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to de Pérsio? Nao estamos submetidos, nessas coi- s, a autoridade semelhante; tanto mais que nao 4 cil explicar aqui que conhecimento deve ser pre- ferido a outro. Estou satisfeito no momento, com o que conseguimos; isto é ser 0 conhecimento das coi sas que sio significadas, de valor superior, se nao ao conhecimento dos sinais, pelo menos, aos préprios sinais. Por isto vollemos j4 a discutir, mais ainda, sdbre 0 género das coisas que diziamos poderem mos- trar-se por si mesmas, sem sinais, como sejam: co- mer, passear, sentar, jazer e semelhantes. ‘Ad, — Volto a meditar as tuas palavras. 93 Se 29 Ag. — Ad. — 30 Ag. — Ad. — CAPITULO X é possivel ensinar algo sem sinais. As coisas nao se aprendem pelas palavras Parece-te que podemos mostrar sem sinal tudo o que podemos fazer, logo apés sermos interrogados, ou excetuas algo? Eu, na verdade, quanto mais vou pensando neste gé- nero de coisas, nao consigo encontrar nada que se possa ensinar se:n sinal, excluindo, talvez, 0 proprio falar e o ensinar, mas éste sé quando alguém pergun- ta o que é ensinar. Pois vejo que quem pergunta — faca eu o que fizer apés a sua interrogagio para que aprenda — nao o pode aprender pela prépria coi- sa, que deseja Ihe seja mostrada; como, por exemplo: se a mim que parei de andar ou que estou fazendo outra coisa, alguém perguntasse que é caminhar e cu, imediatamente, comecando a caminhar, procurasse ensinar-lhe ou demonstrar-lhe isto sem sinal; como poderia evitar que éle acreditasse que caminhar é apenas o quanto andei? Ora, se éle pensar isto, estaraé enganado porque julgaré que nado caminhara quen andar ou mais ou menos de quanto eu tiver andado, E o que disse apenas desta palavra apli- ca-se também a tédas aquelas que concedi poder mostrar-se sem sinal, menos as duas que exclui. Concordo com isto, mas n&o te parece que falar é uma coisa e ensinar é outra? Certamente, pois se fdssem a mesma coisa nao se poderia ensinar sendo falando; mas, porque se ensi- nam muitas coisas com outros sinais além das pala- yras, quem poderia duvidar desta diferenca? 95 Ensinar e significar em algo? Ad. — Creio que a mesma. ‘Ag. — Fala corretamente quem diz que nés usamos de sinais, (que significamos) para ensinar? Ad. — Sem duvida. Ag. — Se alguém dissesse que ensinamos para usar sinais (para significar) nao seria facilmente refutade pela afirmacao precedente? seria. ‘Ag. — Se portanto, usarmos os s sinamos para outra é us Jo a mesma coisa ou diferem inais para ensinar, nfo en- usar os sinais: uma coisa é ensinar ¢ r os sinais (significar). Ad. — Dizes a verdade e eu nao respondi corretamente di- zendo que sio a mesma coisa. Ag. — Agora responde a isto: quem ensina o que é ensinar, © faz usando sinais ou diversamente? Ad. — Nao vejo como o poderia fazer diversamente. Ag. — Entiio € falso 0 que ha pouco disseste, isto é que nao se pode ensinar sem sinais a quem pergunte 0 que é ensinar, porque estamos vendo que nem isto sequer podemos fazer sem usar sinais, pois me con- cedeste que uma coisa é usar sinais (significar) e outra ensinar, Se sio duas coisas diferentes ¢ uma se mostra pela outra quer dizer que n&o se mostr1 cerlamente por si, como te pareceu. Portanto, nada encontramos até agora que possa ser mostrado por si, salvo a palavra, que, entre as outras coisas, sig- nifica também a si mesma: porém, por ser ela tam- bém um sinal, nada temos que pareca poder ensinar- se sem sinais. Ad. — Nada tenho a opor. Ag. — Concluiu-se, portanto, que nada se pode ensinar sem sinais ¢ que o proprio conhecimento ha de ser a n6s mais caro do que os sinais, através dos quais 0 al- cancamos, embora nem t6das as coisas que se ex- pressam por éles possam ser preferidas aos seus préprios sinai: Assim parec Lembras quantos rodeios demos para chegar a 97 Ad. Ag. 32 Ag. pequeno resultado? Desde o momento em que comega- mos a trocar palavras, o que fizemos durante mui- to tempo, fatigamo-nos bastante para encontrar estas trés coisas: 1) se era possivel ensinar sem sinais; 2) se havia sinais preferiveis as coisas que expres- sam; 3) se 0 conhecimento das coisas pode ser me- Ihor que os sinais, Mas, ha uma quarta coisa que gostaria de saber ja: se as coisas por nés encon- tradas, as julgas de tal maneira que nao deixem em li possibilidade de dtvida. Gostaria mesmo que, depois de tantos