You are on page 1of 159
Colegao Estudos Historicos Colecao Estudos Historicos Ilmar Rohloff de Mattos Através desta nova colecdo, visa-se a dar maior divulgagao as mais recentes pesquisas realizadas entre nds, nos domi- nios de Clio, bem como, através de cuidadosas tradugdes, p6r ao alcance de um maior piblico ledor as mais significa. tivas produces da historiografia mundial. No Primeiro ca- 80, ja temos selecionadas varias teses universitarias, que vi- nham circulando em edigdes mimeografadas; no segundo, Preparam-se tradugdes de autores como P. Mantoux e Mo- reno Fraginals. Entre uns e outros, isto é, entre a historio- grafia brasileira e a estrangeira, a colegio também procul ra divulgar trabalhos de estrangeiros sobre o Brasil, isto € de “‘brasilianistas’’, bem como estudos brasileiros mais abrangentes, que expressem a nossa visio de mundo. Em outras etapas, projeta-se coletdneas de textos para o ensino superior. A metodologia da histéria devera ser devidamente contemplada. Como se vé, o projeto é ambicioso, e se desti na nao apenas aos aprendizes e mestres do oficio de histo- riador, mas ao publico cultivado em geral, que cada vez mais vai sentindo a necessidade e importancia dos estudos historicos. Nem poderia ser de outra forma: conhecer o Passado é a Unica maneira de nos libertarmos dele, isto é, destruir os seus mitos. O TEMPO SAQUAREMA Premio Literario Nacional, 1986, Género Historia Instituto Nacional do Livro Este livro foi editado em regime de co-edi¢io com 0 MinC/PRO- MEMORIA/Instituto Nacional do Livro e passard a integrar os acervos de bibliotecas publicas, estaduais e municipais, que rece- bem da PRO-MEMORIA/INL assisténcia técnica e bibliografica por efeito de convénios por ela firmados com Prefeituras Muni- Cipais e Secretaria de Estado em todo o Territorio Nacional. HUCITEC/MinC/PRO-MEMORIA INSTITUTO NACIONAL DO LIVRO Pare parcel considerivel dos homens que ubitavam 0 Império do Brasil, e também park mas poucas mulheres, os anos que se ‘weguiram A abdicagdo do primeiro imperador foram anos vividos intensamente. No dizer de fe, por fim, de transacio. Foram tam- de levantes, revoltas, rebelioes ‘negras; de sons frustrados e de transformadas em agdes vitoiosas. sem divide, anos emocionantes, ‘hem sempre disto nos apercebamos. ‘trabalho procura captar, ao menos em AS trajetbrias daqueles que viveram “esse tempo singular — 0 Tempo Saguarema. Todavia, a marca de distincio deste tra- balho reside, antes de tudo, nos objetivos principais que 0 norteiam: compreender os pprocessos de construcio do Estado imperial ‘ede constituigio da classe senhorial, nos ter. ‘mos de uma restauracio e de uma expansio, € demonstrar a relagdo necesséria, mas nao ‘natural, entre ambes 0s processos, relacdo pela intervencio consciente e deli- de determinada forca social, a qual se forja a si propria como dirigente no movi- ‘mento dessa intervencao: os Saquaremas. ‘Se podemos entender o Tempo Saquarema ‘como uma singularidade € porque, de um lado, ele se apresenta como produto daqueles pprocessos, isto é, como resultado das inten- es € agdes dos Saquaremas, porque a dire- 0 que eles procurivam exercer, ¢ efetiva- ‘mente exerceram, impunha que’ os Saqua- ‘Temas se constituissem também em **produ- tores”” ou *‘controladores’” do tempo. E, de outro, porque ele resulta das questdes que foram selecionadas ¢ traduzidas sob a forma de objetivos do trabalho, isto &, as questdes teferentes ao Estado imperial, d classe senbo- Tal ¢ 208 dirigentss saguaremas como cons- truco historicarrente determinada, © nio ‘nogées © conceitas previamente dadcs. “Tempo emocionarte, ¢ também intrigante! dos Saquaremus; os Saquaremas nos de nds —revelando e sublinhando no fiuxo que caracteriza a NSB) S72 194 Estudos Histéricos diregio de Fernando A. Novais BSTUDOS HISTORICOS tieulos publicados Portugal © Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonil (1777-1808), Fernando ‘A. Novais. 4° edigéo ‘As Perrovias de Sio Paulo (1870-1940), Flivio A. M. de Sace Histria e Tratigées da Cidade de Sio Poulo, Erni Silva Bruno (3 volumes) 3 edigfo A Gondigdo Feminina no Rio de Janeiro no Século XIX, Miriam Moreira Leite Metamorfoses da Riquesa (Si0 Paulo, 1845.1895), Zélin Marin Cardoso de Mello Histéria da Guerra do Peloponcso, Tucides Trabalho, Progreso ¢ « Sociedade Civilsada, Iraci Galvio Salles Vieira « « Visio Trigica do Barroco, Luis Palecin A Conquista da Terra no Universo da Pobresa, Luiza Rios Ricci Volpato O TEMPO SAQUAREMA [regs ro@o3o — Data0a.ck8 ILMAR ROHLOFF DE MATTOS O TEMPO SAQUAREMA Prémio Literério Nacional, 1986, Género Histéria Instituto Nacional do Livro, MinC B8csu /urRes EDITORA HUCITEC Com o apoio técnico e financeiro do ‘MinC/PRO-MEMORIA INSTITUTO NACIONAL DO LIVRO Sao Paulo, 1987 © Direivs autorais; 1987, de Umar Rohloff dé Matto. Direitos de publicaséo reservados pela Editors de’ Humanismo, Ciéncia Tecnologia “Hucitec” Lada Hus Comenador Eduardo Sacab, 344°. 04602 Sio Paulo, Brasil. Telefone: (ort) 61-6819, Capa: Lie Dine (projeto); Esto Hucitee (arte). Dados de Catalogasio na Publicagéo (CLP) Internacional (Camara Brasileira do. Liveo, SP, Brasil) ‘Mattos, Imar Rolo de, 1944 Maoit -O tempo Saquarema /"Imar Rohlott de Mattos. — Sio Paulo : HUCITEC + (Brasilia, DF] = INL, 1987. (Estudos istricos) Bibliografia. ISHN 85271-00047 riginalmente apreventada como texe do autor (doutoramente — Universidade de So Paulo. 1, Beasl - Condigées cconémieas - Império, 1822-1889 2. Brasil - Condigies soiais - Império, 1822-1889 3. Brasil « Histéria ‘mpério, 1822-1609 4. Brasil . Politica e governo - 1822-1889 1. Totitato Nacional do Livro (Brasil). II." Titulo. 111.” Séve eDD:981.08 320.98104 350,98104 (CCF /CBL/SP87-2057 eDu:981"19" fndices pera catilogo sistemitio: Inpétio + Brasil : Condigdes econdmicss 330.98104 Impéiie : Brasil : Condigdes soeinis 981.04 * Ampétio, 10221809 + Brasil : Histiria 981.04 1 Anmpétioy 1822-1889 + Breil : Palen $20.98106 ‘Stquaremas : Brasil : Histria 981.0% Foi feito 0 depcrite ios N 1817 Para Marcia, Rodrigo ¢ Joao, porque com « alegria tecem um tempo diferente. Para Selma, por ser a vida presente 0 presente da: vida. NOTA DE EDIGAO Em sua versio original, 0 Tempo Saquarema fei apresentado como tese de doutoramento a0 Departamento de Histéria da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciéncias Humanas da Universidade de Séo Paulo, fem agosto de 1985, perante banca examinadora constituida pelos doutores Francisco José Calazans Falcon, Margarida de Souza Neves, Suely Robles Reis de Queiroz, Fernando Antonio No- vais e Eduardo d’Oliveira Fransa. ‘Em 1986, recebeu o Prémio Literdrio Nacional — Género Histé- ria, na categoria de obras inéditas, do Instituto Nacional do Livro (Ministério da Cultura), tendo sido a Comissio Julgadora formada ppelos professores doutores Francisco Tglésias, José Murilo de Carva- Iho e Déa Ribeiro Fenelon. Ix SUMARIO NOTA DE EDIGAO 1X APRESENTAGAO 1 1 / © IMPERIO DO BRASIL 9 1. A moeda colonial 18 2. A regiio de agricultura mercantilescravists 33 3. A moeda colonial em restauragao 80 Il / LUZIAS E SAQUAREMAS: LIBERDADES E HIERARQUIAS 103 1, Um império ¢ trés mundos 109 2. A diregio saquarema 129 Il / A TEIA DE PENELOPE 193 1. Os olhos do soberano 193 2. A restauragio limitada 218 3. A formagio do povo 251 IV / CONCLUSAO 281 BIBLIOGRAFIA 289 xD APRESENTACAO Para uma parcela considerivel dos homens que habitavam Império do Brasil, e também para umas poucas mulheres, os anos que se seguiram. & abdicagio do primeiro imperador foram anos vividos intensamente. No Parlamento, nas casas, nos pasquins e até mesmo nas ruas © pragas piiblicas, aqueles que pretendiam dirigir os destinos de uma sociedade que julgava ter completado sua emancipagéo da tutela metropolitana, expunham. suas idéias © programas, procura- ‘vam viver seus sonhos e utopias, expressavam seus temores ¢ angiis- tine. Servindoos de imagens e conceit cuohedes em pains dstane tes, buseavam referéncias para a compreensio do quadro em que se moviam, assim como procuravam ser semelhantes as nagdes que se apresentavam como portadoras de uma civilizagio. Ao lado dos que pretendiam dirigir, ¢ at6 mesmo por vezes dos demais que suporta- vam 0 peso de uma dominago, néo se envergonhavam de recorrer ja forga que insistiam em monopolizar como recurso para restaurar ‘uma ordem que entendiam como justa, mas que insistia em Thes cescapar. Em muitas ocasiges, muitos daqueles homens que formavam 0 que era visto como a “boa sociedade” sentiram-se ultrajados em sua hhonra, como resultado da politica britinica de repressio ao tréfico nogreiro intercontinental, que se manifestava quer por meio de notas de pressies diplométicas, quer através dos navios de guerra que invadiam as éguas continentais do Império. er Para quase todos, aqueles foram tempos de inquietagéo © temor, Nas cidades, a agitagio da “malta” nio cessara de todo, embora ji rio contasse com a ajuda indireta dos batalhdes mereenérios. No ‘meio rural, e mais particularmente por aquelas areas por onde se ‘espalhavam os eafezais que enriqueciam plantadores, comissérios e traficantes negreiros, intensificaram-se as lutas pela posse da terra. [Nos dois ambientes, as fugas e insurreigGes dos escravos alimentavam © pinico entre a populagio “branca”, erigindo as figuras de um Manuel Congo e de uma Luisa Mabin em simbolos de uma camada ‘que, desde entao, passou a ser considerada “inimigo inconeiliavel”. Gs anos que se seguiram & Abdicagio foram, no dizer de um contemporineo, anos de ago, de reagio e, por fim, de transagio. Foram também anos de levantes, revoltas, rebelides © insurreigées. De sonhos frustrados ¢ de inteng’es transformadas em agGes vitorio- sas. Foram, sem diivida, anos emocionantes para aqueles que viviam xno Império do Brasil. ‘Todavia, disto nem sempre nos apercebemos. E, em que pesem nnossas intengées, este trabalho reproduziré, por certo, a tendéncia prevalecente em imimeros estudos histéricos, nio eonseguindo eaptar ‘as emogies daqueles que viveram esse tempo emnocionante: O Tempo Saquarema. Mas este trabalho nfo se di por intengées niio com- ppletamente concretizadas. Sua principal marca de distingio’reside, sem diivida, nos dois objetivos principsis que o norteiam, ) © primeiro deles é compreender os processos de construgio do Estado imperial’ e de constituigio da clesse senhorial, nos termos de ‘uma restauragio e de uma expansio-/0 segundo consiste na demons- tragéo da relagio necesséria, embora nfo natural, entre ambos os processos, relagio propiciada pela intervencio consciente ¢ deliberada de uma determinada forca social, a qual se forja a si prépria como dirigente no movimento dessa intervengio: os Saquaremas. ‘Ora, a enunciagio desses objetives tos condux « algunas consi- deragies. ‘Assim, 0 que denominamos Tempo Saquarema nio deve ser to- mado como 0 periodo de tempo que se estende, em Iinhas gerais, dos iiltimos anos do periodo regenciel até 0 denominado “renascer liberal” dos anos sessenta, periodo esse que conteria aqueles pro- cessos, de tal forma que este trabslho deveria narrar os eventos relacionados a eles e, por definigio, coatidos ‘naquele intervalo. Pelo contririo, se este periodo de tempo possui uma singulari- dade 6 porque ele se apresenta, em primeiro lugar, como um pro- duto daqueles processos, isto é, come am resultado © condiséo da agdo saquarema, porque a diregfo’que eles procuravam exercer, ¢ 2 cfetivamente exerceram, impunha que os Saquaremas se consti- tuissem também em “produtores” ou “controladores” do tempo. De outro Indo, « singularidade deste Tempo Saquarema resulta também do caminho que elegemos, das questées que selecionamos traduzimos sob a forma de objetivos, isto é, as questées referen- tes ao Estado imperial, & classe senhorial © aos dirigentes saquare- mas como uma construcéo historicamente determinada, e nfo como conceitos © nogées previamente dados E, na verdade, neste ponto rio fazemos senio repetir ligées hi muito aprendidas, 10 simples quanto fundamentais: a de que nao podemos modificar o passado ‘mas podemos modificar 0 conhecimento que dele possuimos a par- tir de interrogagées diversas, ¢ a de que um trabalho de tese é ‘menos um tema em busca de um autor, ¢ sim uma ou mais ques- tes requerendo solugées. [Nestes termos, e por estarem referidas & idéia de construgao, os conceitos de Estado imperial ¢ classe senhorial apresentam-se inti- mamente articulados e postos em relagio entre si pela intermedia ‘s40 do conceito de dirigontes saquaremas. Ao mesmo tempo, sofrem ‘um “deslocamento” ou “ampliago” as significagdes mais comuns ‘que ambos costumam encerrar, quer no que se refere ao caso par- ticular da sociedade brasileira, quer no que diz respeito aos seus contetidos mais. gerais ¢ abstratos. Assim, quando operamos com 0 coneeito de Estado imperial nio ‘estamos considerando nem tinica nem exclusivamente os. aparelhos de