lugar, ha alguns méritos nitidos em sustentar somente uma norma absoluta tal como 0 amor: ‘A. Algumas Vantagens da Posigao Situacional Criticos pertencentes a pontos de vista mais tradicionais ¢ absolutistas tendem a reagir demasiadamente ao relativismo, pragmatismo, emotivismo de Fletcher € aos seus 51 exemplos radieais. Mas o que as vezes 6 esquecido é que tudo isto esté no contexto da clara alegagdo da sua ética no sentido de ser ela um absolutismo — um absolutismo com uma s6 norma, Ea respeito deste iltimo fato que emergem muitos dos méritos da posigao situacional, LE Uma Posicéo Normativa’? — A primeira coisa a ser recomendada é a tentativa de Fletcher de definir uma abordagem normativa & ética. Sua segunda proposigdo diz: "A norma determinante da decisio cristi & 0 amor: nada mais." Tendo em vista que dedica um capitulo inteiro 4 elaboragio disto, bem como refere-se a este tinico absoluto em todas as partes do livro, parece bem injusto descartar Fletcher sumariamente como estando totalmente sem normas & como sendo antinomista. De fato, Fletcher gasta boa parte do primeiro capitulo explicando que seu ponto de vista ndo é antinomista. E um absolutismo com uma s6 norma, alega. As razées para recomendar uma abordagem normativa a ética jé foram dadas,“* de modo que no serio repetidas aqui, Basta notar de passagem que normas so tanto inescapaveis quanto essenciais para uma ética relevante. Sem elas, a pessoa no tem ‘base ou orientagio ativa para suas decisdes éticas. °E um Absolutismo —O conceito de Fletcher niio é somente normativo como também é absoluto, HA uma s6 lei inquebrivel, a lei do amor. E ainda que Fletcher deliberadamente evite palavras tais como "nunca" e "sempre" no que diz respeito a todas as demais normas, nio hesita enfatizar que nfo hd excegdes & norma do amor. "Somente" 0 amor ¢ "nada mais" justifiea aquilo que a pessoa faz, argumenta ele, Além disto, nfo existe uma coisa chamada relatividade total, As normas relativas devem ser relativas a uma norma que nio & relativa, O que, por que € quem sao os trés "universais" do cristdo, diz Fletcher. Ou seja: ele sabe que seu préximo deve ser amado por amor a Deus, Estes trés “universais" so absolutos; somente as circunstincias so relativas.“* Claramente sustenta que @ pessoa deve sempre amar e nunca deve odiar ou ser indiferente aos seus vizinhos. "A ética situacional cristd somente tem uma norma. .. que € obrigatoria ¢ sem jes, sempre boa ¢ reta independentemente das eircunstncias (viz., 0 amor agape). 3.Resolve a Questo do Conflito entre as Normas — Pense-se 0 que se possa pensar da solugdo que o situacionista dé aos casos marginais em que se envolvem normas conflitantes, pelo menos apresenta uma possibilidade légica Todas as demais normas éticas so subordinadas a ‘nica norma absoluta, e tendo isto em vista, é eticamente certo quebrar qualquer uma delas por causa desta norma do amor. Esta solugdo é tanto légica como simples. simples, porque no envolve uma série complicada de excegdes 8 normas, nem apresenta uma pirimide de normas, mas, sim, postula uma tinica norma que toma precedéncia sobre todas as demais. E I6gica no sentido de nio ser internamente contraditéria. Nunca deixa quaisquer dilemas éticos em conflito ou em tensdo; sempre podem ser resolvidos (pelo menos na teoria) mediante o apelo a ‘inica norma do amor. Noutras palavras, © situacionismo nunca enfrenta o dilema de ter duas normas absolutas ou universais em conflito — nfo tem duas normas absolutas."” Ha wma s6 norma absoluta, nem mais, nem menos. 4.Da Devido Valor as Circunstancias Diferentes — Outro mérito do situacionismo, que nto deve ser menosprezado, é sua énfase & circunstincia ou a0 contexto de uma decisio ética, que influi no caso de ser ela certa ou errada, por mais moralmente errada que a falsificago seja ou nio, decerto difere de contexto em contexto, Falsificar a um amigo por brincadeira é provavelmente amoral, 30 52 passo que a falsificago séria diante de um juiz.