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Sl Administragdo Publica 2.1 © VOCABULO ADMINISTRACAO Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (2007:59) indica duas versdes para a origem do vocabulo administragio. Para uns, vem de ad (preposig&o) mais ministro, as, are (verbo), que significa servir, executar; para outros, vem de ad manus trahere, que envolve ideia de diregdo ou gestdo. Nas duas hipéteses, hd o sentido de relagdo de subordinagao, de hierarquia. O mesmo autor demonstra que a palavra administrar significa nao s6 prestar servigo, executdé-lo, como, outrossim, dirigir, governar, exercer a vontade com o objetivo de obter um resultado util; e que até, em sentido vulgar, administrar quer dizer tragar programa de ago e executd-lo. Em resume, 0 vocdbulo tanto abrange a atividade superior de planejar, dirigir, comandar, como a atividade subordinada de executar. Por isso mesmo, alguns autores dio ao vocabulo administra¢ao, no direito publico, sentido amplo para abranger a legislagio e a execugdo. Outros, nela incluem a fungdo administrativa propriamente dita e a fiungdio de governo. Quer no direito privado quer no direito publico, os atos de administragao limitam-se aos de guarda, conservagdo e percepgao dos frutos dos bens administrados; ndo incluem os de alienagao. Neles, ha sempre uma vontade externa ao administrador a impor-lhe a orientago a seguir. Consoante Ruy Cirne Lima (1982:51-52), existe na relag&o de administragdo uma “relagio juridica que se estrutura ao influxo de uma finalidade cogente”. Distinguindo administragio ¢ propriedade, ele diz que “na administrag&io 0 dever ¢ a finalidade so predominantes; no dominio, a vontade”, Administragao é a atividade do que nao é senhor absoluto. Tanto na Administragao Privada, como na Publica, hd uma atividade dependente de uma vontade externa, individual ou coletiva, vinculada ao principio da finalidade; vale dizer que toda atividade de administragao deve ser itil ao interesse que o administrador deve satisfazer. No caso da Administragéo Publica, a vontade decorre da lei que fixa a finalidade a ser perseguida pelo administrador. 2.2 A EXPRESSAO ADMINISTRACAO PUBLICA Basicamente, so dois os sentidos em que se utiliza mais comumente a expresso Administragao Publica: a) em sentido subjetivo, formal ou organico, ela designa os entes que exercem a atividade administrativa; compreende pessoas juridicas, drgaos e agentes piiblicos incumbidos de exercer uma das fungdes em que se triparte a atividade estatal: a fiangdo administrativa; b) em sentido objetivo, material ou funcional, ela designa a natureza da atividade exercida pelos referidos entes; nesse sentido, a Administragio Publica é a prdpria fungio administrativa que incumbe, predominantemente, ao Poder Executivo. Hi, ainda, outra distingdo que alguns autores costumam fazer, a partir da ideia de que administrar compreende planejar e executar: a) em sentido amplo, a Administragao Publica, subjetivamente considerada, compreende tanto os érgios governamentais, supremos, constitucionais (Governo), aos quais incumbe tragar os planos de ago, dirigir, comandar, como também os érgaos administrativos, subordinados, dependentes (Administrag’o Publica, em sentido estrito), aos quais incumbe executar os planos governamentais; ainda em sentido amplo, porém objetivamente considerada, a Administragdo Piiblica compreende a fungio politica, que traga as diretrizes governamentais e a fungZo administrativa, que as executa; b) emsentido estrito, a Administragao Piiblica compreende, sob o aspecto subjetivo, apenas os érgios administrativos e, sob 0 aspecto objetivo, apenas a fungio administrativa, excluidos, no primeiro caso, os érgaos governamentais e, no segundo, a fungo politica. Sob ess subsequentes. drios aspectos é que se procederd ao estudo da Administragaio Publica nos itens 2.3. ADMINISTRACAO PUBLICA E GOVERNO 2.3.1 Aspecto objetivo Para bem entender-se a distingdo entre Administragao Publica (em sentido estrito) e Governo, & mister partir da diferenga entre as trés fungdes do Estado. Embora o poder estatal seja uno, indivisivel ¢ indelegavel, ele desdobra-se em trés fungdes: a legislativa, a executiva ¢ a as duas outras jurisdicional. A primeira estabelece regras gerais e abstratas, denominadas lei aplicam as leis ao caso concreto: a fungio jurisdicional, mediante solugaio de conflitos de interesses © aplicagao coativa da lei, quando as partes ndo o fagam espontaneamente; a fungiio executiva, mediante atos concretos voltados para a realizagao dos fins estatais, de satisfagao das necessidades coletivas. Muitos critérios tém sido apontados para distinguir as trés funges do Estado. Ficamos com a ligo de Renato Alessi (1970, t. 1:7-8). Analisando 0 tema sob o aspecto estritamente juridico, ele diz que nas trés ocorre a emanagao de atos de produgdo juridica, ou seja, atos que introduzem modificagdo em relagio a uma situago juridica anterior, porém com as seguintes diferengas: a) a legislag&o é ato de produgao juridica primario, porque fundado tinica e diretamente no poder soberano, do qual constitui exercicio direto e primério; mediante a lei, o Estado regula relagdes, permanecendo acima e & margem das mesmas; b) a jurisdigdo é a emanagio de atos de produgdo juridica subsidiarios dos atos primérios; nela também o érgio estatal permanece acima e a margem das relagdes a que os préoprios atos se referem; c) a administragio é a emanagdo de atos de producdo juridica complementares, em aplicagao concreta do ato de produgio juridica primédrio e abstrato contido na lei; nessa fimgao, 0 érgio estatal atua como parte das relagdes a que os atos se referem, tal como ocorre nas relagdes de direito privado. A diferenga esté em que, quando se trata de Administrago Piblica, 0 érgio estatal tem o poder de influir, mediante decises unilaterais, na esfera de interesses de terceiros, 0 que no ocorre com o particular, Dai a posigdo de superioridade da Administragao na relagao de que é parte. A essa distingdo pode-se acrescentar, com relagdo as duas ultimas fungdes, a seguinte: a jurisdigdo atua mediante provocagao da parte interessada, razdo pela qual & fungdo subsi se exerce apenas quando os interessados nao cumpram a lei espontaneamente; a administragao atua independentemente de provocagdo para que a vontade contida no comando legal seja cumprida e aleancados os fins estatais. ria, que No entanto, 0 mesmo autor demonstra que a fungdo de emanar atos de produgiio juridica complementares nao fica absorvida apenas pela fung%io administrativa de realizagao concreta dos interesses coletivos, mas compreende também a fungio politica ou de governo, “que implica uma atividade de ordem superior referida a diregéio suprema e geral do Estado em seu conjunto e em sua unidade, dirigida a determinar os fins da ago do E ado, a assinalar as diretrizes para as outras fungdes, buscando a unidade da soberania estatal”. Basicamente, a fimgao politica compreende as atividades colegislativas e de diregao; e a fungio administrativa compreende o servigo piblico, a intervengao, 0 fomento ¢ a pol Nao ha uma separagio precisa entre os dois tipos de fungéio. Sob o ponto de vista do contetido (aspecto material), nai se distinguem, pois em ambas as hipéteses ha aplicagdo concreta da lei. Alguns tragos, no entanto, parecem estar presentes na funcdo politica: ela abrange atribuigdes que decorrem diretamente da Constituigdo e por esta se regulam; e¢ dizem respeito mais a polis, a sociedade, a nagdo, do que a interesses individuais. Costuma-se dizer que os atos emanados no exercicio da fungao politica nado so passiveis de apreciagao pelo Poder Judiciario; as Constituigées de 1934 (art. 68) e 1937 (art. 94) estabeleciam que as questées exclusivamente politicas no podiam ser apreciadas pelo Poder Judicidrio. As Constituigées posteriores silenciaram, mas a vedagdo persiste, desde que se considerem como questdes exclusivamente politicas aquelas que, dizendo respeito a poli afetam direitos subjetivos. No entanto, se houver lesdo a direitos individuais nao ¢, atualmente, aos chamados interes s difusos protegidos por ago popular € ago civil piblica, 0 ato de Governo sera passivel de apreciagao pelo Poder Judiciario. Sio exemplos de atos politicos: a convocagio extraordindria do Congresso Nacional, a nomeagdo de Comissées Parlamentares de Inquérito, as nomeagdes de Ministros de Estado, as relages com Estados estrangeiros, a declarac%io de guerra ¢ de paz, a permissdo para que forgas estrangeiras transitem pelo territério do Estado, a declaragao de estado de sitio ¢ de emergéncia, a intervengao federal nos Estados. Além disso, podem ser assim considerados os atos decisérios que implicam a fixagao de metas, de diretrizes ou de planos governamentais. Estes se inserem na fungao politica do Governo e serio executados pela Administragdo Pablica (em sentido estrito), no exercicio da fungdo administrativa propriamente dita. 2.3.2 Aspecto subjetivo Vistas as trés fungdes do Estado — legislagao, jurisdicao ¢ administragdo — e, paralelamente a estas, a fungdo politica ou de governo, & preciso verificar como se distribuem entre os trés Poderes do Estado. E sabido que ndo ha uma separagdo absoluta de poderes; a Constituigdio, no artigo 2°, diz que “siio Poderes da Unido, independentes e harménicos entre si, o Legislative, o Executive e o Judic dos Poderes uma das trés fungdes basicas, prevendo algumas interferéncias, de modo a assegurar um io”. Mas, quando define as respectivas atribuigées, confere predominantemente a cada um sistema de freios ¢ contrapesos. Assim é que os Poderes Legislativo e Judicidrio, além de suas fungdes precipuas de legislar ¢ julgar, exercem também algumas fungées administrativas, como, por exemplo, as decorrentes dos poderes hierarquico e disciplinar sobre os respectivos servidores. Do mesmo modo, o Executivo participa da fungao legislativa, quando da inicio a projetos de lei, quando veta projetos aprovados pela Assembleia, quando adota medidas provisorias, com forga de lei, previstas no artigo 62 da Constituigao, ou elabora leis delegadas, com base no artigo 68. O Legislativo também exerce algumas fungées judicantes, como no caso em que o Senado processa ¢ julga o Presidente da Republica por crime de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronautica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles, ou quando processa ¢ julga os Ministros do STF, os membros do Conselho Nacional de Justiga e do Conselho Nacional do Ministério Publico, 0 Procurador Geral da Reptblica e 0 ‘Advogado Geral da Unido nos crimes de responsabilidade (art. 52, incisos I e Il, da Constituigao). Quanto & fungaio politica, quem a exerce? Fernando Andrade de Oliveira (RDA 120/26-28) faz um estudo sobre a evolugdo do Governo, mostrando que, em sua acepgao primitiva, 0 vocdbulo indicava o conjunto das fungées do Estado, incluindo a jurisdigao e a legislagdo, aquela nascida antes desta; “nas suas formagdes mais antigas, 0 Governo nao legislava, pois a criag%o do direito se realizava pelo costume, como produto espontaneo da cultura popular. O governante se limitava a resolver os litigios, procedendo como drbitro na aplicagao das normas de conduta social preexistente. Tanto que, conforme observa Robert M. Maclven, s6 em épocas posteriores surgiram legisladores, como Licurgo, Sélon, Hammurabi ¢ Moisés que, alids, apenas codificaram as leis tradicionais ou as apresentaram como mandamentos oriundos da divindade”. A atividade administrativa compreendia “arrecadagao e aplicagdo de tributos e aproveitamento de recursos humanos e materiais disponiveis, na execugao de obras e servigos de interesse comum e particularmente titeis 4 defesa do agregado social, contra as agressées internas e externas — todas essas participantes dos fins essenciais do Estado e determinantes da sua organizagao”. O mesmo autor mostra que “as fungées do Estado antigo somente comportavam um conceito de administrago em sentido amplo, compreensivo daquelas atividades origindrias e indefinidas do governo, jd que, nas suas primeiras fases, o processo evolutivo de diferenciagdo material das fungées publi administragao, stricto sensu, tal como é hoje considerada, permaneceu sem especificagdio, no niicleo apenas veio alcangar, progressivamente, a jurisdigao e a legislagdo. Durante muito tempo, a central das atividades do Estado, fundida a fungdo governamental, por sua vez carente de identidade propria. Na sua acepedo primitiva, a palavra governo indicava, pois, 0 conjunto das fungdes do Estado, de que se separou, primeiro, a justica, depois, a legislagao. E por isso que, atualmente, 0 termo & empregado por muitos autores para designar tio somente as atividades residuais, atribuidas ao Poder Executive. Mas aquele significado genérico ainda prevalece para exprimir o Poder Publico ou Juridico, inseparavel da coatividade e que, como elemento formal, conjugado com 0 territério, como dado material, e com o pove, que ¢ 0 componente social, constituem o Estado, no seu todo”. Diante disso, & valido identificar-se Administrago Publica (em sentido subjetivo) com Governo, para concluir-se que as fingdes politicas so atribuidas ao Poder Executivo? Na realidade, existe uma preponderancia do Poder Executivo no exercicio das atribuigées politicas; mas no existe exclusividade no exercicio dessa atribui regime presidencialista e com grande concentragao de poderes nas mios do Presidente da Republica, é justificavel a tendéncia de identificar-se 0 Governo com o Poder Executivo. E quando se pensa em . No direito brasileiro, de fungo politica como aquela que traga as grandes diretrizes, que dirige, que comanda, que elabora os planos de governo nas suas varias areas de atuagdo, verifica-se que o Poder Executivo continua, na atual Constituigao, a deter a maior parcela de atuagdo politica, pelo menos no que diz respeito as iniciativas, embora grande parte delas sujeitas 4 aprovagdo, prévia ou posterior, do Congresso Nacional; aumenta a participagdio do Legislativo nas decisdes do Governo. Pode-se dizer que no direito brasileiro as fungées politicas repartem-se entre Executivo e Legislativo, com acentuada predominancia do primeiro. Ao contrério dos Estados Unidos, onde o Poder Judicidrio desempenha papel de relevo nessa drea, chegando-se a falar, em determinada época de sua evolugao, em governos dos juizes, no Brasil a sua atuagdo restringe-se, quase exclusivamente, a atividade jurisdicional, sem grande poder de influéncia nas decisdes politi s do Governo, a ndo ser pelo seu papel de controle. 