rodeios, tivés- semos chegado & certeza, mas esta tua pergunta me suscita certa inquietagao, que me proibe de assentir. ‘Tenho a impressio, pois, que ndo me farias esta pergunta se néo tivesses alguma objegdo a apre- sentar: e a propria complicago das coisas nfo me permite ver tudo e responder com seguranga por médo de que, entre tantos véus, se esconda algo que os olhos da minha mente n&o possam divisar. Recebo com prazer a tua divida, porque revela uma alma nao leviana e isto assegura grandemente a trangiiilidade. E’ muito dificil no se perturbar quan- do, 6 que nés guardavamos com consenso facil ¢ pa- cifico, por discussdes contrarias, é derrubado e como que arrebatado das mios. Por isso, como é eqiiitativo ceder depois de observar e examinar bem os moti- vos, assim € perigoso manter como coisa conhecida © que nao é. Porque, as vézes, quando desaba aquilo que presumiamos seguramente estavel e permanente, ho receio de chegarmos a tio grande édio ou médo da razio que nos pareca nio dever mais empr fé nem sequer & verdade mais evidente. Mas, vamos! Reexaminemos agora um pouco mais depressa se tens razio de duvidar. Pergunto-te, portanto, se alguém, desconhecendo as armadilhas que se preparam aos passaros com varas e visco, de- parasse com um cacgador armado déstes instrumentos, mas que vai indo pelo caminho sem ter comecady ainda a sua tarefa e, vendo o cacador, comecasse 2 apressar 0 passo e, como acontece, estranhando em seu intimo tudo aquilo, perguntasse a si mesmo que 99 Ad. — Ag. — Ad. — 33 Ag. — poderiam querer dizer aquéles apetrechos; e 0 ca- cador, em se vendo observado e admirado, para fazer mostra de si, exibisse a cana e, com ela e 0 ga- viio, aleangasse e pegasse um passarinho que esté © cacador, sem usar de sinais, mas passando por él pela propria coisa, © que Tenho a ensinaria ao seu espectador ¢ queria saber? impressiio de que 0 caso é semelhante Aque- le de que ja falei, isto & ao de quem pergunta o que é caminhar. Aqui também nao vejo que foi mos- trada t0da a arte de eacar, facil libertar-se desta impressio; acrescento pois se aquéle espectador fésse to inteligente que com- preendesse por completo téda a arte de cacar sé pelo que vin, isto ja seria o bastante para demonstrar, sem mais, que os homens, sébre muitas coisas, senio sobre t6das, poderiam ser instrufdos sem sinais. Entio também posso acrescentar isto: quem pergun- ta o que é caminhar, se for bem inteligente, com- preender por completo (em geral) 0 que é cami- nhar, depois de se Ihe mostrar com poucos passos. Podes, nem eu me oponho, antes estou contente. Vés, portanto, térmos ambos chegados a ésse resultado que umas coisas podem ser ensinadas sem sinais, e, con- seqiientemente, € falso aquilo que ha pouco nos pa- recia verdadeiro, isto é, nao existir nada que se pos- sa mostrar ou ensinar sem sinais; e apresenta-se 4 mente nio uma ou duas coisas, senio milhares que, sem necessitarem de nenhum sinal, podem mostrar- se por si mesmas, Logo, como podemos duvidar, te pergunto? Deixando de lado os numerosos espeta- culos em que alguns atores representam em todos os teatros as coisas sem sinais, Deus e a natureza nio apresentam © mostram por si mesmos, a quem os observa, 0 sol e a luz, que tudo invade ¢ veste, a lua e as estrélas, a terra e os mares e os inumerdveis séres, que néles siio gerados? Mas, se considerarmos isto com maior atengao, talvez nao encontres nada que se possa aprender pelos si- nais. Com efeito, se me for apresentado um sinal © eu me encontrar na condigao de nao saber de que 101 coisa é sinal, @ste nada poderd ensinar-me: se, a0 contrério, ja sei de que ¢ sinal, que aprendo por meio déle? Assim, quando leio «Et saraballae eorum non sunt immutatae> (1) (E as suas coifas nio fo- ram deterioradas), a palavra (coifas) nio me mos- tra a coisa que significa. Pois se certos objetos que servem para cobrir a cabeca se chamam com éste nome de «saraballae> (coifas), por ventura, depois de ouvi-lo, aprendi 0 que é cabeca e 0 que é cober- tura? Eu, ao contrario, jé antes conhecia estas cou- sas, delas adquiri conhecimento sem que as ouvisse chamar assim por outrem, mas vendo-as com os meus préprios olhos. Quando as duas silabas com que dizemos «eaput» (cabeca) repercutiram pela primeira vez no meu ouvido, sabia tio pouco o que signifi- cavam como quando ouvi ¢ li pela primeira vez «saraballaes. Porém, ouvindo