¢ jéri no 0 é. As circunstancias realmente fazem uma diferenga quanto ao ato ser moralmente certo ou errado. Semelhantemente, tirar a vida doutra pessoa acidentalmente, ou em defesa-prépria, ou deixar alguém morrer como ato de misericdrdia, todas so situagdes mateantemente diferentes do assassinato intencional e malicioso doutro ser humano. A situagio certamente influi na maneira da norma (ou normas) da pessoa ser aplicada. Sem ressaltar devidamente as influéncias condicionadoras da situagio moral, a ética da pessoa torna-se legalista e até mesmo desumana. Realmente, conforme sera visto mais tarde, é muito dificil (sendo impossivel) argumentar em prol de um absolutism com muitas normas, de qualquer tipo, a no ser que as qualificagdes contextuais se tormem parte da definigdo da norma. Contar a verdade 0 dever de evitar ou impedir que uma vida seja tirada (ou pelo menos deixar que alguém morra) invariavelmente entram em conflito a nao ser que a pessoa tenha a prerrogativa de dizer que mentir e tirar uma vida so errados em certos contextos. Isto sera discutido mais plenamente posteriormente, Por enquanto, basta notar que prestar ateng30 s circunstincias ou ao contexto de decisdes éticas & tanto inevitavel quanto desejivel ao elaborar uma boa posigao ética. S.Ressalta o Amor e 0 Valor das Pessoas — De um ponto de vista cristo (€ até mesmo de muitas perspectivas ndo-cristas), a énfase dada ao amor dgape como sendo a norma dominante é certamente recomendivel. Bertrand Russel escrever Por que eu ndo sou um cristdo, mas também disse noutro lugar: "O que 0 mundo necessita é 0 amor ou compaixio cristdos."** Raras vezes vozes de peso se levantam em defesa do amor egoista.*” E do ponto de vista cristdo, o amor é 0 cardter moral absoluto de Deus. "Deus & amor" e "o amor é Deus," diz 0 Novo Testamento.”” E quando tudo o mais fenecer, 0 amor permanecerd para sempre.” Jesus resumiu a totalidade do Antigo Testamento na jinica palavra "amor", conforme foi declarado no proprio Antigo Testamento.” Realmente, segundo Jesus, 0 amor haveria de ser a marca caracteristica dos Seus discfpulos, "nisto conhecerio todos que sois meus discfpulos, se tiverdes amor uns aos outros." Tendo isto em vista, & muito difieil criticar do ponto de vista cristdo a preeminéncia que Fletcher da ao amor dgape cristao. Subentendido nesta énfase no amor aos outros hi o fato de que devem ser tratados como pessoas (i imagem de Deus) e nfo como meras coisas. O préximo & um tu, nfo uum objeto, O outro & uma pessoa para ser amada, no uma coisa a ser usada. Os outros jo fins cm si mesmos © ndo meramente meios para nossos proprios fins. O valor intrinseco de uma pessoa (porque & uma pessoa como Deus) é, do ponto de vista cristo, uma énfase basica e relevante pela qual Fletcher deve ser louvado. B. Algumas Insuficiéncias do Situacionismo de Uma S6 Norma. Tanto de um ponto de vista moralista geral quanto da perspectiva crista em particular, nem tudo no situacionismo de Fletcher é digno de louvor. Aqui nio tomaremos 0 tempo para elaborar sobre seu ponto de vista critivo e inconsistente acerca dos registros evangélicos do Novo Testamento,** nem sobre as implicagdes de sustentar que Deus possa ser amado somente através do nosso préximo.”® Pelo contrario, atengdo sera centralizada sobre a insuficiéncia de ter uma s6 norma para uma ética, “uma Sé6 Norma E Demasiadamente Generalizada — Uma ética de uma sé norma, especialmente uma norma to ampla e geral quanto a de Fletcher, & na maioria dos casos, (embora niio necessariamente em todos os casos) pouco melhor do que no ter norma alguma. Uma tnica norma universal, pela sua propria natureza deve ser ampla © adaptivel, sendo, no poderia ser aplicada a todas as circunstincias. Mas sua 53 versatilidade também ¢ uma desvantagem, porque necessita uma ambiguidade acerca daquilo que a norma quer dizer, no que diz respeito aos relacionamentos coneretos. E se a norma absoluta do amor esté destituida de conteido concreto & parte da situag30 relativa, logo, o significado especifico do amor é relative ¢ ndo absolute, Realmente, Fletcher reconhece que 0 conteiido do amor varia de situacdo em situagao."" Logo, 0 mandamento: "dmem em todos os casos,” significa pouco mais do que "Fagam X em todos os casos." Porque a no ser que haja de antemio contetido cognitive ao termo "amar," entdo a pessoa no sabe realmente o que esta sendo ordenada a fazer. Fletcher anuncia francamente que o prineipio do amor est, na realidade, sem conteido. "EE por isso que digo que é um prinefpio "formal", que os rege, mas fi-lo sem contetido."