2.4 ADMINISTRACAO PUBLICA EM SENTIDO ESTRITO Deixando de lado a ideia de Administragao Piblica em sentido amplo, que abrange, em sentido subjetivo, os érgaos governamentais (Governo), ¢ os érgios administrativos (Administragao Publica em sentido estrito e proprio), e, em sentido objetivo, a fungao politica ¢ a administrativa, levar-se-a em consideragao, doravante, apenas a Administragio Publica em sentido estrito, que compreende: a) _ em sentido subjetivo: as pessoas juridicas, érgdos e agentes puiblicos que exercem a fung administrativa; b) emsentido objetivo: a atividade administrativa exercida por aqueles entes. Nesses sentidos, a Administragdo Publica é objeto de estudo do direito administrativo; o Governo e a fungao politica sio mais objeto do Direito Constitucional. 2.5 ADMINISTRACAO PUBLICA EM SENTIDO OBJETIVO Em sentido objetivo, a Administragao Publica abrange as atividades exercidas pelas pessoas juridicas, érgios e agentes incumbidos de atender concretamente as necessidades coletivas; corresponde a fungio administrativa, atribufda preferencialmente aos érgfios do Poder Executivo. Nesse sentido, a Administragdo Piblica abrange o fomento, a policia administrativa ¢ 0 servigo pablico. Alguns autores falam em interveng&o como quarta modalidade, enquanto outros a consideram como espécie de fomento. Ha quem inclua a regulagao como outro tipo de fungio administrativa. E 0 caso de Marcal Justen Filho (2005:447), para quem a regulag4o econdmico-social “consiste na atividade estatal de intervengdo indireta sobre a conduta dos sujeitos piblicos e privados, de modo permanente e sistemdtico, para implementar as politicas de governo”. Um pouco além, ele afirma que a regulagao se traduz tanto na fungao administrativa como legislativa, jurisdicional e de controle; essa afirmagio € aceitivel desde que se tenha presente que as fungdes legislativa e jurisdicional exercidas pela Administragio Publica so tipicas de outros Poderes do Estado, porém atribuidas a entes administrativos dentro do sistema de freios e contrapesos. A atividade normativa e a atividade judicante, no caso, tm que observar os limites constitucionais. Assim, as normas baixadas colocam- se em nivel hierarquico inferior as leis, ¢ as decisdes de conflitos nao fazem coisa julgada (a ndo ser no sentido de coisa julgada administrativa);' portanto, sdo fungdes atipicas da Administragao Publica. Na realidade, a regulagao envolve uma parcela de cada uma das fungdes administrativas (policia administrativa, intervengdo ¢ fomento), como, alias, decorre do préprio ensinamento de Margal Justen Filho (2005:448-452). Nessas outras fungdes administrativas, também esto presentes a fungdo normativa ¢ a funcdo de controle. © fomento abrange a atividade administrativa de incentivo a iniciativa privada de utilidade publica, Fernando Andrade de Oliveira (RDA 120/14) indica as seguintes atividades como sendo de fomento: a) _auxilios financeiros ou subvengées, por conta dos orgamentos publicos; b) _financiamento, sob condigdes especiais, para a construgao de hotéis e outras obras ligad ao desenvolvimento do turismo, para a organizacado e o funcionamento de industrias relacionadas com a construgao civil, ¢ que tenham por fim a produgao em larga escala de materiais aplicdveis na edificagdo de residéncias populares, concorrendo para seu barateamento; c) favores fiscais que estimulem atividades consideradas particularmente benéficas ao progresso material do pais; d) desapropriagdes que favorecam entidades privadas sem fins lucrativos, que realizem atividades Uteis 4 coletividade, como os clubes desportivos e as instituigdes beneficentes. A policia administrativa compreende toda atividade de execugdio das chamadas limitagdes administrativas, que so restrigdes impostas por lei ao exercicio de direitos individuais em ia, como ordens, notificagdes, beneficio do interesse coletivo, Compreende medidas de poli licengas, autorizagées, fiscalizagao e sangdes. Servigo publico é toda atividade que a Administragao Publica executa, direta ou indiretamente, para satisfazer a necessidade coletiva, sob regime juridico predominantemente piblico. Abrange atividades que, por sua essencialidade ou relevancia para a coletividade, foram assumidas pelo Estado, com ou sem exclusividade. A prépria Constituicdio Federal é farta em exemplos de servigos publicos, em especial os previstos no artigo 21 com a redagao dada pela Emenda Constitucional n° 8/95: servigo postal e correio aéreo nacional (inciso X), servigos de telecomunicagées (inciso XI), servigos © instalagdes de energia elétrica aproveitamento energético, radiodifusao, navegagao aérea, aeroespacial, transporte ferrovidrio e aquavidrio entre portos brasileiros em fronteiras nacionais ou que transponham os limites de Estado ou Territério, transporte rodoviario interestadual e internacional de passageiros, servigos de portos maritimos, fluviais e lacustres (inciso XII); servigos oficiais de estatistica, geografia, geologia e cartografia de Ambito nacional (inciso XV); servigos nucleares (inciso XXIII). A intervengio compreende a regulamentagao e fiscalizagao da atividade econémica de natureza privada (intervencao indireta), bem como a atuag&o direta do Estado no dominio econémico (intervengo direta), 0 que se da normalmente por meio das empresas estatais. Nesse caso, 0 Estado opera segundo as normas do dircito privado, consoante artigo 173, § 1°, II, da Constituigdo Federal, porém com intimeras derrogacées impostas por outras normas constitucionais, como as referentes a fiscalizagao financeira e orgamentaria (art. 70 e seguintes) e as constantes do capitulo concernente a Administragdo Publica, em especial 0 artigo 37. Para quem, como nés, considera como atividade ou fungdo administrativa apenas aquela sujeita total ou predominantemente ao direito puiblico, a intervengaio, na segunda modalidade apontada, nao constitui fungdo administrativa; nesse caso, trata-se de atividade privada, que o Estado exerce em regime de monopélio nos casos indicados na Constituigao (art. 177) ou em regime de competigao com o particular, conforme o determine o interesse piblico ou razdes de seguranga (art. 173). Essas atividades econémicas de natureza privada séo denominadas de servigos governamentais por Celso Anténio Bandeira de Mello (2008:683). As demais atividades ou so, originariamente, préprias do Estado ou foram sendo por ele assumidas como suas, para atender as necessidades coletivas; ele as exerce diretamente ou transfere a terceiros o seu exercicio, outorgando-Ihes determinadas prerrogativas publicas necessdrias a esse fim. A atividade que o Estado exerce a titulo de intervengdo direta na ordem econémica nao é assumida pelo Estado como atividade publica; ele a exerce conservando a sua condi¢ao de atividade de natureza privada, submetendo-se, por isso mesmo, as normas de direito privado que ndo forem expressamente derrogadas pela Constituigdo. Aqui, a Administragao Publica sai de sua érbita natural de ago para atuar no ambito de atuagdo reservado preferencialmente a iniciativa privada. Quanto a regulagéio, trata-se de atividade que envolve poder normativo por parte da Administragio Pablica (portanto, fungdo atipica da Administrago Publica), policia, fomento, intervengdo, com a peculiaridade de que todas essas atribuigdes se concentram em um mesmo ente (as agéncias reguladoras, ainda que nem todas tenham essa denominagao). Sio as seguintes as caracteristicas da Administragiio Publica, em sentido objetivo: 1. €uma atividade concreta, no sentido de que poe em execugdo a vontade do Estado contic na lei; a sua finalidade € a satisfagao direta e imediata dos fins do Estado; 3. 0 seu regime juridico & predominantemente de direito piiblico, embora possa também submeter-se a regime de direito privado, parcialmente derrogado por normas de direito publico. Assim, em sentido material ou objetivo, a Administragao Piblica pode ser definida como a atividade conereta e imediata que o Estado desenvolve, sob regime juridico total ou parcialmente publico, para a consecugio dos interesses coletivos. 2.6 ADMINISTRACAO PUBLICA EM SENTIDO SUBJETIVO Considerando agora os sujeitos que exercem a atividade administrativa, a Administragdo Publica abrange todos os entes aos quais a lei atribui 0 exercicio dessa fungdo. Predominantemente, a fun¢ao administrativa ¢ exercida pelos érgios do Poder Executivo; mas, como o regime constitucional nao adota o principio da separagdo absoluta de atribuigdes e sim o da especializagao de fungdes, os demais Poderes do Estado também exercem, além de suas atribuigdes predominantes — legislativa e jurisdicional — algumas fungdes tipicamente administrativas. Tais fungSes sao exercidas, em parte, por drgios administrativos existentes no Ambito dos dois Poderes (as respectivas Secretarias) e, em parte, pelos préprios parlamentares e magistrados; os primeiros, por meio das chamadas leis de efeito concreto, que sdo leis apenas, em sentido formal, porque emanam do Legislativo e obedecem ao processo de elaboragao das leis, mas so verdadeiros atos administrativos, quanto ao seu contetido; os segundos, por meio de atos de natureza disciplinar, atos de provimento de seus cargos, atos relativos a situagdo funcional dos integrantes do Poder Judiciario. Assim, compéem a Administragao Publica, em sentido subjetivo, todos os érgios integrantes das pessoas juridicas politicas (Unido, Estados, Municipios e Distrito Federal), aos quais a lei confere o exercicio de fungdes administrativas. Sao os orgios da Administragao Direta do Estado. Porém, nao é sé. As vezes, a lei opta pela execugdo indireta da atividade administrativa, transferindo-a a pessoas juridicas com personalidade de direito publico ou privado, que compem a chamada Administragao Indireta do Estado. Desse modo, pode-se definir Administragao Publica, em sentido subjetivo, como o conjunto de érgaos e de pessoas juridicas aos quais a lei atribui o exercicio da fung&o administrativa do Estado. N odireito positive brasileiro, hi uma enumeragio legal dos entes que compdem a Administragao Publica, subjetivamente considerada. Trata-se do artigo 4° do Decreto-lei n’ 200, de 25-2-67, 0 qual, coma redagiio dada pela Lei n° 7.596, de 10-4-87, determina: “A administragio federal compreende: I— aadministragio direta, que se constitui dos servigos integrados na estrutura administrativ da Presidéncia da Repiiblica e dos Ministérios; I— a administragdo indireta, que compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas d personalidade juridica propri a) autarquias; b) empresas publicas; c) sociedades de economia mista; d) fundagées puiblicas.” Embora esse decreto-lei seja aplicdvel, obrigatoriamente, apenas 4 Unido, nao ha divida de que contém conceitos, prinefpios que, com algumas ressalvas feitas pela doutrina, se incorporaram aos Estados e Municfpios, que admitem aquelas mesmas entidades como integrantes da Administragao Indireta, chamada de Administragéio Descentralizada na legislagdo do Estado de Sao Paulo (Decreto- lei Complementar n? 7, de 6-11-69). Hoje também compdem a Administragao Indireta os consércios puiblicos di n° 11.107, de 6-4-05 (v. item 10.10). linados pela Lei RESUMO 1. © vocdbulo “administragao”: designa uma vontade externa ao administrador a impor-lhe a orientagiio a seguir. No caso da Administracdo Publica a vontade decorre da lei que fixa a finalidade a ser seguida pelo administrador. 2. Distingo entre as trés fungdes do Estado: a) Legislagao: é ato de produgao juridica primario, porque fundado no poder soberano; nela, 0 Estado regula relagdes, permanecendo acima ¢ & margem destas; b) Jurisdigaio: é a emanago de atos de produgio juridica subsididrios dos atos primarios; 0 6rgdo estatal permanece acima ¢ & margem das relagdes a que os atos se referem; a jurisdig&o atua mediante provocagiio da parte interessada, razio pela qual é fungaio subsididria, que se exerce apenas quando 0s interessados no cumpram a lei espontaneamente; c) Administragio: é a emanagao de atos de produgao juridica complementares, em aplicagio concreta do ato de produgdo juridica primério e abstrato contido na lei; 0 érgio atua como parte das relagdes a que os atos se referem; a administragao atua independentemente de provocacio. 