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© ESPELHO DISTORCIDO DO TEMPO: TRABALHANDO © TRAUMA DE AGRESSORES SEXUAIS ADULTOS Car Bain No deserso. Bu vi uma criatura nua, bestal, De cécoras:n0 solo, ‘Tinka nas mios 0 coragio Bo comia, Bu perguntel: "Esté bom, amigo?” "& amargo — amargo’ respondeu, “Mas eu gosto dele Porque é amargo E porque € 0 meu coracio.” Stephen Crane, “No deserto", 1895 (opud Miller, 1991) Estamos em meio a uma dramatizagio ¢ Warren, o protagonista, tenta entender como cometen a agressio ~ 0 estupro de uma conhecida do trabalho — ¢ de que forms conseguiu sentir empatia pelos outros, particularmente sua vitima. No papel da vitime, ‘uma mulher de 20 e poucos anos, Warren diz: “Eu me sinto encurralada, Acho que ele vai me matar”. Logo depois, Warren assume 0 papel do filho de 8 anos da vitima, que testemunhou o estupro, e, em seguida, de seu proprio filho de 9 anos, no qual Warren bbatera muitas vezes, No papel de seu filo, Warren pergunta: “Por que o papai me ba- te? Por que ele nio fala comigo? Eu gosto dele ¢ odeio ele!” diretor pergunta a Warten se essas vozes de sofrimento The soam familiares. No papel dele mesmo, Warren meneia a cabeca, desconsolado, “Eu sou exatamente como ‘meu pai”, suspira, Ele esté sentado no cho, com 0s bragos em volta dos joelhos ¢ aper ando o peito. “Que idade vocé sente que tem?”, pergunta o diretor. Warren responde: Dez anos” (© psicodrama volta para a época em que Warren tinha essa idade, Inicialmente, © papel de Warren aos 10 anos é desempenhado, em espelho, por outro membro do gr ‘Warren permanece em pé na beirada do palco, observando a cena. Aos poucos, € wom um realismo crescente, a cena vai recriando o ritual diuturno do pai de Warren, satendo nele e em seus irmaos com uma cinta, enquanto a mie observa. Todos os dias, na mesma hora, o ritual é praticado. Enquanto chicoteia com a cinta, 0 pai de Warren ciza ele que esté apanhando porque é culpado, que o objetivo é dar-Ihe uma igao. Numa cena posterior muito intensa, Warren recebe a pior sova do pai, que desta ‘ez usa um pedago de pau, com as pancadlas atingindo a cabeca ¢ as costas de Warren a ponto de ele ter certeza de que vai morrer. Somente no iltimo minuto, antes que ele verdesse a consciéncia, & que a me intervém, Quando essa cena é reproduzida em es- >elho, Warren se pe a chorar. Ele grita: “Merda, merda, isso di!” Warren continua a bservar e a relatara cena no espetho, enquanto seu eu de 10 anos de idade ¢ trancado, :remendo, no pordo da casa, Ao se observar no porsio, Warren diz que aquele foi 0 mo- mento em que decidin que nunca mais teria sentimentos de novo. Introdugéo Geralmente, as pessoas que se transformam em agressores sexuais enfrentaram abusos traumsticos graves, abandono e exploracio na infancia, Seu comportamento violento pode ser compreendido como uma espécie de imagem especular distorcida as experiéncias traumiticas precoces que néo foram processadas mentalmente, dolo- rosas demais para ser vistas ou trabalhadas (Jefferies, 1991 ¢ 1996; de Zulueta, 1998; Schwartz, Galperin e Masters, 1993). Esse espelho distorcido tem 0 poder de se infiltrar insidiosamente em todos os aspectos da funcio humana, criando visdes distorcidas do eue dos outros e debilitando a capacidade de regular o afeto € de tolerar os sentimen- tos de dor. Mesmo com o passar do tempo, a forca do abuso permanece. Esta no dimi- ‘mui sem uma aten¢do deliberada e sem um trabalho que possibilite & vitima do trauma agregar um sentido simbélico & experincia e conseguir alivio por meio de uma catarse, do luto, de uma nova compreensio c de uma adaptacio (Winn, 1994; Goldman ¢ Mor rison, 1984; Briere, 1996; Scheff, 1979; Langs, 1999). Este capitulo descreve minha experiéncia psicodramética na abordagem de temas traumiticos com homens que cometeram atos de abuso sexual — estupro de adultos, abuso sexual de criancas ¢ estupro seguido de morte, O trabalho é desenvolvido em tama prisfo especial que funciona como comunidade terapéuticae proporciona 0 apoio essencial ¢ um contexto seguro para sessdes de psicodrama, Neste capitulo, os molesta- dores sio referidos no masculino, uma vez que 0 material tedrico ¢ as descricées do programa se baseiam no trabalho dirigido a homens. ‘A utilizagio do psicodrama com essa popula¢io proporciona um método alta. ‘mente acessivel, concreto e eficiente para se movimentar no tempo, para a frente ¢ pa ra trds, considerando simultaneamente 0 comportamento molestador e suas origens. Subjacente ao trabalho esti a conviceao de que a agressio sexual é um comporta- ‘mento aprendido (Jefferies, 1991 e 1996) e, na maioria dos casos, um sintoma de pensa- ‘mentos, sentiments e padres de comportamento inadequados do molestador, desen- volvidos na maior parte das vezes em reag3o a um trauma anterior trabalho pés-traumitico com agressores sexuais nao difere muito daquele que se faz.com qualquer grupo de vitimas de trauma. As diferencas-chave esto no contexto do trabalho ¢ nos fatores de risco envolvidos ~ que demandam seguranca e sigilo —, além da duracéo da terapia. Levando-se em conta as exigéncias do sistema juridico eri- minal e, por extensio, das regras de seguranca piblica, € importante ressaltar que trabalho com a histéria traumitica dos proprios agressores néo acontece nunca para justificar seus crimes ou absolver sua culpa. O equilibrio entre esses dois imperativos terapéuticos demanda uma enorme capacidade de tolerancia e uma cuidadosa aplica- ‘Gao das evidéncias dos campos da psicobiologia, da psicologia, do aconselhamento de ‘traumas, da sociologia e da criminologia (van der Kolk, 1994a e 1994; Kipper, 1998) A prevaléncia de historias de trauma entre agressores sexuais [A maioria dos agressores sexuais soften, quando jovem, algum abuso significativo sexual, fisico ou emocional - ou, ento, abandono, explorago ou ruptura traumitica de vinculos primarios, numa intensidade tal que desenvolvem um sistema emocional distorcido ¢ corrompido (Schwartz et al, 1993 e 1995; Briere, 1996; Wallis, 1995). Um estudo recente, por exemplo, constatou que 93% dos componentes de um grupo de agressores sexuais foram sexualmente molestados quando criancas (Briggs, 1995, p. xi) Grubin (1998) mapeou estudos que mostram a incidéncia de histérias de abuso sexual entre agressores com indices que vio de 18% a 79%. Esse dado pode set comparado com um consenso de pesquisas, normalmente aceito, que indica uma prevaléncia de 10% de abuso sexual (sem contar outras formas de violencia) entre criancas do sexo ‘masculino na populacio geral. A luz desses e de outros resultados citados na literatura (Salter, 1988; Morrison, Erooga e Beckett, 1994), é razofvel acreditar que os individuos que cometeram agres- ses sexuais automotivadas repetidas vivenciaram algum trauma significativo e debi- titante, seja por abuso fisco ou sexual, seja por abandono prolongado ou outras rupr- as sérias nos vinculos primirios precoces. Quem trabalha com esses individuos, lida ‘com alguém cuja experiéncia de estar vivo é a de ser desvalorizado, impotente exclui- do, detestado, explorado, desumanizado e envergonhado~em sintese, uma vitima, Esse principio se aplica mesmo nos casos ein que 0 agressor nio reconhece, conscientemen- ze, estar prejudicado pelo proprio trauma. Muitos,na verdade, acabam vendo seu abuso ‘como uma coisa boa, que “no me afetou de maneira alguma” (Briggs, 1995; Burt, 1980; Marshall e Mari, 1996; Salter, 1988) Os traumas ocorridos precocemente na vida do agressor precisam ser levados em consideracio no seu tratamento, a despeito das reservas comuns a respeito da aborda: gem desse tema. Na opinio de Jefferies (1991), 0 abuso cometido contra esses indivi: dluos 6 muitas vezes pior do que os que cles cometeram posteriormente. B importante relembrar aos céticos, que podem desqualificar essa abordagem por consideré-la suave ou condescendente para com os agressores, que a gravidade do trauma relacionado ‘com esse fato vai muito além dos traumas normais da infancia. So traumas, por exem- plo, do garoto cuja mie lhe di pauladas na cabeca enquanto grita que gostaria que cle morresse; do menino que, 20 longo da infincia, presencia o tempo todo seu pai estu- pando sua mae, muitas vezes com uma faca no pescogo dela; do garoto que foi varias ‘vezes estuprado por um grupo de marmanjos e forcado a ver como os homens injetam selaxantes musculares em outros garotos, antes de estupri-los; ou, como no caso de Warren, o trauma do garoto que apanha diariamente, até que um dia decide munca ‘mais ter sentimentos. ‘Essas sio algumas das mais hediondas atrocidades, cometidas em segredo ¢ a por ras fechadas contra criangas silenciadas. A medida que permanecem nio ditos, esses horrores conserva seu poder debilitante. O fato de esses garotes terem se tornado hhomens que cometem outras agressGes torna ainda mais crucial compreender seu sO- fimento e iniciar 0 processo de cura na esperanca de ajudé-los a desenvolver € a pratt car comportamentos seguros. Mirando 0 espelho distorcido: de vitima a agressor De que forma, ento, uma vitima de violénciae trauma se transforma em molest dor & findamental ressalvar, em primeiro lugar, que a maioria dos individuos que so- rem estresse severo ou traumas infantis ndo se torna molestador (Briggs, 1995; Tedeschi e Calhoun, 1995; Webb e Leehan, 1996; Wallis, 1995). Embora o trauma aumente a pro- abilidade de distirbios psicol6gicos, hd um grande nimero de fatores que favorecem a cura. Entre eles, uma rede de familiares ¢ amigos amorosos ¢ protetores ¢ 0 nivel de de- senvolvimento social e egoico da vitima no momento do trauma, além de fatores biol6- _gicos e genéticos (Bannister, 1991; Tedeschi e Calhoun, 1995; Whitfield, 1995), ‘Mesmo quando a cura ndo acontece e a vitima do trauma continua a viver em um sistema baseado no trauma, isso nao leva necessariamente a uma comportamento agres sivo, Em vez de partirem para a violéncia, alguns individuos apelam para comporta- -mentos compensatérios ¢ de enfrentamento entre eles, a negacSo, a repressio, a evi- taco ou varias formas de automutilacio e autodestrnicio, entre elas o uso de drogas, para mencionar apenas algumas das estratégias que podem ser utilizadas (veja 0 Capi- tulo 13 e Langs, 1999). Focalizando a etiologia do ato ofensivo, a neurobiologia c a teoria do vinculo expli- cam como 0s efeitos do trauma infantil levam, em alguns casos, a uma futura agressio. A pesquisa no campo da neurobiologia explica que graves incidentes de trauma fisico € sexual, assim como outras experiéncias terriveis, tém o efeito de congelar processos normais, sejam eles bioguimicos, fisicos, perceptuais, cognitivos, emocionais, psicoligi- cos ou comportamentais (Kipper, 1998). A pesquisa com primatas e com bebés de- ‘monstra que traumas graves ¢ prolongados transcendem a capacidade do cérebro de rocessar informaces, forcando o individuo a recorrer dissociaco, ao entorpecimen: to psiquico ¢ ao blogueio de sentimentos para sobreviver (van der Kolk, 1994a). Langs (1999) observou que, na verdade, essas reagdes de enfrentamento podem ser profun- ‘damente incorporadas na selecio evolucionaria como recurso de autopreservacio. Pa: ra sobreviver, o cérebro reduz o conhecimento em vez de adquiri-lo e armazeni-o. Em consequéncia disso, a meméria dessas vivéncias traumiticas nio € codificada nem recebe explicacdo, como acontece com a maior parte das experiéncias, sendo, a0 contririo, travada no nivel sensoriomotor, Isso cria 0 que Hudgins descreve, no Capitu: Jo 13 deste ivro, como “bolhas traumiticas” — elas contém a informacio sensorial e as emogGes relacionadas com a experiéncia, mas esto em geral fora do alcance da cons- ciéncia, da compreensio e da explicagao intelectual ou verbal. Alguns desses bolsées de energia carregam lembrangas de sons e fragmentos de vozes; outros contém memsrias visuais, olfativas e tates, A confusio que cetca a violéncia softida pelos molestadores pode ser compara da, muitas vezes, com a confusdo deles em torno da agressio que cometeram. Muitos declaram querer descobrir as razSes de seus atos. Nao é estranho que os agressores ¢s- tejam confusos, ou mesmo enganados, a respeito da violencia que cometeram se levar- ‘mos em conta que eles aprenderam, precocemente, a separar a sensaciio fisiolégica da compreenstio mental. Na realidade, eles sempre dissociam enquanto cometem atos de violéncia. A reencenacio do abuso que softeram permanece inconsciente, ¢ vai conti- nuar assim até que eles sejam ajudados a entender o vinculo existente entre 0 que fize cam e sua experiéneia como vitimas (Schwartz etal, 1993). Estudos da neurobiologia apontam que o trauma ocasiona danos profundos nos circuitos nenrais ¢ na estrutura do cérebro, Um exemplo: as partes do cortex cerebral e do sistema limbico so em média 20% a 30% menores em criangas que foram moles- _adas em comparagio com aquelas que nao o foram (Perry e Pate, 1994). Os efeitos ‘bre o sistema limbico so particularmente significativos, pois essa area esti associa: da A regulacio emocional e ao estabelecimento de vinculos. Essas criancas mostram também uma regulacio reduzida do tronco cerebral e uma quantidade menor de si- napses nas dreas afetadas do cérebro. Além disso, um estudo da atividade cerebral em ctiancas molestadas constatou que 55% apresentavam eletroencefalogramas anormais em comparacio com os 27% encontrados num grupo de controle de criancas no mo- Testadas (Ito etal, 1993). Para muitos individuos assim traumatizados, 0 menor estresse pode liberar uma superabundancia de cortis6is e outros hor ménios estressantes, levando a uma atwacio impulsiva, ao aumento da ansiedade, & diminuico da concentraco, & autodestrutiv: dade e& perda de autocontrole, Nos casos em que os fatos da vida liberam as lembran- «as traumiticas, uma reagao do tipo “nudo ou nada’ induzida pela adrenalina, levaré 2 ‘uma desregulagdo crénica do afeto e do comportamento (Hunter, 1995; van der Kolk, 1994a e 1994b), Para lidar com essa desregulagio cronica, muitos sobreviventes de trauma se adap- tam por meio de uma total evitagZo de sentimentos. Eles se anestesiam psiquicamente a fim de anestesiar todo o sistema e, assim, minimizar as chances de sentir dor € per- der o controle (Greenberg e Paivio, 1998). No caso dos agressores sexuais, sua incapa- cidade de regular emogdes os leva a sobrecarregar suas inibig6es internas. Essa é uma das principais deficiéncias dos agressores sexuais ¢ uma das éreas mais enfatizadas nos programas cognitivo-comportamentais (Finkelhor, 1984; Beckett, 1994). interessan- te notar que a maioria dos agressores sabe, em nivel cognitivo, mesmo por ocasido da agressfo, que 0 que estio fazendo é errado. Por isso, ¢ imitil querer mostrarThes que agressio sexual é um erro, Os beneficios de uma abordagem como essa so limita- dlos, jé que ndo se ataca diretamente o problema subjacente, ou seja, a desregulacio que permite ao agressor se sobrepor aos seus inibidores (van der Kolk, 19948) ‘A teoria do vinculo oferece uma contribuigio extra que ajuda a explicar como as vitimas de abuso podem tornar-se, mais tarde, agressoras, Segundo essa teoria, durante experigncias traumaticas, a regressio a um nivel primitivo de funcionamento, como forma de defesa, cria uma necessidade imperiosa de vinculacao, equivalente a neces sidade do bebé de ser protegido pela me (Bowlby, 1988). O estado regressivo induzido pelo trauma exige, via de regra, que a mae ou cuida- dora tome conhecimento do sofrimento da crianga e mostre sinais emocionais que sin- tonizem com essas emoc6es ¢ as realimentem de forma segura, leve e contida, a fim de que a crianga internalize um recurso por meio do qual a emogio danosa seja regulada (van der Kolk, 1994a). Quando, entretanto, a fonte do trauma é exatamente a pessoa que deveria prote. ‘ger, a natureza faz seu lance mais cruel, que é tornar a fonte de terror ainda mais necessiria e aumentar também a vinculacao a ela (Bowlby, 1984). Tal padrdo se aplica ‘mesmo quando 0 molestador nao é 0 cuidador, mas conseguiu manipular a crianca e (0 meio em volta dela de tal forma que acaba sendo a pessoa com quem a crianga se sente mais ligada ~ uma conhecida estratégia de molestadores de criangas (Finkelhor, 1984). Em consequéncia disso, algumas vitimas defendem ardorosamente seu algoz, com base na crenca distorcida ~ muitas vezes inculcada durante o processo de sedu. <4o pelo proprio molestador ~ de que elas merecem o que aconteceu por causa de sua maldade, ou de que gostavam do que acontecia ¢ de que 0 agressor pensava no interesse delas. Nos casos em que a vitima passa a violentar, essa distorcZo se torna a justificativa ppara seus atos: “Aquele crianca gostava disso, eu realmente a amava”, ou “Ele mereci Essas so crencas distorcidas, ou justificativas, frequentemente ouvidas dos agressores. Esse sistema de crenca distorcida foi descrita como identificacio com o agressor (van der Kolk, 1989; de Zulueta, 1998), Pode ser visto também como uma estratégia ina- dequada de enfrentamento que permite ao agressor evitar os aspectos mais tensos € dolorosos das lembrangas da agressio que sofreu, contornando-os e convertendo-se em molestador. ara se recuperar dos traumas, as pessoas utilizam os recursos disponiveis em sua cultura, Quando, entretanto, no existe um senso moral relativo ao trauma, ndo ha apoio. Se a vitima foi corrompida ¢ seduzida e sua raiva acumulada foi suprimida, uma das possibilidades de alivio para essa raiva é a agressio sexual. O poder € 0 sexo se transformam na maneira de se sentirem melhores e vivos. Na experiéncia da vitima infantil, “hd apenas dois tipos de pessoa no mundo: as vitimas e os molestadores. Quan- do alguém nao consegue mais ser vitima, sua tnica escolha ¢ se tornar molestadot” (Sanford, 1993, p. 12). Miller (1995) também descreven a possibilidade de 0 molestador reencenar a maldade cometida contra ele na esperanga de um resultado melhor, apren dendo que dentro da agressio, que é um sintoma de uma necessidade subjacente, est anecessidade de reencenar a experiéncia precoce de ser, entre outras coisas, desvalori zadlo como crianca, © trabalho com o trauma na terapia de agressores sexuais (0 campo do tratamento de agressores sexuais ¢ atualmente dominado pela abor- Gagem cognitivo-comportamental, cujo foco ¢ ajudar os molestadores a modificar suas crengas distoreidas, aumentar sua empatia com a vitima, assumir responsabilidade por seus atos e controlar seu comportamento, ao mesmo tempo que mantém um estilo de ‘vida mais saudavel (Beckett, 1994; Barker e Morgan, 1993; Simpson, 1994; Clark e Exoo: 2, 1994; Jenkins, 1997). Virios programas focalizam também a diminuigdo da atracio sexual do agressor pela vitima-alvo e da agressio sexual como ato-alvo (Wyre, 1999). Embora o tratamento do agressor sexual tenha avancado bastante nos titimos quin- ze anos, 0 campo é ainda muito novo. Ainda que 0 tratamento cognitivo-comporta- ‘mental tenha mostrado muitos méritos, é fundamental ampliar a abordagem tera~ péutica, evitando a ideia injustificada de que jé se conseguiu a abordagem perfeita Hanson, 1999). "Tendo em mente esse fato, é importante notar que a bibliografia a respeito do tra- tamento do agressor sexual ainda nao incorporou mais do que quatro décadas de pes- aguisa acerca dos efeitos do trauma, das reacées ao estresse