muitas vézes dizer cea. put» (cabeca) e notando e observando a palavra quan- do era pronunciada, reparei facilmente que ela de- notava aquela coisa que, por té-la visto, a mim ja era conhecidissima, Mas antes de achar isto, aque- la palavra era para mim apenas um sim e aprendi que ela era um sinal, quando encontrei_aquilo de que era sinal, 0 que aprendi nao pelo significado, mas pela visio direta do objeto. Portanto, mais através do conhecimento da coisa se aprende 0 sinal do que se aprende a coisa depois de ter o sinal. Para que compreendas isto mais claramente, imagina nés estaremos ouvindo neste momento, pela primeira vez, pronunciar a palavra «caput» (cabeca) e que, por nio sabermos se esta voz é sé um som ou se quer também significar algo, comecamos a procurar © que é ceaputy (cabeca), (lembra-te que nds quere- mos ter conhecimento nio da coisa que é significada, mas do préprio sinal; conhecimento que nds nao te- mos enquanto ignorarmos de que coisa é sinal), se a nds que estamos fazendo esta pesquisa fésse mostrada ou apontada com o dedo a prépria coisa, entio, depois de vé-la, temos conhecimento do sinal; (1) — Dan, 3, 94. 103 35 Ag. — isto é sabemos o que quer dizer aquéle sinal, que antes apenas tinhamos ouvido, mas néo compreend do, Nesse sinal ha duas coisas: 0 som e o signi do; ora, o som nao foi certamente percebido como sinal de algo, mas como simples percussio no ouvido; enquanto 0 significado foi apreendido pela visio da coisa que é significada. Como o apontar do dedo nao pode significar sendo aquilo para 0 que o dedo esta apontando e o dedo nao esta apontado para 0 sinal, mas para aquela parte do corpo que se chama «caput» (cabeca), assim eu, por meio déste gesto, nao posso conhecer a coisa, que ja conhecia, nem o sinal, para 0 que o dedo estava apontado. Mas nie quero dar demasiada ateng’o ao gesto de apontar © dedo, porque, para mim, éle é mais o sinal do ato de indicar do que das proprias coisas indicadas, como acontece quando dizemos «ecce» (eis), e costu- mamos acompanhar éste advérbio também com 0 de- do apontado, como se niio bastasse um s6 désses dois sinais para indicar. E disto maximamente procu- convencer-te, se puder: que nao aprendemos na- da por meio désses sinais que chamamos palavras: antes, como ja disse, aprendemos 0 valor da palavra, ou seja, o significado que esta escondido no som atra- vés do conhecimento ou da propria percepgio da coisa significada; :nas ndo a prépria coisa através do significado. E 0 que disse da cabeca, poderia dizer do que serve para cobrir a cabeca ¢ de muitissimas outras coisas; que, embora conhecidas de mim, nunca, até agora, tive por isto conhecimento daquelas «saraballae» (coifas). Se alguém com um gesto me indicar estas «saraballae» (coifas) ou mas pintar, ou me mostrar algo de se- melhante a clas, nio direi, como alias conseguiria se quisesse falar um pouco mais, que nao mas ensi- nou, porém direi que nao :ne ensinou com as pala- vras 0 que esta diante de mim, Se eu, no momento em que as vejo, por acaso fosse avisado com as pa- lavras: «Eece saraballass, eis as coifas, aprenderia uma coisa que nao sabia, néo pelas palavras que fo- ram pronunciadas, mas pela visio da propria coisa, rar 105 por meio da qual conheci e gravei também o valor do nome. Pois, quando aprendi a propria coisa, nio acreditei_nas palavras de outrem, mas nos meus olhos; talvez acreditasse também nelas, :nas apenas para despertar a atencio, ou seja para procurar com os olhos 0 que era para eu ver. 107 CAPITULO Xl Nao aprendemos pelas palavras que repercutem exteriormente, mas pela verdade que ensina interiormente. 36 Ag. — Até aqui chega o valor das palavras, das quais, por- 37 Ag. — que quero atribuir-lhes muito, direi que apenas in- citam a procurar as coisas, sem porém mostré-las para que as conhecamos. No entanto, ensina-me al- go quem apresentar, diante dos meus olhos ou para um dos sentidos do corpo ou também a prépria mente, as coisas que quero conhecer. Com as pala- vras nao aprendemos sendo palavras; antes, 0 som e o ruido das palavras, porque se o que nao é sinal nio pode ser palavra, nado sei também como possa ser palavra aquilo que ouvi pronunciado como pa- lavra enquanto nao lhe conhecer o significado. S56 depois de conhecer as coisas se consegue, portan- to, 0 conhecimento completo das palavras; ao contra- rio, ouvindo somente as