*” Na pratica real, Fletcher, segundo parece, realmente subentende que hé, antes da situago, alguma compreensio daguilo que o amor quer dizer. Mas a pergunta é quanta? Ha na norma universal do amor, conteiido suficiente para elevé-la acima do nivel de mero chavao? "Faga a coisa amorosa" & dificilmente mais especifico do que "Faga a coisa boa." A pergunta, em ambos os casos, &: Quais tipas de atos sfo bons ou amorosos? Destarte, sua ética do amor, com um s6 termo, no é mais itil do que uma ética da lei natural que diz: "Siga a natureza" ou "Viva de acordo com a Razio." Ao invés de "O que significa o ‘amor'?" a pergunta fica sendo: "O que se quer dizer por 'Natureza' ¢ 'Raziio"? Mas o resultado & o mesmo, viz., a pessoa é deixada sem qualquer orientagdo ética especifica. Um apelo a situago no sentido de ela fornecer contetido ou significado para o amor no bastard — Fletcher reconhece que as situagdes sto relativas € até mesmo radicalmente diferentes. Se 0 significado do amor depende das circunstincias, logo, 0 significado do amor é realmente relativo a situago ¢, portanto, nio absoluto. Assim chegamos & segunda critica *A Situagéo Nao Determina o Significado do Amor — 0 significado da norma do amor ndo ¢ completamente determinado pelas condigdes da situago mas. sim, & meramente condicionado pela situaglo. As circunsténcias no causam as normas que as julgam, somente as afetam. Ou seja, 0 contexto em que uma norma & aplicdvel ndo dita como a norma sera aplicada, mas somente influencia a sua aplicagdo. Se a determinago completa do significado viesse da situago, ent@o a alegada norma ética realmente no seria normativa de modo algum, A situago estaria determinando a norma 2o invés da norma ser determinante para a situagao."* ‘Aqui, mais uma vez, Fletcher nio alega que a situagdo determina completamente 0 que significa a norma, Diz somente que 0 que o amor significaré antes da situagZo nBo pode ler sabido com qualquer "particularidade cxistencial", somente poder ser sabido de modo geral, No entanto, 0 que é sabido de antemio "de modo geral" pode acabar sendo o significado errado do amor numa circunstincia especifica. Nenhuma sabedoria (sophia) ou normas gerais so universais e inquebriveis. Ndo hi regra a parte da regra geral (¢ ambigua) do amor que munca deve ser quebrada, Mas o problema é precisamente este. As normas significativas sio quebréveis, e a nica norma inquebravel ndo é significativa em qualquer sentido especifico ou pritico da palavra Talvez. Fletcher no devesse ter desconsiderado to sumariamente a possibilidade de que haja muitas normas universais e inquebréveis. 3. A Possibilidade de Muitas Normas Universais — Parece haver varias razBes por que o situacionismo rejeita a possibilidade de ter muitas normas universais, sendo que nenhuma destas razdes é definitiva. Em primeiro lugar, Fletcher argumenta que a posigo das muitas normas seria legalista.”” Esta no é uma consequéneia logica Uma ética'de muitas normas pode ser legalista, mas ndo ha razio porque deva ser legalista. Tudo depende de quais so as normas, como se relacionam entre si, € como so aplicadas vida, quer seja legalista 0 ponto de vista, quer nfo. Alids, a pessoa 54 poderia ser legalista com uma s6 norma, Em segundo lugar, esti subentendido que no ha outra maneira de resolver o conflito das normas a no ser que haja uma s6 norma absoluta diante da qual todas as outras normas so apenas relativas. Mas hi, pelo menos, trés outras maneiras de relacionar muitas normas universais entre si, viz., (1) mostrar como realmente ndo entram em conflito, ou (2) mostrar por que é errado quebrar uma ou outra quando realmente entram em conflito, ou (3) mostrar como uma