3. Administragao Publica e Governo: a fung%io de governo também emana atos de producto juridica complementares, referentes A diregdo suprema e geral do Estado e a fixagio das diretrizes para as outras fungdes: abrange as atividades colegislativas e de direcio; quanto ao contetido (aspecto material), no se distinguem as funges administrativas e de governo, mas nesta tiltima incluem-se atribuigdes que decorrem diretamente da Constituigao, dizendo respeito mais 4 polis, 4 sociedade, & nagdo, do que a interesses individuais; a Administragao Publica é objeto de estudo mais do direito administrativo, e, por sua vez, 0 Governo € objeto de estudo mais do direito constitucional. 4, Exemplos de atos politicos: convocagao extraordinaria do Congresso Nacional, a nomeagao de Comissées Parlamentares de Inquérito, as nomeagdes de Ministros, as relagées com Estados estrangeiros, a declaragiio de guerra e de paz, a declaragdo de estado de sitio e de emergéncia, a intervengao federal. 5. Administracdo Publica em sentido objetivo: —abrangéneia: atividades exercidas pelas pessoas juridicas, érgios e agentes incumbidos de atender concretamente as necessidades coletivas; corresponde a fungdo administrativa do Estado: servigo publico, fomento, policia administrativa, intervengdo ¢ regulagao; — caracteristicas: ¢ atividade concreta (porque pée em execugdo a vontade do Estado contida na lei); tem por finalidade a satisfacdo direta e imediata dos fins do Estado; seu regime juridico é predominantemente de direito puiblico, embora possa também submeter-se a regime de direito privado; —conceito: é a atividade concreta ¢ imediata que o Estado desenvolve, sob regime juridico total ou parcialmente publico, para a consecugdo dos interesses coletivos. 6. Administraco Publica em sentido subjetivo: — abrangéncii administragdo indireta (autarquias, fundages publicas, empresas piiblicas, sociedades de economia mista e consércios piiblicos), érgfos que integram a administragao direta; agentes piiblicos; — coneeito: conjunto e érgios, de pessoas juridicas ¢ de agentes aos quais a lei atribui o exercicio da fungao administrativa do Estado, as pessoas juridicas de direito piblico ou privado que compoem a LV. item 17.3.2.3. 3 Regime Juridico Administrativo 3.1 REGIMES PUBLICO E PRIVADO NA ADMINISTRAGAO PUBLICA A Administragio Publica pode submeter-se a regime juridico de direito privado ou a regime juridico de direito publico. A opséo por um regime ou outro é feita, em regra, pela Constituigdo ou pela lei. Exemplificando: 0 artigo 173, § 1°, da Constituigao, prevé lei que estabelega o estatuto juridico da empresa piiblica, da sociedade de economia mista ¢ de suas subsididrias que explorem atividade econdmica de produgao ou comercializagaio de bens ou de prestagiio de servigos, dispondo, entre outros aspectos, sobre “a sujeigo ao regime juridico préprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigagdes civis, comerciais, trabalhistas e tributirios”. Nao deixou qualquer opso Administragio Pablica e nem mesmo ao legislador; quando este instituir, por lei, uma entidade para desempenhar atividade econémica, terd que submeté-la ao direito privado. J4 0 artigo 175 outorga ao Poder Pablico a incumbéncia de prestar servigos ptiblicos, podendo fazé-lo diretamente ou sob regime de concessdo ou permissdo; e 0 pardgrafo tnico deixa a lei ordindria a tarefa de fixar o regime das empresas concessiondrias e permissiondrias de servigos publi execugao, fiscalizagao ¢ resciso da concessao ou permis 10s, 0 cardter especial de seu contrato, de sua prorrogagio, bem como as condigées de Vale dizer que a Constituigdo deixou a lei a opgdo de adotar um regime ou outro. Isto no quer dizer que a Administragao Piblica nao participe da decisao; ela o faz a medida que, detendo o Poder Executivo grande parcela das decisées politicas, dé inicio ao processo legislativo que resultard na promulgagao da lei contendo a decisdo governamental. Normalmente, na esfera dos drgios administrativos que sao feitos os estudos técnicos e financeiros que precedem o encaminhamento de projeto de lei e respectiva justificativa ao Poder Legislativo. O que nao pode é a Administragdo Publica, por ato proprio, de natureza administrativa, optar por um regime juridico nao autorizado em lei; isto em decorréncia da sua vinculagdo ao principio da legalidade. Nao ha possibilidade de estabelecer-se, aprioristicamente, todas as hipsteses em que a Administragao pode atuar sob regime de direito privado; em geral, a op¢ao feita pelo proprio legislador, como ocorre com as pessoas juridicas, contratos ¢ bens de dominio privado do Estado. Como regra, aplica-se o direito privado, no siléncio da norma de direito piiblico. © que é importante salientar é que, quando a Administragaio emprega modelos privatisticos, nunca ¢ integral a sua submissio ao direito privado; as vezes, ela se nivela ao particular, no sentido de que nao exerce sobre ele qualquer prerrogativa de Poder Piblico; mas nunca se despe de determinados privilégios, como o juizo privativo, a prescrigéo quinquenal, 0 processo especial de execugdo, a impenhorabilidade de seus bens; e sempre se submete a restrigées concernentes competéncia, finalidade, motivo, forma, procedimento, publicidade. Outras vezes, mesmo utilizando © direito privado, a Administragdo conserva algumas de suas prerrogativas, que derrogam parcialmente o direito comum, na medida necessdria para adequar 0 meio utilizado ao fim pablico a cuja consecugao se vincula por lei. Por outras palavras, a norma de direito piblico sempre impée desvios ao direito comum, para permitir 8 Administragdo Publica, quando dele se utiliza, alcangar os fins que 0 ordenamento juridico Ihe atribui e, ao mesmo tempo, preservar os direitos dos administrados, criando limitagdes 4 atuagdo do Poder Puiblico. 3.2 REGIME JURiDICO ADMINISTRATIVO A expresso regime juridico da Administragao Publica ¢ utilizada para designar, em sentido amplo, os regimes de direito puiblico ¢ de direito privado a que pode submeter-se a Administragao Publica. Jé a expresso regime juridico administrative é reservada tio somente para abranger 0 conjunto de tragos, de conotagdes, que tipificam 0 Direito Administrative, colocando a Administragao Piblica numa posigao privilegiada, vertical, na relagao juridico-administrativa. Basicamente, pode-se dizer que o regime administrativo resume-se a duas palavras apenas: prerrogativas ¢ sujeigdes. E 0 que decorre do ensinamento de Rivero (1973:35), quando afirma que as particularidades do “as normas do Direito Direito Administrative parecem decorrer de duas ideias opostas: Administrative caracterizam-se, em face das do direito privado, seja porque conferem a Adnministragdo prerrogativas sem equivalente nas relagdes privadas, seja porque impdem & sua liberdade de ago sujeigdes mais estritas do que aquelas a que estao submetidos os particulares”. O Direito Administrativo nasceu sob a égide do Estado liberal, em cujo seio se desenvolveram os principios do individualismo em todos os aspectos, inclusive 0 juridico; paradoxalmente, 0 regime administrativo traz em si tragos de autoridade, de supremacia sobre o individuo, com vistas consecugao de fins de interesse geral. Garrido Falla (1962:44-45) acentua esse aspecto. Em suas palavras, “é curioso observar que fosse o préprio fendmeno histérico-politico da Revolugdo Francesa o que tenha dado lugar simultaneamente a dois ordenamentos distintos entre si: a ordem juridica individualista e o regime administrative. O regime individualista foi se alojando no campo do direito civil, enquanto o regime administrativo formoua base do direito puiblico administrativ. Assim, 0 Direito Administrativo nasceu e desenvolveu-se baseado em duas ideias opostas: de um lado, a protegio aos direitos individuais frente ao Estado, que serve de fundamento ao principio idade de satisfagio dos interesses coletivos, que conduz a outorga de prerrogativas ¢ privilégios para a Administragio da legalidade, um dos esteios do Estado de Direito; de outro lado, a de nece Publica, quer para limitar 0 exercicio dos direitos individuais em beneficio do bem-estar coletivo (poder de policia), quer para a prestagao de servigos piblicos. Dai a bipolaridade do Direito Administrativo: liberdade do individuo ¢ autoridade da Administragao; restrigdes _¢ prerrogativas. Para assegurar-se a liberdade, sujeita-se a Adnministragao Piblica 4 observancia da lei e do direito (incluindo principios e valores previstos explicita ou implicitamente na Constituigao); é a aplicagiio, ao direito piblico, do principio da legalidade. Para assegurar-se a autoridade da Administragao Pablica, necessdria A consecugao de seus fins, sdo-lhe outorgados prerrogativas e privilégios que lhe permitem assegurar a supremac do interesse ptblico sobre o particular. Isto significa que a Administragao Publica possui prerrogativas ou privilégios, desconhecidos na esfera do direito privado, tais como a autoexecutoriedade, a autotutela, 0 poder de expropriar, 0 de requisitar bens ¢ servigos, o de ocupar temporariamente 0 imével alheio, o de instituir servidao, o de aplicar anges administrativas, o de alterar e rescindir unilateralmente os contratos, 0 de impor medidas de policia. Goza, ainda, de determinados privilégios como a imunidade tributéria, prazos dilatados em juizo, juizo privativo, processo especial de execugao, presungao de veracidade de seus atos. Segundo Cretella Junior (Revista de Informagao Legislativa, v. 97:13), as prerrogativas pitblicas so “as regalias usuftuidas pela Administragao, na relagio juridico-administrativa, derrogando © direito comum diante do administrador, ou, em outras palavras, s&io as faculdades especiais conferidas a Administragaio, quando se decide a agir contra o particular”. Mas, ao lado das prerrogativas, existem determinadas restrigées a que esta sujeita a Administragao, sob pena de nulidade do ato administrative e, em alguns casos, até mesmo de responsabi i io da autoridade que o editou. Dentre restrigées, citem-se a observancia da finalidade ptiblica, bem como os principios da moralidade administrativa e da legalidade, a obrigatoriedade de dar publicidade aos atos administrativos e, como decorréncia dos mesmos, a sujeigdo a realizagdo de concursos para selegdo de pessoal e de concorréncia publica para a elaboracao de acordos com particulares. ‘Ao mesmo tempo em que as prerrogativas colocam a Administragdo em posig&o de supremacia perante o particular, sempre com o objetivo de atingir o beneficio da coletividade, as restrigdes a que esté sujeita limitam a sua atividade a determinados fins ¢ principios que, se nao observados, impli m desvio de poder e cor equente nulidade dos atos da Administragio. © conjunto das prerrogativas e restrigées a que esté sujeita a Administragao ¢ que nao se encontram nas relacées entre particulares constitui o regime juridico administrativo. Muitas dessas prerrogativas e restrigdes siio expressas sob a forma de principios que informam 0 direito publico e, em especial, o Direito Administrativo. 3.3. PRINCIPIOS DA ADMINISTRACAO PUBLICA “Principios de uma ciéncia so as proposigdes basicas, fundamentais, tipicas que condicionam todas as estruturagdes subsequentes. Principios, neste sentido, so os alicerces da ciéncia.” E o conceito de José Cretella Jtinior (Revista de Informagdio Legislativa, v. 97:7). Segundo 0 mesmo autor, os principios classificam-se em: a) onivalentes ou universais, comuns a todos os ramos do saber, como o da identidade e 0 razio suficiente; b) _ plurivalentes ou regionais, comuns a um grupo de ciéncias, informando-as nos aspectos que se interpenetram. Exemplos: 0 principio da causalidade, aplicdvel as ciéncias naturais e 0 principio do alterum non laedere (nao prejudicar a outrem), aplicavel as ciéncias naturais © as ciéncias juridicas; c) monovalentes, que se referem a um sé campo do conhecimento; hd tantos principios monovalentes quantas sejam as ciéncias cogitadas pelo espirito humano. E 0 caso dos principios gerais de dircito, como o de que ninguém se escusa alegando ignorar a lei; d) _ setoriais, que informam os diversos setores em que se divide determinada ciéncia, Por exemplo, na ciéncia juridica, existem principios que informam 0 Direito Civil, o Direito do Trabalho, o Direito Penal ete. Desse modo, o Direito Administrativo esté informado por determinados principios, alguns deles préprios também de outros ramos do direito piiblico ¢ outros dele especificos ¢ enquadrados como setoriais, na classificagao de Cretella Jinior. Sendo 0 Direito Administrativo, em suas origens, de elaboragao pretoriana e nao codificado, os principios sempre representaram papel relevante nesse ramo do dircito, permitindo 4 Administragao € a0 Judicidrio estabelecer o necessario equilibrio entre os direitos dos administrados © as prerrogativas da Administragao. Os dois prinefpios fundamentais e que decorrem da assinalada bipolaridade do Direito Administrative — liberdade do individuo e autoridade da Administragio — so os principios da legalidade e da supremacia do interesse publico sobre o particular, que ndo sao especificos do Direito Administrative porque informam todos os ramos do direito piiblico; no entanto, sio essenciais, porque, a partir deles, constroem-se todos os demais. A Constituigo de 1988 inovou ao fazer expressa mengao a alguns principios a que se submete a Administragao Pablica Direta ¢ Indireta, a saber, os principios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade administrativa, da publicidade ¢ eficiéneia (art. 37, caput, com redagao dada pela Emenda Constitucional n° 19, de 4-6-98), aos quais a Constituigio Estadual acrescentou os da razoabilidade, finalidade, motivagio e interesse puiblico (art. 111). A Lei n° 9.784, de 29-1-99 (Lei do Processo Administrative Federal), no artigo 2°, faz referéncia aos principios da legalidade, finalidade, motivagao, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditério, seguranga juridica, interesse piblico ¢ eficiéncia. Além disso, outras leis esparsas fazem expressa referéncia a principios especificos de determinados processos, tal como ocorre com a Lei n° 8.666, de 21-6-93, sobre licitagio e contrato, e coma Lei n° 8.987, de 13-2-95, sobre concessio e permissao de servigo piblico. Ressalvados os principios especificos de determinados processos, que serio analisados nos capitulos que cuidam da matéria a que se referem, serio a seguir comentados os demais principios constitucionais ¢ legais ja referidos, além de alguns ndo contemplados expressamente no direito positivo, mas que informam também o Direito Administrativo. 