palavras, nado aprendemos nem sequer estas. Com efeito, nao tivemos conheci- mento das palavras que aprendemos nem podemos declarar ter aprendido as que nio conhecemos, senio depois que Ihe percebemos o significado, 0 que se verifica no mediante a audigao das vozes proferi- das, mas pelo conhecimento das coisas significadas. Ao serem proferidas palavras é perfeitamente razoa- vel que se diga que nds sabemos ou nao sabemos o que significam; se 0 sabemos, nao foram elas que né- lo ensinaram, apenas 0 recordaram; se nao o sabe- mos, nem sequer 0 recordam, mas talvez nos incitem a procura-lo, Se disseres que daqueles objetos que servem para co- 109 38 Ag. — brir a cabeca e dos quais apenas temos 0 nome (coi- fas) através do som, podemos adquirir nogio 6 depois de vé-los e que, portanto, nem sequer 0 seu nome conhecemos completametne senio depois de conhecermos os préprios objetos, e se acrescentares que, no entanto, de nenhum outro modo, sengo pelas palavras, conseguimos aprender 0 que se “narra a respeito dos trés jovens, isto é que com sua fé e religiio venceram o rei e as chamas, quais foram os hinos de louvor que cantaram a Deus, quais as honras que mereceram do proprio inimigo, responder-te-ei que tédas as coisas significadas por aquelas pala- vras ja eram de nosso conhecimento, Pois eu j& nha na minha mente o que significa trés jovens, © que é forno, 0 que é fogo, o que é rei, o que quer dizer ser preservado do fogo e, finalmente, tédas as outras coisas significadas por aquelas palavras. Mas desconhecidos, como aquelas «saraballae» (coifas), ficam para mim os jovens Ananias, Azarias e Misael; nem os seus nomes me ajudaram ou poderiam aju- dar a conhecé-los. E confesso que, mais que saber, posso dizer acreditar que tudo aquilo que se 1é na- quela narracio histérica aconteceu naquele tempo assim como foi escrito; e os préprios historiadores a que emprestamos fé, nfo ignoravam esta diferenca. Diz o profeta: «Se nao eredes nao entendereis» (1); certamente nao diria isto se nfio julgasse necessirio por uma diferenga entre as duas coisas. Portanto, creio tudo 0 que entendo, mas nem tudo que entendo, também creio. Tudo o que compreendo conhego, mas nem tudo que creio, conhego. E nao ignoro quan- do é@ Util crer também em muitas coisas que nao conhego, utilidade que encontro também na histéria dos trés jovens. Pois no podendo saber a maioria das coisas, sei porém quanto é Util acreditar nelas. No que diz respeito a tédas as coisas que compreen- demos, nao consultamos a voz de quem fala, a qual soa por fora, mas a verdade que dentro de nés pre- ide 4 propria mente, incitados talvez pelas palavras (A 111 consulté-la, Quem é consultado ensina verdadei- ramente ¢ éste € Cristo, que, segundo alguém afirmoa, habila no homem interior (1), isto é: a virtude in- comutavel de Deus ¢ a sempiterna Sabedoria, que téda alma racional consulta, mas que se revela a cada um quanto & permitido pela sua propria boa ou ma vontade. E se as vézes hi enganos, isto nao © por érro da verdade consultada, como no rro da luz externa que os olhos, volta e meia, nam: luz que confessamos consultar a res- peito das coisas sensiveis, para que né-las mostre proporciio em que nos @ permitido distingui-las. (1) — $80 Paulo, Ef, 3, 16-17. 113 CAPITULO XII Cristo é a verdade que ensina interiormente. 39 Ag. — Mas se para as céres consultamos a luz e, para as outras coisas que percebemos mediante 0 corpo, con- sullamos os elementos déste mundo, os mesmos cor- pos percebidos pelos sentidos de que a mente se serve como de intérpretes para conhecer as coi externas; e, no entanto, para aquelas coisas que se conhecem mediante a inteligéncia consultamos, por meio da razio, a verdade interior; 0 que ¢ que po- demos dizer, para que fique claro, que nés pelas palavras nfo aprendemos nada mais além do som que repercute no ouvido? Pois, tédas as coisas que percebemos, percebemo-las ou pelos sentidos do cor- po ou pela mente, Chamamos as primeiras «sensi- veis», as segundas «inteligiveis», ou, para falar se- gundo costumam os nossos autores, as primeiras ccarnaisy e as scgundas «espirituais». Sébre as_pri- meiras respondemos se, a0 ser:nos interrogados, es- tiverem perto as coisas que percebemos, como quan- do estamos olhando a lua nova, alguém nos pergunte qual 6 ou onde ela esteja. Neste caso, quem per- gunta, se nao enxerga, acredita