das normas € de uma ordem superior e toma prioridade sobre as de uma ordem inferior. Em terceiro lugar, Fletcher no vé meio de derivar normas universais de uma norma universal. Pensa que "axiomas do meio" é uma contradigo em termos; S80 ndo- derivados derivados."' Mas nao ha raz3o porque uma dedugao nao possa ser tio certa quanto suas premissas Mas & parte de se realmente hd muitas normas universais, Fletcher certamente no elimina a possibilidade de as haver. Nao refuta a possibilidade de serem atingidas pela dedugdo assim como os postulados sio derivados dos axiomas na geometria, Nao comprova que nio poderiam vir da revelacdo tais como muitos eristos as acham registradas nas Escrituras, na Biblia." Fletcher nem sequer afasta de modo definitivo a possibilidade de que muitas normas universais pudessem ser_reconhecidas intuitivamente como tendo uma posigio separada delas mesmas. Em sintese, a possibilidade de haver muitas normas universais NAO deve ser abandonada tampouco (1) até que seja demonstrada logicamente impossivel, ou (2) a no ser que nenhuma norma universal além do amor venha a ser achada em qualquer tempo. Tendo em vista 0 fato de que candidatos para normas universais serio introduzidos ¢ avaliados em capitulos subsequentes, reservaremos o julgamento alé endo, quanto & existéncia real ou no de muitas normas universais. Bastard, a esta altura, observar, que Fletcher no comprova que hé somente uma norma universal, visto que no comprova que é impossivel que haja muitas normas universais 4. E Possivel Uma Norma Universal Diferente — Nao somente é possivel que haja muitas normas universais (em contraste com a norma tinica de Fletcher), como também ¢ possivel optar por uma norma tinica diferente (em contraste com a norma de amor que Fletcher usa). Noutras palavras, porque ndo uma ética de uma s6 norma, bascada no édio ao invés do amor? Por que no a compaixo budista ao invés do amor cristo? Por que no a Regra de Ouro Negativa 20 invés da positiva, ie., "Ndo faca aos outros aquilo que no quer que fagam a vocé,” em contraste com "Faga aos outros © que quer que fagam a vocé"? Decerto, Fletcher nio demonstrou que tados os principios ‘0s querem dizer exatamente a mesma coisa (pelo menos, nao aqucles que sfo tio diferentes quanto o amor e 0 édio). Em que base, pois, devemos escolher a tinica norma na qual ele hi de edificar a totalidade da sua ética? Deve haver alguma maneira de justificar a pressuposig&o ética da pessoa, para ela nao ser completamente arbitraria.* Em sintese, o problema de uma ética de uma sé norma é este: qual norma? A primeira vista, ha muitas normas éticas que reivindicam a obediéncia. A qual delas deve ser dada a posigdo especial de ser absoluta e inquebrivel? Um argumento ndo poderia ser elaborado em prol de usar a veracidade a qualquer custo, como 0 iinico absoluto? Semelhante posi¢io nfo poderia ser elaborada com consisténeia interna da mesma maneira que a norma do amor adotada por Fletcher? E se uma norma absoluta pode ser ‘Go internamente consistente quanto outra, ento em que base uma norma deve ser preferida a outra? Ao avaliar as consequéncias de cada uma? Se a tinica norma absoluta for escolhida pelo motivo dela trazer as melhores consequéncias para o maior niimero de pessoas a longo prazo, entio ha varios problemas. Primeiramente, ndo conhecemos o longo prazo, ¢ algumas coisas que ndo so realmente melhores a longo prazo funcionam muito bem para um grande nimero de pessoas a curto prazo (e.g., a desonestidade e as 55 ditaduras.), Na realidade, muitas coisas que slo distintamente erradas (em qualquer base ética) obviamente funcionam bem demais por um tempo longo demais para muitas pessoas (¢.g., 0 logro, o édio, a guerra). Em segundo lugar, escolher a norma com base nas suas consequéncias (se isto for possivel) seria deixar uma base normativa para a ética a favor de uma base utilitarista, com todos os problemas que aquele ponto de vista acarreta."