3.3.1 Legalidade Este principio, juntamente com o de controle da Administragao pelo Poder Judiciario, nasceu com o Estado de Direito e constitui uma das principais garantias de respeito aos direitos individuais. Isto porque a lei, ao mesmo tempo em que os define, estabelece também os limites da atuagio administrativa que tenha por objeto a restrigéo ao exercicio de tais direitos em beneficio da coletividade. E aqui que melhor se enquadra aquela ideia de que, na relacao administrativa, a vontade da Administragao Publica é a que decorre da lei. Segundo o principio da legalidade, a Administragdo Publica s6 pode fazer o que a lei permite. No Ambito das relagGes entre particulares, 0 principio aplicavel ¢ 0 da autonomia da vontade, que Ihes permite fazer tudo 0 que a lei nao proibe. Essa é a ideia expressa de forma lapidar por Hely Lopes Meirelles (2003:86) e corresponde ao que j4 vinha explicito no artigo 4° da Declaragdo dos Direitos do Homem e do Cidadao, de 1789: “a liberdade cor prejudica a outrem; assim, 0 exercicio dos direitos naturais de cada homem no tem outros limites iste em fazer tudo aquilo que n&o que os que asseguram aos membros da sociedade 0 gozo desses mesmos direitos. Esses limites somente podem ser estabelecidos em lei”. No direito positivo brasileiro, esse postulado, além de referido no artigo 37, esta contido no artigo 5°, inciso Il, da Constituigdo Federal que, repetindo preceito de Constituigdes anteriores, estabelece que “ninguém sera obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa sendo em virtude de lei”. Em decorréncia disso, a Administrago Publica nao pode, por simples ato administrativo, conceder direitos de qualquer espécie, criar obrigagdes ou impor vedagdes aos administrados; para tanto, ela depende de lei. A observancia do referido preceito constitucional & garantida por meio de outro direito assegurado pelo mesmo dispositivo, em seu inciso XXXV, em decorréncia do qual “a lei nao excluiré da apreciagao do Poder Judicidrio leso ou ameaga a direito”, ainda que a mesma decorra de ato da Administragao. E a Constituigao ainda prevé outros remédios especificos contra a ilegalidade administrativa, como a agdo popular, o habeas corpus, 0 habeas data, 0 mandado de seguranga e 0 mandado de injun¢o; tudo isto sem falar no controle pelo Legislativo, diretamente ou com auxilio do Tribunal de Contas, ¢ no controle pela propria Administragao. © tema concernente ao principio da legalidade foi mais desenvolvido no livro Discricionariedade Administrativa na Constituigdo de 1988 (Di Pietro: 2001). Sobre o alargamento do principio da legalidade, y., neste livro, 0 item 1.8, sobre as tendéncias atuais do direito administrativo. 3.3.2. Supremacia do interesse publico Esse principio est presente tanto no momento da elaboragio da lei como no momento da sua execugdo em concreto pela Administragdo Publica. Ele inspira o legislador e vincula a autoridade administrativa em toda a sua atuagao. No que diz respeito 4 sua influéncia na elaboragao da lei, é oportuno lembrar que uma das distingSes que se costuma fazer entre o direito privado e o direito publico (e que vem desde o Direito Romano) leva em conta o interesse que se tem em vista proteger; 0 direito privado contém normas de interesse individual ec, o dircito publico, normas de interesse publico. Esse critério tem sido criticado porque existem normas de direito privado que objetivam defender 0 interesse ptiblico (como as concernentes ao Direito de Familia) ¢ existem normas de direito pUblico que defendem também interesses dos particulares (como as normas de seguranga, satide publica, censura, disposigdes em geral atinentes ao poder de policia do Estado e normas no capitulo da Constituigao consagrado aos direitos fundamentais do homem). Apesar das criticas a esse critério distintivo, que realmente nao é absoluto, algumas verdades permanecem: em primeiro lugar, as normas de direito publico, embora protejam reflexamente o interesse individual, tém o objetivo primordial de atender ao interesse piblico, ao bem-estar coletivo. Além disso, pode-se dizer que o direito piblico somente comegou a se desenvolver quando, depois de superados o primado do Direito Civil (que durou muitos séculos) ¢ 0 individualismo que tomou conta dos varios setores da ciéncia, inclusive a do Direito, substituiuse a ideia do homem como fim tinico do direito (prépria do individualismo) pelo principio que hoje serve de fundamento para todo o direito publico e que vincula a Administragao em todas as suas decisdes: © de que os interesses publicos t#m supremacia sobre os individuais. Com efeito, ja em fins do século XIX comegaram a surgir reagdes contra o individualismo juridico, como decorréncia das profundas transformagdes ocorridas nas ordens econdmica, social politica, provocadas pelos préprios resultados funestos daquele individualismo exacerbado. O Estado teve que abandonar a sua posig%io passiva e comegar a atuar no Ambito da atividade exclusivamente privada. O Direito deixou de ser apenas instrumento de garantia dos direitos do individuo e passou a ser visto como meio para consecugao da justiga social, do bem comum, do benrestar coletivo. Em nome do primado do interesse piiblico, iniimeras transformagdes ocorreram: houve uma ampliagdo das atividades assumidas pelo Estado para atender as necessidades coletivas, com a consequente ampliagio do préprio conceito de servigo piblico. O mesmo ocorreu com o poder de policia do Estado, que deixou de impor obrigagées apenas negativas (nao fazer) visando resguardar a ordem piblica, e passou a impor obrigagdes positivas, além de ampliar 0 seu campo de atuago, que passou a abranger, além da ordem piblica, também a ordem econémica ¢ social. Surgem, no plano constitucional, novos preceitos que revelam a interferéncia crescente do Estado na vida econdmica e no direito de propriedade; assim so as normas que permitem a intervengaio do Poder Piiblico no funcionamento e na propriedade das empresas, as que condicionam o uso da propriedade ao bem- estar social, as que reservam para 0 Estado a propriedade ¢ a exploragao de determinados bens, como as minas e demais riquezas do subsolo, as que permitem a desapropriagiio para a justa distribuigao da propriedade; cresce a preocupagao com os interesses difusos, como o meio ambiente € 0 patriménio historico ¢ artistico nacional. Tudo isso em nome dos interesses piblicos que incumbe ao Estado tutelar. E, pois, no Ambito do direito piiblico, em especial do Direito Constitucional e Administrativo, que o principio da supremacia do interesse piblico tem a sua sede principal. Ocorre que, da mesma forma que esse principio inspira o legislador ao editar as normas de direito publico, também vincula a Administrago Publica, ao aplicar a lei, no exercicio da fungao administrativa. Se a lei da A Administragao os poderes de desapropriar, de requisitar, de intervir, de policiar, de punir, é porque tem em vista atender ao interesse geral, que no pode ceder diante do interesse individual. Em consequéncia, se, ao usar de tais poderes, a autoridade administrativa objetiva prejudicar um inimigo politico, beneficiar um amigo, conseguir vantagens pessoais para si ou para terceiros, estard fazendo prevalecer o interesse individual sobre 0 interesse puiblico e, em consequéncia, estard se desviando da finalidade publica prevista na lei. Dai 0 vicio do desvio de poder ou desvio de finalidade, que torna o ato ilegal. Ligado a esse principio de supremacia do interesse publico — também chamado de principio da finalidade publica — esta o da indisponibilidade do interesse puiblico que, segundo Celso Anténio Bandeira de Mello (2004:69), “significa que sendo interesses qualificados como préprios da coletividade — internos ao setor puiblico — 0 se encontram a livre disposi io de quem quer que seja, por inapropridveis. O préprio érgio administrativo que os representa niio tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que Ihe incumbe apenas curé-los — o que é também um dever ~ na estrita conformidade do que dispuser a intentio legis”. Mais além, diz que “as pessoas administrativas nao tém portanto disponibilidade sobre os interesses piblicos confiados & sua guarda e realizagao. Esta disponibilidade esté permanentemente retida nas maos do Estado (¢ de outras pessoas politicas, cada qual na prépria esfera) em sua manifestagdo legislativa. Por isso, a Administragao e a pessoa administrativa, autarquia, tém cardter instrumental”. Precisamente por no poder dispor dos interesses puiblicos cuja guarda Ihes ¢ atribuida por lei, os poderes atribuidos 4 Administragiio tém 0 carater de poder-dever; sao poderes que ela nao pode deixar de exercer, sob pena de responder pela omissdo. Assim, a autoridade no pode renunciar ao exercicio das competéncias que lhe sao outorgadas por lei; nao pode deixar de punir quando constate a pratica de ilicito administrativo; ndo pode deixar de exercer 0 poder de policia para coibir o exercicio dos direitos individuais em conflito com o bem-estar coletivo; nao pode deixar de exercer os poderes decorrentes da hierarquia; nao pode fazer liberalidade com o dinheiro piblico. Cada vez que ela se omite no exercicio de seus poderes, é 0 interesse piblico que est4 sendo prejudicado. O principio do interesse publico esté expressamente previsto no artigo 2°, caput, da Lei n° 9.784/99, e especificado no pardgrafo Unico, com a exigéncia de “atendimento a fins de interesse geral, vedada a rentincia total ou parcial de poderes ou competéncias, salvo autorizagdo em lei” (inciso Il). Fica muito claro no dispositivo que o interesse publico ¢ irrenunciavel pela autoridade administrativa.' 3.3.3 Impessoalidade Este principio, que aparece, pela primeira vez, com essa denominagao, no art. 37 da Constituigdo de 1988, estd dando margem a diferentes interpretagdes, pois, ao contrrio dos demais, n&o tem sido objeto de cogitagio pelos doutrinadores brasileiros. Exigir impessoalidade da Administragéio tanto pode significar que esse atributo deve ser observado em relagao aos administrados como a propria Administragao. No primeiro sentido, o principio estaria relacionado com afinalidade publica que deve nortear toda a atividade administrativa. Significa que a Administragdo nao pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez, que & sempre o interesse publico que tem que nortear 0 seu comportamento. Aplicagao desse principio encontra-se, por exemplo, no artigo 100 da Constituigdo, referente aos precatérios judi créditos adicionais abertos para esse fim. ; 0 dispositivo proibe a designagao de pessoas ou de casos nas dotagdes orcamentérias ¢ nos No segundo sentido, o principio significa, segundo José Afonso da Silva (2003:647), baseado na lig&o de Gordillo que “os atos e provimentos administrativos so imputaveis ndo ao funciondrio que os pratica, mas ao drgdo ou entidade administrativa da Administragao Publica, de sorte que cle é © autor institucional do ato. Ele é apenas o érgdo que formalmente manifesta a vontade estatal”. Acrescenta 0 autor que, em consequéncia “as realizagSes governamentais nao so do funcionario ou autoridade, mas da entidade publica em nome de quem as produzira. A propria Constituigdo dé uma consequéncia expressa a essa regra, quando, no § 1° do artigo 37, proibe que conste nome, simbolos o uimagens que caracterizem promogao pessoal de autoridades ou servidores ptblicos em publicidade de atos, programas, obras, servigos e campanhas dos érgios piblicos”. Na Lei n° 9.784/99, 0 principio no aparece expressamente mencionado, porém, estd implicitamente contido no artigo 2°, pardgrafo tinico, inciso III, nos dois sentidos assinalados, pois se exige “ohjetividade no atendimento do interesse ptiblico, vedada a promogéo pessoal de agentes ou autoridades”. Outra aplicagao desse principio encontra-se em matéria de exercicio de fato, quando se reconhece validade aos atos praticados por funciondrio irregularmente investido no cargo ou fungao, sob fundamento de que os atos so do érgio ¢ nao do agente publico. E oportuno lembrar, ainda, que a Lei n° 9.784/99, nos artigos 18 a 21, contém normas sobre impedimento e suspeigdo, que se inserem também como aplicagao do principio da impessoalidade e do principio da moralidade (v. item 7.1.2.3). Do mesmo modo que nas ages judiciais existem hipoteses de impedimento ¢ suspeigao do Juiz, também no processo administrativo essas hipéteses criam presungdo de parcialidade da autoridade que decidir sem declarar a existéncia das causas de impedimento ou suspeigao. 