nas palavras ou, as vézes, nfo acredita, mas de maneira alguma aprende a nao ser que também veja o que Ihe esta sendo afir- mado ¢, entio, nfo aprende pelas palavras que apenas foram um simples som, mas pelas coisas :nesmas © pelos sentidos. As palavras, pois, tem o mesmo som para quem vé, como o tiveram para quem nao vé. Quando porém somos interrogados, nfio sébre as coi- Sas que sentimos diante e sim sdbre as que perce- bemos outrora, entio, falando, nés nfo fazemos re- cnesmas, mas As imagens por elas gra- feréncias as ritas na meméria, que nfo sei como po- vadas € 115 40 Ag, — Quando, poi deriamos chamar de verdadeiras, pois percebemos serem falsas, a ndo ser que queiramos dizer que se no as vemos ou pereebemos, porém j& as vimos e as temos percebido. Portanto, nds levamos nos pene- trais da meméria as imagens como documentos das coisas anteriormente percebidas, contemplando-as com rela intengio na nossa mente, no mentimos quando falamos, Mas éstes sio documentos sé para nos, pois aquéle que nos ouve, se percebeu ou teve presentes as coisas, no as aprende pelas minhas palavras, mas as reconhece mediante as imagens que também éle levou consigo; se, no entanto, nunca as percebeu, quem ha que nio veja que éle mais do que aprende, eré nas palavras? , se trata das coisas que pereebemos pe- la mente, isto é através do intelecto e da razio, estamos falando ainda em coisas que vemos como presentes naquela luz interior de verdade, pela qual iluminado e de que frui o homem interior; mas também neste caso quem nos ouve conhece o que cu digo por sua propria contemplacio e nao através das minhas palavras, desde que éle também veja por si a mesma coisa com olhos interiores e simples. Por conseguinte, nem sequer a éste, que vé coi verdadeiras, ensino algo dizendo-lhe a verdade, por- que aprende nfo pelas minhas palavras, mas pelas préprias coisas, que a éle interiormente revela Deus; por isto, interrogado sdbre elas, sem mais, poderia responder. Ora, que absurdo maior do que crer ter sido instrufde pelas minhas palavras aquéle que, se interrogado antes de eu falar, poderia responder sobre o assunto? O caso que freqiientemente se da dle uma pessoa interrogada negar algo ¢ depois, esti- mulada com ulteriores perguntas, acabe por concor- dar, depende da fraqueza de quem enxerga e que nfo pode consultar s6bre tédas as coisas a luz interior, © esta sendo estimulado a fazé-lo, parte por parte, pelas interrogagées sobre estas mesmas partes, das quais se compoe aquela verdade, que éle n&o estava capacitado a intuir, duma vez, no seu conjunto. Se chegar a isto pelas palavras de quem pergunta, nfo s 117 quer dizer que as palavras The ensinaram alguma coisa, mas apenas que The proporcionaram a ma- neira de tornar-se iddneo para enxergar no seu in- terior; assim como se eu te perguntasse sobre o que neste momento estamos tratando, isto & se é possivel ensinar algo pelas palavras, e tu, incapaz de abranger com a mente toda a questio, julgasses, no primeiro momento, absurda a pergunta. Prec sava por isso apresentar a pergunta como o permite a tua capacidade de ouvir aquéle mestre interior, & dizer-te portanto aquelas coisas que, quando me ou- ves falar, confessas serem verdadeiras e delas tens certeza e que afirmas conhecé-las bem; onde as a- prendeste? — Responderias, talvez, que fui ew quem tas ensinou. E entao eu acrescentaria: Como? Se cu dissesse que vi um homem voando, as minhas palavras dar-te-iam tanta certeza como se me ouvisses dizer que os homens sabios sio melhores que os tolos? Tu, sem divvida, depois de negar, responde- rias nfo acreditar na primeira destas duas coisas, ou, mesmo que acreditasses, que ela é para ti com- pletamente desconhecida, ¢ no entanto que sabes com certeza a segunda. Daqui compreenderias claramen- te que nada aprendeste pelas minhas palavras: nem aquilo que ignoravas enquanto eu o afirmava, nem aquilo que ja sabias Otimamente; pois jurarias, 20 ser interrogado parte por parte sobre as duas coi- sas, que a primeira te era desconhecida e a segunda conhecida, E entio chegarias a admitir tudo o que antes negavas ao conhecer que sio claras e certas as partes de que a questio se compde; isto é que a o de tédas as coisas de que falamos, quem 4 ouvindo ou ignora que sio verdadeiras, ou no ignora que sio falsas, ou sabe que sio verda- deiras. No primeiro déstes trés casos ou