* Alids, o utilitarismo depende das normas para sua propria operagdo, 0 que completa o cielo do argumento. Ou seja: sera dizer que os fins so necessérios pra jiustificar as normas, e que estes fins, por sua vez, dependem das normas. para estabelec@-los. Mas isto realmente demonstra que as normas esto na base da ética, em qualquer das eventualidades. As normas so necessérias; permanece a pergunta: quais normas & quantas so? Voltamo-nos agora a um exame dos conceitos das muitas normas para buscar uma resposta a estas perguntas. 5. Uma Etica de Muitas Normas E Defensavel — Certo nimero de escritores contempordneos demonstraram como se pode defender a validez de muitas normas éticas. Num nivel mais popular, isto foi feito por C.S. Lewis em A Esséncia do Gristianismo Auténtico e de modo mais filos6fico por William K. Frankena em Etica. Nesta tiltima categoria podemos também colocar as obras de Paul Ramsey (Cf. Deeds and Rules in Christian Ethics). Realmente, parece que hi muitas leis morais universalmente obrigatérias. O estupro, a crueldade, trair os emigos, e algumas outras proibigSes acerca do sexo e da matanga parecem ser comuns & raga inteira. E mesmo se todos mio as praticam para com outras pessoas, mesmo assim, todos certamente parecem acreditar que os outros devem traté-los de acordo com estas normas. Leituras Sugeridas Bonino, JM. Ama e Faze o que Quiseres Bonhoeffer, D. Resisténcia e Submissado Tillich, P. Moralidad y Algo Mas NOTAS DE RODAPE Joseph Fecha Situation Eee: The New Moral, Fd: The Wextintr Pres, 1956 Hi oars sitaconis de ur 3 slsolufe gue podria ter ido useds pra ete esto, sas Ftcha lterv mals coabeio. Ver Emit Bruner, Te Divine Imperative, Reabslé Niebit, Moral Man and Immoral Soi isp Robison, Um Deus Diet, eto. 21Neje rien do anctoniamo no fm dete cate 5 Fletcher, Siaton Eis pg 2, ‘Abd pe 2. stb "abi 33 bi pgs 33,93, Flach op. ot. par 4849, thd, pe 51 thd, ple 57 Ish, pik 6S thd, pps 74,79 [oh ple #2 usb, pis. 92.95.98 Dib pags 1000 25 hid, pgs 120.21 esd, pe 126 Pw, pe 1 56 sbi, igs 164, 165 3. pg 184165, pan 4, 8,10, Salhi, Res 18.6. Bam, Ris 65, 66 bi. es 165,66 Soimid pes 7666 Melba 22 S7abid, B38 sabi 391i. pi. 105. 40 Mid, pig 125 Lid, pe 136, 42h, pope 138,15, 80,126, 43.Nus cata pont, Fetcher nega que aut shondgsr esha qualquer sera universal (Wat it Rule! A Siuaonets ‘View, Norm and Contest n Chistian Faken, ed. Gove 1. Outta & Pal Ranucy, Nove York: Chiles Serbo Sort, 1968, Flethefrdisingo ete (I) pips fom is ora "Age amerosameste~ quanto pssve” 2) pnp substantive ‘ais cemo "0 bem que deve se proctra ou fo € a uid” « (3) peeps nreaives as como "A soled amore Dot oso proxi exigecon-he nyerdnde "Soret es prnpos form's, i el, eo universe (pops 337, 388) Foal que Fletcher quem dizer ee nis BS verse com contd e que 9 pico do sor qu le cama "a norma repuedaa”de se cs apenas rain vera Stonal Elke, pi 9). ‘44 Vejocapltaloum obras zeta favor de una sbordages noni. 4Fletch,o. cit, pl. 12. 44s, pep 5 447. Vejas vais no fin dos apts cnc, sis ste 8 Va Human Soci Fier ond Polis. ig 49.Aya Rand & umn Cecio apart aint. © conotito dla de “neresseprpeailniado” da vieude do egoamo ser Stl Joao 47,18 51.1 ovine 131-3. $2 Mateus 2257-9; of Devteonio 6 e Levco 1918, Sy 1335, $1. cra cctdoFecr yticipe do poate dues nea ds paris cro ders sda vee dnho dao st ‘obra pg. 97) Rees, trim, © concoo de Jat gusts ao diverse pup 153). Ae mero lene, Fischer (de made "Reuss ace dos senos patos as Evangelos o cairo de ess Ste ama SSbid, pigs. 5,158. Confrme pers do registo do Evanglbo que Fletcher aareement ast, Jesus dase qu ma mania Ge amar a Deus éetavis de aa bos ouvos fe Mateus 2543), Jems nfo dise qu ca ice mac, Na resided, Jess ‘Seams eens ete smi so ostos cma x memo amir es om so pi es Siti, pap 2, S1.Ver What sa Role? op ct i 397 skFletse, op. plas 75.48 94bid ct pig 37." Pars ums dcusi des manias de relacioa ics de mae nema, ve 8 captlos iso st st 61 Flashe, op ce pigs 31,32 (2,¥er Carl Hoey, The Chrtan Persona ihc, cpt sete {Pars amarevponts ate problems, do pona de wists ciao, vo capital vet feu opto un pur ais rcs Go lg norms ices elas se comequtai. tendo em vss oft de que Fletch, se mado aco, pore sans, romaece qu cu poo Ge ws tli, aver acta devesse se cessed un ai Ver Fehr, What lea Rule, op. cpg 352, O Absolutismo Nao-Conflitante: Ha Muitas Normas Universais Nao-Conflitantes Provavelmente a posigio mais comum entre os absolutistas tradicionais & sustentar ou dar a entender que ha muitas normas absolutas que nunca entram realmente em conflito, Cada norma abrange sua propria area de experiéncia humana e munca entra em conflito real com outra norma absoluta. Frequentemente, este ponto de vista é apenas tomado por certo, mas &s vezes é explicitamente defendide. 