coergio possibilitadores © garantidores de uma dominagéo, ¢ sim operando com um coneeito de Estado‘que tem como um dos elementos fundamentais o fato de ser o locus dos dirigentes saqua- rremas, isto é, daqueles que por meio de uma ago estatal exercem ‘uma diregio intelectual ¢ moral, Ora, se quando assim procede- ‘mos o Estado deixa de ser entendido unicamente como um apare- Tho de dominagio, também no deixamos de ‘‘deslocar” ou pliar” 0. coneeito de dirigentes (propriamente falando, de dirigen- tes saquaremas), os quais no mais se restringem os ““empregados piblicos™ encarregados da administragao do Estado nos seus dife- entes niveis, Por ditigentes saquaremas estamos entendendo um conjunto que engloba tanto a alta burocracia imperial — senado- res, magistrados, ministros e conselheiros de Estado, bispos, entre ‘outros — quanto os proprietérios rurais localizados nas mais diver- ‘sas regides nos mais distantes pontos do Império, max que orien- 1 Ch. Antonio Gramsci — “A formagio dos intelectuais™, in Os intelectuais 1969: ¢ Christine Bucigluckemann — tam suas agées pelos parimetros fixados pelos dirigentes imperiais, além dos professores, médicos, jornalistas, literatos demais agen- tes “nio piblicos” — um conjunto unificado tanto pela adesio aos prineipios de Ordem e Civilizagio quanto pela agéo visando a sua difusio. De outro lado, quando operamos com 0 conceito de classe se- nhorial estamos operando com uma categoria histérica, e mio com tuma mera classifieagso que leva em consideragio o ugar ocupado por um conjunto de individuos no mundo da produgéo e a relagio que mantém com uma outra classe fundamental. Estamos conside- rando, antes de mais nada, uma trajetéria assinalada por iniimeras lutas, trajetdria essa & qual nio 6 estranha a diregio saquarema. ‘Assim, a natureza da classe ¢ seus elementos de coeséo — sua iden- tidade, em suma — aparecem como resultados de experiéneias o- muns vivides por determinados homens, experiéncias essas que Ihes possibilitam sentir e identificar seus interesses como algo que lhes € comum, e desta forma contrapor-se a outros grupos de homens eujos interesses sio diferentes e mesmo antagénicos aos seus, conforme znos ensina E. P. Thompson? ‘Neste ponto, uma ultima consideragio se impée, a respeito do ‘modo como se organiza a exposigéo deste trabalho. ‘A adogio de um procedimento construtivista néo se eagota na recuperagéo © restauragio dos conceitos de Estado, Classe social © Dirigentes como categorias histéricas. Ela transborda para a expo ‘igo sobre o Tempo Saquarema, fazendo do texto uma espécie de ‘Aula animada pelo objetivo da construgio do conhecimento histé- Como numa aula, a discussio das questées tesricas © da produ- ‘gio historiogrifica, assim como a avaliagio ¢ anilise da documents- ‘40, nfo aparecem em parte destaceda e especial do texto, mas nos ‘momentos em que o desenvolvimento do asstnto as requer. Ora, se tal proceder talver sirva para sublinhar a importincia delas para uma compreensio, ele poderd contribuir também para esmaccer bbritho que tais discussdes geralmente possuem, uma ver que, ine- vitavelmente, 0 virar da pagina do trabalho corresponderé a0 final de uma disoussio determinado pelo témino da aula. Por outro lado, assumir a postura de expor como uma Aula pos- sibilita tanto reafirmar em cada ume das linhas do texto nossa sempre renovada decisio de ser professor, buscando restaurar os 2, P, Thompson — “La sociedad ingloss del siglo XVIIL: lucha de clases Ai cae? Trin reouey onda d¢cae Trad. epenel Br 9. nexos entre Vida e Histéria por meio de uma Educagao em Histé- ria,® quanto assinalar a gratidio por nossos alunos, interlocutores insubstituiveis e construtores apaixonados também desta Aula. ‘Anotemos, agora, que da primeira parte deste texto emerge 0 Tmpério do Brasil, por meio de um jogo de semelhangas e diferen- fas, complementaridades © contradigdes, continuidades © desconti- nuidades, e também de inversies. Nela procuramos demonstrar como 6 lugar destacado € tinico ocupado pela cidade do Rio de Janeiro wa Corte; a formagio das regides ¢ a preponderincia da regio de agricultura mereantil-eseravista; o papel desempenhado pela Co- roa no momento de restauragio da “moeda colonial”; ¢ a consti- {igo dos monopélios, a fusio dos monopolizadores © a transforma: gio do plantador escravista em classe senhorial resultavam tanto do fundo histérico constituido por uma colonizagio de exploragio na Tdade Moderna quanto da restauragéo dos nexos coloniais, sob 1 égide do capitalismo, em meados do século passado, Na segunda parte, tendo como referéncia as hierarquias que dis- tinguiam este “Império de trés mundos” ¢ tomando em considera- «40 as diferentes signifieagSes emprestaday a idéia de liber ° uramos demonstrat como se consrui a dire sequarema a partir do pequeno micleo de politicos da provincia fluminense que til ‘como elementos norteadores os principios de Ordem ¢ Civilizagio; como o¢ Saquaremas erigiram « Coroa em Partido, reservando-The ‘yes que enfrentou, de tal modo que a tarefa que empreendiam impunha um permanente recomegar, como se os Saquaremas teves- sem uma nova Teia de Penélope. No item inicial, a anilise da ‘Administragéo revela tanto a descaracterizagéo da politica quanto ‘0s mecanismos utilizados para efetivar uma centralizagao, ao mesmo tempo que sublinha a ampliagio do conceito de agentes administra: tivos. No segundo item, procurs-se compreender como a aso poli- tica desenvolvida com a finalidade de alcancar uma restauragio im- puna 1 estreita articulagéo entre as politicas de mio-deobra e de terras, destacando a necessidade de “poupar a escravidio” ¢ o tra- fico interno de escravos. No terceiro item, por fim, 0 estudo da politica de instrugéo pibliea no “laboratério saquarema” tem por 3B, C. Brandio, 1. R. de Mattos, M. A. Pamplona © M. A. R. Carva ‘educagio em Histérin (o lagar da Histiria no processo pedagéico)”. Boletim ContectoLHumanidades, Rio de Janeiro, 1980, n." 33. ee finalidade « compreensio de um dos principais meios de que se serviram os saquaremas para a expansio da classe. (0 tempo de elaboragio ¢ redagio deste trabalho foi também o tempo de dimensionamento da importineia dos colegas, compariheiros e ‘amigos na consecugio de um objetivo. Hoje, posso revelar que no poueas vezes, nos momentos de desinimo, o incentivo e apoio dife- renciados de cada um deles foi fundamental; posso confessar tam- bém que, naquelas ocasides, inevitavelmente me vinha & meméria © canto do poeta — “um galo s6 néo tece a manha”. ‘Sera possivel agradecer a todos sem correr 0 risco de algum esque- cimento ou mesmo de no ser completamente justo? Aceitando cor- rer 0 riseo, sou grato a0 Professor Doutor Eduardo d'Oliveira Fran- (ga, no apenas pela orientagio deste trabalho, mas ainda pelas Ses que me transmitiu de seriedade profissional, compreensio € tolerincia, aliadas a atos de permanente incentivo; a Francisco José Calazans Falcon, por tudo que me tem ensinado e pela amizade de muitos anos; a Berenice de Oliveira Cavalcante, pelo permanente ¢ sempre carinhoso incentive; a Margarida de Souza Neves, pela amizade irrestrita, colaboragio integral e “‘torcida’” sempre emocio- nada © emocionante; a Maria Alice Rezende de Carvalho, Marco Antonio Villela Pamplona ¢ Ricardo Benzaquem de Avatijo, por- ‘que, entre muitas outras coisas, permitem-me viver cotidianamente ‘uma das mais caras “teses" de minha vida, uma vez que tendo sido alunos no tardaram @ se tomar meus mestres; a Maria Fernanda Baptista Bicalho, pelo trabalho de pesquisa documental, assinalado por método e seriedade insuperdveis porque sustentados pelo amor 40 offeio, no que foi sucedida por Katia Valéria Maciel Toledo, de nfo menor competéncia; e Cloves Dottori, Joio Rua, Luiz Antonio de Morais Ribeiro, Edmundo Fernandes Dias ¢ Roberto Gusméo, © porque comprovam que jizade"” se cons apesar das divisdes acadé Professor Isaac Kerstenetsky, decano do Centro de Cién da PUC-RJ, « Herman Jankowite, diretor académico da Fundagio Cesgranrio, e & Professora Célia Machedo de Carvalho, diretora do Laboratério de Curriculos da SEE-RJ, por me terem dispensado de parte de meus eneargos no momento mais eritico desta elaboragio; f& Maria Célia Azeredo Souza Falcon, porque sempre solidéris professores Fernando Anténio Novais e Francisco Iglésias,. pelas palayras de incentivo e atos de amizade: aos colegas dos Departa- mentos de Histiria da PUC-RJ ¢ da UFF, em especial Anténio 6 Edmilson Martins Rodrigues, Marcelo Gantus Jasmin, Maria da Graga Salgado, Marcos Waldemar de Freitas Reis e Rachel Soibet; a Tomoko Paganelli, por ter sempre confiado; a Anair de Oliveira © Cleusa Ventura, porque sendo insubstituiveis em inimeros mo- ‘mentos de “nossa vida departamental” também assim se mostraram nna tarefa de datilografia dos originais, no que foram ausiliadas por Lindinalva Barreto; e a Selma Rinaldi de Mattos, porque hi muito ‘caminhamos juntos. ‘Morada do Sol outubro de 1983-dezembro de 1984 I / © IMPERIO DO BRASIL & ¢ > 0 0 de de que cruzase entre 0 cabo de Santo Agosti ho en cota ocldental dx Afria, em sendo Ade forges suficientes, intereeptaria dentro de jpouco tempo © coméreio maritime da Euro- pe com as demais partes do mundo, Pelo (foc die respeito. ds inatituigées ive deste Tove Limpérioy quem bem as estudar, (...) ejam elas de bem recente data, (que se nto correm parelias em. perfeigio com ar das naps mais ch ie Europa, bem pouco Thes ficam devendo: fdemais que io foram elas compradas a feusta de tanto sengue, nem com 0. saerifi io ¢ violagio do dire sagrado da. proprie: flade, No concernente is produgées do sev Soto, qual delas hie por’ mais preciosa © ara que seja que a terre do Brasil nio ofe- rega em grande edpia? (...) Se no que dir ‘elogio &indsetria fabril ainda muito se de- feja: pede também « raaio que se levem em Canta os obsticulos invenciveis que encontre- Va todo 0 género de prop {ema colonial, © 0 raro contato que em con- teatiéneia dele tinham es povos do Brasil om agées industrious da Europa; estado de isan que no hi ainda meio séeulo que to- tow diversa face. O stra em que ainda esti wegvicultura deve imputarse essencialmente 4 sede de ouro que lavrava na maior parte tos eventureiros portuguests que primeiro se fnubeleceram no Brasil, or quals em ver Smnanharem = terrasse eatregaram exclusi- Vamente i minersgio: ineonveniente que %© fumentou com a Invre busea dos diaman- fee a qual privava a agriculture de ume grande quantidade de bragos. Verdade € que 1 pepulagdo do. Império io corresponde com ft tastdio de seu territéri que com serem wumerosos os povoades ainda so poucot se ie comparem com os que seria mister que hhouvesem; porém com s imigragio europé toa fe com ave 0 Coverno Bratilelro tem Teligiossmente cumpride com os ajustes que tem feito camo diversee colonizadores; 0 Alemelo com que em todo o tempo tem favor ecilo. ¢ alentado quantes io’ contribuide pert 0 aumento de sun populagio «© indis- tiie fabel © rural; a bondade com que repe tides vores teen generscamente seudido até Inquiles que bio cavedo w sua pripria ruins, por se haverem embarsado em speculasies femerisi, tudo nos afiange que convidados 1 idos da salubridade do clima, da fort idede do govern tsi pouco trabalho podem ter iverem ‘mum abastenga, de que nunca des Trutariam no encerro das cidedes da Europa “Para tho stl fim nada. pode cooteibuir om mis efieicin do que 0 divulgaremse pela Europa © pelas demais partes do mundo fs exeeléncias de um tio dito elma. (...) Bre mister, eo interesse do. Brasil ext imperioramente reelamando, que saisse & hax sums obra que encerrasse, nio ji uma mot ‘ucinta desta ou daquele provin fou dequela outra cidade ou tila, mat aim toma deverigio geral e- cireunstanciada de todo o Iimpério. (..-) Uma obra a todos of ton dnien no. seu gnero, (.--) digna So para que € especialmente destina (Trecho do. “Priloge do tredutor” so. Dicio- rnério geogrifica, histrico # dexcritivo do Im: prio do Brasil, de Millet de Saint-Adolphe, 1845.)2 Aqueles que, por dever de oficio, estio obrigados a percorrer paginas deste trabalho, apresento desde jé minhas desculpas por Inieié-lo recorrendo a tio extensa citacio. Confesso, porém: nio 8 quis evitar. Eis por qué. Exagero se disser que, por meio de um prélogo que sublinhava uma disposigio ao conhecimento — “uma descri¢io geral © vircunstanciada de todo o Império” —, apresentavam-se aqueles cidadios que de maneira ativa viviam 0 momento de con- solidagio do Império do Brasil, ¢ que nfo se furtavam de incluir entre suas tarefas empenhar-se para que 0 maior mimero possivel de homens livres da sua condigGo também se apresentassem da- quela maneira? Incorro em erro se afirmar que ali vem proposto ‘um tipo de jogo que, recorrendo a semelhangas e diferengas, visava conduzir concretizagio de uma individuagio ou ao recorte da identidade de um corpo politico — 0 Império do Brasil? TJ, CR, Millet de SaintAdolphe — Dicionério geogrifico. hisirico « descrtive de Impéria do Brasil. 