cré ou opina ou duvida; no segundo nega; no terceiro afir- ma: em nenhum dos trés aprende. Seja quem, depois das minhas palavras, ignora a coisa, seja quem co- nhece que ouviu coisas falsas € quem, interrogado, poderia responder as :esmas coisas que foram ditas, demonstra que nada aprendeu pelas minhas pal: vras 119 CAPITULO XIII A férca das palavras nfo consegue mostrar nem sequer 0 pensamento de quem fala. 41 Ag. — Por isto também no que diz respeito as coisas que se contemplam com a mente, initilmente ouve as palavras de quem as vé téda pessoa que nao con- segue vé-las, a néio ser porque é util acreditar em tais coisas até quando se ignoram. Cada qual, ao contrario, que as pode ver interiormente, é disci pulo da verdade; exteriormente, é juiz de quem fala, ou, pelo menos, das suas palavras; porque muitas vézes sabe as coisas ditas, enquanto quem as disse nfio as sabe; como no caso em que alguém acredi- tando nos Epicuristas e, julgando mortal a alma, repetisse as razées que j4 foram tratadas pelos mais sAbios sébre a sua imortalidade na presenga de quem pode intuir as coisas espirituais. Este julgaria que aquéle diz a verdade; mas aquéle que fala assira ignora se esta dizendo a verdade, antes considerara falsissimo 0 que diz. Devemos, portanto, acredita- que ensina quem nao sabe? E, no entanto, se serve das mesmas palavras que também poderia usar quem sabe. 42 Ag. — Por éste motivo, nem sequer resta as palavras 0 ofi- cio de, ao menos, snanifestarem 0 pensamento de quem fala, pois é incerto se éste sabe ou nfo o que d ‘Acrescenta 0 caso dos mentirosos e enganadores ¢ fa- cilmente compreenderis que, com as palavras, éles no sé nao revelam, mas até ocultam o pensamento. De maneira alguma duvido que as palayras das pessoas sinceras se esforcem e, por assim dizer, fagam questio de manifestar o espirilo de quem fala, 0 que consegui- 121 43 Ag. — riam, com aprovagio de todos, se nio fésse permi- tido aos mentirosos falarem. Entretanto, varias vézes experimentamos em nés mesmos € nos outros que as palavras nao expressam © que se pensa; e vejo que isto pode acontecer de duas maneiras: ou quando as palavras que gravamos e muitas vézes repetimos saem da béca de quem pensa em algo diferente, 0 que acontece volta e meia quando cantamos um hino; ou quando, ao contrario, nos escapam umas palavras, em vez de outras, contra nossa vontade, por uzn lapso da propria lingua; também aqui nao sao ouvidos os sinais das coisas que temos na mente, Os men- tirosos, sem divida, pensam também as coisas que dizem, de forma que, embora nao saibamos se falam a verdade, sabemos porém que éles tém em :ente © que dizem, a nfo ser que Ihes aconteca uma das duas coisas que disse acima: e se alguém objetar que, as vézes, podem acontecer e que, quando acon- tecem, aparecem, ainda que possam freqiientemente ficar ocullas ¢ que cu, ao ouvi-las, as vézes também fique enganado, nao me oponho. Mas a éste’se acrescenta outro caso, bastante fre- qiiente e origem de imimeros dissentimentos e dis- putas: quando quem fala exprime, na verdade, 0 que pensa, mas apenas para si ¢ para alguns, ¢ nfo para aquéle com quem esta falando e para os de- mais. Por exemplo, se alguém em nossa presenc: dissesse que o homem é superado em valor por al- guns animais, nao poderiamos toleri-lo e imediata- mente refutariamos com grande energia esta tio fal- sa e perniciosa afirmacio; ¢ talvez por valor éle en- lenda as forcas do corpo ¢ com éste nome eauncie mesmo 0 que pensava, sem que minta, sem que engane no fato, sem que oculle as palavras gravadas na memoria agitando na mente alguma outra coiss sem que por um lapso da lingua emita um som diyerso do que corresponde ao seu pensamento; mas apenas chama com um nome diverso do nosso a coisa que pensa: nds teriamos concordado imediatamente com le, se nos tivesse sido possivel intuir o seu pensa- mento, que no conseguiu explicar-nos com as pala- 123 44 Ag. — vras pronunciadas e com a sua afirmagio. Dizem que a um tal érro pode remediar a defini¢ao; assim, se nesta questo se define o que é valor Cevirtus»), tornar-se-ia claro, dizem, que a controvérsia gira no em tdrno da coisa, senio da palavra: mas, mes- mo concedendo isto, quantos bons definidores po- deremos encontrar? E, no entanto, se tem discutido bastante sébre a arte de definir, 0 que nao é opor- tuno tratar neste lugar, nem :nerece sempre