3.3.4 Presuncao de legitimidade ou de veracidade Esse principio, que alguns chamam de principio da presungao de legalidade, abrange dois aspectos: de um lado, a presungdo de verdade, que diz respeito 4 certeza dos fatos; de outro lado, a presungdo da legalidade, pois, se a Administrag%o Publica se submete A lei, presume-se, até prova em contrario, que todos os seus atos sejam verdadeiros e praticados com observancia das normas legais pertinentes. Trata-se de presungio relativa (juris tantum) que, como tal, admite prova em contrario. O efeito de tal presungdo é 0 de inverter 0 Gnus da prova. Como consequéncia dessa presungdo, as decisdes administrativas so de execugao imediata ¢ tém a possibilidade de criar obrigagées para o particular, independentemente de sua concordancia e, em determinadas hipdteses, podem ser executadas pela prépria Administragao, mediante meios diretos ou indiretos de coagdo. E 0 que os franceses chamam de decisdes executérias da Administragao Publica. A Lei n® 13.460, de 26-6-17, que dispde sobre participagdo, protegdo ¢ defesa dos direitos do usurio dos servigos publicos da Administragao Publica, prevé também a presungdo de boa-fé do usudrio do servigo publico, colocando-a entre as diretrizes a serem observadas pelos prestadores de servigos publicos (art. 5°). 3.3.5 Especialidade Dos principios da legalidade © da indisponibilidade do interesse pablico decorre, dentre outros, o da especialidade, concernente a ideia de descentralizago administrativa. Quando 0 Estado cria pessoas juridicas piblicas administrativas — as autarquias — como forma de descentralizar a prestagdo de servigos piblicos, com vistas & especializacdo de fungao, a lei que cria a entidade estabelece com precisao as finalidades que lhe incumbe atender, de tal modo que no cabe aos seus administradores afastar-se dos objetivos definidos na lei; isto precisamente pelo fato de nao terem a livre disponibilidade dos interesses publicos. Embora esse principio seja normalmente referido as autarquias, ndo hi razio para negar a sua aplicagdo quanto 4s demais pessoas juridicas, institufdas por lei, para integrarem a Administragdo Publica Indireta. Sendo necessariamente criadas ou autorizadas por lei (conforme norma agora expressa no artigo 37, incisos XIX e XX, da Constituigdo), tais entidades nao podem desvirtuar-se dos objetivos legalmente definidos. Com relag&o as sociedades de economia mista, existe norma nesse sentido, contida no artigo 237 da Lei n° 6.404, de 15-12-76, em cujos termos “a companhia de economia mista somente poderé explorar os empreendimentos ou exercer as atividades previstas na lei que autorizou a sua constitui¢ado”. Significa que nem mesmo a Assembleia Geral de acionistas pode alterar esses objetivos, que sao institucionais, ligados a interesse pablico indisponivel pela vontade das partes interessadas. 3.3.6 Controle ou tutela Para assegurar que as entidades da Administragio Indireta observem o principio da especialidade, elaborou-se outro principio: o do controle ou tutela, em consondncia com o qual a Administragao Publica direta fiscaliza as atividades dos referidos entes, com o objetivo de garantir a observancia de suas finalidades institucionais. Colocam-se em confronto, de um lado, a independéncia da entidade que goza de parcela de autonomia administrativa e financeira, jA que dispde de fins préprios, definidos em lei, e patrimonio também proprio destinado a atingir aqueles fins; e, de outro lado, a necessidade de controle para que a pessoa juridica politica (Unido, Estado ou Municipio) que instituiu a entidade da Administragio Indireta se assegure de que ela esté agindo de conformidade com os fins que justificaram a sua A regra é a autonomia; a excegdo é 0 controle; este nao se presume; s6 pode ser exercido nos limites definidos em lei. 3.3.7 Autotutela Enquanto pela tutela a Administragao exerce controle sobre outra pessoa juridica por ela mesma institufda, pela autotutela 0 controle se exerce sobre os préprios atos, com a possibilidade de anular os ilegais ¢ revogar os inconvenientes ou inoportunos, independentemente de recurso ao Poder Judiciario. E uma decorréncia do principio da legalidade; se a Administracdo Publica esta sujcita a lei, cabe-lhe, evidentemente, o controle da legalidade. Esse poder da Administragao esta consagrado em duas stimulas do STF. Pela de n° 346, “a administragao publica pode declarar a nulidade dos seus préprios atos”; ¢ pela de n° 473, “a administragao pode anular os seus préprios atos, quando eivados de vicios que os tornem ilegais, porque deles nao se originam direitos; ou revoga-los, por motivo de conveniéncia ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciagao judicial”. Também se fala em autotutela para designar o poder que tem a Administragao Piiblica de zelar pelos bens que integram o seu patriménio, sem necessitar de titulo fornecido pelo Poder Judiciario. Ela pode, por meio de medidas de policia administrativa, impedir quaisquer atos que ponham em risco a conservagao desses bens. 3.3.8 Hierarquia Em consonincia com o principio da hierarquia, os érgios da Administrag3o Publica sio estruturados de tal forma que se cria uma relagdo de coordenagao ¢ subordinagao entre uns € outros, cada qual com atribuigdes definidas na lei. Desse principio, que sé existe relativamente as fungdes administrativas, ndo em relagao as legislativas e judiciais, decorre uma série de prerrogativas para a Administragao: a de rever os atos dos subordinados, a de delegar e avocar atribuigdes, a de punir; para o subordinado surge o dever de obediéncia. Com a instituigdo da stimula vinculante pelo artigo 103-A da Constitui¢do Federal (acrescentado pela Emenda Constitucional n° 45/04, sobre reforma do Poder Judiciario), é estabelecida uma subordinagio hierarquica dos érgios do Judiciario ao Supremo Tribunal Federal; isto porque, se a decisdo judicial contrariar ou aplicar indevidamente a stimula, o Supremo Tribunal Federal poder cassi-la se acolher reclamagdo a ele dirigida, e determinar que outra seja proferida. A mesma subordinagao ocorreré com as decisdes definitivas proferidas em agdes diretas de inconstitucionalidade e nas agdes declaratrias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual (art. 102, § 2°, da Constituigao). 3.3.9 Continuidade do servico publico Por esse principio entende-se que o servigo piiblico, sendo a forma pela qual o Estado desempenha fungdes essenciais ou necessdrias coletividade, nfo pode parar. Dele decorrem consequéncias importantes: 1. 3.3.10 a proibigdo de greve nos servigos publicos; essa vedagdo, que antes se entendia absoluta estd consideravelmente abrandada, pois a atual Constitui¢ao, no artigo 37, inciso VII, determina que o direito de greve seré exercido “nos termos e nos limites definidos em lei especifica”; o STE, na auséncia de “lei especifica”, decidiu pela aplicagao da Lei n° 7.783/89 (cf. item 13.4.5); também em outros paises j4 se procura conciliar o direito de greve coma necessidade do servigo piblico. Na Franga, por exemplo, proibe-se a greve rotativa que, afetando por escalas os diversos elementos de um servigo, perturba o seu funcionamento; além disso, impée-se aos sindicatos a obrigatoriedade de uma declaragao prévia a autoridade, no minimo cinco dias antes da data prevista para o seu inicio; necessidade de institutos como a supléncia, a delegagao ¢ a substituigado para preencher 2 fungées pablicas temporariamente vagas; a impossibilidade, para quem contrata com a Administragao, de invocar a exceptio non adimpleti contractus nos contratos que tenham por objeto a execugao de servigo piblico; a faculdade que se reconhece & Administragao de utilizar os equipamentos ¢ instalagdes « empresa que com ela contrata, para assegurar a continuidade do servigo; com o mesmo objetivo, a possibilidade de encampagao da concessao de servigo puiblico Publicidade O principio da publicidade, que vem agora inserido no artigo 37 da Constituigao, exige a ampla divulgagiio dos atos praticados pela Administragao Publica, ressalvadas as hipdteses de sigilo previstas em lei. Existem na propria Constituigao (art. 5°) outros preceitos que ou confirmam ou restringem 0 principio da publicidade: 1. O inciso LX determina que a lei s6 poderd restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou 0 interesse social o exigirem; como a Administragio Publica tutela interesses piblicos, nao se justifica o sigilo de seus atos processuais, a niio ser que o proprio interesse piblico assim determine, como, por exemplo, se estiver em jogo a seguranca puiblica; ou que 0 assunto, se divulgado, possa ofender a intimidade de determinada pessoa, sem qualquer beneficio para o interesse piblico. O inciso LX deve ser combinado com o artigo 5°, X, que inova ao estabelecer serem inviolaveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenizagao pelo dano material ou moral decorrente de sua violagao; também os incisos XI e XII do artigo 5° protegem o direito a intimidade; o primeiro garante a inviolabilidade do domicilio, “salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro ou, durante o dia, por determinagdo judicial”, e, 0 segundo, o sigilo da correspondéncia e das comunicagées telegraficas, de dados e das comunicagdes telefdnicas, “salvo, no tiltimo caso, por ordem judicial, nas hipéteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigagdo criminal ou instrug&o processual penal.” Pode ocorrer conflito entre o direito individual ao sigilo, que protege a intimidade, e outro direito individual (como a liberdade de opinido e de imprensa) ou conflito entre 0 direito a intimidade e um interesse piiblico (como o dever de fiscalizagtio por parte do Estado. Para resolver esse conflito, invoc ¢ © principio da proporcionalidade (em sentido amplo), que exige observancia das regras da necessidade, adequagao ¢ proporcionalidade (em sentido estrito). Por outras palavras, a medida deve trazer minimo de restrigao ao titular do direito, devendo preferir os meios menos onerosos (regra da necessidade); deve ser apropriada para a realizago do interesse piiblico (regra da adequagao); ¢ deve ser proporcional em relagao ao fim a atingir (regra da proporcionalidade em sentido estrito). Para proteger a intimidade, como dircito individual, 0 direito positivo limita a atuagao de determinados érgiios ¢ instituigdes ¢ de determinados profissionais que, por forga das fingdes que Ihes so préprias, tém conhecimento de informagées relativas a terceiros, impondo-lhes 0 dever de sigilo. Nessas hipsteses, as informagées obtidas nao podem ser objeto de divulgagao; nio tem aplicago, nesses casos, a regra da publicidade? Vale dizer que existe 0 sigilo como direito fundamental, ao qual corresponde o dever de sigilo imposto a todos aqueles, sejam particulares, sejam agentes piiblicos, que tenham conhecimento de dados losos que nao thes pertencem e em relago aos quais fica vedada a divulgagao ou publicidade. O Cédigo Penal tipifica como crime o fato de “revelar alguém, sem justa causa, segredo de que tem ciéncia em razao de fungao, ministério, oficio ou profissao, e cuja revelagao possa prodwzir dano a outrem”. A Lei n® 12.527, de 18-11-11, que regula o acesso a informagées, estabelece, no artigo 31, § 1°, que as informagées pessoais, relativas & intimidade, vida privada, honra imagem terdo seu acesso restrito, independentemente de classificagao de sigilo e pelo prazo méximo de 100 (cem anos) a contar da sua data de produgdo, a agentes piblicos legalmente autorizados e & pessoa a que elas se referirem; e poderdo ter autorizada sua divulgagiio ou acesso por terceiros diante de previsio legal ou consentimento expresso da pessoa a que clas se referirem. No § 3° do mesmo dispositive so indicadas as hipéteses em que 0 consentimento ndo sera exigido. O § 4° proibe que a restrigaio de invocada com o intuito de prejudicar processo de apuragiio de irregularidades em que o titular das informagées estiver envolvido, bem como em agées acesso a informagio seja voltadas para a recuperacao de fatos histéricos de maior relevancia. O inciso XIV assegura a todos o acesso a informagdo e resguardado o sigilo da fonte, quando necessario ao exercicio profissional. O inciso XXXII estabelece que todos tém direito a receber dos érgéos publicos informagdes de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serao prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindivel & seguranga da sociedade e do Estado; essa norma deve ser combinada com a do inciso LX, que garante o sigilo dos atos processuais quando necessario defesa da intimidade e protegao do interesse social. Tais dispositivos estio disciplinados pela Lei n’ 12.527, de 18-11-1 Essa Lei disciplina também os artigos 37, § 3°, II, e 216, § 2°, da Constituigao; 0 \dministrativos ¢ a primeiro prevé lei que assegure 0 acesso dos usudrios a registros informag6es sobre atos do governo, observado 0 disposto no artigo 5°, X e XXXII; 0 segundo outorga a Administragao Publica a gestio da documentagao governamental ¢ as providéncias para franquear sua consulta a quantos dela necessitarem. A Lei, ao mesmo tempo em que resguarda o direito de acesso a informagao necessaria tutela judicial ou administrativa de direitos fundamentais (art. 21), também protege as hipoteses de si estabelece o procedimento de acesso informagao, abrangendo o pedido e os recursos cabiveis (arts. 10 a 19), com a previsdo de que os érgaos do Poder Judicidrio e do Ministério Publico informarao ao Conselho Nacional de Justi¢a e ao Conselho Nacional do Ministério Pablico, respectivamente, as decisées que, em grau de recurso, negarem acesso a informagdes de interesse ptiblico: define o que se considera sigilo imprescindivel seguranga da sociedade ou do Estado e, portanto, passivel de ilo, de segredo de justiga e de segredo industrial (art. 22). Ela ainda clas: ficagdo como