22 digi, Paris, 1863, pp. VIFXIL u ——__ Um jogo que enfatizava as semelhangas. Era preciso que os homens livres do Império tanto se reconhecessem quanto se fizes- ‘sem reconhecer como membros de uma comunidade — o “mundo ‘ivilizado”, 0 qual era animado, entio, pelo ideal do progresso. De todo diverso dos Fundadores da jovem Repiblica americana, ciosos de seu isolacionismo, os cidadios do Império nfo deveriam perder de vista e pluralidade das nagSes ¢ Estados — referidas, som diivi- da, a uma prévia unidade cultural —, como condigéo mesma para ‘ obter um lugar nela, em termos de igualdade. Deveriam ainda niko ve eequecer que apenas alguns dias ou uns poucos meses dis- tavam o Império das ‘nagées industriosas da Europa” e dos demais Estados, por via maritima. (Parecia nio ser importante, todavia, ‘que estivessem informados do tempo que se gastava para atingir (0s pontos fornecedores de escravos negros no litoral africano! ) Um jogo que sublinhava as diferencas, também. Se as institui- ses civis do Império nio corriam “parelhas em perfeiso com as das nagées mais civilizadas da Europa”, distinguiam-se, no obs- tante, quer pelo modo pacifico como foram erigidas, quer pelo respeito que sempre os habitantes do Império haviam guardado pelo “direito sagrado de propriedade”, no curso de uma transformacéo. ‘Ao mesmo tempo, fazia-se crer a quantos fosse necessirio que se 0 Império ocupava “‘um tio distinto lugar entre as nagées”, tal de- corria de sua posigio geogrifica — ‘no centro do mundo civilizado”. (A ninguém pareeia digno notar que a razio fundamental de uma diferenga residia ma persisténcia da eseravidio! ) Um jogo de semelhangas ¢ diferences que conduria a uma exa- geragic: © Império fora “pretestinado pela Providéncia para ser ‘© centro das transages comerciais de todo o mundo civilizado”. Chegava-se mesmo a acreditar que se poderia intereeptar 0 comér- cio maritimo da Europa com as demais partes do mundo... (De ‘maneira iréniea, ano da edigio da obra em tela seria o mesmo ‘em que © governo de um outro império decretaria o bill Aberdeen.) Uma exageragio que, segundo muitos, constituia uma manifes- tagio do nacionalismo, © qual — de modo até ecrto ponto ingénuo, mas expressando as reais condigées de sociedade — era obrigado ‘a recorrer i posigiio geogrifica. Conforme nos ensina Anténio Cin- ido, este nacioaalismo englobeva 0. nativisme em sentido estrito, no qual predominava o sentimen'o da natureza, de afeto pelo pais 1m pais tio favorecido da naturza... onde com qualquer industria © com mui pouco trabélho podem ter a certeza de vive- rem numa abastnea” — ¢ o patriotisno, isto é, 0 sentimento da Polis, 0 sprepo pila jovem nagio — “poucos so os Estados que. -. 2 ‘ccupam um tio distinto lugar”, ¢, assim, acabava por proporcionar a ligagio, no eampo particular da manifestagio literdria © por cima dda fratura expressional, entre dois periodos: © que se constitui a partir da segunda metade do século XVIII, © que se expressa sob ‘forma do Areadismo, e aquele outro que, relacionado aos sucesso da emancipagio politica, se treduziria no Romantismo? Por certo, tal exageragéo cumpria o papel de pér em relevo um determinado corpo politieo — o Império do Brasil, assim como 0 “Monarea ilustrado que o governa™. Seus arautos poderiam just fied-la olhando para passado, mas também referindo-se aos anos fem que viviam: a fase de “consolidacio” teria se seguido a de “apogeu do Império, no dizer de Capistrano de Abreu.> Com efeito, fs anos cingiienta nio se teriam distinguido spenas pela estabil dade politica, simbolizada pela Coneiliagao; assinalam-nos também ‘a extingio do trifico negreiro intercontinental, as bem-sucedidas intervengées militares na area platina, a liqiiidacio da onerose he- ranea iberiea dos limites: e, ainda mais, a regularizagéo das comu- nnicagSes por vapor com a Europa, ao Indo dos imimeros empreen- dimentos que demonstravam 0 avango do “progresso” © as conquis- tas da “civilizago” — como a construcio de vias férreas © os me- Thoramentos urbenos, aos quais ¢ nome de Mat reve associado. No momento em quo a lavoura cafeeira derramava- 1 pelo Vale, “o Imperador tentirse-ia bem”, diz aquele autor: em sta homenagem, obras eram compostas; outras surgiam de sua pro- tego. Goncalves de Magalhites concluia a Confederagdo dos Tamoios, Varnhagen redigia a Histéria Geral do Brasil, Gongalves Dias com- punha os Timbiras, mas deixaria inacabada Meditagao, um escrito provavelmente inspirado em A Voz do Projeta de Alexandre Her- Culano, € que significativamente tem como cixo um didlogo entre passado © présente, conservantismo ¢ progresso, velhos e novos. ‘Ora, por tudo isso © muito mais acreditava.se que urgia “divul- garem'se pela Europa © pelas demais partes do mundo as excelén- cias de um tio lima". A exageragio se constituia também num jogo de inversies® @ Aniinio. Candido — Formagie da literatura bresileira (momentos decisi om). 42 eligho. Séo Paulo, 1971 (2 vol.). pp. 922. 37. Gapatrane de Abreu — "Faves de Segundo Império", in Enscion ‘studon (crtica « hstria), 3 xia, 2° edigio. Hin de Janeiro, 1969, pp. 69-82 “SC, Anténio Cindido’ — Op. eit pp. 51-52 fie a Titeratura romintica talver tenba se coos tituide no mele, mais eficer de levar oo ativon cidadios do Tmpério «partici prea deste jogo de inversGes. Em O Tronco do Ip, pela vor do Conslheiro, Jose de Alencar prope uma comperagio, mancira de efetuar uma exageragio, 13 Nes falas daqueles que oo moszavamorgulicon an poi, ee eran lige Ae tae aa Le gio, Utilidade, Luzes, Associagdo, Raso e Progresso, como se eles fivessem ganho importineia em funeéo primordialmente da Tirie que nercortinn © que, oem divide, tambim. tracavam. wessem Hdo tomados de empréstimo a8 “nagdes industriosas da See albarea war coninbo diveme. Eataveae a "30 dis saree de Portugal Fraog, Taglterro mais rages tetou tis de Europa”, mas nem sempre se considerava que tudo e todos ‘que para la seguiam, assim como tudo e todos que de 1é vinham, foziam-no em navios que no tinham a bandeira do Império do Brasil om nei le 1850, por excmplo, todo en navioe chogados ‘a0 porto do Rio de Janeiro vindos da Gra-Bretanha eram ingleses, asim como o era também grande nimero daqueles provenientes ae mae ‘Uma inversio, pois, em relagio is “nagées civilizadas” da Europa, con gurls on rato. © Inglaterre, pertcalarsients ‘earistotaa tee intints do conte co eons. Son eames cca caetepitn 2 Kae jurtmonste ne isla cues mana SRS eae oa feed cee conjunto de repercussées da Revolugio Industrial.¢ "A grande Exposigéo do Trabalho Industrial de Todas as Nagées, soallsin ats Lender 1681, atetyn © podero do Lmpéco bi tanico. No decorrer do séeulo XIX, ¢ mais particularmente em sua segunda metade, a Inglaterra expandiria seus interesses sobre a face aerate aes eee Walloats sree, en aioe ‘ales. pte xia tats imperscthclia ero exportadas, quanto no que diz respeito a idéias e valores. (De modo sites Pao lapis oll hence eon pasb Crystal Palace, concebido pelo empresirio e paisagista Josep Paxton.) ' Tispade’ So Heal cabal alge proteofed pero Bia veto adaskenetlted eataneeoaten petteae pe. ‘is aacttga, quali bgaa) el, loc poser telaio eae ottrv’ rcealos 0 conmioan relies; trea in framentes swusealn Seales: 6a jel = snsodeay* toca hares, dobradigns, pis, facas, navalhas, canivetes, sacarrolhas, plainas, pre- peor rakes prt heaiom ermine to dizer que “queria que os filantropos inglewe sssstinwem a este expetictlo, para terem © deanentide formal de suas declumagoes,e verem que « proletariado {ie Londres io timo cdmodos gous do nos eccravo". In Ficgio completa. Rio de Janciro, 1965 (3° volume), p. 915. © Erie J. Hobbawn — Las revoliciones burgueses. Mad, 1964, pp. 47-77. 4 processamento de matéria-prima para exportagio, como miquinas para o beneficiamento da cana-deagticar. Mas sobretudo eram im- portados tecidos: entre 1850 ¢ 1854, eles representaram quase 3/4 He todas as importagdes; do valor total de 2,5. milhdes de libras de importagées da Gri-Bretanha em 1850, os produtos téxteis repre sentaram quase dois milhdes, e destes, 1,5 milhdes de libras eram de produtos de algodio. Os fardos ¢ eaixas chegados ao porto do Rio de Janciro no primeiro més de 1850 foram encaminhados para sesenta e trés comerciantes, dos quais quarenta eum eram ingle- ses. O mesmo acontecia nos demais portos do Império, onde as fir- ‘mas importadoras também se dedicavam & exportagio dos produ- tos brasileiros, Café e acticar seguiam para o estrangeiro em navios cobertos por seguros feitos em Londres, freqiientemente por Lloyds, Muitos arma- dores obtinham apélices de seguro no Rio de Janeiro, em 1860, recorrendo a companhias britinicas, como a Marine Insurance Com- pany, Ltd. ou a Home and Colonial Marine Insurance Company, Lid. Quando em 1850 foi estabelecida a primeira linha regular de vapores entre a Gra-Bretanha e o Brasil, o privilégio coube a Royal Mail Steam Packet Company. No ano seguinte, esta mesma com: panhia inglesa inaugurava o servigo de transporte de malas do cor- reio britinico para o Brasil Em 1854, Irinew Evangel trais da Corte o servigo de iluminagio a gés — “dirse-ia que em parte da cidade era dia, e em parte era noite”, noticiava um con- femporaneo. Algum tempo depois, passou a concessio @ uma com- ‘a Rio de Janeiro Gas Company Limited, a pri- cestrangeira de melhoramentos urbanos a se in |. Em 1857, um contrato foi firmado com a City Im- provements objetivando a instalagio de uma rede de esgotos na capital imperial ‘Capitais ingleses propiciavam a construgio das primeiras ferro- vias, assim como haviam contribuido para a abertura da primeira rodovia ligando a raiz da serra de Petropolis a Juiz de Fora; deste modo, 05 produtos destinados ao mercado externo, em especial 0 ‘café, podiam chegar aos portos exportadores em menor intervalo de tempo e em melhores condigées. ‘Nio obstante, a presenga inglesa se fazia sentir sobretudo no con- trole da atividade exportadora. No momento que estamos conside- vando, as maiores e mais solidamente estabelecidas firmas exporta- doras britinicas eram as localizadas na érea nordestina, que negocie- 5 ‘vam com o agticar ainda exportado em grande quantidade para Gri-Bretanha ‘As crescentes exportagies de café para os E.U.A. néo alterariam este predominio. Em 1850, a Inglaterra importow apenas 9 libras de café brasileiro, remetendo em troca cerea de 3.000.000 de libras de produtos manufaturados para o Império brasileiro, As firmas cexportadoras inglesas de produtos brasileiros para os Estados Uni- ddos, a Alemanha e outros paises europeus — como Philips Brot & Co. e E, Johnston & Co, — compensavam esta diferenca por ‘meio de eréditos vantajosos que recebiam: na década de 1840, elas feontrolavam cerca de metade da exportagio brasileira de_agicar, metade da de café © quase 60% da exportagio de algodio’ ‘Assim, as casas exportadoras e importadoras britanicas assumiam progressivamente 0 papel dos antigos colonizadores reinGis, tenden- flo a monopolizar o setor de comercializagéo da economia do Im- pério americano. Monopolizavam 0 setor de financiamento, sem ‘iivida, por meio da concessio de empréstimos, de que os Rothschilds hhaviam sido nomeados agentes exclusivos para o Brasil em 1855 Empréstimos foram concedidos em 1824-25, 1825, 1829, 1839, 1843 e 1852; outros seriam megociados em 1858, 1859. 1860, 1863, 1865, 1871, 1875, 1883, 1886 © 1888,* aprofundando 0 processo dle internacionalizago da economia brasileira iniciade no século anterior? ¢ que tomara forte i io da Corte portuguesa no Rio de Jenciro.!® ‘A. preeminéncia britinica™ motivaria 0 comentirio de Sérgio ‘Teixeira de Macedo, ministro brasileiro na Gré-Bretanha, em 1854, de que 7 Tnformagies ¢ dados eoidos sobretudo in Richard Graham — Gra-Breta- nha ¢ 0 inicio da moternisapio no Brasil (1850-1914). Sio Paulo, 1973:, ef. também Pedro Calon. Historia secial de Brasil — Espirito da. sociedade imperial. Sio Pauly 1937. SCE. Valentin Bousas — Histéris da divida externa. 2° edigio. Rio de Janeiro, 1950, p. 61. Ck. Carlos Guilherme Mota — A idéin de revelugéo no Brasil”, in Joel Serrio (dis.)— Dicioniria da Histrte de Portugal. Porto, sd., vol, VIII (apéndice). 1 Cf. sobretudo Olga Pantaleo —“A presence inglesa”, in Sérgio Buarque de Holanda (die.) — Histéria geral de civdsagio brasileira, tomo Hy O Brasil 1 (2? edigio). Sio Paulo, 1965, pp. 64-69. 1 A expresso provém do trabalho clés de Alan K. Manchester British Proeminence in Bracl, publicad> om 1933. (Traducio brasileira, Preeni ‘néncia ingless no Brasil. Sio Paulo, 1973,) A preeminéncia britanien ere acom: [panhads por elemeatos de outros pain, como James Watson Webb, represen {ante dor Estedor Unidon junto’ a+” governo imperial, que deixou dela 16 ““o comércio entre dois paises é movimentado com capital inglés, em navios ingleses © por firmas inglesas. Os lu ceros,... 