pés-traumitico € 0 efeito de autorregulagio dele decorrente. Além do mais, a literarura adverte contra a focalizacdo zo trauma precoce dos agressores, afitmando que talvez isso seja visto como justifica- siva para seus crimes, exoneragio da culpa ou complacéncia (Samenow, 1984; Jenkins, 1997; Salter, 1995). Entretanto, focalizar 0 comportamento agressor negando 0s vinculos histéricos ‘com o trauma inicial pode ser prejudicial tanto para o prognéstico do tratamento quan- to para a propria relacio terapeutica. A bem dizer, em muitos casos, ignorar ov menos- prezar a hist6ria do trauma do agressor implica desconsiderar 0 fator-chave que in- fluencia sua decisio de agredir, assim como o desenvolvimento de seu esquema mental distorcido e centrado na agressio (Schwartz et al., 1993). Em qualquer outro grupo de cliente, o terapeuta seria considerado negligente se ignorasse ou minimizasse a relevin- cia de tum trauma precoce na histéria de vida do sujeito, ou se insistisse em considerar inrelevantes, para a modificaco do comportamento atual do cliente, os efeitos emocio- nais debilitantes desse trauma, Uma abordagem como essa implica o alto risco de que, a0 silenciar novamente o agressor, cle volte a ser molestado, E bastante frequente também que os agressores deixem a terapia cognitivo-com- pportamental com um perfil de paciente tratado, ou seja, que renham colaborado no de- correr do tratamento, aprendido o “dialeto” (Salter, 1988) e conseguido mostrar melho- ras nos testes psicométricos apenas para continuar a molestar posteriormente. Isso se deve, pelo menos em parte, a0 fato de que 0 agressor nio foi ajudado a se recuperar do 358 proprio trauma, Enquanto ele ndo fizer isso, a terapia vai apenas The oferecer estraté: gias para enfrentar e controlar seus impulsos, em vez de ajudé-lo a diminui-los. Em outras palavras, a terapia cognitivo-comportamental é em geral mais itil para ajudar os agressores a identificar seu ciclo comportamental de agressio e intervir nele, ao passo que o trabalho com o trauma diminuiria o potencial do ciclo de agressio. © trabalho com emogées: as vantagens de utilizar o psicodrama para focalizar os traumas de agressores sexuais Hi pouquissimas referéncias, na literatura, A importancia de permitir e trabalhar sentimentos decorrentes de experiéncias traumaticas, especialmente no que diz res peito a agressores sexuais adultos (Jefferies, 1991 ¢ 1996; Schwartz et al., 1993, 1995; Baim, etal., 1999; Corsini, 1951a e 1951). Segundo Greenberg e Paivio (1998), a prin- cipal razo para isso € que um dos processos de cura psicologica mais carentes de documentacio é o proceso de transformagio que acontece quando sentimentos do: lorosos sio expressos. A maioria dos programas com agressores sexuais fala da importincia de obter uma compreensdo intelectual das experiéncias precoces do agressor (Beckett, 1994; Erooga, 1994), em particular no caso de experiéncias de abuso e abandono. Ao mesmo tempo, hd uma considerivel falta de énfase no trabalho com as emog6es, munca se mencionan- do a necessidade de revivenciar a emocio no aqui e agora, que acabou sendo um pres- suposto central no trabalho com sobreviventes de abuso ou de incidentes traumaticos (Hudgins e Drucker, 1998; Schwartz € Masters, 1993) Uma concepeao equivocada que aparece frequentemente na literatura é a de que a agressGo precoce € acessivel no nivel verbal e de compreensdo intelectual. ¢ de que o agressor seria capaz de analisar a agressio ~¢ tirar ligdes dela mesmo sem antes tra- balhar a experiéncia no nivel emocional. Como assinalam Greenberg ¢ Paivio (1998), Oo significado do fato traumético normalmente nao se altera para a vitima a menos que ela tenha acesso, primeiro, a lembranga desse fato — 0 que pode ser problematico em. si~e, na sequéncia, consiga permitir ¢ aceitar os sentimentos dolorosos associados, experiéncia do trauma. Kellerman (1992, p. 128) sustenta essa mesma posi¢ afirmar que © ato repettivo ea reencenacio de experiéncias reprimidas so necessiros para assegurar are conlagio e traduaie para pensamentos conscientes algumas das fantasias inconscientes mais naceitiveis[...][¢om] o objetivo de diminuir ofosso entre a experiéncia consciente (de descarga ‘motors ¢afetiva) eos significados inconscientes esses mesmos atos. Van der Kolk (1994a, p. 9) sintetiza esse ponto quando escreve: “Enquanto 0 trau- ‘ma é experimentado como terror sem palavras, 0 corpo continua segurando a onda”. Dependendo de quanto a lembranca do trauma ficou escondida na meméria corpo- ral~e, portanto, inacessivel & conscidncia cognitiva ~, a agressdo sexual pode ser enten- dida, pelo menos em parte, como uma projecio dos sentimentos dolorosos intoleraveis, € no resolvidos associados ao trauma precoce (de Zulueta, 1998; Jefferies, 1991 ¢ 1996; Miller, 1995; Sanford, 1993). A vitima (agora o agressor) pode permanecer para sempre traumatizada e emocionalmente incapaz, a menos qué 0s sentimentos dolorosos sejam revivenciados num contexto seguro que permita compreensao e identificago. Entretanto, talvez seja otimista demais pensar que um sobrevivente de abuso in: fantil, que mais tarde se transformou num molestador de terceiros, consiga ver de que forma ele aprendeu aquele tipo de comportamento, principalmente se ele estiver num. estado mental traumatizado ou até mesmo totalmente seduzido. Para que a cura seja completa, é necessério que o softimento das vitimas seja co- ahecido e respeitado pelos outros. Também é preciso que aconteca uma resolugio: a cena do trauma tem de ser revisitada de modo estruturado, proporcionando uma nova experiencia acolhedora e fortalecedora que ajude a domar o terror e permita oluto ¢ as necessirias adaptagées ~ para que a lembranca se torne mais tolerivel. 0 retorno no tempo serve também como uma oportunidade de examinar direta mente e modificar a necessidade destrutiva de molestar. O papel de molestador deve ser examinado na fonte, em seu locus nascendi (Moreno, 1946; Bustos, 1994), sendo tra- tado e modificado nessa origem. Tanto o papel de molestador quanto 0 de vitima deri- vam do mesmo fato original, razao pela qual é fundamental percorrer 0 caminho de volta do papel perigoso até o seu ponto de origem e dar fim & reptesso emocional que tanto contribuiu para 0 comportamento agressivo (Corsini, 1952), O ideal seria englobar, em uma tinica sessio de psicodrama, 0 trabalho focalizado nna agressio e o trabalho pés-traumitico. Quando o psicadrama é conduzido dessa for- ima, os papéis de molestador e de vitima adquirem a mesma importancia. Essa estraté- gia resolve também o equivoco generalizado a respeito do trabalho com o trauma de agressores sexuais, especialmente quando se afirma que eles apenas focalizam a agres- so que softeram, eximindo-se da responsabilidade por seus crimes. Nesse formato, cles sao estimulados a ter em mente ambos os papéis ao mesmo tempo. Aplicagdes clinicas: técnica e intervencao Para comecar um médulo de trabalho pos-traumético num grupo de agressores sexuais adultos, pede-se aos participantes que criem esculturas sociodramiticas, ou fo~ tos congeladas, de familias hipotéticas. O grupo pode ser dividido em subgrupos meno- res, cuja tarefa é criar imagens de uma familia que se comunique bem ¢ se apoie mu- tuamente, e de uma familia na qual a raiva e 0 medo estejam sempre presentes. As esculturas sto entio discutidas a fim de que os pacientes identifiquem que aspectos ajucam e quais prejudicam as eriangas. As imagens podem ser trabalhadas numa pers pectiva de tempo, avancando ou retrocedendo, permitindo a compreensio de como ‘comportamentos e atirudes se transmitem de uma geracio a outra. Inevitavelmente, os membros do grupo estabelecem conexdes com seu processo ‘educativo. Essas esculturas podem ser utilizadas também para demonstrar os princi- ppios tanto da vinculagao funcional quanto da disfuncional (Jefferies, 1991 ¢ 1996). Por cexemplo, “Observem essa dupla de pai c filho, o que aconteceria com 0 relacionamen- to deles se o pai abusasse do filho e este nfo pudesse contar 4 mie?” Quando for 0 ca- so, estimule os membros do grupo a buscar a ligacio entre o seu comportamento adulto ¢ 0 seu comportamento como crianga. Esse recurso pode ser bastante ‘itil pa~ ra diminuir a quantidade de negacdo e a vergonba, na medida em que os membros do grupo vio compreendendo, durante a discussdo das familias ficticias, o sentido da abor dagem do diretor, Aquecimento para a inversdo de papéis A poténcia do psicodrama tem sido atribuida a técnica de inverséo de papéis, na qual os participantes de uma interacZo trocam seus respectivos papéis. a melhor habilidade, de que mais necessitam os membros do grupo. Serve como uma ferramen- ta poderosa para desenvolver a empatia (entre outras utilidades), na medida em que stimula os participantes a irem além de “seu egocentrismo ¢ de suas habituais limita- Ges” (Blatner, 2000, p. 175). 