a minha aprovagao. Deixo de lado 0 caso de nao ouvirmos bem muitas coisas e disputarmos demoradamente e muito sdbre clas como se as tivéssemos ouvido. Assim como ha pouco, quando quiz dizer «misericérdiax com uma certa palavra ptinica, sustentavas ter ouvido, dos a que esta lingua era mais conhecida, que aquela pa- lavra significa «piedades. Eu opunha-me afirinando que saira completamente da tua meméria 0 que ti- nhas ouvido, porque me parecia nao «piedade> teres dito, mas «fé» e, no entanto, estavamos sentados bem perto e de maneira alguma estas duas palavras podiam leyar a um engano pela semelhanca do som. Por um longo espaco de tempo pensei, todavia, que nao soubesses aquilo que te fora dito, no entanto era eu que nao sabia 0 que havias dito; pois se tivesse eu ouvido bem as tuas palavras, no teria recebido a impressio por nada absurda que em lingua ptinica se indicasse com o mesmo yoedbulo «piedades ¢ amisericérdia». Estas coisas acontecem com fre- qiiéncia, mas, como disse, vamos deixi-las de lado, para que no pareca que quero atribuir culpa as palavras pela negligéncia de quem ouve ou também pela surdez dos homens. O que aflige mais é aquilo que disse acima, isto quando nao conseguimos co- nhecer 0 pensaemnto de quem fala, embora perce- bendo claramente pelo ouvido as palavras, e pala- vras latinas, e sendo nés da mesma lingua. 125 ° CAPITULO XIV Cristo ensina interiormente, 0 homem avisa exteriormente pelas palavras. 45 Ag. — Mas cis que agora admito e concedo que quando as palavras tenham sido recebidas pelo ouvido daquele por quem sao conhecidas, a éste possa também parecer que quem fala pensasse realmente no seu signifi- cado; mas dai decorre, por acaso, que também apren- «eu 0 que agora estamos indagando; isto é, que aqué- le tenha falado a verdade? E, porventura, os mestres pretendem que se conhegam e retenham os seus pro- prios conceitos e nao as disciplinas mesmas, que pensam ensinar quando falam? Mas quem é tio tolamente curioso que mande o seu filho A escola para que aprenda o que pensa o mestre? Mas quan- do tiverem explicado com as palavras tédas as dis- ciplinas que dizem professar, inclusive as que con- cernem 4 prépria virtude e A sabedoria, entéo é que os discipulos vao considerar consigo mesmos se as coisas ditas sio verdadeiras, contemplando se- gundo as suas férgas a verdade interior. Entio é que, finalmente, aprendem; e, quando dentro de si descobrirem que as coisas ditas sio verdadeiras, lou- vam os mestres sem saber que clogiam mais homens doutrinados que doutos: se é que aquéles também sabem o que dizem. Erram, pois, os homens ao cha- marem de mestres os que nao o sao, porque a maio- ria das vézes entre o tempo da audicao e 0 tempo da cognicio nenhum intervalo se interpée; e por- que, como depois da admoestagao do professor, logo aprendem interiormente, julgam que aprenderam pe- 127 46 Ag. — Ad. lo mestre exterior, que nada mais faz do que ad- moestar. Mas sobre a utilidade das palavras, que bem consi- derada no seu conjunto nio é pequena, falaremos, se Deus permitir, em outra parte. Agora, avisei te, simplesmente, que nao thes atribuas importancia maior do necessario, para que, no apenas se creia, mas também se comece a compreender com quanta verdade esta escrito nos livros sagrados que nio se chame a ninguém de mestre na terra, pois o ver- dadeiro © tinico Mestre de todos esta no céu, Mas o que depois haja nos céus, né-lo ensinara Aquéle que também por meio dos homens, nos admoesta com sinais e, exteriormente, a fim de que, voltados para Ele interiormente, sejamos instruidos. Amar e conhecer a Ble esta é a vida bem-aventurada, que, se todos proclamam procurar, poucos sao verdadeira- mente os que se alegram por té-la encontrado. Mas agora gostaria que me desses as tuas impressdes sobre todo éste meu exposto. Porque, se conhecesses que eram verdadeiras t6das as coisas expostas, dirias igualmente que as sabias quando interrogado sobre cada uma separadamente; observa, portanto, de quem as aprendeste; nio certamente de mim, a quem terias respondido, se interrogado sdbre elas. Se, ao con- trario, conheces que nfo sao verdadeiras, nem eu nem Aquéle as ensinou a ti: eu, porque nio tenlo nunca a possibilidade de ensinar; Aquéle, porque tu nio tens ainda a possibilidade de aprender. Eu, na verdade, pela admoestacio das tuas palavras aprendi que estas nao servem