ultrassecreta, secreta ou reservada (arts. 23 e 24); estabelece os procedimentos de classificagdo, reclassificagéo e desclassificagio do sigilo de informagées, indicando as autoridades competentes ¢ exigindo, dentre outros requisitos, fundamento da classificagdo (arts. 27 © 28); define as condutas ilicitas que ensejam responsabilidade do agente publico ou militar e as sangées cabiveis, inclusive por ato de improbidade (art. 32); estabelece as penalidades aplicdveis 4 pessoa fisica ou entidade privada que detiver informagées em virtude de vinculo de qualquer natureza com o Poder Publico. O Decreto n° 9.094, de 17-7-17, somente aplicavel a esfera federal, veio facilitar o acesso a informagées ao dispor sobre a simplificagdo do atendimento prestado aos usuarios dos servigos publicos, ratificar a dispensa do reconhecimento de firma e da autenticagdo em documentos produzidos no Pais e regulamentar a Carta de Servigos ao Usudrio, prevista no artigo 7° da Lei n® 13.460, de 26-6-17 (que dispde sobre participagdo, protegdo e defesa dos direitos do usuirio dos servigos pablicos da Administrag&io Publica). Essa Carta, conforme estabelece 0 artigo 11, § 1°, do referido Decreto (repetindo norma constante do art. 7°, § 1°, da citada lei), “tem por objetivo informar aos usuarios dos servigos prestados pelo drgao ou pela entidade do Poder Executivo federal as formas de acesso a esses servigos ¢ os compromissos e padrées de qualidade do atendimento ao publico”. O direito 4 informagao relativa 4 pessoa é garantido pelo habeas data, nos termos do inciso LXXII do artigo 5° da Constituigao: “conceder-se-d habeas data: a) para assegurar o conhecimento de informagées relativas 4 pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de carter piblico; b) para a retificagdo de dados, quando nao se prefira fazé-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo”. © habeas data tem, pois, uma finalidade restrita; em outras hipdteses, 0 direito a informagdio pode ser assegurado pelas vias ordindrias ou por mandado de seguranga, ja que nenhuma lesio ou ameaga a direito pode ser excluida da apreciagdo do Poder Judiciario (art. 5°, inciso XXXV). O direito a informagao, para os fins do artigo 5°, LXXII, da Constituigao, est disciplinado pela Lei n° 9.507, de 12-11-97. De acordo com o paragrafo tinico do artigo 1°, “considera-se de carater piblico todo registro ou banco de dados contendo informagdes que sejam ou que possam ser transmitidas a terceiros ou que nao sejam de uso privativo do érgio ou entidade produtora ou depositiria de informacées”. Est claro que o direito informagao, nesse caso especifico em que é protegido pelo habeas data, somente € exercido quando a informagao esteja depositada em érgio ou entidade (sejam publicos ou privados) que fornegam dados a terceiros; nao cabe 0 direito se a informagao for usada para uso exclusivo do préprio érgio ou entidade. O direito a informagao é exercido mediante requerimento dirigido ao érgao ou entidade depositéria do registro ou banco de dados deve ser deferido ou indeferido no prazo de 48 horas, sendo a decisdio comunicada ao requerente em 24 horas (art. 2°), Em caso de deferimento, 0 depositario deve comunicar ao requerente o dia e hora em que tomaré conhecimento da informagio (art. 3°). Ao interessado & dado requerer a retificag&io, se a informagdo estiver errada e apresentar os devidos comprovantes ou exigir que do registro ou banco de dados conste explicag&io ou contestagao sobre os mesmos, ou ainda a possivel pendéncia sobre os fatos registrados (art. 4°). O procedimento administrativo para a obtengao dessas medidas é gratuito, conforme artigo 21 da Lei n° 9.507. Em caso de recusa, cabera 0 habeas data (v. item 17.5.4.2). O inciso XXXIV assegura a todos, independentemente do pagamento de taxa a) odireito de petigao aos Poderes Publicos em defesa de direitos ou contra ilegalidac ou abuso de poder; b) a obtencéo de certidées em repartigées pliblicas, para defesa de direito ¢ esclarecimento de situagées pessoais. Quando a certidéo é pedida para outros fins, como, por exemplo, a protegdo de interesses coletivos, ainda assim ela é devida pela Administragao, sob pena de tornar-se invidvel a propositura de ago popular, de agdo civil publica ou de mandado de seguranga coletivo s6 que, nessa hipétese, a certidao, ou mesmo 0 direito informagao, nao sera gratuita. O direito a expedi¢ao de certidao esta disciplinado pela Lei n° 9.051, de 18-5-95, que fixa o prazo de 15 dias para atendimento, a contar do registro do pedido no érgio expedidor e exige que do requerimento constem esclarecimentos relativos aos fins e razbes do pedido. Na Lei n° 9.784/99, o artigo 2°, pardgrafo tnico, inciso V, exige “divulgagdo oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipéteses de sigilo previstas na Constituigao”, além de varias outras exigéncias pertinentes ao mesmo principio, analisadas no item 15.5.1. Ainda com relagao ao principio da publicidade, a Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece, no artigo 1°, § 1°, que a responsabilidade na gestao fiscal pressupde a agdo planejada e “transparente”. E, no artigo 48, coma redagdo dada pela Lei Complementar n? 131, de 27-5-09, estabelece normas sobre a “transparéncia da gestao fiscal”, exigindo, no pardgrafo tnico, “incentive a participagdo popular e realizado de audiéncias publicas, durante os processos de elaboragdo e discussdo dos planos, lei de diretrizes orgamentarias e orgamentos; II — liberagdéo ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em tempo real, de informagdes pormenorizadas sobre a execugdo orgamentéria e financeira, em meios eletrénicos de acesso piblico; II — adogdo de sistema integrado de administragao financeira e controle, que atenda a padrao minimo de qualidade estabelecido pelo Poder Executivo da Unido e ao disposto no artigo 48-A”. Além disso, a Lei Complementar n° 131/09 inseriu dispositivos prevendo: (a) a exigéncia de disponibilizagao de informagées pertinentes 4 despesa ¢ 4 reccita a qualquer pessoa fisica ou juridica (art. 48-A); (b) a legitimidade de qualquer cidadao, partido politico, associagiio ou sindicato para denunciar irregularidades ao Tribunal de Contas ¢ ao érgio do Ministério Ptiblico sobre 0 descumprimento das normas da Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 73-A); a observancia de prazos fixados na lei para cumprimento das medidas previstas nos artigos 48 e 48-A, sob pena de sujeigao a sangao prevista no artigo 23, § 3°, I, ou seja, proibigao de recebimento de transferéncias voluntirias (arts. 73-B ¢ 73-C). No Estado de Sao Paulo, a Constituigéio de 1989 também assegura a publicidade administrativa; o artigo 112 exige publicagao das leis e atos administrativos externos para que produzam os seus efeitos regulares, apenas permitindo a publicagaio resumida quando se trate de atos nao normativos; o artigo 114 obriga a Administragao a fornecer a qualquer interessado, no prazo maximo de 10 dias, certidao de atos, contratos, decisées ou pareceres, sob pena de responsabilizagao da autoridade ou servidor que negar ou retardar a sua expedigao. Além disso, a Lei n° 10.177, de 30-12-98, que regula o processo administrativo no Ambito da Administrag3o Publica Estadual, estabelece normas sobre o direito a obtengao de certidao e de informacdes pessoais; em ambos os casos, o direito deve ser assegurado no prazo de 10 dias (arts. 74 ¢ 78, II). 3.3.11 Moralidade administrativa Nem todos os autores aceitam a existéncia desse principio; alguns entendem que 0 conceito de moral administrativa é vago e impreciso ou que acaba por ser absorvido pelo proprio conceito de legalidade. No entanto, antiga & a distingdo entre Moral e Direito, ambos representados por circulos concéntricos, sendo o maior correspondente 4 moral e, o menor, ao direito. Licitude e honestidade seriam os tragos distintivos entre o direito e a moral, numa aceitacdo ampla do brocardo segundo o qual non omne quod licet honestum est (nem tudo o que € legal & honesto). Antonio José Brand&o (RDA 25:454) faz um estudo da evolugio da moralidade administrativa, mostrando que foi no direito civil que a regra moral primeiro se imiscuiu na esfera juridica, por meio da doutrina do exer jo abusivo dos direitos e, depois, pelas doutrinas do nao locupletamento a custa alheia ¢ da obrigagao natural, Essa mesma intromissio verificou-se no ambito do direito publico, em especial no Direito Administrativo, no qual penetrou quando se comegou a discutir 0 problema do exame jurisdicional do desvio de poder. O mesmo autor demonstra ter sido Maurice Hauriou 0 primeiro a cuidar do assunto, tendo feito a sua colocagao definitiva na 10° edig&o do Précis de Droit Administratif, onde define a moralidade administrativa como o “conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administragao”; implica saber distinguir ndo sé o bem e o mal, olegal ¢ oilegal, o justo ¢ 0 injusto, 0 conveniente ¢ o inconveniente, mas também entre o honesto e o desonesto; hd uma moral institucional, contida na lei, imposta pelo Poder Legislativo, ¢ hd a moral administrativa, que “6 imposta de dentro ¢ vigora no préprio ambiente institucional ¢ condiciona a utilizago de qualquer poder juridico, mesmo o discricionario”. Conforme assinalado, a imoralidade administrativa surgiu e se desenvolveu ligada a ideia de desvio de poder, pois se entendia que em ambas as hipsteses a Administragao Piblica se utiliza de meios licitos para atingir finalidades metajuridicas irregulares. A imoralidade estaria na intengao do agente. Essa a razio pela qual muitos autores entendem que a imoralidade se reduz a uma das hipoteses de ilegalidade que pode atingir os atos administrativos, ou seja, a ilegalidade quanto aos fins (desvio de poder). Autores mais antigos, considerando a moral administrativa como algo relacionado a disciplina interna da Administragdo, entendiam que o seu controle também s6 podia ser feito internamente, excluida a. aprec’ io pelo Poder Judicidrio. Este sé examinaria alegalidade dos atos da Administragéio; ndo 0 mérito ou a moralidade. Certamente, com 0 objetivo de sujeitar ao exame judicial a moralidade administrativa é que 0 desvio de poder passou a ser visto como hipétese de ilegalidade, sujeita, portanto, ao controle judicial, Ainda que, no desvio de poder, 0 vicio esteja na consciéncia ou intengdo de quem pratica o ato, a matéria passou a inserir-se no proprio conceito de legalidade administrativa. O direito ampliou o seu circulo para abranger matéria que antes dizia respeito apenas 4 moral. No dircito positivo brasileiro, a lei que rege a aco popular (Lei n° 4.717, de 29-6-65) consagrou a tese que coloca o desvio de poder como uma das hipéteses de ato administrativo ilegal, ao defini-lo, no artigo 2°, pardgrafo ‘nico, alinea e, como aquele que se verifica “quando o agente pratica 0 ato visando a fim diverso daquele previsto, explicita ou implicitamente, na regra de competéncia”. Sera entio que se pode identificar 0 principio da legalidade com o da moralidade administrativa? Em face do direito positivo brasileiro, a resposta é negativa. A Constituigaio de 1967, no artigo 84, V, mantido como artigo 82, V, na Emenda Constitucional n° 1, de 1969, considerava como crime de responsabilidade os atos do Presidente da Republica que atentassem contra a probidade a Constituigdo de 1988, além de repetir aquela norma no artigo 85, V, faz um avango, ao mencionar, no artigo 37, caput, como principios auténomos, o da legalidade e o da moralidade, ¢, no § 4° do mesmo dispositivo, punir os atos de improbidade administrativa com a suspensao dos direitos politicos, a perda da fungao publica, a indisponibilidade dos bens e 0 ressarcimento ao erdrio, na forma e gradagao previstas em lei, sem prejuizo da agao penal cabivel. Também merece mengao 0 artigo 15, inciso V, que inclui entre as hipéteses de perda ou suspensio dos direitos politicos a de “improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4°”. Por sua vez, 0 artigo 5°, inciso LXXIII, ampliou os casos de cabimento de agao popular para incluir, entre outros, os que impliquem ofensa 4 moralidade administrativa. Além disso, a Emenda Constitucional de Revisao n° 4, de 7-6-94, alterou 0 § 9° do artigo 14 da Constituigdo para colocar a probidade administrativa ¢ a moralidade para o exercicio do mandato como objetivos a serem aleangados pela lei que estabelecer os casos de inelegibilidades. A Lei n° 1.079, de 10-4-50, que define os crimes de responsabilidade, prevé, no artigo 9°, os crimes contra a probidade administrativa; em alguns deles, hd ofensa direta a lei, como na hipétese de inftingéncia as normas legais sobre provimento dos cargos publicos; em outros, isso nao ocorre, como na hipétese de omissao ou retardamento doloso na publicagiio de atos do Poder Executivo, na omissio de responsabilizagdo dos subordinados por delitos funcionais e no de procedimento incompativel com a dignidade, a honra e o decoro do cargo. ALei n° 9.784/99 prevé o principio da moralidade no artigo 2°, caput, como um dos principios a que se obriga a Administragaio Publica; e, no paragrafo tinico, inciso IV, exige “ atuagdo segundo padrées éticos de probidade, decoro e boa-fé”, com referéncia evidente aos principais aspectos da moralidade administrativa. Mesmo os comportamentos ofensivos da moral comum implicam ofensa ao principio da moralidade administrativa (cf. Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, 1974:11). Além disso, o principio deve ser observado nao apenas pelo administrador, mas também pelo particular que se relaciona com a Administragao Publica, Sao frequentes, em matéria de licitagao, os conluios entre licitantes, a caracterizar ofensa a referido principio. Em resumo, sempre que em matéria administrativa se verificar que 0 comportamento da Adnministragaio ou do administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonincia coma lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administragao, os principios de justiga e de equidade, a ideia comum de honestidade, estaré havendo ofensa ao principio da moralidade administrativa. E evidente que, a partir do momento em que 0 desvio de poder foi considerado como ato ilegal € no apenas imoral, a mora lade administrativa teve seu campo reduzido; o que ndo impede, diante do direito positivo brasileiro, o reconhecimento de sua existéncia como principio auténomo. Embora nao se identifique com a legalidade (porque a lei pode ser imoral e a moral pode ultrapassar 0 Ambito da lei), a imoralidade administrativa produz efeitos juridicos, porque acarreta a invalidade do ato, que pode ser decretada pela propria Administragao ou pelo Poder Judicidrio. A apreciagio judicial da imoralidade ficou consagrada pelo dispositivo concernente & ago popular (art. 5°, LXXII, da Constituigao) e implicitamente pelos ja referidos artigos 15, V, 37, § 4°, ¢ 85, V, este tiltimo considerando a improbidade administrativa como crime de responsabilidade. Merece meng&o a obra em que Agustin Gordillo (1982:74-78) fala sobre a existéncia de uma administragiio paralela, ou seja, de um “parassistema juridico-administrativo, que revela existirem, concomitantemente, procedimentos formais e informais, competéncias e organizagdo formais e informais, a Constituigdo real e o sistema paraconstitucional, o governo instituido e 0 governo paralelo e, também, a existéncia de dupla moral ou de duplo standard moral, que esta presente em todos os setores da vida publica ou privada. Ele cita 0 caso do comerciante que quer denunciar o competidor desleal que no paga os impostos, o do estudante que “cola” nos exames, o do professor que nao ensina, e em geral o de todos aqueles que exercem uma atividade qualquer sem dedicagao, sem responsabilidade, sem vocag&o, sem espirito de servir 4 comunidade. Acrescenta ele que “a dupla moral implica o reconhecimento de que o sistema no deve ser cumprido fiel nem integralmente, que ele carece de sentido; ¢ o parassistema o que da realidade e sentido obrigacional as condutas individuais”. E a existéncia dessa moral paralela na Administragaio Publica um problema crucial de nossa época, por deixar sem qualquer sang&o atos que, embora legais, atentam contra 0 senso comum de honestidade e de justiga. Segundo Gordillo, é s6 por meio da participagao popular no controle da Administragdo Publica que sera possivel superar a existéncia dessa administragao paralela e, em consequéncia, da moral paralela. Sobre moralidade administrativa, falamos, de modo mais aprofundado, no livro Discricionariedade Administrativa na Constituigdo de 1988. Sobre a relagao entre legalidade, moralidade e probidade, v. Capitulo 18 deste livro (item 18.1). 3.3.12 Razoabilidade e proporcionalidade A Constituigdo do Estado de Sao Paulo, no artigo 111, inclui entre os principios a que se sujeita a Administragao Publica o da razoabilidade. Trata-se de principio aplicado ao Direito Administrative como mais uma das tentativas de impor-se limitagdes & discricionariedade administrativa, ampliando-se o ambito de apreciag’o do ato administrativo pelo Poder Judicirio (Di Pietro, 2001b:174-208). Segundo Gordillo (1977:183-184), “a decisdo discriciondria do funciondrio ser ilegitima, apesar de no transgredir nenhuma norma conereta e expressa, se é ‘irrazodvel’, 0 que pode ocorrer, principalmente, quando: a) nfo dé os fundamentos de fato ou de direito que a sustentam ou; b) _ nao leve em conta os fatos constantes do expediente ou publicos e notérios; ou ©) nfo guarde uma proporgao adequada entre os meios que emprega ¢ o fim que a lei deseja alcangar, ou seja, que se trate de uma medida desproporcionada, excessiva em relagao ao que se deseja alcangar”. Diogo de Figueiredo Moreira Neto (1989:37-40) da maior realce a esse tltimo aspecto ao afirmar que, pelo principio da razoabilidade, “o que se pretende é considerar se determinada decisdo, atribuida ao Poder Publico, de integrar discrici efetivamente para um satisfatério atendimento dos interesses ptblicos”. Ele realga o aspecto nariamente uma norma, contribuird teleolégico da discricionariedade; tem que haver uma relagdo de pertinéncia entre oportunidade conveniéncia, de um lado, ¢ a finalidade, de outro. Para esse autor, “a razoabilidade, agindo como um limite & discrigao na avaliago dos motivos, exige que sejam eles adequiveis, compativeis proporcionais, de modo a que o ato atenda a sua finalidade ptiblica especifica; agindo também como um limite @ discrigo na escolha do objeto, exige que ele se conforme fielmente & finalidade contribua eficientemente para que ela seja atingida”. Também se refere a esse principio Licia Valle Figueiredo (1986:128-129). Para ela, “discricionariedade ¢ a competéncia-dever de o administrador, no caso concreto, apés a interpretagdo, valorar, dentro de um critério de razoabilidade, ¢ afastado de seus préprios standards ow ideologias, portanto, dentro do critério da razoabilidade geral, qual a melhor maneira de concretizar a utilidade publica postulada pela norma”. Embora a Lei n° 9.784/99 faga referéncia aos principios da razoabilidade e da proporcionalidade, separadamente, na realidade, 0 segundo constitui um dos aspectos contidos no primeiro, Isto porque © principio da razoabilidade, entre outras coisas, exige proporcionalidade entre os meios de que se utiliza a Administragdo e os fins que ela tem que alcangar. E essa proporcionalidade deve ser medida no pelos critérios pessoais do administrador, mas segundo padrdes comuns na sociedade em que vive; e nao pode ser medida diante dos termos frios da lei, mas diante do caso concreto. Com efeito, embora a norma legal deixe um espago livre para decisio administrativa, segundo critérios de oportunidade e conveniéneia, essa liberdade as vezes se reduz no caso concreto, onde os fatos podem apontar para o administrador a melhor solugdo (cf, Celso Anténio Bandeira de Mello, in RDP 65/27). Se a decisio é manifestamente inadequada para alcangar a finalidade legal, a Administraco tera exorbitado dos limites da discricionariedade ¢ 0 Poder Judi i O principio da razoabi ra ilegalidade (Capitulo 7, item 7.8.5). dade, sob a feigdo de proporcionalidade entre meios ¢ fins, est contido implicitamente no artigo 2°, pardgrafo tinico, da Lei n° 9.784/99, que impoe 4 Administragao Publica: adequagao entre meios e fins, vedada a imposi¢ao de obrigagées, restrigdes ¢ sangdes em medida superior aquelas estritamente necessdrias ao atendimento do interesse publico (inciso VI); observancia das formalidades essenciais 4 garantia dos direitos dos administrados (inciso VIII); adogao de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, seguranga e respeito aos direitos dos administrados (inciso IX); ¢ também esta previsto no artigo 29, § 2°, segundo o qual “os atos de instrugdio que exijam a atuagéio dos interessados devem realizar-se do modo menos oneroso para estes”. Agora, com a Emenda Constitucional n° 45, de 8-12-04, que dispée sobre a Reforma do Judicidrio, acrescenta-se um inciso LXXVIII ao artigo 5° da Constituigao, assegurando a todos, no Ambito judicial ¢ administrativo, “a razodvel duragéo do processo ¢ os meios que garantam a celeridade de sua tramitagao”. Trata-se da razoabilidade no prazo de tramitacao dos processos judiciais ¢ administrativos. O intuito evidente é o de acelerar essa tramitagdo, o que somente sera possivel com a criagao de instrumentos adequados. Nao adianta impor finalidades sem outorgar os meios necessarios. Uma medida que pode colaborar com a consecugao desse fim ¢ a simula vinculante, prevista no artigo 102, § 2° (com a redagao dada pela referida Emenda) e no artigo 103-A, introduzido pela mesma Emenda. A stimula, uma vez aprovada pelo STF, ser obrigatéria, nio sé para os demais érgdos judiciais, como também para toda a administragdo publica, direta e indireta, federal, estadual e municipal. Muitos processos judiciais e administrativos poderiio tornar-se iniiteis quando tratarem de assunto jd resolvido por stimula vinculante. A insisténcia da Administrago Pablica em prolongar discussées, nas esferas administrativa e principalmente judicial — chegando as raias da imoralidade administrativa — sera cerceada com esse novo instrumento, o que certamente contribuird para a sensivel redugdo dos prazos de tramitagdo dos processos administrativos e judiciais. 3.3.13 Motivacao O principio da motivagao exige que a Administragdo Publica indique os fundamentos de fato ¢ de direito de suas decisées. Ele esté consagrado pela doutrina pela jurisprudéneia, no havendo mais espaco para as velhas doutrinas que discutiam se a sua obrigatoriedade alcangava s6 os atos vineulados ou sé os atos discriciondrios, ou se estava presente em ambas as categorias. A sua obrigatoriedade se justifica em qualquer tipo de ato, porque se trata de formalidade necessdria para permitir o controle de legalidade dos atos administrativos. Na Constituigdo Federal, a exigéncia de motivagdo consta expressamente apenas para as decisdes administrativas dos Tribunais e do Ministério Pablico (arts. 93 e 129, § 4°, com a redagdo dada pela Emenda Constitucional n° 45/04), no havendo mengdo a ela no artigo 37, que trata da Adnministragao Publica, provavelmente pelo fato de ela er amplamente reconhecida pela doutrina ¢ jurisprudéncia. Na Constituigao Paulista, 0 artigo 111 inclui expressamente a motivagdo entre os principios da Administragdo Publica. Na Lei n’ 9.784/99, o principio da motivagio € previsto no artigo 2°, caput, havendo, no pardgrafo unico, inciso VII, exigéneia de “indicagdo dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisdo”. Além disso, 0 artigo 50 estabelece a obrigatoriedade de motivagdo, com indicago dos fatos e fundamentos juridicos, quando: I— neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses; I— imponham ou agravem deveres, encargos ou sande: III— decidam processos administrativos de concurso ou selegao piiblica; IV - dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatério; V- decidam recursos administrativos; VI— decorram de exame de oficio; VII -deixem de aplicar jurisprudéncia firmada sobre a questo ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatorios oficiais; VIII —-importem anulago, revogagio, suspenso ou convalidagao de ato administrativo. Como se verifica pelo dispositivo, as hipéteses em que a motivagao é obrigatéria, em regra, dizem respeito a atos que, de alguma forma, afetam direitos ou interesses individuais, 0 que esti a demonstrar que a preocupagao foi muito mais com os destinatérios dos atos administrativos do que com o interesse da propria Administragao. No entanto, tem-se que considerar a enumeragao contida no dispositive como o minimo a ser necessariamente observado, 0 que ndo exclui a mesma exigéncia em outras hipéteses em que a motivagdo é fundamental para fins de controle da legalidade dos atos administrativos. Além disso, ha que se lembrar que a exigéncia de motivagao consta de outras leis esparsas, como ocorre, exemplificativamente, na Lei n° 8,666/93, sobre licitagées e contratos. Também ¢ 0 caso dos artigos 56, § 3°, 64-A da Lei n° 9.784 (com as alteragées introduzidas pela Lei n° 11.417, de 19-12-06, que regulamenta 0 art. 103-A da Constituigdo Federal); embora sem falar em motivago, esses dispositivos implicitamente a exigem, ao determinarem que a autoridade administrativa que proferir decisao contra a simula vinculante explicite as razdes por que o fazem. A motivagdo, em regra, nao exige formas especificas, podendo ser ou nio concomitante com 0 ato, além de ser feita, muitas vezes, por érgio diverso daquele que proferiu a decisio. Frequentemente, a motivagdo consta de pareceres, informagdes, laudos, relatérios, feitos por outros érgios, sendo apenas indicados como fundamento da decisdo. Nesse caso, eles constituem a motivagiio do ato, dele sendo parte integrante. 3.3.14 Eficién A Emenda Constitucional n° 19, de 4-6-98, inseriu 0 principio da eficiéncia entre os princfpios constitucionais da Administragao Publica, previstos no artigo 37, caput. Também a Lei n° 9.784/99 fez referencia a ele no artigo 2°, caput. Hely Lopes Meirelles (2003:102) fala na eficiéncia como um dos deveres da Administragio Publica, definindo-o como “o que se impée a todo agente piblico de realizar suas atribuigées com presteza, perfeicdo e rendimento funcional. mais moderno princ{pio da fungao administrativa, que no se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o servigo publico ¢ satisfatério atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros”. Acrescenta ele que: “esse dever de eficiéncia bem lembrado por Carvalho Simas, corresponde ao ‘dever de boa administragdo’ da doutrina italiana, o que ja se acha consagrado, entre nés, pela Reforma Administrativa Federal do Dec.