3s clinicos podem introduzir a técnica da inversio de papéis quando entrevistam ‘os membros do grupo, propondo a eles que facam papel de “alguém que tem inte- resse no meu sucesso neste programa, cuja opinido eu valorizo € respeito”. Quando for 0 caso, cada membro do grupo pode criar uma folha pessoal de flip chart, com nome dessa pessoa em letras bem grandes. Uma parte dos procedimentos de abertu- ra de cada sesso terapéutica pode ser a fixacio desses papéis na parede, reforgando a ideia de que cada um tem ao seu lado, na sala, uma testemunha pessoal, alguém que 0 contém e o observa. ‘Quando os membros do grupo estiverem familiarizados com o proceso de entrar no papel e responder “como personagem’, eles conseguirio fazer inversGes de papel completas. A sequéncia psicodramatica da vitima ao agressor ‘Trata-se de uma sequéncia de trés encontros psicodramiticos. Eles no preci sam acontecer na exata sequéncia mostrada, mas devem constituir uma estrutura subjacente a todo o trabalho psicodramitico com abusadores sexnais. Em outras pa- svras, em algum momento, no decorrer do processo, cada um dos agressores deve + sua oportunidade de estabelecer as seguintes conversagées (Taylor, 1999, comu- nicaco pessoal) 1. Bu, como vitima da agressio, conversando com quem abusou ce mim. 2. Fu, como agressor, conversando com quem abusou de mim. ‘como vitima da agressio, conversando com as minbas vitimas. [As conversas acima sio facilitadas pela énfase na permissio para que emerjam o thor eu € 0 melhor critico do agressor. Independentemente da sequéncia, as conver- sages devem ser conduzidas de tal modo que o agressor possa sentir que esté sendo ouvido e nio julgado. A sugestio é de que, em algum momento, toda conversacio s¢ja observada, em espelho, pelo proprio protagonista, que fica em pé atrés e pode obter, assim, uma compreensio mais objetiva de como os varios papéis se entrelagam e como cles se influenciaram mutuamente 20 longo do tempo. Ele estard, dessa forma, apren- endo como se desenvolveu seu espelho distorcido. Quando for 0 caso, o agressor pode ser estimulado a pedir desculpas (psicodrama- ticamente) &s pessoas que ele feriu, ¢a se perdoar a si mesmo por seus atos, de tal for ma que ele possa seguir a vida (Miller, 1995). No contexto da sequéncia acima das trés conversas, essa seria uma quarta: “Ev, como abusador, conversando com as vitimas de ‘meu abuso”. Além disso, as conversas internas, tais como "Eu, como vitima de abu- so, conversando comigo como abusaclor", ou “Uma parte de mim que deseja molestar conversando com a parte que no deseja”, podem estimular a motivacZo ¢ o sentimen- 10 de autodeterminacio ¢ de escolha, Confrontando © papel de molestador ‘Quando se facilita um psicodrama em que 0 agressor est desempenhando 0 seu proprio papel, o diretor pode se comprometer com ele da mesma maneira que 0 faz com qualquer outro papel inadequado. Ou seja, o facilitador pode permitir que 0 pro- tagonista se sinta seguro na representacio desse aspecto, sem medo de julgamento ou de que esse papel seja considerado alvo de eliminacdo. Além do mais, alguns aspectos do papel foram, em algum momento, necessirios para a sobrevivéncia do protagonista, de modo que a ameaca de eliminacio desse papel pode criar uma resistencia compreen- sivel (Mercalf, 1997). Trazendo 0 papel para a luz do dia, explorando suas origens ¢ permitindo que seja atuado de forma segura, a energia € 0 aquecimento diminuem ¢ 0 papel perde sua poténcia, chegando mesmo a se dissipar (Kipper, 1998). HG, entretanto, um risco real de retraumatizar 0 agressor quando ele desempenha esse seu papel. Muitos molestadores ndo querem ser superidentificados com esse papel cde alguma maneira se paralisam novamente nele. Outros tém muita vergonha dese papel. Portanto, deve-se seguir uma progressfo estrutural que minimize a possibilidade dessa traumatizacio, permitindo ao protagonista controlar o seu grau de identificagso com o personagem (veja Hudgins, Capitulo 13). As etapas seguintes podem ser um guia itil, Depois que o protagonista identifica seus recursos intrapsiquicos, interpessoais ¢ transpessoais (veja Hudgins, Capitulo 13), ¢ depois que ele tem 0 apoio de um dublé que o contenha, peca a ele que descreva 0 personagem molestador. protagonista localiza 0 personagem no espaco cénico (por ex., a cena da agres- sfio), identificando e descrevendo sua postura fisica ¢ as agdes daquele momento. © protagonista representa 0 personagem com objeto(s), colocando-o(8) no espa- 0 cénico. ‘Ainda fora da cena, o protagonista faz-a voz, repetindo as palavras que ele proferiu na ocasiio. Quando apropriado, essa parte pode ser feita por aurxiliares. © protagonista entra na cena ¢ assume seu papel, encenando o papel de molesta dor e os momentos -chave da agresso. Com o recurso de inversio de papéis com o seu cu atual, coma vitima e com outros papéis internos ¢ externos, 0 protagonista € levado a diminuir a forca do seu papel de molestador e a alcancar um equilfbrio interno de papéis mais saudével Pés-teste — Treinamento de papel utilizando 0 “Sr. Autoconsciente” Depois de bem-sucedido 0 trabalho focado na agressio e no pés-trauma, pode scr interessante, como parte dos objetivos de treinamento de papel, pedir aos mem- bros do grupo que assumam, um a um, papel do "Sr. Autoconsciente”. Trata-se de ‘um personagem hipotético que andou cometendo agress6es, mas acaba de completar ‘um programa de tratamento. Ele é tio autoconsciente quanto possivel. Ele conhece as situacSes de risco, treinou estratégias de enfrentamento e consegue fazer annizades ‘na comunidade compativeis com sua idade. No fundo, ele nao é um “certinho”. Pelo contririo, ee se parece mais com um presidiario veterano, condenado a prisio perpé- tua, que fez de tudo no pasado, pensando ser suficientemente duro ¢ esperto para driblar o sisterna ou entio vencé-lo. Agora, 0 St, Autoconsciente devota suas energias 20 baixo risco, mantendo um estilo de vida equilibrado e saudével, livre de agressbes. Dé condigGes 20 grupo de assumir esse papel ¢ experimentar ser 0 Sr. Autoconsciente por um bom tempo, Eu cheguei a propor aos membros do grupo que permaneces- sem nesse papel por uma semana, até a sesso seguinte. Em alguns casos, essa priti cade um novo modo de estar no mundo pode set uma experiéncia profunda para os molestadores. Estudo de caso CO exemplo clinico que se segue mostra bem o psicodrama que eu tenho feito com agressores sexuais masculinos adultos. Esses psicodramas sempre relacionam os efeitos Ga experiéncia nodal traumética do agressor com o comportamento ofensivo posterior, romando o cuidado de garantir que 0 agressor no reforca sua condi¢do de vitima, an- tes, remove-a completamente, dando a ele condig6es emocionais para trabalhar sua experiéncia como vitima. A estratégia basica do psicodrama é levar os papéis de vitima ¢ de abusador até o seu ponto original a fim de proporcionar uma modificaco, no pla- 10 psicodramatico, dos eventos que determinaram os dois papeis. 0 psicodrama abaixo {bi dirigido pelo autor, de acordo com os principios ¢ métodos do psicodrama “classi co” (Moreno, 1946; Hollander, 1978), do psicodrama “espiral” (Goldman e Morrison, 1984) eda espiral teraputica (veja Hudgins, Capitulo 13), um modelo construido espe- cificamente para o trabalho psicodramstico com sobreviventes de trauma. (Os detalhes biogréficos foram alterados por questo de sigil. Adriano Adriano, 47 anos, estava preso por ter abusado sexualmente de uma garota (paren- re remota) que tinha entre 9 ¢ 11 anos por ocasido da agresséo. Antes de entrar no gru: po de psicodrama, ele ja tinha participado de um programa prisional de tratamento de agressores sexuais ¢ possuia o que cle chamava de uma boa compreensio do seu ciclo ofensivo. Ele participava do grupo de psicodrama com o objetivo de examinar eventos precoces de sua vida, mais particnlarmente os atos de violencia cometidos pelo pai. Ele ‘mencionow a existéncia de diversos vazios de meméria de sua infincia ‘Adriano se apresentou para trabalhar 0 tema do abuso fisico paterno. Fle quetia rever um incidente especifico acontecido com ele aos 8 anos de idade, quando ele esta- va brincando com seus amigos ¢ teve a camisa rasgada. Ble chorou durante todo 0 ¢a- minho de volta para casa porque sabia que o pai iria bater muito nele. ‘Antes de retornar a essa cena do passado, era necessério fixar Adriano no presen- te, para que ele tivesse uma realidade conereta para onde voltar. Isso era particular- mente importante no caso dele porque havia evidéncias de que Adriano utilizava a dissociagio como forma de lidar com 0 abuso daquela época, o que implica que havia tum risco de que ele dissociasse em algum ponto do psicodrama. Isso realmente velo a acontecer em alguns poucos momentos-chave. Adriano identificou diversas forgas in- ternas, pessoais, que poderiam ajudé-lo a retornar ao episodio do abuso: seu cuidado e sua preocupacio com os outros, seu desejo de conhecer seu verdadeiro eu, sta capa- cidade de ouvir e de fazer amigos. Ble identificou também sua mae como uma forga {nterpessoal essencial, Foi necessario algum tempo para ter certeza de que a presen- ‘ca da mae ali seria completa, para ele, no psicodrama, ¢ de que essa versio da mae no teria medo de fazer o que fosse preciso para proteger o filho. Adriano quis, também, que alguém vivesse o papel do dr. Martin Luther King Jr., pois sabendo da presenga dele ali isso Ihe daria uma boa dose de forca espiritual. No papel do dr. King, Adria- no falou sobre a importincia da descoberta da verdade e de proteger todos os opti midos, inclusive as criancas abusadas pelos pais. Depois disso, Adriano escolheu um dos membros do grupo para ser um dublé continente (Hudgins e Drucker, 1998), que ficaria do seu lado, no decorrer da cena traumitica, para apoié-to e ajudé-lo a conter sua dissociagio e sua tendéncia a regredir quando atingido pelo choque toxi- co de suas recordacdes. ‘Acena foi direcionada para criangas brincando com um trator quebrado e Adriano rasgando sua camisa. Ao caminhar em direcdo & sua casa, no papel de uma crianga de 8 anos, Adriano comegou a relembrar algumas coisas que tomaram conta dele leva- ram seu corpo ase sentir nauseado e se contorcer. Ele se abaixou até o chao, em ligti- ‘mas. Depois de uma intervencio do diretor e do dublé, que o impediram de entrar em regressio descontrolada, Adriano conseguiu narrar os eventos