57 |. 0 ABSOLUTISMO NAO-CONFLITANTE EXPLICADO. Entre o$ absolutistas tradicionais no hé unanimidade quanto ao nimero de normas universais, mas todos concordam que hé uma pluralidade de normas, © problema, naturalmente, ¢ como estas normas universais se relacionam entre si, mormente quando hé um conflito aparente entre elas. Tem havido muitas posigdes absolutistas, especialmente dentro dos circulos religiosos, mas somente algumas das mais notéveis serdo discutidas aqui A. Platéo: Provavelmente a fonte mais notvel de absolutismo pluralista sfo os escritos de Plato. Segundo seus escritos anteriores especialmente, Plato esposava a doutrina de que ha Formas Universais independentes para cada uma das virtudes cardinais. O problema que ele enfrentava, naturalmente, era exatamente como estas Idéias universais separadas se relacionam umas as outras. 1, As Formas Universais — Na famosa analogia da caverna Plato argumenta que o estado presente dos homens & como o de prisioneiros vivendo desde seu nascimento numa caverna subterrdnea, olhando a parede do fundo, ¢ acorrentados de modo que suas cabegas nfo possam mover-se.' Tudo quanto podem pereeber sdo as sombras dos objetos sensiveis projetadas sobre a parede por uma fogueira atras deles. Se um dos prisioneiros fosse solto, seus olhos seriam ofuscados pelo brilho inesperado da luz. Seria necessério para ele habituar-se primeiramente A luz da fogueira e depois, fora da caverna, & luz refletida, ¢ depois, & luz da lua ¢ das estrelas. Finalmente, poderia olhar © proprio sol, a fonte de toda a Inz, Somente & luz do sol ele entenderia verdadeiramente todas as coisas na sua perspectiva real Nesta ilustragdo, o sol representa a Idéia do Bem que dé & luz todas as formas inferiores do bem. Abaixo do bem, e participando da sua bondade (c luz) esté 0 ambito das Formas ou idéias que todas as demais coisas (e.g,, coisas empiricas) imitam por sue semelhanga. 11é, por exemplo, no ambito moral a Tdéia da Justiga © a das virtudes coordenadas. Estas Idéias ou Formas s2o todas fixas, ¢ ctemnas. Sao os padrdcs inteligiveis emulados por todos os alos virtuosos. Como os imutaveis Ideais iméveis de toda a conduta certa, no sio sujeitos 4 morte nem & decadéncia. Qualquer pessoa que age de modo sébio ou correto em piblico ou em particular o faz em virtude das virtudes imutaveis derivadas destas Formas de bondade, A educagio verdadeira, portanto, consiste em conhecer os Ideais etemnos que participam desta bondade, pois aqueles que sabem o que € virtuoso o realizardo, diz Platao. Visto que "visar aquilo que a pessoa cré a0 invés de visar o bem, ndo esté, segundo parece, dentro da natureza humana, a0 ser confrontado com uma escolha entre dois males, escolheré 0 maior quando poderia escother 0 menor. 2. Algumas Virtudes Absolutas —Boa parte do impacto do ensino de Plato visa combater 0 relativismo de certos sofistas dos seus dias. Estabeleceu a natureza absoluta da virtude contra o relativismo protagoreano que dizia que "o homem é 2 medida de todas as coisas"* ou contra a doutrina de fluxo de Critilo de que "tudo esté num estado de transiga0 e nada ha de permanente." Platao argumentava firmemente em prol de Formas fixas ou [déias Universais de virtudes bésicas. As formas bésicas da virtude, propostas por Plato, so: a coragem, a temperanga, a sabedoria, e a justiga A Coragem, diz Platio, significa "o poder em todas as circunstincias, uma conviego acerca do tipo de coisa que € correto temer — a convicgdo implantada pela educagdo que o legislador estabeleceu.” Ou seja: a coragem € "a convicgao, inculcada pela educa¢ao legalmente estabelecida acerca do tipo de coisas que pode ser déias Universais da Moralidade 58 cometaments temido.” & uma convioggo “que munca deve ser removida pelo prazer © pela dor, pelo desejo e pelo medo, solventes estes que so mais terrivelmente eficazes do que todo © sabio e toda a greda de pisoeiro no mundo inteiro."