-lei 200/67, quando submete toda atividade do Executivo ao controle de resultado (arts. 13 e 25, V), fortalece o sistema de mérito (art. 25, VID, sujeita a Administragao indireta a supervisdo ministerial quanto a eficiéncia administrativa (art. 26, II) e recomenda ademissdo oudispensa do servidor comprovadamente ineficiente ou desidioso (art. 100)”. O principio da eficiéncia apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser considerado em relagdo ao modo de atuagao do agente pitblico, do qual se espera o melhor desempenho possivel de suas atribuigdes, para lograr os melhores resultados; e em relago ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administragio Publica, também com o mesmo objetivo de alcangar os melhores resultados na prestagao do servigo publico. Trata-se de ideia muito presente entre os objetivos da Reforma do Estado. No Plano Diretor da Reforma do Estado, elaborado em 1995, expressamente se afirma que “reformar o Estado significa melhorar ndo apenas a organizacao e 0 pessoal do Estado, mas também suas finangas e todo 0 seu sistema institucional-legal, de forma a permitir que o mesmo tenha uma relagao harmoniosa e positiva com a sociedade civil. A reforma do Estado permitiré que seu nticleo estratégico tome decisdes mais corretas ¢ efetivas, e que seus servigos — tanto os exclusivos, quanto os competitivos, que estardo apenas indiretamente subordinados na medida que se transformem em organizagdes plblicas nao estatais — operem muito eficientemente”. E com esse objetivo que esto sendo idealizados institutos, como os contratos de gestdo, as agéncias auténomas, as organizagdes sociais e tantas outras inovagdes com que se depara o administrador a todo momento. No livro Parcerias na administragao publica (2012:304), j4 tivemos oportunidade de realgar a acentuada oposig%io entre o principio da efi principio da legalidade, imposto pela Constituigdo como inerente ao Estado de Direito. Lembramos, entdo, 0 ensinamento de Jesus Leguina Villa (1995:637) a respeito dessa oposigao entre os dois prineipios quando o autor afirma: “Nao ha diivida de que a eficdcia é um principio que nao se deve subestimar na Administrag3o de um Estado de Direito, pois 0 que importa aos cidadaos é que os servigos piblicos sejam prestados adequadamente. Dai o fato de a Constituicdo o situar no topo dos prineipios que devem conduzir a fungdo administrativa dos interesses gerais. Entretanto, a eficacia ncia, pregado pela ciéncia da Administracdo, ¢ 0 que a Constituigo exige da administragaio no deve se confundir com a eficiéncia das organizagées privadas nem é, tampouco, um valor absoluto diante dos demais. Agora, o principio da legalidade deve ficar resguardado, porque a eficdcia que a Constituigéo propée € sempre suscetivel de ser alcangada conforme o ordenamento juridico, ¢ em nenhum caso ludibriando este tiltimo, que haveré de ser modificado quando sua inadequagio as necessidades presentes constitua um obsticulo para a gestio eficaz dos interesses gerais, porém nunca podera se justificar a atuag&io administrativa contréria ao direito, por mais que possa ser elogiado em termos de pura eficiéncia.” Vale dizer que a eficiéncia & principio que se soma aos demais principios impostos a Administragao, nao podendo sobrepor-se a nenhum deles, especialmente ao da legalidade, sob pena de sérios riscos a seguranga juridica ¢ ao proprio Estado de Direito. 3.3.15 Seguranga juridica, protecdo a confianga e boa-fé Existe grande aproximagdo entre o principio da seguranga juridica e o principio da protegdo & confianga ¢ entre este ¢ o principio da boa-fé, razdo pela qual sero os trés tratados neste item.> 3.3.15.1 | Seguranga juridica © principio da seguranga juridica, que nao tem sido incluido nos livros de Direito Administrativo entre os principios da Administragao Publica, foi inserido entre os mesmos pelo artigo 2°, caput, da Lei n° 9.784/99. Como participante da Comissao de juristas que elaborou o anteprojeto de que resultou essa lei, permito-me afirmar que o objetivo da inclusdo desse dispositivo foi o de vedar a aplicagao retroativa de nova interpretagao de lei no ambito da Administragao Publica. Essa ideia ficou expressa no pardgrafo tinico, inciso XIII, do artigo 2°, quando impée, entre os critérios a serem observados, “interpretagdo da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim piblico a que se dirige, vedada aplicagdo retroativa de nova interpretagdo”. O principio se justifica pelo fato de ser comum, na esfera administrativa, haver mudanga de interpretagdo de determinadas normas legais, com a consequente mudanga de orientagdo, em carater normativo, afetando situagées ja reconhecidas e consolidadas na vigéncia de orientagao anterior. Essa possibilidade de mudanga de orientagao é inevitavel, porém gera inseguranga juridica, pois os interessados nunca sabem quando a sua situago sera passivel de contestagéo pela propria Administragaio Publica. Dai a regra que veda a aplicagao retroativa. O principio tem que ser aplicado com cautela, para no levar ao absurdo de impedir a Administragdo de anular atos praticados com inobservancia da lei. Nesses casos, nao se trata de mudanga de interpretagao, mas de ilegalidade, esta sim a ser declarada retroativamente, ja que atos ilegais nao geram direitos. A seguranga juridica tem muita relagdo com a ideia de respeito 4 boa-fé. Se a Administragao adotou determinada interpretagdo como a correta e a aplicou a casos concretos, ndo pode depois vir a anular atos anteriores, sob o pretexto de que os mesmos foram praticados com base em errénea interpretagdo. Se o administrado teve reconhecido determinado direito com base em interpretagio adotada em carater uniforme para toda a Administragao, ¢ evidente que a sua boa-fé deve ser respeitada. Se a lei deve respeitar o direito adquirido, 0 ato juridico perfeito ¢ a coisa julgada, por respeito ao principio da seguranga juridica, ndo é admissivel que o administrado tenha seus direitos flutuando ao sabor de interpretagées juridicas variaveis no tempo. Isto nao significa que a interpretagdo da lei nado possa mudar; ela frequentemente muda como decorréncia e imposigao da prépria evolugdo do direito. O que nao é possivel é fazé-la retroagir a casos ja decididos com base em interpretagdo anterior, considerada valida diante das circunstancias do momento em que foi adotada. Embora seja essa a ideia inspiradora da incluso do principio da seguranga juridica na Lei n° 9.784/99, ela nao esgota todo o sentido do principio, que informa varios institutos juridicos, podendo mesmo ser inserido entre os principios gerais do direito, portanto nao especifico do Direito Administrativo. Com efeito, o principio esta na base das normas sobre prescrigdo e decadéncia, das que fixam prazo para a Administrag&o rever os préprios atos, da que prevé a stimula vinculante; 0 § 1° do artigo 103-A da Constituigdo Federal deixa expresso 0 objetivo da stimula vinculante de afastar controvérsias que gerem “grave inseguranga juridica e relevante multiplicagao de processos sobre questao idéntica”. 3.3.15.2 Protegdo a confianga No Brasil, a doutrina apenas recentemente comegou a debrucar-se sobre o principio da protegao & confianga, E provavel que o trabalho pioneiro sobre o tema tenha sido escrito por Almiro do Couto e Silva, publicado na Revista Brasileira de Direito Piblico — RDPB, v. 2, 1° 6, p. 7-59. Demonstra o jurista que esse principio tem sido tratado no direito brasileiro como principio da seguranga juridica, E, na realidade, trata-se de principio que corresponde ao aspecto subjetivo da seguranga juridica. Conforme ensinamento do autor, “no direito alemao e, por influéncia deste, também no direito comunitirio europeu, ‘seguranca juridica’ é expresstio que geralmente designa a parte objetiva do conceito, ou entdo simplesmente, o principio da seguranga juridica, enquanto a parte subjetiva é identificada como ‘protegdo a confianga’ (no direito germénico) ou ‘protesdo 4 confianga legitima’ no direito comunitario europeu)”. Teve inicio pelo trabalho da jurisprudéncia, mais especificamente do Tribunal Administrative Federal, em acérdao de 1957, ao qual se sucederam inimeros outros. Foi previsto na Lei de Processo Administrative alema, de 1976, sendo elevado a categoria de principio de valor constitucional, na década de 1970, por interpretagao do Tribunal Federal Constitucional. A preocupagiio era a de, em nome da proteg&o 4 confianga, manter atos ilegais ou inconstitucionais, fazendo prevalecer esse principio em detrimento do principio da legalidade. Do direito alemo passou para o direito comunitério europeu, consagrando-se em decisdes da Corte de Justiga das Constituigses Europeias como “regra superior de Direito” e “principio fundamental do direito comunitirio” (cf. Couto e Silva, ob. cit,, p. 14). No direito brasileiro, 0 tema demorou a ser tratado, talvez pelo fato de que as nossas Constituigées (a0 contrario das europeias) tém consagrado o principio da protegaio ao direito adquirido, ao ato juridico perfeito e a coisa julgada, que constituem aplicagao do principio da seguranga juridica. Segundo J. J. Gomes Canotilho (2000:256), “o homem necessita de seguranga para conduzir, planificar ¢ conformar auténoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideravam os principios da seguranga juridica e protegao & confianga como elementos constitutivos do Estado de direito. E: es dois principios — seguranga juridica e protego a confianga — andam estreitamente associados, a ponto de alguns autores considerarem o principio da protegao da confianga como um subprincipio ou como uma dimens&o especifica da seguranga juridica, Em geral, considera-se que a seguranca juridica esta conexionada com elementos objetivos da ordem juridica — garantia de estabilidade juridica, seguranga de orientagao realizagio do direito — enquanto a protegdo da confianga se prende mais com as componentes subjetivas da seguranga, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos individuos em relagdo aos efeitos juridicos dos actos”. Na realidade, 0 principio da proteso 4 confianga leva em conta a boa-fé do cidadao, que acredita e espera que os atos praticados pelo Poder Publico sejam licitos e, nessa qualidade, serao mantidos e respeitados pela propria Administragio e por terceiros. No direito brasileiro nio ha previsio expressa do prinefpio da proteg%o a confianga; pelo menos n&o com essa designagdo, 0 que ndo significa que ele ndo decorra implicitamente do ordenamento juridico. O que estd previsto expressamente é o principio da seguranca juridica. 3.3.15.3 Boa-fé O principio da boa-fé comegou a ser aplicado no dircito administrativo muito antes da sua previsiio no direito positivo, o que veio a ocorrer coma Lei federal n° 9.784, de 29-1-99, que regula © processo administrative no ambito da Administragao Publica Federal. No artigo 2°, pardgrafo Unico, IV, a lei inclui entre os critérios a serem observados nos processos administrativos a “atuagao segundo padrées éticos de probidade, decoro e boa-fé”. Também est previsto no artigo 4°, Il, que insere entre os deveres do administrado perante a Administraco o de “proceder com lealdade, urbanidade ¢ boa-fé”.° Na Constituig’o, © principio nao esté previsto expressamente, porém pode ser extraido implicitamente de outros prin ipios, especialmente do principio da moralidade administrativa ¢ da propria exigéncia de probidade administrativa que decorre de varios dispositivos constitucionais (arts. 15, V, 37, § 4°, 85, V). A Lei n° 8.429, de 2-6-92 (Lei da Improbidade Administrativa), considera como ato de improbidade que atenta contra os principios da Administrago Publica “qualquer ago ou omissio que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade as instituigdes” (art. 11). O principio da boa-fé abrange um aspecto objetivo, que diz respeito 4 conduta leal, honesta, ¢ um aspeeto subjetivo, que diz respeito a crenga do sujeito de que esté agindo corretamente. Se a pessoa sabe que a atuagio ¢ ilegal, ela esta agindo de mi- Ha quem identifique 0 principio da boa-fé e o da protegdo A confianga. E 0 caso de Jesis Gonzilez Perez, em sua obra sobre El principio general de la buena fe en el derecho administrativo. Na realidade, embora em muitos casos, possam ser confundidos, ndo existe uma identidade absoluta. Pode-se dizer que o principio da boa-fé deve estar presente do lado da Administragéo e do lado do administrado. Ambos devem agir com lealdade, com corregao. O principio da protegao 4 confianga protege a boa-fé do administrado; por outras palavras, a confianga que se protege é aquela que o particular deposita na Administragao Publica. O particular confia em que a conduta da Administragao esteja correta, de acordo coma lei e com o direito. E 0 que ocorre, por exemplo, quando se mantém atos ilegais ou se regulam os efeitos pretéritos de atos invalidos. 3.3.15.4 Aplicagdo dos principios da seguranga juridica, boa-fé e protecao a confianga Existem intimeras situagdes em que os trés principios podem ser invocados. Algumas so analisadas a seguir, a titulo ilustrativo: a) na manutengo de atos administrativos invalidos Essa possibilidade tem sido reconhecida pela doutrina e pela jurisprudéncia (conforme demonstrado nos itens 7.11.2.1 e 7.1.2.1) ¢ ocorre quando o pre- juizo resultante da anulagiio for maior do que o decorrente da manutengdio do ato ilegal; nesse caso, é 0 interesse puiblico que norteard a decisio. Quanto a este tema, tm que ser levados em consideragao os principios do interesse publico, da seguranga juridica, nos aspectos objetivo (estabilidade das relagées juridicas) e subjetivo (protegao 4 confianga), bem como 0 da boa-fé. b) na manutengao de atos praticados por funcionario de fato Nesse caso, 0 servidor esté em situagdo irregular, ou porque nao preenche os requisitos para o exercicio do cargo, ou porque ultrapassou a idade limite para continuar no cargo, ou porque est em

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