ocorridos no vestibulo de sua casa, onde ele recebeu uma dura sova do pai, que chegou a Ihe socar 0 rosto e @ Ihe dar chutes no estémago. Com vor forte e ameacadora, ele reperiu as palavras do pai e, medida que ia falando, ia tendo virias explosdes repentinas de meméria. Estava mui: to aflito, mas quis prosseguir. Acetapa seguinte da reencenagio foi a cena do abuso, desempenhada por dois auxi- Tiares, com Adriano na escuta, Nessa altura, o diretor fez uma intervencio € dew um nome ao que estava acontecendo na sala, chamando-o explicitamente de um ato de ter- rivel violencia. Adriano também deu nome ao abuso pelo que ele foi, assim como 0 ft zeram os demais membros do grupo. Houve um consenso absoluto de que se tratava DETER FELIX RELLERMANN ¢ MK. HUDGINS Ge uma cena de abuso e de forma alguma uma cena de punigo razovel. Depois de ter continuado a chorar e a ouvir seu dublé, Adriano se sentiu em condigdes de passar 20 proximo passo, que foi testemunhar os dois auxiliares fazendo a cena de violencia. Ele Scou responsivel pela cena, com permissio para parar e comecar, na medida em que se xisse pronto para enfrentar o proximo passo da sequéncia, Ele utilizou 0 botdo pa- ar /comegar varias vezes. Precisou se esforgar para conseguir ver a cena. Quando se viu 8 anos de idade, atirado ao chao e chutado na cabeca, cle espontaneamente sait -m defesa do garoto, levando-o em seguranca até a cadeira da mae, Foram feitas varias saversdes de papéis, com Adriano no lugar da mae, confortando o pequeno Adriano, ¢ epois como ele mesmo ainda crianca, sendo confortado pela mae. Nessa altura, ele se sracou com o membro do grupo que desempenhava o papel de mae e caiu em choro convulsivo. Ble se permitiu ser carregado e confortado, ¢ falou da dor que sentiu pelo que aconteceu. ‘Adriano ganhou condicées, entio, de participar da cena do abuso, fazendo 0 papel dele mesmo com 8 anos de idade, para revivenciar e reintegrar a cena de seu -guma central, vivenciando-a novamente porém de forma contida e também rein- ventada, com outro resultado. A fim de separar a realidade suplementar da cena do uso real, recém-testemunhada, foi criada uma cena hipotética de uma sova seme- Ihante. Antes de entrar na cena, Adriano fez uma reviséo das forcas de que dispunha, © dos virios personagens que estavam ao seu redor. Foi criada uma versio reformada Ga mie, com forca suficiente para proteger 0 filho. Adriano entrou no paleo e, em meio a terrivel cena de violéncia, foi resgatado por uma mie nova, forte ¢ justa (de- sempenhada por outro interno). A mae o afastou da cena de abuso. Ela 0 abragou deixou-o chorar, dizendo que se ela soubesse da violencia contra ele cla o teria prote- gido, Adriano chorou muito, colocando a cabeca no ombro do companheiro de gru- po que fazia o papel da mie, Depois dessa catarse, Adriano conseguiu se colocar em pé, forte, ao lado da mie, dizer ao pai o quanto aquilo o tinha ferido, Fez ent2o uma cena projetiva na qual disse ao pai que gostaria de conversar com ele de novo (o pai ainda vive) e tentar falar sobre o passado e a histéria de vida do proprio pai. Isso, mesmo sabendo que seu pai jamais admitiria 0 quiio mal ele Ihe havia feito, Foi importante um dos auxiliares ser trazido para representar Débora, a vitima de Adriano, No meio dessa conversa com o pai, Adriano disse: “Eu era uma ctianga indefesa, e isso se refletiu no que en fiz com Débora, que era também uma crianga in- defesa. Vocé nio tem o direito de fazer 0 que fez comigo, e eu néo tinha o direito de fazer 0 que fiz a cla, Eu estava tentando fazer com que ela se sentisse tio ma quan- toeu" Durante os meses seguintes, Adriano foi se tornando cada vez mais ativo, partici- pando da terapia dos outros companheiros, menos retraido e preocupado. Ble relatou ‘que estava muito mais relaxado e com menos medo de suas recordagbes ¢ sentimentos. Em particular, sem mais medo do pai. Ele sentia também que havia menos lacunas nas, Jembrangas de sua infaincia, Mais de um ano depois da liberdade assistida, ele continuou «fazer avangos ¢ a manter um estilo de vida nao abusivo, Conclusao ‘Trabalhar com o trauma nunca vai ser nem 0 tinico nem o principal modo de tratar agressores sexuais. Mesmo assim, serd relevante para um grande niimero de agressores sétios ¢ contumazes. A pesquisa sobre 0 trabalho terapéutico com vitimas de traumas infantis prolongados ¢ inevitiveis sugere que o psicodrama deve fazer parte do tratamen- to-padro de agressores sexuais. O psicodrama pode ajudar na abordagem e modifica- ‘40 do lado vitima do agressor, lécus externo de controle e desregulago afetiva, ¢ nos efeitos do abuso precoce, da sexualizacdo traumitica, da aprendizagem e funcionamen- to desadaptativos, além de hist6ria de vinculagao precésia. O trabalho psicodraméti- co com o trauma também complementa os objetivos das abordagens-padrio cogniti- ‘Yo-comportamentais, focalizando diretamente as distorcGes cognitivas, a empatia com a vitima e a prevencio das recidivas (Baim et al., 1999; Robson ¢ Lambic, 1995). Para algumas pessoas deve ser dificil até mesmo considerar a hipdtese de levar em conta a hist6ria traumitica pessoal do molestador — num primeiro momento, isso pare- ceria a maior injustiga contra as vitimas. No entanto, se tomarmos a agressio como um, sintoma, poderemos ver que muitas vezes ela atua como um espelho distorcido, ou ‘uma ponte afetiva (Schwartz e Masters, 1993), ao longo do tempo, deformando e refor- matando a experiéncia anterior em novos episddios de abuso. Nao importa muito que ‘o molestador tenha estado uma vez do outro lado do espelho, porque ao longo do tem- oo espelho distorce, como a fita de Mabius, de modo que tudo é apenas uma superfi- ie. Como os papéis sio recfprocos, o vinculo é bidirecional, de uma pessoa a outra. ‘Uma boa paternagem pode levar a uma boa paternagem, um gestor bem-sucedido vai servir como modelo para os trabalhadores quando estes se tornarem gestores, e 0 mo- lestador eficaz, seja qual for sua estratégia, de delicadezas, de ameacas ou de pura bru- talidade, vai ensinar a desempenhar esse especifico tipo de abuso. Essa é a razio pela qual a observacio da agressio, ou das fantasias de um molestador, pode oferecer a me- Ihor pista a respeito do trauma subjacente. 0 trabalho terapéutico com agressores sexuais deve ser um trabalho de alma, por que em quase todos os casos os proprios agressores sofreram danos dolorosos em suas almas antes de prosseguir na tentativa de destruir as almas alheias. Uma qualidade ver- dadeiramente bisica da natureza humana é que achamos dificil sentir pena da dor alheia quando parece que ninguém sente pena de n6s, Precisamos desse reconhecimen- to para que sejamos livres e para satisfazer uma demanda fundamental do ego: ser ou- ‘vido, visto ¢ respeitado (Milles, 1995). Do contririo, recorreremos 8 raiva e a0 ressenti- ‘mento, ou internalizamos @ raiva e nos tornamos deprimidos ou ansiosos. No extremo, se os sentimentos sio completamente ignorados, pode ocorrer uma falta de empatia ‘mesmo em relacio aqueles que algném fere diretamente. O mesmo principio se aplica: “Bu no me importo com vocé porque voct nfo se importa comigo”. Ble est’ radicado no trauma precoce do abusador, nas experiéncias em que ele ndo conseguiu dizer “no” enegou a capacidade de fazé-lo, O trabalho pés-traumitico vai ajudé-lo a resgatar esse “nfo”, sabendo que quando nés podemos dizer “no” o lugar para a raiva e a violencia deiva de existr. Referéncias bibliogréficas Bans, C.etal. "The use of psychodama to enhance victim empathy in sex offenders: an evaluation”. The wr of SecuaAgreton w 4,n. 1, 1999, 414 Ssecusren, A "Learning to lve spain: peychodramatc techniques with senualy abused young people”. In: Hou ‘ts, By Kate, M. (orgs), Pnchodrama:énpiration and rcbngue. Londres, Tavstock/ Routledge, 1991. (Em portugues Puicodrama Tne edvia,Sio Palo: Agors, 1992) Banxan, Mz MORaAs, R, Sex afer: «ramewor forthe evaluation of community Based treatment. (Report tothe ‘Home Office), Bristol Universit: Faculty of Law, 1993. 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Embora o psicodrama seja, hd muito tempo, considerado uma terapia expressiva ¢ utilizado em diversos contextos terapéuticos (Buchanan e Dubbs Siroka, 1980), néo aparecem na literatura relatos especificos a respeito de tratamento psicodramatico de individuos com transtorno de personalidade miiltipla (MPD) ou com transtorno disso- iativo. Desde 0 outono de 1990, a terapia psicodramatica faz parte do tratamento de adultos em recuperagao de abuso traumstico infantil, a maioria deles com MPD ou ‘com transtorno dissociativo, Este capitulo apresenta um relato preliminar da aplicagao do psicodrama para trabalhar com esse tipo de paciente, pretendendo ser uma introdu- ‘do a0 uso do psicodrama no tratamento do MPD e de transtornos dissociativos. Uma sintese histérica do psicodrama Antes de examinar as aplicagGes especificas do psicodrama no trabalho com essa populacio especial, vamos a algumas informagdes gerais. © psicodrama fot uma cria- fo do dr. jacob Levy Moreno, psiquiatra vienense que emigrou para os Estados Uni- dos nos anos 1920 (Fox, 1987). Na Europa e nos Estados Unidos, Moreno explorou no- ‘vas reas no campo emergente da satide mental ¢ foi pioneiro no desenvolvimento da 1. Emiinglés, multiple personality disorder, (NT) teoria dos papéis, da sociometria e dos métodos de a¢io em psicoterapia (Moreno, 1961), Em 1931, ele cunhou o termo “psicoterapia de grupo” enquanto desenvolvia sua teoria e sua pratica do psicodrama (Blatner, 2000). Por solicitagao do dr. William A. White, Moreno ajudou a instalar a seqio de psicodrama do Hospital St. Blizabeths, em