* E, acrescenta Platdo, "chamaremos um individuo de corajoso em virtude desta parte animada da sua natureza, quando, 2 despeito da dor ou do prazer, apega-se firmemente as injungdes da razio acerca daquilo que deve ou nfo deve temer."** "A Temperanca decerto significa um tipo de ordem, um controle de certos prazeres e apetites." "Significa que dentro do préprio homem, dentro da sua alma, hi uma parte melhor e uma parte pior; e que € mestre de si quando a parte que é melhor segundo a natureza tem a parte pior sob controle."* Ou seja, a pessoa é "temperada em razdo da unanimidade ¢ concordancia de todas as trés (partes da alma, viz., a razo, 0 espirito, ¢ 0 apetite, quando ndo hé conflto interno entre o elemento governante e seus dois siditos, mas, sim, todos concordam que a razdo deve reger."* Em sintese, um homem & temperado quando sua razdo governa seu espirito e seus apetites. A Sabedoria & uma forma de conhecimento que capacitaré a pessoa" a fazer consideragdes, no visando qualquer interesse particular, mas, sim, visando a m diregdo possivel do estado como um todo em todos os seus relacionamentos internos e externos."” No individuo, a virtude da sabedoria esta manifesta quando & "o dever da razdo reger com sabedoria e previsio em prol da alma inteira; ao passo que o elemento animado deve agir como seu subordinado e aliado.” Destarte, o homem sabio é aquele cuja razio governa bem as duas outras partes dele, viz., seu espirito e seus apetites.® A Justica é 0 principio "de que cada pessoa deve realizar a nica fungdo na comunidade para a qual sua natureza & melhor adaptada.” Ou seja, cada um cuide dos seus negocios. E a "qualidade que torna possivel para as trés que j4 consideramos, a sabedoria, a coragem, e a temperanga, tomarem seu lugar na comunidade ..." A justiga & © “principio de que cada um deve fazer seu proprio trabalho sem interferir com os outros." Uma disposigo desordenada ou injusta, pois, ¢ 0 pior mal numa sociedade.” Quanto a justiga no individuo, "concluiremos que 0 homem é justo da mesma maneira que 0 estado & justo. E decerto nio nos esquecemos de que a justia no estado significa que cada uma das ordens nela (viz., 0s governantes, os administradores, ¢ os cidadaos) estava fazendo sua propria obra.""” Platéo continua, portanto: "Podemos ter em mente, doravante, que cada um de nés, semelhantemente, sera uma pessoa justa, realizando sua fing apropriada, somente se as varias partes da nossa naturez cumprirem as suas.” Ou seja: a justiga ocorre quando cada "parte da sua natureza esté exercendo sua fung3o apropriada, de governar ou ser governada.” Desta maneira, "a Justiga & produzida na alma, como a satide no corpo, por meio de estabelecer os respectivos elementos nos seus relacionamentos naturais de controle e subordinago, 20 asso que a injustia ¢ como uma enfermidade e significa que esta ordem natural & invertida,"" Plato nao estava inconsciente do fato de que, sempre que hi muitas formas de virtude, hi a possibilidade de conflitos entre elas. Nos seus escritos anteriores, procurou resolver a a questo por meio de demonstrar que todas as virtudes bésicas so uma s6 — assim como as muitas partes de um rosto so um rosto s6.'? Todas as virtudes acham sua unidade no conhecimento do Bem." Ou seja: as muitas formas do bem acham sua uunidade na Super Forma, o Bem, que é a fonte de toda a bondade."