05 juros sobre o capital,... 0 pagamento dos pré- ios de seguros, as comissdes e os dividendos provindos das aoperagiesfinancciras, tudo ¢ carreado pare © balsa dos in- © comentario no apenas rompia com 0 jogo de inversies. Ele sintetizava também 6 proceso de restauragéo do pacto-colonial, sob rnovas condigées, uma restauragéo que nio apenas demonstrava a pplena constituicao do sistema capitalista o papel que nele ocupa- va a Inglaterra, mas também aparecia como um dos tragos distin: tivos do Império do Brasil. Ora, um pacto é sempre um acordo entre fas partes, mesmo que a relagio que se estabelece possa se distin- guir por uma assimetria. O pacto colonial que entio se restaurava, também o era: a presenga dos interesses ingleses predominantemente como um dos contratantes pressupunha a preserga de interesses ‘determinados do lado do Império do Brasil, nfo sob a forma de Juma justaposigo, e sim de modo complementar ¢ contraditério."® (0 jogo de inversdes cumpria o papel de mascarar « moeda colonial, ‘no momento de sua restauragio. Caso queiramos conhecer como se ‘operou esta restauragio, nio basta considerar as transformagées vivi- ddas pela “nova metrépole” e a posigio que desfrutava no mercado mundial, que progressivamente reordenava em proveito proprio, ugestivo depoimento em sua correspondéncia oficial, no inicio da segunda me- tite do aceulo. (Cl. Nelson, Werneck Sodré — Histéria da burguesia brasileira Rio de Janeiro, 1964, p. 96.) 12 Gitado por Richard Graham — Op. cit, p. 79. 13 A que parece, aos formuladores ds “teoria da deperdéncia cabe 0 mé- rem ua andlise dos nexos ere sociedades “een- io da consideragbo, quer da relacio de complemen- parece resid 0 trago Inaia significative —- dos interests socins que se constituem e tornam possivel fr reprodugao da dependéncia em eada uma das sociedades “periférices”. Assim, So"teconhecimento da historiidade da situacio de subdesmnvolvimento requer main do. que assinalar jas estruturais das eoanomias subdeseavel- Vides. Hal que se. analiar, com feito, como as cconomis subewenvolvidas Vineulamse historicamente a0 mercado mundial ¢ « forma em que se consitie Tam ‘os grupos socials Internos que conseguiram definir as relagies orientadas per © eficrlor que o subdewenvalvimente supe. Tal enfoque implica reconhecer ‘que, no plano. poiticosecial existe algum tipo de dependéncia nas situagies de Subdesenvolvimento © que cea dependéncia teve inicio hisoricamente com a Expansio das economias doe paites enpitalstasorigindrios” — Fernando Henrique Cardoso « Enso Faletto — Dependéncia desenvolvimento na América Latina —"Enaaio de interpretagio socioligica. Rio de Janeiro, 1970, p. 26. 7 ie num procedimento que se distinguiria por uma exterioridade, e que reserva ao “mundo colonial” um papel marcadamente passivo. Caso queiramos compreender os nexos complementares © contradi- térios que a definem no momento da restauragio, tornase necessi- rio, primeiro, proceder @ cunhagem da moeda colonial, numa traje- téria cuja extensio é compensada pela compreensio das continui- dades ¢ descontinuidades que assinalam 0 trinsito do processo de colonizagio aos de emancipagio politica e constituigao do Estado impor 1, A MOEDA COLONIAL ‘Notei somente quanto me_pareceu necessi= tio pare ftzer conkecer 0 diverso rumo 9 diversdade que hi mais fa tempo e diregao do carminho, ajunt ttm Notas a deverigho de tudo o mais que Dpdesse ser interessante”. Roteiro do Marenhio » Golds pela. Copitania do Piaui. No momento em que 0 Dicionério de Milliet de Saint-Adolphe era publicado, muitos dos habitantes do Império do Brasil ainda de- Imonstravam aversio € profundo desprezo pelo elemento portugués, do que resultavam, nfo raro, conflitos que alteravam a vida modor- renta das cidades imperiais; uns poucos, como o redator_ do “Prélo- go", concentravam ja suas eriticas na pretérita dominagi0 colon sustentando que os atrasos da indiistria fabril deviam-se aos “obs- taculos invenciveis que encontrava todo 0 género de progresso no antigo sistema colonial”. 14 Tomando como referéneia, explctia ou aio, 0 cariter distinto assumido pela emancipasio politica do Brasil a+ conjanto da independéncia das colinias iiricas na Amérea, # produgio historiografica tende a se dividir: pare ns, tpenas a descontinuidade: Paula Peigaelman os dis, por exemple, que 0 co- Tthecimento do Brasil Moderne, cuje formayio situase no século XIX impe- Hal, dispense o conbecimento do petiodo colonial (cf. Formagio politica do Brasil, Sio Pauls, 1967: especialmente o segundo volume: “Conteibuigio teoria da organizapie polities betsilein™);_yare outros, somente eontinwidades: fle acordo. com ut Honério Rodrigees “nio houve ruptura do regime colo- hal”, por oeaside da emancipasaa puitice (ef. “Prefécio” aquaria edigio de Aspivacies nacionie, Interpretagéo ixSricoyolitice, Rio de Jancire, 1970), 18 ‘Todavia, uns © outros se assemelhavam por identificar, por meios dliversos, um momento anterior de dominagio; por isso mesmo, dis- tinguiamse dos habitantes da Colénia nos primeiros séculos, os ‘quais embora levassem adiante a tarefa da colonizagdo nfo tinham ‘onsciéneia da situagio colonial, E assim deveria ser. Com efeito, se a relacio colonial se tornava possivel pela diferenca ‘essencial entre a Metrépole e a Colénia, 0 ato de produgio e repro- dugio desta relagio acabava por mascarar no s6 0 nexo colonial ‘como também a violéncia que garantia ¢ possibiliteva a expropris ‘ed0, de tal modo que nio se tornava explicito na conseiéneia daqueles ‘que construiam um “Novo Mundo” — a Nova Lusitinia, 0 Novo ‘México, Nova Granada ou Nova York — 0 eariter de explorasio ‘que ela encerrava em proveito de outro mundo — “Antigo”, dizem alguns. ‘Somente a partir da erise do sistema colonial, a partir do wltimo quartel do século XVIII, tornou-se possivel a constatacdo daquela diferenga, Lento reconhecimento, num processo no linear, que tanto supde a distingso inicial entre mazombos ¢ reingis, quanto a constatagio do antagonismo entre interesses dos habitantes da Colé- nia e da Metsépole, para finalmente se constituir na condigao subje- i Bes de ‘em utilidade da Metrépole” — 0 demonstrann.!® Sabemos, pois, que as colénias eram estabelecidas em proveito da Metropole. Mas estabelecidas como? Surgindo como um desdobramento da expansio maritima © co ‘mercial, a colonizagio portuguesa na América essumiu tum cariter cessencialmente comercial. Como que reproduzindo em eseala amplia- da 0 que ocorrera nas ilhas do Atlantico, também aqui a atividade fecondmica dos portugueses ultrapassou os. seus objetivos iniciais, hilo mais se circunserevendo — como acontecia nas Indias, por ‘exemplo — 20 ambit da cireulagio das mercadorias. A colonizagio implicava a intervengio direta no ambito da produsio, © a grande levoura da cana-de-agticat seria sua primeira efetivagio; uma pro- ‘dugio subordinada aos interesses mercantis, uma estrutura de pro- dugao que conferia 6 sentido da colonizagio.16 18 Tris dow Santos Vithena — A Bahia no século XVIII. Salvador, 1969 (cf, "Carta XXIV"); ¢ "Roteiro do Marsnkio « Gols pela Capitania do Piaui” (Revista do Instituto Histrico Brasileiro, vol. UII, tomo 1 p. 60). 8 Ct. Caio Prado Junior — Formagio do. Brasil contempordneo. 7° edigto ‘Séo Paulo, 1963, pp. 13-26. 19 Todavia, nio basta destacar o cariter mercantil da. colonizagéo, Tornase nevessirio ir mais além, frisando aquilo que distingue a atividade comercial nesta época determinada, isto é, 0 seu trago ‘monopolista, esséncia da pritica mercantilista. O monopélio define ‘ atividade comercial; no monopélio comercial reside a medula do Antigo Sistema Colonial; ™ com 0 monopilio comercial. define-se ‘um dos tragos que particularizam a Idade Moderna, 0 periodo de transigio do feudalismo para 0 capitalismo ou de acumulacéo primi- tiva de capital. Por ser tanto a referéncia quanto 0 elemento estruturante daque- Te desdobramento, 0 monopélio se constitui no elemento que une as dduas faces da moeda colonial, assim como Ihe eonfere 0 valor. De tum lado, a “cara” ou a face metropolitana, apresentando-se por meio do Reino ou do Estado Moderno; de outro, a “coroa” ou a face colonial, sob a forma da Regido, face geralmente oculta, impos- sivel de ser pensada isoladamente da primeira, mas guardando tam- bém uma existéncia propria, um processo particular que nio se restringe & mera reprodugio da Histéria metropolitana ou dos su- cessos de outra regido qualquer. Vejamos a face metropolitana primeiro Nela, o Reino em processo de centralizagio mondrquica, servin- do-se da politica mereantilista. Esta apoiando-se, em larga medida, na exploracio colonial. 0 monopélio a anima, em seus miltiplos aspectos e desdobramentos, pondo a descoberto a agio dos detento- res do capital mercantil, numa sociedade em processo de transig&o para o capitalismo.!® WT Cf, Fernando A. Novais — Portugal « Brasil na crise de Antigo Sistema Colonial (1777-1808). Sio Paulo, 1979s especialmente 9 exp. Tl, “A crise do Antigo Colonial”, pp. 7-116. 18 Ver princpalmente: Maurice Dob — A evolugio do capitalisme. Rio tingo (org.) — Copitalisme: twansigan. Rio de Je Carlos Marx — El capital. Critiea de la economia politica. ‘listo. México, 1966. (cap. XXIV, “a Tamads acumulacign originaria", pp. 607-649). 194 compresnaéo do movimento da “ara” da mocda — © Reino — pree supie, por certo, a eonsiderapio do quadro mais amplo de transigéo da socie- dade earopéia para o captaliemo, x qual aio fol um processe linear © conti: ‘nuo, stravessado indistintamente por todas os Estados europeus, do. séeulo XVI 40 XVIII. E preciso nito exquecer qee enqvanto alguns paises pareeem ascuair 12 “dinteira” neste. process, otros “se atranam™, © tudo isto ‘nfo deixaria de repercutir na pripria moeda colonid. Recordemo-nos, por exemplo, da nitida rangao de dependéncia de Portugal em relagio i Inglsteren, sobretudo partir da. Restauragio (1640), e da repereussies dai decorrentes na evolugio dda Colénia americana, De outro lada, ao se considerar o papel de Estado. abso- Tutista neste mesmo proceso, como instinéa privlegiada, € precio considerar 20 Consideremos primeiro a esfera da circulagéc, tomando como exemplo sumério a expansio em diregio as Indias. Por se ter em mira o exclusive de certas mercadorias (os “‘produtos orientais”), tornavase necessirio deter a exclusividade dos roteiros que condu: iam a elas (a finalidade principal do Tratado de Tordesilbas era ‘0 controle da Rota do Cabo). monopélio das mercadorias © dos roteiros se desdobrava no monopélio da producéo de uma mereadoria por uma determinada regio, ainda que no interior de um mesmo império colonial (e, por isso, a sugestio de Brardénio ao Rei no sentido de que se plantasse pimenta também no litoral brasileiro niio foi considerada) 2° Todos esses monopélios resultavam, por sua vez, do monopélio do financiamento.™ Monopélio sobre os homens, também. A expansio da atividade ‘comercial é correlata a0 fortalecimento do Estado absolutista, sendo {que ambos os processos se reforcam reciprocamente. A. unificagéo.¢ © fortalecimento do Estado absolutista implicava o monopélio do Soberano sobre os siditos, ineluindo aqueles que hi i ‘oloniais, ¢ a maneira de tal, se efetivar consistia tanto na consti- tuigio de um corpo de funciondrios quanto na redefinigio das relagées entre o Estado, representado pelo Soberano, e a Igreja, © ‘que no caso do Reino Portugués assumiu a forma do regalismo. Por isso mesmo, a Igreja esteve intimamente associada i empresa colonizadora, mas de modo subordinado, aparecendo ela também ‘como um instrumento do monopélio metropolitane 2? Na face. motropolitana, e tendo em consideragio antes de tude “aventura colonial” levada a eabo pelo Reino, monopélio produ- a 0 colonizador; este o reprodusia, ao ditar a politica colonial que visava a assegurar a transferéncia da renda para a Metrépole. Colo- jzadores eram todos aqueles elementos ligados & esfera administra- ‘se Ieigos, encarregados precipuamente do fisealismo; se ecle- sisticos, empenhados na monopolizagao das almas. Eram também {que 0 equilibrio das forgas que o compunham variaya de um pais pare outro fambéon como retultado da porigio relativa que ocupavam raquele quadro gera 20 Cf, Ambrésio Fernandes Brandso —~ Didlogos das grandezes do. Brasil. Salvador, 1956, p. 170, 51 Celso Furtado — Formacio econémice do Brasil. Rio de Janeiro, 1959; Fernando Novais — Op. city loc. cit; Roberto Simonsen — Histéria econdmica do Brasil (1500-1822). 4 edigio. Sto Paulo, 1962. 