Washington DC, em 1937, que continua sendo um importante centro de treinamento de psicodrama (Buchanan, 1981). © psicodrama emprega métodos de a¢Zo para proporcionar aos membros do gru- po a oportunidad de investigar problemas de modo interativo. A teoria de papeis de Moreno é um elemento essencial da abondagem psicodramitica, e virias tecnicas — co- ‘mo a inversio de papéis, a dublagem e o espelho ~ so frequentemente utilizadas para explorar o repertério de papéis existentes e potenciais do individuo (Moreno, Z., 1959). ‘© uso dos membros do grupo como agentes terapéuticos ativos ¢ outra caracteris- tica da abordagem psicodramatica (Buchanan, 1984; Moreno, Z., 1965). Este capitulo no pretende apresentar uma descricio completa da teoria ¢ da metodologia do psico- drama, mas o leitor pode consultar, para uma visio mais abrangente, alguns dos diver- s0s livros sobre o assunto (Blatner, 1989; Fox, 1987; Moreno, 1946). Estrutura do psicodrama “Toda sesso psicodramitica consiste em trés partes. A primeira é conhecida como © aquecimento e enfoca a exploracio verbal de problemas e preocupacées individuais. Durante 0 aquecimento emergem os temas e desenvolve-se um problema central, que ser explorado na segunda parte, a aco, Durante essa fase, o problema central é inves- tigado com a utilizacio de técnicas especificas de ego-auxiliar, Geralmente um indivi. duo desponta como protagonista e explora uma manifestacio pessoal do problema. Se a fase do aquecimento se completou, cada membro do grupo se conecta emocional- mente com o problema central ¢ se beneficia do trabalho do protagonista individual (Buchanan, 1986). Em geral, os participantes assumem papéis de apoio, favorecendo a coesto grupal ‘e aumentando a consciéncia do repertério pessoal de paptis. As vezes, a sesso psico- dramitica focada no grupo envolve todos os membros numa investigacéo mais genér ca ou sociodramética de um tema central (Sternberg ¢ Garcia, 1989). A etapa final do ‘grupo é o compartilhamento, no qual os integrantes do grupo tém a oportunidade de ‘expressar as reagGes ¢ associacSes pessoais, ou outros sentimentos estimulados pelo twabalho durante a fase da alo. Despir-se dos papéis é um aspecto importante da fase do compartilhamento, quando entéo os participantes so estimulados a se desengajar conscientemente dos papéis assumidos durante a dramatizacio, protegendo-se de uma ‘contaminagio e garantindo a integridade do papel c do ego (Holmes € Karp, 1991, p. 12 58; Altman ¢ Hickson-Laknahour, 1986) Expressio versus retencéo ‘Um equivoco bastante comum na compreensio do psicodrama é a ideia de que, orientado para a agio, 0 método estimula cada vez mais a expresso, em detrimento da necessidade do individuo de conter as emogGes intensas ¢ de desenvolver papéis adequados para 0 seu alivio (Moreno, Z., 1965). Na verdade, embora 0 psicodrama seja, de fato, uma ferramenta terapéutica eficaz, a expresso emocional catartica é apenas uma pequena parte dessa abordagem, Antes que os problemas € as preocupa- «Bes de uma pessoa sejam investigados por meio da acto, toma-se o cuidado de estabe- lecer uma estratura de ago, ou seja, uma forma geral e uma forma cénica para explo- rar um problema, No trabalho com sobreviventes de abuso dissociativo, a estrutura geral propor- cciona os limites necessérios para que se proceda ao trabalho terapéutico de forma organizada, Uma das vantagens do psicodrama é que esses limites so externados simbolicamente ¢ se tornam tangjveis no “paleo” ou no espaco destinado ao trabalho psicodramatico (Williams, 1989). Por exemplo, um individuo que luta contra mensa- ‘gens conflitantes introjetadas de um genitor agressivo pode ter a chance de criar uma estrutura de agio na qual cada uma dessas mensagens é concretizada e apreendida, utilizando-se outros membros do grupo ou ego-auxiliares como atores, Uma vez esta- belecida a estrutura da ago, 0 conflito interno ganha forma tangivel e um trabalho te- rapéutico seguro e inteligente ocorre (Williams 1989). Assim, o psicodrama oferece a oportunidade de expressio de afetos reprimidos e, a0 mesmo tempo, uma estrutura de contencio da expresso emocional dentro de parimetros seguros ¢ terapéuticos (More- no, Z., 1965) A fome de atos e os sistemas abertos de tensao Um dos principios do psicodrama que influenciam o trabalho terapéutico com sobreviventes de trauma infantil € 0 conceito de fome de atos, assim como o de sis- temas abertos de tenso (Buchanan, 1980; Sternberg ¢ Garcia, 1989). Moreno formu- Iowa teoria de que 0 desejo ou “fome” de agir é um elemento bisico da experiéncia ‘humana (Williams, 1989). A fome de atos engloba a maioria das acdes humanas bi- sicas, como a necessidade de rir, chorar ou de reagir adequadamente aos estimulos ‘emocionais. A fome de atos complexa dos sobreviventes de trauma pode levar necessidade de um sentiment de seguranca, ao desejo de falar sobre uma experiéncia de abuso ow de fazer alguma coisa para aliviar 0 desconforto emocional. Quando a fome de atos ‘40 6 satisfita, criase um sistema internalizado de emogdes complexas que se agre- sam em torno dessa fome de atos frustrada: é o sistema aberto de tensio (Sternberg e Garcia, 1989). Qualquer pessoa que tenha trabalhado com sobreviventes de abusos repetidos sa- be que a fome de atos frustrada resulta em sistemas abertos de tensdo, que limitam a espontaneidade e inibem o potencial de crescimento € desenvolvimento emocional, Por exemplo, uma crianca que é repetidamente frustrada em suas tentativas de encon- ‘sar seguranca pode vivenciar, quando adulta, um medo generalizado de experincias ¢ e pessoas. A “necessidade de falar” no expressa de uma crianga molestada pode levar ao segredo patoligico e a desconfianca em relacées potencialmente fntimas na vida adulta (Courtois, 1988). 0 fato de o psicodrama ser orientado para a acéo permite nos entrar na realidade do sobrevivente, no nivel da fome de atos e dos sistemas abertos de tensio. Comecando com uma cena especifica e buscando alcangar a fome de atos por meio da acio, a abor- dagem psicodramdtica inicia um processo de desafiar a realidade aceita do sistema aberto de tensio do sobrevivente. Fomes de atos ha muito bloqueadas podem ser ex pressas com seguranca numa sessio de psicodrama, convidando ao fortalecimento por intermédio de novas reacdes ao sistema de crencas internalizado. Estudos de caso Os exemplos que se seguem baseiam-se em minha experiéncia como diretor de ‘grupos de psicodrama num programa de recuperacao do abuso voltado para pacientes internados. © primeiro caso ilustra como 0 psicodrama € utilizado para facilitar a co- municagdo interna num paciente com MPD, com énfase minima na expresso catarti- ca. O segundo demonstra como o psicodrama pode ser usado para faclitar a expresso emocional e uma ab-reacio controlada, num contexto seguro e apoiador, O grupo do qual esses exemplos foram retirados se retine duas vezes por semana em sessbes de no- venta minutos. O grupo comporta um maximo de oito pacientes mais o terapeuta, tradicionalmente chamado de “ seuoHDeyax 9s vied sjpded sonou napuoude 9 pouaraysuon vssa reURULDSIp ninBasu0D ef> “PUID EN ”,OAE O ETARO,, v2 “THS0y ZO ‘9p wor o e1ano efo opuend) ‘sagdero1N sens ap Jopeapestasap 0 19 OTE Op apEPHBSOY| ‘ anb op equoa sep as ¥ wai nosay auuerodun aiuaussefnonsed eureIpoDIsd WN, ‘operafonur opnuas wines gu a wossad emuguodxo vu pppaseg [vossad eanexieu eaou etun sey ered oduiar ude repuadsap aie ioduuy 9 ‘SeSuaip ap ewiarsis 0 sox03s1p vuIMEN o opuenb ‘ome anug ‘steuop sop 91s op oradsas v seastear searreavadxo 2 soaria[qo weED seayjoquiis sogdeiuasaidar sesso ‘epeande vpugata euun a soanmioo sophuss asiu9 opseSy] © zy 9s opurend) “epia v wertono steossad seapeasen sy “epessed epuguadsa ¢ winge anb opnuias ow sepeaseg wasta svossad sy °,opnuos, op epeueyp 9 a1uauian e1la0IM Vy pauses ‘oar 0 ta1oo spueyur sepugtiadxo sens ap eugLIOD9p wa sopeDossip teaesa anb somsuspUIs 2 sontiourestiad so ‘eanias espoueui ap ‘reouanta wmasu0D ‘soanysod sipded snos 9 ei soo ens wo eae32oUOD9s 2s FIP Opurend) *, seu zesuad 9 souDUL spuds eyed yeatdso eu _igns osioaid no ‘ox1020g,,:192%p expod epg “a[oust03s9p op estaq 2 [PAPIOUTTA OPUEIUAS as eaniso optrenb ‘TepuDNA oyeqen 0 siuemp ‘ieaTUNWOD e napudzde OBO] PIDIE) “eperontoasop opssauSou arpeauasap Wot wistuoe10ud op apepianage e ensisap O8E nb euiioy ap epeananasa 9 sopeoossp somiaumuas ap 9 soprroisyp somauresuad ap ‘sexodz09 setiglua.u ap ‘sepessazoud ort sua ap 22ua}9su09 ProupAIA Y “SIeUODOWID seburenu 9 ovdimur ‘sreqraA opt somraurentoduio9 ‘sagSdaasad ‘sogSesuas sep eDURID -suoo jpur eane EUgAES Vy“ LPUGAR, ap wpeeeED 9 [eszdso yp sauanIaA epuNas Wy Dual, “out op oBuo] oF sextaazeq roduos e e-ypale ‘ered sopeznin “(,s0sstq 920q] sop eurerSoug,, ou ‘snaq] no} zoHadng sOpog 0 WHO opeouoa & 2 easy ehzoy e ‘eprend ep oltre nas 0 owoD suaSeuosiod wa wiB:oUD ¥ NOZ -paxouoo wp ‘opaes steun ‘sogSezetmesp somarayIp tg *owuauuow 21s0u waa], BU HAE sexsa onap na anb ap 0383 OW vSuax9 eum 9 Fore Zapod WN wD oIeIUOD,, omOD eI 4s “bolhas do trauma” ‘Como disse um cliente, “Nao existem palavras para expressar 0 que acontece com vocé quando sofre abuso sexual”. Assim, um dos primeiros passos na compreensio do smpacto do trauma é ter palavras para descrever 0 que acontece com o eu, Enquanto a ‘magem da espital proporciona uma chave para o funcionamento saudavel, as “bolhas do trauma” constituem um meio rapido de descrever as mudangas sistematicas que ocortem na consciéncia em razdo do trauma Para o sobrevivente de trauuma, a imagem de uma bolha preenchida com fragmen- os visuais, sensorias, auditivos e emocionais do trauma