* A despeito desta alegada unidade das virtudes no Bem, Platdo esforgou-se para demonstrar — e com sucesso debativel — que as formas separadas da virtude na terra ndo coincidiam entre si nem se contradiziam, Numa obra posterior, Platéo reconheceu a existéncia do conflito entre as partes diferentes da virtude, tais como a moderagao e a coragem, dizendo: "Ndo hi... algo inerente nelas que conserva viva uma briga de familia entre elas 59 0 problema, portanto, sera como resolver 0 conflito entre as normas éticas. Se so todas absolutas, o que se faz quando hé conflito entre clas? Realmente, se hi entre qualquer par delas um conflito ou uma coincidéncia parcial, parece que seria dificil manter que ambas so realmente absolutas 3. Resolvendo 0 Conflito das Formas — Nos seus diilogos posteriores, Plato, segundo parece, reconheceu o problema de relacionar entre si Formas separadas porém absolutas. Nas suas obras anteriores ensinava que as Formas eram unidades simples e indivisiveis que diferiam entre si de modo fundamental, "Estamos dizendo, escreveu ele, "que 0 oposto em si mesmo nunca pode tomnar-se oposto a si mesmo — nem o oposto que est em nds nem aguele que est no mundo real... Sustentamos que os prdprios opostos recusar-se-iam totalmente a vir a existir, uns a partir dos outros."'* Nio somente as Formas eram individualmente distintas como também eram absolutamente indivisiveis. "Parece-me," escreveu ele, "ndo somente que a propria forma da altura recusa-se absolutamente a ser baixa além de ser alta, como também que a altura em nés nunca admite a pequenez e recusa-se a ser ultrapassada.""” Na famosa analogia da caverna, Platio descreve a indivisibilidade das Formas em termos de miimeros. Nas Formas "cada unidade € igual a cada outra, sem a minima diferenga, € sem admitir a divisio em partes.” E por isso, diz ele, que estamos "falando de unidades que somente podem ser concebidas pelo pensamento, © com as quais nfo € possivel tratar de qualquer outra maneira.""* ‘Um possivel reexame deste conceito anterior de Formas absolutamente separadas & indivisiveis ¢ assinalado no Parménides de Platao.'? Neste didlogo, Platao pergunta: "Voc ndo reconhece que existe, por si s6, uma forma de semelhanga e depois, outra forma contriria, a propria dessemethanga, e que destas duas formas vocé e eu e todas as coisas que chamamos de ‘mauitas' vém a participar?” E "ainda que todas as coisas fossem compartilhar de ambas, por mais contrétias que sejam, e por terem participago em ambas so a0 mesmo tempo semelhantes ¢ dessemelhantes umas as outras, © que hé de surpreendente nisto.. .2"*” Noutras palavras, 0 problema a respeito das Formas indivisiveis e independentes & como pode haver qualquer relacionamento entre elas Porque se permanecerem somente unidades indivisiveis, ento ndo hé maneira para elas relacionarem-se umas com as outras. Este dilema leva ao assim-chamado argumento do terceiro homem" contra Plato, que declara a idéia de que quando duas coisas espeeificas devem sua semelhanga a uma idéia, entio deve haver algo ao qual possamos airibuir a semelhanga entre a idéia e os dois particulates, © assim por diante, infinitamente ‘A resposta de Platio a este problema é declarada no Sofista onde escreve: "Acharemos necessario, em defesa propria, aplicar 4 pergunta aquele pronunciamento do pai Parménides, e estabelecer por forga que aquilo que nao é, de certa forma tem ser, ¢, inversamente, que aquilo que 6, de certa maneira nfo é"* Ou seja: entre as Formas existentes e no meio delas ha um principio de interrelacionamento chamado nio-ser. O ser ou a realidade & uma totalidade complexa, uma dinimica de identidade e diversidade, do imutavel ¢ do mutdvel. Como uma erianga que pede ‘ambos, deve declarar que a realidade ou a soma das coisas é ambos ao mesmo tempo — tudo que & imutavel e tudo que esta em mudanga."** Platéo parece reconhecer que um isolamento de cada Forma absoluta das demais destruiria qualquer relacionamento até mesmo a possibilidade do didlogo.”* Tendo em vista este fato, sugere que cada Forma es relacionada com as demais por meio do "Nao -ser", ou do principio da "Diversidade.” No Filebo chama-o de "ilimitado," no Timeu € 0 "recepticulo," e & a "Diada" indefinida do ensino oral de Platdo, Mas em cada caso é o principio da diferenciagdo pela negagdo; € 0 relacionamento pela negagio. 60

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