22 Francisco J, C. Faleon — A Epoca Pombalina (politica econimica ¢ Mo ‘narquia ilustrada), Séo Paulo, 1982 (eepecialmente » segunda parte: "Mercan ilustragio em Portugal — A” Epora Pombaling (1750-1777)", pp. 147-481); Edoardo Hoornaert ot al. — Histria da Igreja no Brasil — Primeire Gpoce, Petrépois, 1977, 21 —_— ¢ sobretudo os comerciantes, especialmente os negociantes de grosso trato ou homens de negécio. Recorda Boxer que, embora teorica- mente desprezados, trifico e coméreio eram levados a pritica por todos aqueles elementos ligados i administragio quanto conse- gguiam fasé-loe, do vice-ei para baixo.? Sem diivida, os vicissitudes de seus negécios ¢ carreiras ligavarn-se intimamente so movimento do Império americano. ‘Na primeira face da moeda, o Reino aparecia, pois, como o locus gerador do monopslio de seus agentes. Ali, figura do Rei — “Pai da Patria © “o maior dos mercadores", 2 um #6 tempo — simbolizava 0 monopélie pelo colonizador tanto de mercadorias, ro- teiros, regidese eréditor quanto dos coragdes e mentes dos habitantes do Reino e suas possesses 24 A face colonial, agora. Nela, e numa primeira abordagem, a regio: face oculta, ja 0 sabemos, como resultado, em larga medids, da maneira como se constituiu a historiografin cular, €-0 la mento dessa historiografia, no decorrer de scoulo passado, foi marea- dlo pela influéneia do positiviemo « suas rogras de orudigéo, fot também assinslade por tum desenvolvimento em conjungio com a formacio dos novos Estados, constituind-se 0 pensamento historio- grifico num dos pilares de sustentacéo de uma “consciéncia nacio- nal” —o exemplo do Instituto Histérieo e Geogréfico do Brasil, sendo ilustrativo — e, como decorréneia, num instrumento. dos grupos dominantes e ditigentes que timbravam em destacar 0 geral (“nacional”) e esmaccer o particular (a regio). ° esis isch gue nos informam sobre 0 processo de coloni- zasio talver nos ajude a recuperar 0 Inger” da regigo. Nas paginas dow eronats, encontrase a referencia contante ao Brasil e as suas grandezas e opuléncia. Assim, e tomando apenas dois exemplos, Am- brésio Fernandes Brandio nos da os Didlogos das Grandesas do Brasil ¢ Antoni] nos informa sobre a Cultura e Opuléncia do Brasil por suas Drogas e Minas. Entre a redagdo dos dois textos, quase cem anos de diferenga, intervalo que medeia entre o memento de montagem da colonisa. co © aqquele outro de cristalizagie de suse formas, de tal modo que as informagies que deles extraimor perecem completarse: 0 “Brasil” 28 CE. C. R. Boxer — A dade de suro db Bros. Sio Peulo, 1963, p. 108 24 Cf. Thmar Toloff de Mattos —““Scbre o monepélio na Histria da Co lénia”, in ContacteHumenidades. io de Junciro, 1977, n° 21, pp. 10-20. 22 de Antonil era mais amplo, so menos especialmente, do que 0 de Femandes Brandio. Mesmo quando este diz que esti falando do “estado do Brasil todo”, fala apenas do litoral nordestine & época da Unido Tbérica, area cuja ocupagao assentava na grande lavoura produtore de géneros para exportagéo® O “Brasil” que Antonil hhes mostra, por sua vez, recobre as éreas de grande lavoura (da canade-agticar e do tabaco), de mineragéo © pastoril, mas ignora completamente a area de coleta das drogas do serto, no vale ama- Zinico.® Deste modo, deveraos estar preventdos sobre a abrangéncia (Gsto 6, 0 contetido) de determinadas expresses em épocas distintas, cceso queiramos efetivamente compreender a forma que a coloniza- {io essumiu, como nos demonstram termos como “Estado”, “Impé- rio, “Pais” ¢ “Continente”. ‘Vejamos um tinico exemplo. Um autor do final do-séeulo XVIII comentava que os propricti- tos de terras “formio em aquella Comarca hum Corpo respeitavel de per si,,¢.tio,nebie por natureza, que em nenbuma outra corpo- yyagao, © em nenhum outro Paiz se encontra outra igual a ella: em ‘Si comprehende as melhores familias deste, ¢ de todo mais Conti- nente.-.-27 Ora, as expresses “Pai” © “Continente” no dizem portuguesas na América? ‘Desta forma, em que pesem os esforgos de muitos em identifiear tuna unidade nacional em gestagio desde o periodo colonial, a reali dade construida pelo processo de colonizacio foi bem outra, e nao eseapou a alguns. Viajando pelo Brasil, em 1815, o francés Horace Say via que 0 nome Brasil constitu, de orto modo, “designs mnérice das possesstes portuguesas na América do Sul, mas Gus ido existia, por essimn dizer, uniade brasileira” 2" ‘2 Ambrénio Fernandes Brandio — Didlogos das grandeses do Brasil. Sal- vor, 1976. ‘28 Antoil Andeé Joio — Cultura © opulincia do Brasil por seas droges + mines. Séo Paulo, 1969. "21“Diseurse preliminsr, histérico « iatrodutivo com natureea de dos ‘eondmice da Comarca ¢ Cidade ds Behis", Apud Calo Prado Jinior — Op. ‘2 Como observa Mare Bloch, “para grande desespero dos historiadores, = omens io téer e bibite de imuder ¢ yocabulério de enda vor que ‘muda costumes". Mare Bloch —- Introdugée Hiatéria. Lisboa, 1965, p. 35, B Apud Sérgio Buargue de Holanda — “A heranga ‘colonial — Sua de sagregagio”, in Histéria poral da civilizagdo brasileira, op. cit 23 ————,, Se todas essas informagies pdem em destaque a diversidade, © ‘a unidade, elas nos impem também uma questo: 0 que consti, tui uma regio no espago colonial? ie Anotemos, de imediato, que a regio nao deve ser reduzida a de- terminados limites administrativos, como o das capitanias, Ela ni deve ter também como referencia apenas a distribuicao de seus habi- tantes em um determinado territério, definido como uma area eco- Igica, pois nio é 0 fato de um grupo de pessoas habitar um mesmo territério que determina o estabelecimento de uma rede de relagées sociais e 0 desenvolvimento de uma conseiéneia comum de perten- cer a um mesmo mundo, embora seja certo que uma regiéo nio prescinde de uma base territorial.” Ora, a pergunta feita acima constitui-se no primeiro indicador para a sua resolugio quando loceliza a regiio numa colonizagéo de exploragio, nos quadros do Antigo Sistema Colonial, isto é, quando impée 0 cruzamento das dimensies espacial e temporal ¢ procura apreender a regio como algo dindmico, E isto norque, se a regiio possui uma localizagéo espacial, este espago ja nio se! distingue tanto por suas caracteristieas noturais, ¢ sim por ser um_espaco socialmente construido, da mesma forma que, se ela possui ume localizago temporal, este tempo nifo se distingue por sua localizagio ‘meramente cronoldgies, e sim como um determinado tempo hist co, 0 tempo da relagao colonial. Deste modo, a delimitacao es temporal de uma regio existe enquanto materializagio de limites dados a partir das relagies que se estabelecem entre os agentes, isto é, a partir de relagdes soviais. Ou dizendo de outra maneira: a regio — a partir dos referen- ciais primatios espago e tempo, entendidos em sua dimensio social — %6 ganha significagio quando percebida a luz de um_ sistema de relagGes sociais que articula tanto os elementos que Ihe sao inter- nos quanto aqueles externos. Fa partir dessa articulagao, por inter- ‘medio de um. jogo de identidades e oposigées, que se torna possivel tragar os Timites da regido, que muito mais do que limites mera. pire quem ela resulta de “ume io contigue, integrado através da Caperigacia_comum, possuindo um eerte mero de ‘Soo, consefenter de sur unidade local” (etd por Mar —"Blementor de ondlise dos “Estudos de Comunidades 1948 «'1960, V Reunio Brasileira de Antropolepia, Belo Horizonte, 1961). 24 ‘mente fisicos existem enquanto limites sociais.* A regifo, ssim, como uma construsio que se efetua a partir da vida social dos homens, dos processos adaptativos associativos que vivem, além dias formas de conseiéneia social que lhes correspondem. A regio colonial como um espaco vivo, em movimento, expressando a domic nagio exereida pele colonizador sobre um territério, mas sobretudo| umu dominagéo sobre os demais agentes participantes da aventura) coloniradora. Reafirmando a cada instante 0 cardter militar ou. guer- reiro que o empreendimento colonizador sempre guardou, a regi se apresenta unida a uma nogio militar e fiscal. Ela recupera por regere, comandar [Nio por outra razio, a contestagio de uma dominagio deve ganhar também © conteido da contestagio da organizagio espacial que posibilita: & regio colonial contrapSese, assim, o quilombo negro. (A regio colonial, em suma, como resultado da agéo_colonizadora, ddos processos adaptativos dos seus agentes ao territério american, ddas formas de associasio estabelecidas a partir dos interesses da face metropolitana e, por fim, das representagées em permanente claboragio, entre as quais ganham destaque as nogies de grandeza ‘e opuléncia, Ore, grandeza e opuléncia tornavam-se_possiveis pela efetivagio do desdobramento acima referido, da empresa maritima © mercantil ‘a erapreendimento colonizador. ‘Um desdobramento que se apresenta, de imediato, na organizagio da produgio. Na colonizagio de exploragio, a regido serd sempre a ‘combinasio particular de dois setores de produgio: 0 setor de mer- ado externo ou setor exportador, por meio do qual a Colénia preen- che a sua fungio histriea, ¢ por isso mesmo o setor dominante; ¢ 0 setor de subsistincia, dedicado i produsio de géneros de subsise téncia e a criagio de gado, que tanto complementa quanto nega. 0 anterior. Todavia, importa inda que, na consideragio dlestes dois setores, 0 fundamental reside nio na determinagio do que cada uum deles produz ou mesmo quanto produz e comercializa fem determinado momento, e sim de como produs, isto as relagies meio da agio do colonizador seu primitivo valo 1 Cf. Armand Frémont — A regio, espago vivide, Coimbra, 1980; © Doris Rinaldi Meyer —~ A terra do santo e mundo dos engenhos. Rio de Janeiro, 1980. ‘32 Cf, Michel Foucault — “Sobre Geografia", in Microfsica do. poder. Rio de Janeiro, 1979, pp. 153.165. ‘CE, entre outros, Celso Furtado — Formasio econdmica do Brasil, op cit, Especialmente a segunda parte: “Economia escravista de agriultura tropi- cal (séeulos XVI e XVID)", pp. 5897, 25 BSCSH/ UFRGS ‘que engendra tanto no nivel da. produgdo quanto no da comercia- lizagio. ‘Um segundo desdobramento, muito mais significa do colo- nizador em colono, pois se a colonizagao é, antes de tudo, a monta- gem de uma estrutura de produgio, © colono aparece como 0, pri- meiro produto da produgio colonial, o agente gerador de uma opu- Téncia. O colono é, assim, 0 proprictario colonial, aquele que, em condigées determinadas — as condigdes de uma colonizagéo de exploragio na época de acumulagio primitiva de capital, tornava soa ‘a existincia da atividade produtiva colonial. ‘Um desdobramento do monopélio, em suma ¢ no essencial, que tornava o colono 0 seu agente na face colonial, porque somente eram ccolonos aqueles que eram proprietarios — de mao-de-obra, de terras, dos meios de trabalho, em cada uma das regi atividade colonizador Recorramos a Antonil, de novo. Ao nos falar “Do cabedal que ha de ter o senhor de um engenho real”, * ele nos informa nao s6 sobre os diferentes colonos numa regio da Colénia — a qual deno- minaremos, desde agora, de regido de agricultura mercantil-escravi 1a; ele também nos fornece elementos para compreender a relagio hierarquizada que se estabelece entre eles, tomando por base a pro- priedade. Assim, e dispondo os colonos num continuum, teriamos num de seus extremos (menos propriedade) os lavradores de parti- dos (proprietarios apenas de mio-de-obra); viriam depois os fazen- deiros, com “cana obrigada” ou independentes (proprietarios de mio-de-obra ¢ de terras): e, no outro extremo (miximo de propri dade em situagio colonial). os senhores de engenho (proprictirios de mio-de-obra, de terras ¢ de meios de trabalho, em especial da Casa-do-Engenho). Das relagées que travavam, ¢ no plano estrite- ‘mente da produso, apareciam como expresso a renda escravista da terra ea renda industrial escravista.