faz sentido. A vivéncia ¢ divi- dda em diferentes bolhas de trauma, Erguem-se barreiras psicol6gicas rigidas contra 0 srauma, mas, como uma bolha, elas podem explodir inesperadamente, Quando o gat dispara, o material traumético inconsciente irrompe no presente, assim como o ar sai de dentro de um balio quando cle explode. Essa imagem di ao sobrevivente de trau- ‘ma uma ferramenta de comunicagio, assim como certo controle sobre 0 material no processado. Greta considerou essa imagem particularmente ttl. Ela conseguit descre vver com facilidade como as bolhas do trauma estavami flutuando em volta da cabega, com imagens dela aos 5 anos, presa num cOmodo, em uma bolha, enquanto os gritos que ela ouvia dentro de si lutuavam em outra bolha, A cara de bravo do avé estava guardada ainda em outra bolha do trauma, Ela percebeu que sua vivncia estava divi dda e que necessitava ser reconectada para fazer sentido no presente. Figura 13.2 Representacio da bolha do traurna PHICODRAMA DO TRAUMA 233 (© tomo intrapsiquico de papéis do sobrevivente de traumas (AIPST*) Os clientes podem sentir-se perdidos quando tentam compreender “partes do eu” “alters”, “subpersonalidades” e “personalidades”, identificando-se demais com diagnés- ticos como transtomno dissociativo da identidade ou transtorno de personalidade limi- tofe. A teoria de papéis, uma contribuicdo do psicodrama cléssico, organiza a interna- lizagéo do trauma em “papéis” e permite ao cliente falar de sua experiéncia sem sentir vergonha, © exemplo mais antigo do atual dtomo de papeis pode ser encontrado no modelo de recuperagao das trés criancas (Hudgins e Sheridan, 1990), que divide os pa- péis em crianca adulta, crianea ferida e crianca dorme-acorda, Descrigdo do dtomo de popéis (0 tome intrapsiquico de papéis do sobrevivente de trauma € um mapa clinico dos papéis essenciais na estrutura de personalidade de um sobrevivente de traumas em da- do momento (Hudgins, 1998; Toscani e Hudgins, 1996). Ele esta dividido em: papéis prescritivos; ppapéis baseados no trauma; apéis transformadores, Nesta seco, Greta apresenta seu 4tomo de paptis e, em seguida, esses papéis séo utilizados para descrever as vinhetas cénicas 20 longo deste capitulo. Papéis prescritivos ara prevenir a retraumatizacio e a regressio descontrolada, 0 modclo da espiral terapéutica prescreve certa quantidade de papéis positivos que precisam set estabeleci- dos antes por uma questio de seguranca. Esses papéis prescritivos sio concretizados antes de descer a espiral para um trabalho de revivéncia ativa e de alivio emocional Esses papéis servem a trés principais fungdes psicologicas do protagonista:restauracso, contencio e observacio. objetivo é construir e sustentar um estado integrado de aprendizagem esponti- nea, Cossa ¢ Hudgins (1998) criaram essa tabela para sintetizar 0 AIPST (Toscani ¢ Hud gins, 1996). Yorke (1997) introduziu o termo “estado de aprendizagem espontiinea”. 3. Em ingles trauma survivor's intrapsychic role atom (TSIRA). [NT] apts PRESCRTIVOS He [anes [ce [od > = me] a a ease Interpessoal DDublagem de contengio | Papel de lente |_Teanspesoal Gest de detesas | ‘PAPEIS BASEADOS NO TRAUMA aT fines | Pl compevinto_| Fo omnis Desociacio | Pape esas apes de vtime Negacz0 ‘Obsesies Paps de molesador | Estados mltiplos de consciéneie c ‘Compulsdes Abandono da autoridade Identicasto proieiva Adigoes Idensificagio com 0 agressor APES PRESCRITIVOS + PAPIS BASEADOS EM TRAUMAS PAPEIS TRANSFORMADORES: { Fungso autonomia —] Espace secerente Agente de mudarcas Ouro sinieao 08 | Gass doinconarento | saudi etal PR0EIS TRANSFORMADORES E> REPARAGAO DO DESENVOIMMENTO Figura 13.3 0 tomo intrapsiquico de papéis do sobrevivente de traumas (Cossa € Hudgins, 1999) Papéis restauradores (0 feixe de papéis restauradores busca o preenchimento do eu esvaziado pelo trau- ma, de modo que possa ocorrer uma mudanea. Tais papéis ajudam os clientes a se sentir mais resilientes e conectados com as outras pessoas, PermitemIhes também acessar a energia € 0 estado de espontaneidade. Para que 0 protagonista seja esponti- neo ¢ se sinta apoiado, os papéis restauradores devem estar disponfveis em todos os ni- ‘ves: forcas pessoais, interpessoais e transpessoais. 0 diretor promove desde cedo, numa espécie de “traumadrama”, a concretizagio de papéis restauradores, positivos, de modo que eles estejam em ago quando necesss- PsIcopRAMA DO TRAUMA — 225 rio, Quando o protagonista nao sugere espontaneamente papéis positivos de recupe- ragio durante a cena inicial, 0 diretor prescreve, como medida de seguranca, esses pa- péis clinicos Quando Greta resolveu confrontar seu avd, a primeira cena teve como objetivo concretizar seus papéis restauradores. Naquele momento decisivo, quando Greta co- mecava a descompensar, o diretor no seguin com ela para a cena do trauma. Em vez, disso, ele Ihe perguntou: “Quem ou o que vocé precisa que esteja com vocé durante esse confronto para que se sinta segura e permaneca nos seus papéis adultos? Nao que- remos it a essa cena antes que voce esteja estavel e possa escolher i até ela” Na cena 1, Greta escolheu um membro do grupo, Susan, para desempenhar 0 papel do seu melhor amigo de infincia (interpessoal), Mike para ser seu "eo corajo- 0” (pessoal) e Linda para ser seu “anjo da guarda” (transpessoal). A medida que cada tum desses personagens ia sendo introduzido na cena, Greta invertia os papéis e expe- rimentava a infusio de enengia e espontaneidade desses papéis positivos. Ela nio se sentia mais sozinha, Caminhava com seu melhor amigo ¢ com 0 anjo da guarda, ¢ sentia coragem para prosseguir. Popéis de contencao “Contengdo” é um termo psicologico que descreve uma sensacao de “sustentacéo” cemocional e de apoio para que os clientes possam permanecer no momento presente. A contengio proporciona limites flexiveis, porém solidos. Os papéis de contenco bus- cam criar uma consciéncia segura do que esta acontecendo, para que nao haja necessi- dade de recorrer a defesas inconscientes primitivas como protecao contra sentimentos avassaladores. Hi trés papéis de contencio: o dublé corporal, o dublé de contencio e gestor de defesas. © dublé corporal fala na primeira pessoa e focaliza sensacSes positivas, comporta- ‘mentos nilo verbats e consciéncia fisica para manter 2s pessoas em seu corpo. O dublé de contencio também fala na primeira pessoa e atribui rérulos narrativos & experiéncia traumitica, tornando-a mais administravel. O gestor de defesas dirige 0 uso de uma adaptacdo de nivel mais alto e de funcionamento saudavel, em vez de permanecer nas defesas primitivas. Como acontece com os outros papéis prescritivos, os de conten¢io sio de responsabilidade do clinico, que é quem deve avalié-los. A cena 1 prosseguiu com esses papéis. Assim que Greta foi tomada pelo terror e co- megou a regredir,o diretor the pediu que escothesse um dublé de contencio. Ela esco- Theu Jeanne, que fez algumas afirmagGes do tipo: “Eu me dou conta de como fico asus tada quando penso em me defrontar com meu avd. E no entanto... consigo respirar fundo e segurar a mo do meu anjo da guarda, sabendo que vou estar bem’. Um dos membros da equipe foi encarregado de fazer uma dublagem corporal para ancori-la zo presente. O dublé corporal disse: “Eu consigo sentir minha respiracio © meus pés no chlo, Meus olhos estio fixados nos othos do meu melhor amigo. Eu consigo respirar” Popéis observadores Um terceiro conjunto de papéis prescritivos esté relacionado com a necessidade de observacio durante a revivéncia consciente das cenas traumaticas, Quando os sobrevi- -yentes de traumas comecam a se sobrecarregar emocionalmente, precisam de um lugar para ficar de fora e ver com objetividade o que esta acontecendo com cles. Somente assim poderdo tomar decisées bem fundamentadas para reagir bascados em informa- «Ses atuais. HA dois papéis observadores que podem ser atribuidos pelo diretor na me- dida do necessério: 0 ego observador € o papel de cliente. “Ego observador” é um termo clinico que descreve um papel que permanece emo cionalmente neutro em relacio ao que esté acontecendo ¢ pode simplesmente “reunit Zatos” ¢ “ver 0s dados sem julgamento”. O papel de cliente foi ciado como algo distin: +0 do papel de protagonista, especificamente para trabalhar com pessoas que esto em estado de dissociagio. Fsse papel permanece estivel c ligado na cena como um todo, enquanto o papel de protagonista pode fazer invers6es quando necessério, O papel de cliente proporciona relagSes objerais estaveis nas inversdes triplices de papéis, ou seja, ‘com os papéis de vitima e de molestador. ara finalizar a cena 1, pedimos a Greta que escolhesse um personagem para acompanhar seu confronto com 0 av6 ¢ ficasse por ali para registrar o que aconte cesse. Ela pediu a Tommy que fosse o seu “arquivista” ¢ anotasse 0 que ela iria dizer 20 avé, como testemunha do trabalho dela nesse dia, Nessa altura, Greta consegui permanecer consciente de seus pensamentos e sentimentos, em seu estado adulto, © tinha condicées de descer a espiral para uma revivéncia consciente e uma reparacao do desenvolvimento. Papéis baseados no trauma ‘Alem dos papéis clinicamente preseritos, 0 AIPST oferece um mapa clinico da ex: periéncia traumatica e inclui papéis de estruturas defensivas ¢ de internalizagao do trauma, Entre as estruturas defensivas esto os papéis de defesa propriamente ditos e ‘um papel de “sustentador de defesas”. Fsses papéis tém como objetivo proteger 0 clien- te da vivéncia do trauma. Os papéis de vitima, de molestador e de autoridade que neght ‘gencia representam a internalizacio do trauma ¢ 0 conservam vivo, até que seja proces sado. Fsses papéis