senio para estimular © homem a aprender, e que é ja grande coisa se, através da palavra, transparece um pouquinho do pensamento de quem fala. Se, depois, foi dita a verdade, isto né-lo pode ensinar sd:mente Auuéle que, falando por fora, avisa que habita dentro de nds; Aquéle que, pela sua graga, hei de amar tan- to mais ardorosamente quanto mais eu progredir no conhecimento, Mas nos confrontos dessa tua ora ‘io, que usaste sem interrupgio, sou-te grato parti- cularmente por isto, que ela previu € resolven todas 129 as objecdes que estava preparado para fazer e nada foi por ti descurado daquilo que me tornava duvi- doso e sdbre o que nao :ne responderia assim aquéle secreto oraculo, como foi afirmado pelas tuas pa- lavr 131 BIBLIOGRAFIA Nao temos a intencio de dar, aqui, uma bibliografia completa, nem sébre Santo Agostinho em geral, nem sobre a sua obra particular; apenas indicaremos os trabalhos que julgamos fundamentais para uma rapida aproximacdo do nt- cleo central do vasto mundo agostiniano e do problema tratado em seu “De Magistro”. GERAL: Miscellanea Agostiniana, 2 volumes, Roma 1930. Miscellanea Augustiniana, Rotterdam, 1930. Aurelius Augustinus. Die Festschrift des Gérres- Gesellschaft zum 1500. Todestage des heiligen Au- gustinus (publicado por M. Grabmann e J. Mausba- ch), Colénia, 1930. S. Agostino. Pubblicazione commemorativa del XV centenario della morte. Rivista di filosofia neo-scolas- tica, supplemento speciale al vol. XXIII, Gennaio... 1931, Milano, 1931. A Monument to St. Austine, essays on his age, life and thought, Londres, 1930. Nereda E., Bibliografia Augustiniana, Romae, 1928. Gonzales R., Bibliographia Augustiniana del Centenario, em Religion y Cultura, Madrid, XV, 1931. 133 Montanari P., I problema della liberta in S. Agosti oma*Rivista di Fil. Neoscolastica”, Milano, 1937 (09), pp. 359-387. ’ Otto W., Ueber die Schrift des heilige At tir De - ° vgistro, Hechingen, 1908, "8° “uéustinus De Ma Pastore ., Il principio d'amore di $. Agostino nel problema del rapporto fra la liberta e la grazia, na “Rivista di Filosofia”, 1930 (21), pp. 359-387. Simone (de) L., Il “maestro interiore” di S. Agostino eT “a- namnesi” platonica, apud “Giornale critico della Fi- losofia italiana”, 10, 1929, pp. 275-276. Thonnard F. J., De Tame & Dieu (III), De Magistro e De Libero arbitrio, em “Oeuvres de Saint Augustin”, vol. VI, Dialogues Philosophiques, Deuxiéme Edition, Paris, Desclée, 1952. Tourscher F., The Philosophus of Teaching, a Translation of St. Augustine’s De Magistro, Villanova, 1924. Valentini G., Ricerche intorno al “De Magistro” di S. Agos- tino em “Sophia”, IV, pp. 83-89. EDICOES DO DE MAGISTRO: — Edicéo “princeps” d’Amerbach (Bale, 1506), T. Il; — Edigio de Erasmo (Bale, 1529); — Edicéo de Lyon (1561); — Edicao de Louvain (1577); — Edicao beneditina (Paris, 1679), T. J — Edicio Migne (1681), T. 32, col. 1194-1220. (0 texto por nés usado & o da edigéo beneditina) 135 INDICE CAPITULO I Finalidade da linguagem .... CAPITULO IL 0 homem mostra o significado das palavras sé pe- las palavras . CAPITULO II Se € possivel mostrar alguma coisa sem o emp! de um sinal .. 3 CAPITULO IV Se os sinais se mostram por sinais CAPITULO V Sinais reciprocos ... CAPITULO VI Sinais que significam a si mesmos . CAPITULO VIL Resumo dos capitulos anteriores ... CAPITULO VIL - . Nio se discutem imitilmente estas questées. Assim, para responder iquele que interroga, devemos di- Tigir a mente, depois de pereebermos os sinais, as coisas que sles significam saaeraees CAPITULO IX ‘Se devemos preferir as coisas, ou 0 conhecimento delas, wos seus sinais : eters CAPITULO X - Se é possivel ensinal algo sem sinais. nao se aprendem pelas palayras .-- CAPITULO XT Nao _aprendemos _pelas exteriormente, mas pela verd palayras que repercutem fade que ensina inte- riormente . vies CAPITULO XID . . 5 Cristo @ a verdade que ensina interiormente --- CAPITULO XIL nem ‘A Torga das palayras, nao conseaue mostrar nel! sequer’ 0 pensamento de quem fale CAPITULO XIV vn avisa exte Cristo ensina interiormente, 0 homem avisa © riormente pelas palavras -+++++ B 85 Meus sinceros agradecimentos aos Professéres Elpidio Ferreira Paes e Ernani Maria Fiori, pelas sugestoes com que me honraram, para melhor amoldar ao idioma portugués as finuras do pensamento agostiniano.

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