*® Nao obstante, & preciso ir além, qualificando melhor estes colo- nos, por meio dt atribuigio de um contetido mais preciso as sus propriedades, em situagio colonial. E, para tal, 0 primeiro passo & tomar em consideragéo que os colenos apenas, em suas relagoes entre si, nfo constituem uma regio, e sim as relaces que mantém com 0s demais agentes. Sio tais relagées, informadas pelo desdobramento 34 Op. cit, p. 139, 35 CE. Jaca Gorender — 0 everavismo colonial, Sio Peulo, 1978. Espe- almente o cap. XIX, "Renda excravists indwtral « rmda cseraviste da tera” pp. 391-408, 6 ‘do monopélio, que os tornam proprietirios em condigées monopo- listas. Consideremos as relagies entre 0 colono e o colonizador, inicial- mente. ‘ ‘A relagio metrépole-coldnia, no momento considerado, fundase no pacto colonial, ou seja, no compromisso reciproco das partes, ‘embora em proporgées desiguais. Deste modo, o colono esta obrigado 40 cumprimento do monopalio que distingue o colonizador, hi muito ‘0 sabemos; o colonizador, por seu turno, esti obrigado a resguardar © monopélio do proprietirio, fato mem sempre evidenciado pela historiografia. Vejamos, de maneira sucinta, como 0 colonizador cria e repro- dus, até certo ponto, © monopélio do colono. Isto ocorre, em primeiro lugar, no interior do proprio mundo colonial de uma’ determinada ‘metrépole, conforme referimos mo caso da pimenta indiana, Asse- {gura-se 0 monopélio do proprietario, em segundo lugar, no interior da propria Colénia, quer pela concessio de vantagens e privilégios 120s colonos — no caso que vimos considerando, poderiamos citar 0 privilégio de montar moenda ¢ engenho de agua, ¢ sobretudo o de impenhorabilidade destes —, quer proibindo 0 desvio dos fatores de produgio daquela que era considerada a atividade principal. De- fencde-se 0 monopdlio do proprietirio, ainda, ao evitar-se a concor- réneia do:estrangeiro, quer por acordos diplométicos, quer por ope- rages guerreiras. Criam-se as condigdes, por fim, para a reproducio ‘de propriedade do colono quando recursos militares so mobilizados para o combate as insurreigées das massas de escravos © para a Aesteuigio dos quilombos. ‘Assim, da relagio entre colono © colonizador resultava 0 mono- pélio deste sobre a mio-de-obra, as terras e os meios de trabalho. Vejamos um segundo feixe de relagdes mantidas pelos colonos. Talver nio seja dificil perceber que se colonizadores ¢ colonos aparecem como detentores do monopélio, € porque existem aqueles ‘que, no processo de colonizagio, sofrem 2 exclusio que a existéncia do monopolio supe, embora nos termos que vimos considerando. A fetes excluidos denominaremos colonizados, isto é, a vasta gama ‘constituida tanto pelos escravos — ‘“da Guiné” ou natives — quanto pelos agregados, quer pelos “homens que servem a outros por solda- da”, quer pelos indios bravos. © desenrolar cotidiano da colonizagio. tecia as relagées entre colonos e colonizados, estabelecendo diseriminagses entre estes. Para © trabalho nas grandes propriedades acucareiras. surgidas com a colonizagio, o brago eseravo foi o agente de trabalho historicamente a7 possivel e adequado.% “Mios e pés do senhor de engenho”, sobre as costas do escravo foi erigido o edificio colonial; sua condicéo, to- davia, fazia com que colonos e colonizadores 0 encarassem como coisa, fazendo com que os demais colonizadores assim também pro- ccedessem, ‘A eexisténcia de grandes propriedades 6 parcialmente ocupadas por uma agricultura trabalhada pelo brago escravo, possbilitou que fs terras sobrantes fossem ocupadas por uma camada de “homens livres e pobres"” — isto 6, individuos que se distinguiam dos eser ‘vos por serem “donos de suas pessoas”, mas que nio eram proprie- tarios de terras. Ligando-se a um grande proprietirio, colocando-se sob a dependéncia de um senhor, eles tinham acesso & posse da terra, realizavam uma agricultura de subsisténcia e permaneciam margem da produgio mercantil desenvolvida nas grandes proprie- ddades. Os colonos os reconheciam como pessoas; as relagées mantidas entre ambos tinham como, centro 0 favor, num “sistema de contra: prestagies de beneficios recebidos e servigos prestados”.” Dependente do colonizador, produzindo para um mercado sobre © qual nao exercia qualquer controle, o colono operava com fatores extremamente rigidos. Somente monopolizando-os, ¢ também 20s homens livres e pobres, podia adaptar-se is oseilagdes sobrevindas, quer em termos de expansio, quer em termos de retragéo. As rela- .6e8 entre colonos e colonizados pressupanham também © monopslio dos homens e da violéncia. Monopélio da mio-de-obra, das terras, dos meios de trabalho; © também a tendéneia a monopolizar os homens, durante a vida e pds. morte deles — eis como o monopélio se apresenta na segun- da face da moeda colonial, por intermédio do colono. De maneira exemplar, Antonil sintetizaria a situagio ¢ « posigio daquele que se constituia no mais importante dentre os colonos: “o ser senhor de engenho ¢ titulo a que muitos aspiram, porque trax consigo © ox ecildoy cbedootin'e repaid aectinn, Riera. pote prestigio o distinguiam. ‘As disputas entre mereadores ¢ senhores de engenho pelo controle ; as revoltas contra os estancos € as taxagies des. religiosas; as cexpedigées contra os quilombos as tribos indigenas rebeladas; os tratos entre negociantes © proprietarios rurais; ¢ as insurreigdes 6 J. Gorender — Op. cits: Maria Sylvia de Carvalho Franco — Homens liores na ordem exravocrata. ‘io Paule, 1972 ¢ “Trabalho eseravo, trabalho livee", in Historia do Séeulo 20. Sto Patio, 1972 (vol. 1). Maria Sylvia de Carvalho Franco —~ Homens lieres ne ordem eserovo- ‘rata, Sio Paulo, 1972, p. 9. 28 escravas, 20 Iado de muitos outros movimentos, distinguiam cada tuma das regides coloniais, dando vida a colonizadores, colonos © colonizados. Nelas, as relagGes entre colonos ¢ colonizados tinkam como locus privilegiado aquilo que Caio Prado Jiinior denominou de grande unidade produtora: © Engenho, a Fazenda ou a Date. Em cada uma delas a casa grande — ou de modo mais genérico, a Casa — aparecia como 0 simbolo do poder do proprietério sobre a propria familia, © capelio, os agregados ¢ a massa de escravos. Por sua vez, os monopélios de colonizadores e colonos tinham seu ponto de intersegio na cidade colonial. De modo diverso da cidade clissica, que se distingue por ser niicleo politico ¢ mercado, sendo assim um local referido as nogGes de liberdad: ¢ igualdade, a cidade colonial se distingue, antes de tudo, pelas fungdes de porto © centro administrativo, caracterizando, desta forma, 0 poder do colonizador © expressando a assimetria do pacto colonial? Num triarcado rural e desenvolvimento do urbano. 4. edigio. Rio de Janeiro, 196 ‘30 A hipotece defendida aqui a respeito da cidade colonial we ope, sem Jdivida, w de uma parte da Mistoriografi, © por certo = mais difundida, que dade no quatro da colon que ela asumiu, quer renfraquecide ou desinteresado pela ‘dar vilas ©, elas, das cimaras Imunieipais, tendo. que estas, de scordo com Caio Prado Tinior, encarnariam lim Estado Colonial, porque seriam o instrumento do Poder peli dominantes locis (Evolugée politica do Brasil « outros estuos. 6. edigto. Sto Paulo, 1961, p- 28). Se este autor restringe tal fato até meados do. séeulo ‘Pereita de Queirés estendeo pelos tempos afore, chegando Doms Pedro II (O mandonismo local na vida politien braxi- 1969, p. 35): “a auloridade de eapities ¢ governadores era tminima, © quando os senhores rurais entendiam tomar uma aitude, fasiam-no em ligar ao. que determinava 0. governador™. Ao que perce ths conclusdes Gerivam de dass rasies principsix’ » primeira relacionase 20 privilegiamento ‘de uma fonte, e & sua utlizagso de mancira critica (tratsse de Joso Pran- ‘luca Lisboa ede sua marcada posigio “liberal”, Isto é, de oposigio i politica dora levada a cabo tanto pela Metripole quanto yelo Governo Geral urante 6 Segundo Reinado, © que conduria 4 defess do localamo, conforme te femos casio de ver com mais vagar na Parte IT deste trebalho); a segunda ‘aio consideragéo do cardter complementar contraditério do pcto colonial, que poe em evidéneia a cidade. O estudo de Eulilia Lobo sobre O'Rio de Janeiro suficientemente ilustrative a este respite, carscteriando ima diferenciagio (dieemos acim, um dedobremento), embora ove) “lado do aves"... Lése, nap. 36: “os negociantes do Rio de Jancis ‘constituido em fins do sdeulo XVIII um forte grupo de presi, individual 29 certo sentido, els sintetiza o exercicio da dominagio metropolitans sobre a regiio colonial: ela é sobretudo niicleo administrativo — isto 6, fiseal © militar — na regido de mineragio-eseravista; e sobre- ‘tudo porto — pélo de convergéncia obrigatério dos portos menores = na regio de agricultura mercantil-escravista. Nesta, os mticleos de Recife-Olinda, Salvador ¢ Rio de Janeiro cumpriam 0. papel de dominagio, ja identifieado por Gregério de Matos no séeulo XVII. Falando da Bahia (Salvador), o poeta destacava no seu Romance: “Senhora Dona Bahia, inobre e opulenta cidade. Dizei-me por vide vossa, madrasta dos Naturais, «dos Estrangeiros madre Em que fundais o ditame de exaltar os que ai vém, abater os que ali nascem?™ Do Rio de Janeiro, sede do governo do Estado do Brasil desde 1763, pode-se dizer que preservava as caracteristieas de uma quase aldeia ao encerrar-se 0 periodo colonial, Ruas estreitas, escuras © sujas; nfo havia remogio de lixo, sistemas de esgotos, qualquer nnogéo de higiene piblice. As casas eram térreas em sua maioria, ‘coupadas pelos proprios donos, Obras piblicas, somente 0 passeio piiblico © 0 aqueduto do Carioca, Seus habitantes — anotara Mar- tius, entre 1817 © 1821 — guardavam um certo ar oriental. As ‘mulheres sempre embugadas, sentacas no chao ou sobre esteiras; os homens com um poncho ou um manto, ¢ os nobres com espada tardo © independente dos grandes fezendeiros, cape de fornecer crédito 20 Rei que ‘mpresentar na Cimara Municipal « © aos drgior de eipula da sdministragio da metré 1978 (especialmente o cap. I, “Confor ‘magéo da burguesia mereantil no Rio de Janeiro: 1760-1800"), Sobre a cidade i." ver ‘einda_os trabalhos cldusoos de Sérgio Busrque de Holanda — Raizes do. Brasil. 3 edigio. Bio de Janeim, 1956 (cap. IL — “O semeador © : Nelson Omegna — A cliole colonial Rio de Janeiro, 1961; fidade ¢ * poltica: do. compromisso 20 utoritarsma © demucraizario, Rie de Jancire, 1975: Nestor Goulart Reis Filho — Bvolugéo wrbars do Bras. Sco Paul Morse — Formagio histrica de Sio Paule (de comxnidad Paulo, 1970, a itharga, Quase no havia festas, somente as religiosas.‘! No de- correr do século XVIII, sua populagio crescera significativamente: segundo Joaquim Caetano da Silva, seriam 12.000 habitantes em 1720; Baltasar da Silva Lisboa estimava em 25.000 almas, em 1750; por ocasido da transferéncia da sede do governo, seriam 30.000 no eileulo do Bardo do Rio Branco; e, de acordo com o Padre Pere- reca, 60.000 no momento da chegada da Familia Real. Tal eresei- mento expressava, sem divida, a intensificagio da atividade comer- cial com a regio mineradora, a Metrépole © 0 litoral africano.? Nao obstante, os Viee-Reis nela sedindos distinguirse-iam, antes de mais nada, pelas medidas que visavam a melhorar e defender © porto, assim como a parte da Cidade que Ihe era circunjacente; se-iam por privilegiar os interesses do colonizador.#? ‘Assim, na cidade colonial, ¢ caracterizando a relagio assimétrica do pacto colonial, a presenga privilegiada dos comerciantes reindis dos funcionérios do Estado absolutista. A relacéo entre as duas faces da moeda nio se apresentava correspondente em forma, gran- deza © posigio. E, por isso, ao definir o pacto colonial, 0 seu modo de funcionamento ¢ reprodusio, o bispo Azeredo Coutinho ja aler- tava que “quanto os vassalos sio mais ricos, tanto 0 soberano é muito mais”. ‘As duas faces do monopélio se completavam, se alimentavam ¢ se reforgavam; nio obstante, também. se antagonizavam, tendendo 1 se excluirem. Os interesses do colonizador engendraram a coloni- zagio, eriando na segunda face da moeda a propriedade colonial e, como decorréncia, os proprietirios coloniais. Ao mesmo tempo, pporém, aqueles mesmos interesses acabavam por limitar a expanséo dessa propriedade, ou porque controlavam os mecanismos de comer- Capital do Brasil, Rio de Janeiro, 1905. (Edi Tego Meméria do’ Ho, RJ, 1979); Baldi Lobo — Op. cit; Toxé Luiz Wer- ‘A’ policia no Municipio da Corte: 1881-1866", in Cialene Neder et al — A policia na Corte « no Distrito Federal, 1831-1980, Janeiro, 1981, pp. 1227, ‘0A exce respeito € extremamente ilustrativo o “Relatério do Marqués do Lavradie, VieeRel do Rio de Janeiro, entregando,o Governo a Las. de, Vase tconcelos'c Sousa, que o sucedet no VieeReinado”, transerilo em Joo Arm tags — Histéria do Brasil, desde o periodo da chegada da familia de Broganca fem 1808 até ebdicacio de D. Pedro I em 1831. Wo de Janeiro, 1965. 31 cializagéo e financiamento que © permitiam.t* ou porque o peso do fisealismo condusia muitos dos colonos & ruina. Uma contradigao que aquele analista da situagio colonial buscava resolver por meio de uma proposicio: ‘$6 teme quem tem que perder; quem mais tem que perder ‘mais teme; quem mais teme, mais obedece; é, pois, necessi- rio que os interesses da Metrépole sejam ligados com os das colénias, e que estas sejam tratadas sem rivalidade.”™® O estudo de diferentes momentos nessa relagao demonstra como a reprodugo de uma das partes implicava tanto a reprodugio da outra quanto impunhe-lhe obsticulos. Fora assim por ocasiéo da Tnsurreigio Pernambucana e também da Revolta de Beckman, para darmos dois exemplos. Seria assim no momento privilegiado da crise do sistema colonial, no qual os conjurados de Minas Gerais, por exemplo, pretendiam “restaurar uma ordem perdida”, isto & restaurar as propriedades que os distinguiam.!” Observemos, contudo, que as andlises mais difundidas sobre a crise do sistema nem sempre a entendem assim, enfatizando ou ‘apenas destacando um dos lados da questio, ao insistir numa visio nna qual 08 colonos aparecem como os responsaveis pelo rompimento do pacto. Ora, podemos dizer que somente em situagdes préximas 40 limite os colonos dispuseram-se a tal. 