server para tornar presente a experiéncia do trauma passado. Como foi dito, os papéis baseados no trauma sé sio concretizados € encenados pelo protagonista depois de estabelecicos os papéis prescritivos ¢ assim que esteja ga rantido o suporte grupal para prevenir uma regressio descontrolada ¢ uma eventual retraumatizaco. Mesmo quando o protagonista vé espontaneamente, no palco, 0 seu. papel de vitima ou de molestador, o diretor tem a responsabilidade clinica de assegu rarse de que os papéis prescritivos estejam estabilizados antes da dramatizacio desses papéis traumiticos. Defesos ‘A experiéncia de um trauma severo sobrecarrega até mesmo aqueles cuja psique funciona bem. A violéncia e a imprevisibilidade pulverizam as erengas cognitivas a res- peito de si mesmo e do outro, Sentimentos intensos tomam conta do corpo ¢ da mente. Quando isso acontece, as defesas egoicas sfo automaticamente engajadas na prevencio da morte psicol6gica. O espirito fica esvaziado. Esse modelo trabalha com trés niveis de defesa: primitivas, aditivas e mal adapta das, As defesas primitivas, que sio necessérias no momento do trauma, incluem a dis- sociagfo, a negacfo, a idealizacio, os estados miihiplos de consciéncia, as identificagbes projetivas a identificagio com o agressor. As obsessbes, compulsdes ¢ adicdes apare cem A medida que essas defesas se entranham mais na personalidade e bloqueiam pa- péis. Os papéis mal adaptados incluem o que toma conta, o controlador, 6 super-realt zador, a crianga adulta, o salvador, ¢ assim por dante. O sustentador de defesas Esse personager nasceu da experiéncia de concretizar a dissocia¢ao com sobrevi- vventes de traumas e descobrir que tanto o protagonista quanto o auxiliar esto dissocia- dos. Assim, criou-se um papel para controlar ou sustentar a dissociagio, de forma que la possa ser utilizada quando necessério, mas ndo aconteca automaticamente na ence nacio do trauma. Mais tarde, o papel se ampliou, transformando-se no “sustentador de defesas”, pois desempenha essa funcio rigida independentemente de que defesa esteja sendo utilizada ‘Ao montar uma cena de sua infancia, Greta comecow a dissociar ¢ a esquecer, mo: ‘mentaneamente, onde estava, Ficou parada, olhando estupefata a sua volta. Os auxilia es, assumindo papéis prescritivos, verbalizaram seus textos ¢ ofereceram tuma ancora ositiva, Entretanto, foi como se Greta estivesse flutuando, sem conseguir ouvios nem ‘vé-los. Entfo, 0 diretor decidin concretizar a dissociacéo flutuando pela sala, com um suiliar treinado assumindo o papel de sustentador da dissociaco. Colette, uma das jntegrantes da equipe técnica, assumin espontaneamente esse papel ¢ comecou a cami ‘shar pela sala com uma faixa de tecido branco, que ela agitou no ar, dizendo: “Eu dou conta de identificar e segurar qualquer dissocia¢io que surja na sala. Greta, vocé me ajuda a pegar e juntar, para eu poder manté-la aqui? Se vocé precisar, eu devolvo, mas ‘ewacho que seria uma boa, agora, ver o que esté acontecendo”” © diretor apoion essa intervencio da companheira de equipe e disse: “E isso, Gre- pegue os fragmentos que esto flutuando pela sala ¢ coloque-os concretamente na {aixa branca, ali, Diga ao sustentador o que fazer com eles". Greta respondeu: “Eu nao preciso me desintegrar agora, mas vocé pode ficar naquele canto com a faixa, para © caso de cu ficar assustada demas”. Internalizacao dos papéis trauméticos Os clientes costumam entender com certa facilidade essa categoria de papéis ba- seados no trauma, embora alguns Ihes sejam mais familiares do que outros. O presente ‘modelo de trabalho divide a representacio interna em vitima, molestador e autoridade negligente. Para muitos sobreviventes de traumas, tanto 0 papel de vitima quanto o de molestador parecem ter dominado sua vida. Fles conseguem reconhecer pensamentos e sentimentos disfuncionais e a repetico desses papéis. © papel mais sutil é 0 da auto- ridade negligente. Esse personagem pode ser 0 pai que ndo intervém, bem como a es- cola, a igreja, ou 0 governo, que nfo proporcionam seguranca nem ajuda. Muitas ‘eres 0 papel da autoridade negligente precisa ser trabalhado até mesmo antes que os ‘outros papéis de origem traumédtica possam ser abordados. Com frequéncia, os profissionais treinados da equipe representam esses papéis lo go de inicio para prevenir uma eventual retraumatizacio dos clientes, Quando estéo prontos e & clinicamente recomendado, os préprios clientes so orientados a assumir esses papéis, para que alcancem niveis de vivéncia mais profundos. Os papéis de vitima € de agressor podem ser encenados, explorados e vivenciados dentro dos limites de se- guranca oferecidos pelo modelo para recuperar todas as lembrancas, expressar sénti ‘mentos dissociados € restabelecer o senso de dominio sobre © passado. Os papéis da autoridade negligente podem ser examinados e modificados como reorganizacio inter- na do eu, Em geral, o psicodrama explora um desses papéis mais do que os outros, no- -vamente para proporcionar um sentido de limites e de conten¢io. Nessa sessZo, Greta disse que queria “assumir minha propria autoridade e parar de Jamentar os meus 5 anos", Para a cena 2, 0 diretor pediu a ela que montasse uma imax gem que representasse a tristeza associada aos seus 5 anos, Greta se lembrou de uma ‘cena com 0 avé, quando ela tinha essa dade. Ambos estavam no estibulo quando ele a empurrou para uma baia onde ficavam alguns bezerrinhos. Ble entdo a forgou a fazer sexo oral, deixando-a i e indo embora em seguida. ‘Como era a primeira vez que cla via essa cena e comecou ase sentir fragilizada, 0 diretor lhe perguntou: “Onde esté a autoridade que pode salvar essa erianga?” Ela res- pondeu que ndo sabia e comecou a chorar, Entio, disse o diretor, ci¢ “uma aurorida de” do grupo e veja como vocé poderia conseguir ajuda para parar de se queixar. A ce- nna baseada no trauma ficou congelada no palco, enquanto Greta criava “uum espirito de compaixio” usando trés cadeiras, Uma delas tinha uma echarpe dourads, simbolizan- doa “compaixio”. A segunda foi coberta com um lengo amarelo foi chamada de “tua ‘A tlkima, que ficava atrés das outras duas, era “aco”, concretizada como um espirito brilhante. Invertendo papéis com o espfrito brilhante, Greta tomou a luz.¢a compaixéo ceresgatou seus lamurientos 5 anos. Ese espirito de compaiio conseguin dar um basta no avé e confortar os lamentos da crianga. Papéis transformadores ‘Quando 0s papéis prescritivos contracenam com aqueles baseados no trauma, sur ge uma nove espontaneidadle. Emergem papéis indwvidualizados que, nesse modelo de trabalho, sd0 chamados de papéis transformadores, Ha trés funcées psicolégicas saudi veis para as quais esses papéis contribuem: iniciativa e autonomia, conexio com rence ros ¢ integracio, Considerando que esses papéis sio tinicos para cada pessoa, € dificil estabelecer categoria de dramatizaco. O mais frequente, entretanto, é que os papéis transforma- dores incluam pelo menos um dos seguintes personagens: um agente de mudanga, uma crianga que dorme e acorda, uma mie ou pai suficientemente bons ¢ um Deus também suficientemente bom, Quando Greta transformou seu sentimento de desamparo no personagem “es- pirito de compaisio”, criou um papel transformador que Ihe permitin agir de outra ‘maneira em relagio a si mesma ¢ aos outros. Com o tempo, Greta internalizou suas experincias de ter um dublé continente no papel de “meu aliado” ~ um persona- gem tinico, personalizado, que promovia a integracio ¢ a conexio saudaveis com os demais. Estruturas clinicas de seguranca: diretrizes de acao Quando se usa a psicoterapia vivencial com sobreviventes de traumas, as estru- turas clinicas proporcionam outro nivel de seguranca, Tais estruturas buscam preve- nir a regressio descontrolada e promover uma narrativa dos pensamentos, senti ‘mentos € comportamentos no processados. Sao clas: uma equipe para atuar 0 ‘trauma, circulos de tecido, formatos de cenas de revivéncia e prineipios para a revi- ‘véncia consciente. Equipe para atuar 0 trauma Com os anos de utilizaco do psicodrama com sobreviventes de traumas, foi fican- do cada vez mais claro que 0 trabalho mais seguro e mais profundo s6 pode ser feito ‘com uma equipe clinica treinada. A plena revivéncia consciente de cenas do trauma nodal precisa do apoio de uma equipe treinada nas nuangas dos sintomas traumiticos nas habilidades do psicodrama clissico. Esta € a razio pela qual se denomina “equipe para atuar 0 trauma”: os membros da equipe conhecem os métodos de aso ¢ os apli- cam 20 trauma de forma competente. Cada equipe tem um diretor lider, um lider assis tente e pelo menos dois egos-auiliares treinados. Diretor lider diretor avalia as forgas ¢ vulnerabilidades tanto do protagonista como dos membros do grupo. Toma decisdes com base em conhecimentos clinicos de diag- néstico, funcionamento adaptativo, planejamento terapéutico, tempo ¢ objetivos da sessio. Contrata com o protagonista ¢ o grupo o tipo de dramatizacao revivencial (Hudgins, 1993). Além disso, estabelece as medidas de seguranca necessérias para encenagio € a expresso das emogées intensas ¢ do material dissociado anterior 3 aco, O diretor promove entSo a concretiza¢io das cenas trauméticas utilizando, pas- 0 a passo, os principios da revivéncia consciente ¢ da reparacao do desenvolvimento (Hudgins, 1993), Lider assistente Permitir ao protagonista encenar caos de seu mundo interno e simbélico, inte- grando ao mesmo tempo os membros do grupo que podem ter seu material incons- ciente mobilizado, deve ser urn trabalho de equipe. O papel de lider assistente foi desem-

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