'No fundo e no essencial, quem tompe com 0 pacto colonial so fs agentes metropolitanos, seus fundadores, pela propria dinamica do sistema colonial de base mercantilista. Ao intensificarem os mecanismos ¢ as formas de sua stusgio, eles tendiam a invadir a face colonial da moeda, confiscando mesmo es propriedades dos colonos endividados. Tal contradigio tendia a se agravar, por sua ‘vez, em fungio da situagio de decadéncia da metrépole portuguesa, no quadro curvpeu. Deeds entie, or proprictirios coloniais nia restava outra alternativa — caso desejassem continuar sendo pro- WCE, Cele Furtado — Formapio ecordmice do Brasil, op. cit eepecal mente 0 cap, TX, "Fhuxo de renda e cescmento", pp. 62-69. “S J. J.da Cunha Areredo Coutinto — “Enaaio sobre 0 comércio de Por vga Colinas", in Obres scondnicar (org. de Sérgio Buarque de Ho- 8 6 Ch. Carlo Guilherme Mota — Atitules de inovagio no Brasil — 1789- ishoo, sd. (cojecialimente. © cap. VI, “Proprisdade, nacionalismo © 1 para na scuaio sobre o'valr'¢ prego de monopdli, como J. Gorender — 0 exravismo colonial “nancamento. da produgéo « elreulagio rictatios ¢m situagio colonial — senio romper com a dominagio ‘metropolitana. ( Ou dizendo de mancira diversa. No final do século XVIII, abriam-se duas possibilidades aos colonos: ou romper com a moeda colonial para que ela pudesse voltar a ser cunhada, sob condigdes Inovas que permitiriam a reprodugéo da propriedade colonial; ou ‘romper com a moeda colonial sem a finalidade de uma recunhagem, comprometendo, assim, a prépria existéncia da propriedade colonial. Os acontecimentos dos iiltimos anos do século XVIII ¢ dos primei- 10s do século seguinte conduziram. a uma terceira possibilidade, im- primindo um colorido particular & emancipagio, conforme a histo- riografia no deixa de assinalar. Um dos procedimentos que permi- tem percebé-lo consiste em pr em evidéncia a regio de agricultura mereantilesera 2. A REGIAO DE AGRICULTURA MERCANTIL-ESCRAVISTA “quem vai_por este eaminko se paran sempre transforma (© nome, o tamanbo, 0 corpo fae coise em que a estrada fan”. Joo Cabral de Melo Neto Estimava 0 estatistico brasileiro F. Nunes de Sousa, em artigo. pu- blicado n’0 Diério do Rio de Janeiro em fins de 1847, que a po- pulagéo do Império do Brasil alcangava o total de 7.320.000 indi- viduos. Estimava também que, deste total, 2.120.000 eram bran- cos: 1.100.000, mulatos livres: 3.120.000, negros, escravos: 180.000, Tibertos africanos; © 800.000, indios7 'Na classificagio empreendida, nio constitui tarefa dificil perce- ber 0 cruzamento de critérios 1 juridicos, entio prevalecen- tes na sociedade. Todavia, eles no eram os tinicos critérios utili- zados quando se buscava conhecer a diminuta populagio do Im- pério, a qual — como frisara o redator do “Prélogo” acima trans- crito — “nio corresponde com a vastidio de seu territério”. Caso consultemos 0 Relatério do Ministro da Justiga, referente ao ano 47 Apad Gilberto Freyre — Vida social no Brasil em mendos do. século XIX, Recife, 1977, p. 44 de 1841, encontraremos sli uma nova classificagéo, distinguindo 0s habitantes do Litoral dos demais do “Sertio™ “ssa _populagio que no participa dos poucos beneficios da nossa nascente civilizegio, falta de qualquer instruséo moral © religiosa, porque néo ha ai quem tha subministre, imbuida de perigosas idéias de uma mal-entendida liber- dade, desconhece a forga das leis, e zomba da fraqueza das autoridades, todas as vezes que vio de encontro aos. seus caprichos. Constitui ela, assim, uma parte distinta da so- ciedade do nosso litoral ¢ de muitas de mosses povoagées © distritos, e principalmente por costumes barbaros, por ‘atos de ferocidade, e crimes horriveis se earaeteriza.” Se a populagio do “Sertio” distinguia-se pela barbarie, a ‘so- ciedade do Litoral” caracterizava-se por uma civilizagio, acredi tando-se que tal se devia, em larga medida, aos contatos desta il tima com as nagées civilizadas, das quais distava apenas cingiienta dias, jé 0 sabemos. Num contraste evidente, a preceriedade das ‘comunicagées entre 0 ‘“Sertio” ¢ o Litoral: em meados do. século, no momento em que eram construidas as primeira ferrovia © r0- dovia na Provincia do Rio de Janeiro e ot vapors. comegavam * ligar de modo regular as capitais. provincisis litorineas . cram gastos ainda trés meses para ir do Rio de Janeiro a capital da Provincia de Goids cerca de cinco tingix a de Mato Grosso; e embora ja se utilizassem bareacas e outros tipos de em bareagées para a navegacio fluvial, 0 lombo das mulas ainda era ‘© meio de transporte mais difundido, para mereadorias © pessoas — penosamente! * Por outro lado, julgavase também que a diferenga do Litoral resultava das atividades industriosas ali realizadas, particularmen- tea agricultura. Entendiam muitos que, apesar do atraso em que ainds s° encontrava — devido “essencialmente & sede de ouro que lavrara na maior parte dos aventureiros portugueses que primeira se estabeleceram 10 Brasil” — a agricultura de géneros para a exportagio era a. fonte de Civilizacio. 48 Relatério do winietre da: Justira, 1841. Paulino José Sears de Sous, berto Breyre — Vide sccial no Bresil em meaos Pedro Calmon — Hisiria social do Bras — Exprito a sociedacte imperial, op. ct; Daniel P. Kidder — Reiniscd iret de olagena fe permenéneias no Braal (previneias do Norte). Sie Paulo, 1972; © Remini 34 Conforme reféria 0 presidente da Provincia do Rio de Janeiro, em 1844, num pais de escassa populacéo (e ameacado com a ex- tingle do tréfico negreiro intercontinental, poderiamos acreseentar) urgia incentivar © colonizagio, isto é, a obtengéo de mao-de-obra livre para a grande lavoura, pois “a colonizagio de individuos 1mo- rigeredos, trabelhadores ¢ industriosos, slargando a eseala dos re- ‘cursos do pais, ¢ criando novas indiistrias ¢ trabalho, daré emprego queles de nossos cidadios, que i falta de meios se langam na car- reira dos erimes”®¢ Uma outra autoridade — 0 deputado fluminense Rodrigues Tor- res — havia dito, no ano anterior, em defesa de um projeto de colonizagéo de sua autoria, ¢ do qual resultaris a denominada Lei de Terras de 1850, que “se no tomarmos alguma providéncia que proteja os inte- resses da agricultura, sinica indiistria do Brasil. ficaremos bem depressa reduzidos & classe de proletdrios”.* Os exemplos se multiplicam de associacio entre Civilizagdo e Agricultura. Talvez mais significative do que transcrevé-los, seja Tembrar que a associagdo referide, ¢ também a defese da atividede agricola, colocavam as autoridades imperiais lado a lado daqueles que, na entiga Metropole ¢ tre quartos de século antes, apareciam ‘como os arautes da fisioeracia em contraposiedo a um mereanti- Tismo deelinante, constituindo « Academia Real das Ciéncias, fun- dada em 1799: em Anténio Henriques da Silveira, Domingos Vs delli, Luis Ferrari de Mordau alguns mais, a defesa da produgao ‘agricola; em Azeredo Coutinho ¢ Rodrigues de Brito, a desilusio quanto a minas de metais preciosos.5? Lia-se em Vandelli: “As Fibrieas no podem subsistir, nem prosperar, s¢ o do estado florescente da Agricultura. Todas es Fi ‘bundaneia e baratera das primeiras matérias-primas, e particular- mente da mio-de-obra, que depende absolutamente da abundancia das produgées da Agricultura”; dizia Rodrigues Torres, ocupente do cargo de ministro da Fazenda em 1850: “Nao se entenda po- ‘éncian de vingens. + permanincias no. Brasil (prosincas do Sul), Séo Paulo, 1972, ‘80 Relatirio do presidente da Provincia do Ri» de Jeneiro, ano de 1844, J.C. Viena, p. 4. Gt Anais do Parlamento Brasileiro, Cimara des Deputados (daqui em diante, APBD), Sessio de 1 de agosto de 1843, p. TIT. ‘52 Cl. Vitorine, Magathies Gedinho — 4 extrutwa ma antiga sociedade portuguesa. Lishoa, 1971, pp. 95215. 35 rém ser minha opinio que devamos ou possamos promover desde todos os ramos de manufaturas custa e com sacrificios da indiistria agricola, (...) Neahum ramo de industria manufaturei fou fabril deve no meu conceito ser protegida, ao menos por o ‘eiijas matérias-primas nio si0 ou possam vir a ser facilmente pro- duzidas no Brasil” 5* "A descoberta de uma semelhanga entre momentos ¢ espagos dis- tintos quase sempre nos induz ao estabelecimento de uma conti- nuidade; no easo que vimos abordando, entre os que le cabo a consolidagio monarquiea e aqueles que haviam crise do Reino no momento da crise do Antigo Sistema Colonial. ‘As idéias defendidas por José Bonifécio em trabalho apresentado ‘Academia Real de Ciénci Nagéo alguma é inde- ppendente se precisa de sustento estrangeiro, Nagéo alguma é rica € poderosa se o terreno onde mora anda inculto e baldio; e se a pouca Agricultura que possui depende inteiramente dos esforgos © desvelos tinicos da classe a mais pobre ¢ menos instruida” — parecem reforgar a proposigio de alguns, segundo 2 qual os ho- mens que realizaram a emancipagéo politica do Brasil representa- iam o elo de ligagio entre_os elementos portugueses,_engajados ‘num_projeto reformista, do qual faria parte. de_modo_ativo, a. alte burocracia, ¢ 0s politicos imperiais forjadores de_uma_unidade_e de uma centralizagao. Uma proposigio que sublinha unicamente a continuidade, num processo no qual as descontinuidades é que fonstituem © pano de fundo que possibilita pereeber o que per- De outro Indo, devemos referir a posigéo que a atividade agri- cola ocupava no. pensamento dos grupos dirigentes ao papel que desempenhara e continuava desempenhando na economia do. pais, f, como decorréncia, aos interesses das forcas que ajudara a cons- tituir, de_um Indo, e consolidara, de_ outro. Com efeito, a “solugiio aguearcira” possibilitara tanto a defesa do litoral quanto a valorizage econdmica das terras americanas pertencentes ao Rei de Portugal desde a assinatura do Tratado de TTordesilhas; de outro lado, mesmo no momento de apogeu da ati vidade mineradors, 0 valor da exportagao do agiicar suplantou 0 daquele metal; por fim, era por intermédio da lavoura cafecira que, a partir da quarts désada do sfculo, economia do Império conseguia reintegrarse nas linhas do comércio mundial em plena ‘5 Domingos Vantelli, apud V. M. Gadinho — Op. cit. p. 101; Rodrigues Torres — Relatirio lo mintatro da Fazenda, 1850, p. 32. 36 expansic. Mas, muito mais do que tudo isso: fora por meio da atividade agricola que a moeda colonial alcangara sun efetivagio 1a mais scabada no quadro da colonizagio portuguesa na América, ‘enriquecendo colonizadores e gerando colonos; era por meio da atividade agricola cafecira que a moeda colonial encontrava sua ‘melhor possibilidade de restauragio, integrando os interesses do ‘novo colonizador inglés aos dos colonos transmutados em cidadios, particularmente aqueles ligados & expansio cafeeira Por certo, a produgéo cientifica nio sc tem mostrado indiferente ‘a importincia dessa atividade que, pelos tempos afora, parece en- contrar « sua razio no mercado externo. Deixemos de lado aqueles autores excessivamente preocupados com os “ciclos” da economia bbrasileire, até mesmo porque cles nos impossibilitam a visio da ‘moeda colonial. Sem uma preocupagéo exaustiva, tomemos trés ‘outros que se orientam por uma dtica diversa. Para Leo Waibel, esta atividade constitui uma plantage, isto é, “um grande estabe- lecimento agro-industrial, que, via de regra, sob diregéo de euro- peus produz, com grande emprego de trabalho ¢ de capital, pro- dutos agricolas valorizados para o mercado mundial”.®* Seguindo ‘0s passos do gedgrafo, mas ao mesmo tempo buscando referir esta unidade de produgio a seu contexto histérico, Caio Prado Jtinior ‘nos fala da grande lavoura, uma das manifestagses da grande uni dade produtora que distingue o empreendimento colonial: seu trago cessencial é “a exploragio em larga escala. Cada unidade produtora, conjugando areas extensas ¢ numerosos trabalhadores, consti ui-se como uma usina, com organizagio coletiva do trabelho © mesmo especializagées". Sua importineia resulta, antes de tudo, do fato de que deste tipo de organizagéo “‘derivou toda a estrutura do pais: 1 disposipio das classes e categorias de sua populagio, 0 estatuto particular de cada uma e dos individuos que as compsem”.®* Para Jacob Gorender, ela constitui a forma plantagem, a forma de org: hnizagio dominante no escravismo colonial e que apresentava como ‘tragos mais earacteristicos a especializagio na produgio de géneros para o mercado mundial, o trabalho por equipes sob comando uni- ficado, a conjugacéo das atividades agricola ¢ de beneficiamento zno mesmo estabelecimento, além da diviséo do trabalho quantit Fae re eee CE is Dem eet ro STi wks — CniaG paar Ca Re ee rom oo pom 33k a tiva ¢ qualitativa. Segundo Gorender, desta forma de organizacao « trabalho eseravo irradiou a outros setores da produgio e se difun- iu na generalidade da vida social. E, ainda mais significativo, “juntamente com a escravidio, a plantagem constitui categoria fun- damental do modo de produgio eseravista colonial” Por certo, os trés autores se distinguem pela preocupacio em caracterizar uma unidade de produgio, a qual distinguiria a agri cultura realizada pelo europe nos trépicos, para o primeiro: seria ima expresefo imediata do “sentido dn coloniagio™, para se ido; ¢ possibilita ao iiltimo identificar uma das categorias fun- Rementais Wo modo de produgio escravista colonial, Somos também tentados a dispé-los numa espécie de seqiiéncia, na qual passa ‘mos progressivamente de uma tendéncia deseritiva a anélise cate- gorialsistemitica, de tal forma que, sobretudo para os dois dt mos, & identificagio desta unidade de produgéo cumpre também @ papel de identificagio de um fundamento a partir do qual se erige 0 conjunto das relagies sociais no espaco colonial. E ai reside tum aspeeto fundamental para a constatagio de uma diferenca. Deixemos claro, de imediato, que nfo negamos importincia ique- las anilises. Todavia, o fato de termos trazido para o primeiro plano a regido — e, neste caso particular, aquela que ja denominamos facima de regido de agricultura mercantil-escravista — fax com que fio tomemos o que chamamos de face metropolitana apenas como ‘2 propiciadora de uma génese, « qual tendo cumprido 0 seu papel celeria Tuger aquela unidade de producto, sintetizadora e irradia- dora, a0 mesmo tempo, das relagoes sociais que caracterizariam’ a Colnia, Como atualizagio, num determinado espaco-tempo, das re- Tages que distinguem a mocda colonial, « regio nio se redux iquela unidade, embora se deva ter em consideragio s posi¢io pri vilegiada que ela ocupa no seu interior. Como resultante dos pro- ‘easos engendrados por colonizadores, colonos ¢ eolonizados na faina da colonizagio, a regio possibilita, pela consideragiio desse movi mento, dar vida e conteddo precisos a cada um desses agentes, ¢ ‘capando a gencralizagio que aqueles termos, num primeiro momen- to, encerram. ‘Assim, na regio de agriculturs mereantilescraviste, o senhor de engenko aparece como ¢ mais importante dos eolonot, “homem de cabedal ¢ governo” no dizer de Antonil, referindose aos pro- prictarios da drea rordestina. Viajando pela Provincia do Rio de Janeiro, no inicio do séeulo pssado, Saint-Hilaire diria que GH Jacdb Goremder — Op. et, p 89. 38 “a posse de um engenho confere aos lavradores dos arre- dores do Rio uma espécie de nobreza. $6 se fala com con- sideragio de um senhor de engenho, ¢ vir a sé-lo é a ambi- so de todos. Um senhor de engenho tem geralmente um aspecto que prova que se nutre bem e trabalha pouco. Quan- do esti’ com inferiores, © mesmo com pessoas da mesma categoria, impertiga-se, mantém a eabeca erguida e fala com essa vor ¢ tom imperioso que indica 0 homem acostumado ‘a mandar em grande ntimero de escravos.” 5 Pelas relagées que mantém na regifo, as quais, por seu turno, propiciam uma delimitagio, © sobretudo pelo Tugar que ocupa num determinado sistema de produgio social, © senhor de engenho é, antes de tudo, um plantador escravista. A ele se contrapée, em ca- riter fundamental, 0 escravo de plantagio.® Ora, tal situagio rea- firma a moeda colonial, dando vida & regio. Expliquemos isto, com mais. vagar. Se nio hi mercado externo, nio hit grande lavoura, por um lado; se nio ha trabalho compulsério (neste caso, trabalho escravo), no ha produgio colonial, por outro. De modo distinto do eseravismo antigo (¢ reside justamente ai uma das diferencas essenciais entre © eseravismo clissico ¢ colonial), os proprietirios de escravos co- Toniaie ineluidos os plantadores escravistas — no tinkam acesso © controle das fontes fornecedoras de escravos, caracterizando aquilo que um autor denomina de extraterritorialidade do mercado de trabalho." isto é © em termos ainda estritamente geogréficos, 1 sua localizagio fora da regio © da Colénia como um todo. Nao obstante, esta extraterritorialidade era, antes de tudo, uma interdi- ceravidio de homens da propria Cold ‘era senio 0 funcionamento do proprio pacto, sublinhando a subor- dinagio dos interesses do colono aos do colonizador. [Na regio de agricultura mercantil-escravista, 0 plantador esera- vista vivia, a eada instante, a reafirmagéo de sua subordinagio a0 8 Auguste de Sint-Hilnire — Viagem pela provineian do Rio de Jonsro ¢ Mina Gert, Blo Horne, 1775, 9. 38. 39°CL, Tun Gorender 0 excronim colonial, opt. (especialmente o cap. XXV, “Plantadores © mercadores", pp. 524-537) is “Lbmpire da Brill. Comanicagio so “Cal logue sur ie concept Empire", realizado no Centre Etudes comparés des tyatimes politiques, Universté de Pars Ty margo de 1978, mimeo. St Fermando AY Novaie — Op. eit, pr 105. colonizador, que tanto monopolizava o trifico negreiro © os crédi- tos que possibilitayam a aquisicfo desta mercadoria fundamental, quanto possuia os elementos politico-militares que permitiam levar 2 cabo a expansio que garantia terras para a monocultura, fazer frente iis insurreigSes negras, destruir os quilombos combater as tribos indigenas. Ora, esta subordinagéo conduzia a uma hierarqui- zagio em cada uma das faces da moeda: no lado da Regiso, 0 feseravo passava a se constituir no mais importante dos monopélios que distinguiam o plantador escravista; no lado do Reino, o trifico nogreiro transformava-se no prineipal dos monopélios que earacte- rizavam o comerciante. ‘Na medida em que eram proprietérios em condigées coloniais; fem que ao complementar por meio de uma produsio os interesses ‘metropolitanos acabavam por se contrapor a eles por estarem obri- gados a um consumo; em que s¢ relacionavam antagonicamente fcom os escravos de plantagio no processo de produgio; em que se elacionavam de modo contraditério, por meio da ideologia do fa- ‘yor, com os homens livres ¢ pobres; e em que opunham seu modo de vida e suas concepsées aos de outros contingentes sociais; 08 plantadores escravistas ‘construiam lentamente sua individuagio, possibilitavam o recorte de uma regio © pareciam mesmo consti fuir uma classe social. Nao obstante, a forma que a colonizagio assumiu, © isolamento das regides, © préprio isolamento entre os plantadores e, antes de mais nada, a prépria efetivagio do pacto colonial Iimitavam.aquela con ‘Nas cimaras munieipais, o8 plantadores escravistas reafirmavam os nexos complementares ¢ Contraditérios que os uniam aos colonizadores; quise 20 mesmo tempo, questionavam o prego do monopélio reivindicavam, meios para sustentar a ordem escravocrata, Expressavam sua organizagio ho plano meramente econdmico-corporativo, de uma determinada re- lagio de forcas politicas." "As observagies do Saint-Hilaire, no ano de 1822, talves demons. trem uma mudang na qualidade deste organizagéo. Dizia o natu- ralista que “As revolugées que se operaram em Portugal © no Rio de Janeiro nao tiveram a menor influéneia sobre os habitantes desta zona paulista; mostram-se absolutamente alheios. as nossas teorias; a mudanga de governo nio Ihes fez mal nem bem, por conseguinte no se tem 0 menor entusiasmo. Gramsci — Antologia. México, 1970, pp. 409422, “A Sinin colm que empronndom § quo resabeecimnto lo sistema colonial Ihes causaria dano, porque se os portu: _gueses fossem os tinicos compradores de seu agticar e café, rnio mais venderiam suas mercadorias téo caro quanto agora © fazem. Professam, como outrora, 0 mesmo respeito pela autoridade, falam sempre do Rei como érbitro supremo de suas existéncias ¢ da de seus filhos. FE sempre ao Rei que pertencem os impostos, as passagens dos rivs, ete.” * Antes de busearmos uma explicagio para essa_mudanga, talvex seja interessante acompanhar a evolugao desta regido, caracterizando assim as préprias vicissitudes da moeda colonial. Destaquemos, con- tudo, que tomaremos como referéneia apenas uma parte dela — 0 “Sul”, como se dizia no tempo do Império, ou 0 “Sudeste”, como dizemos hoje — por ser nela que as transformacdes mais significativas e que mais nos interessam tiveram lugar. ‘Consideremos trés situagdes diversas. @) A cunhagem da moeda ¢ a fundacio da regiéo: Os colonos ¢ colonizadores que ocuparam a baixada espremida entre a serra e 0 mar, e que se estende do rio Itabapoana até angra dos Reis, durante os dois séculos iniciais da colonizacio, corroboravam a observagao de frei Vicente do Salvador de que os fertaguees, cmbora fosem grands conquistadors de teres, 20 “contentamse de as andar arranhando ao longo do mar como caranguejos.” fc NT A eit Papal pt = | deste e no Recéncavo Baiano, também na Baixada Fluminense o desdobramento da empresa mercantil Iusa em atividade coloniza- dora ocorria por meio da agroindiistria agucareira, que acabava por comandar, em larga medida, a distribuigéo dos grupos humanos, ee eer tereels « niviieke pace ao Se oii eoteh deine nena os pea Be ieee do nintiadeem eens Sosnclo aegis litoral ao lado dos colonizados. ® Auguste de SaintHilsire — Segunda viagem do Rio de Janeiro « Minas Gerais et Sao Paulo. Belo Horizonte, 1975. 8 Frei Vicente do Salvadar — Histéria’ do Brasil. Rio de Janeiro, 1888, p. 8 (a primelra edigio da obra é de 1627). 41 Pe ey RM RET hp Ree ee ek Pela haixada estendiam-se os canaviais ¢ as fazendas de cringio de gado, desde fins do século XVI. A populagéo nativa submetida fa eseravidio ou reduzida a catequese pelas ordens religiosas ¢, ‘num segundo momento, os negros africanos também escravizados constituiam a forga de trabalho necessiria aquela expansio, cuja orientagio era dada pelas condiges naturais da regito, so menos até as primeiras décadas do século XVIII. Assim, pelas zonas de Imatas estendiamse 0s engenhos e engenhocas, sobretudo no Recén- eavo da Guanabara — ou “Recéneavos do Rio de Janeiro”, como referia 0 Marqués de Lavradio —, enquanto os currais ocupavam ‘as areas de campos naturais, como os de Santa Cruz, de Bacaxi ¢ ‘os Campos Novos de Sio Joio, pertencentes aos jesuitas ¢ benedi- tinos. Contudo, seria na regio dos Campos dos Goitacases que a atividade pastoril mais se expandiria nestes primeiros tempos, cons- tituindo os seus currais a verdadeira “retaguarda” dos engenhos dos Recéneavos do Rio de Janeiro. ‘Se a ocupagao da Capitania do Rio de Janeiro nos dois primeiros séculos se restringira praticamente 4 baixada, o descobrimento das minas no centro do territério possbilitou 0 inicio do povoamento do seu interior, no decorrer do. século XVIII. ‘De um lado, ocorreu o erescimento da cidade de Sto Sebast do Rio de Janeiro, tornada centro polarizador também da regio ‘mineradora por determinagio régia. A abertura do ‘*Caminho Novo” por Garcia Rodrigues Pais, no inicio do século, per cidade exercer sua fungao de escoadouro da produgio dos centros minera- dores, ao mesmo tempo que a de porta de ingresso dos artigos vindos do exterior De outro lado, a abertura do novo roteiro até as minas © 0 sur- gimento de suas yariantes permitiram 0 rompimento da barreira da serra, que parecia aprisionar os grupos humanos no litoral, © intensificagéo do povoamento da parte central do interior da ca- ‘Ao longo des caminhos, surgiram fazendas onde a produ: go de géneros de subsisténeia © mesmo de cana-de-asticar desti- hhava-se ao abastecimento da cidade e dos viajantes ¢ das tropas que por eles transitavam. ‘A importincia adquirida pela cidade motivaria a observagao do Conde da Cunha — 0 primeiro vicerei no Rio de Janeiro, para conde a capital da Colénia fore transferida em 1763 — de que 5 Dados & respeito do mimero de engeahos existentes no Rio de Janeiro fe de cabosas de gndo crisdas nor diferentes campos da regio yodem ser en- Sontrados no trabalho js referido. de Antonil, nas psginas 228 © S10 da edigto ‘itada. a2 WF Gitado por A. C. Ferreira Di “pelo que se vé esta Cidade, (...) pela sua situagio ¢ porto deve ser a cabeca do Brasil”, ‘ese expressava no termo da cidade-capital, que abrangia vastas areas da baixada ¢ do “interior” ** Nao obstante o inicio da ocupasio do interior, a Baixada Flu nense continuava ser a parte mais significetiva da. Capita do Tio de Janeiro, e sobretudo durante a segunda metade do século XVIII sublinharia a sua importineia como centro produtor. No seu decorrer, a lavoura canavieira expandiu-se extraordinariamente, fem particular pelos terrenos de “‘barro fino, branco ou loiro” dos Campos dos Goitacases. Desde entio, torna-se possivel distinguir nna Baixada Fluminense duas dreas ber caracierizadas de produ 1a antiga, com terras ja cansadas, matas escassas € ‘a do Recéneavo da Guanabara; ¢ outra nova, com terras férteis e produgéo elevada, que permitia compensar os altos pregos do agiicar — a dos Campos dos Goitacases.% Embora cultivada em propriedades de tamanho menor do que aquelas existentes no litoral oriental do Nordeste ¢ no Recdneavo Baiano, a lavoura canavieira dominava amplamente a atividade agricola na Baixada Fluminense, eliminand> a concorréncia de foutras culturas, como 0 anil e a cochonilha, introduzidas ¢ incenti- Direito pela Universidade de Coimbra ¢ capitiomor de Cabo Frio. Era proprietario da Fazenda da TTiririea, na freguesia de Araruama, ‘e dos engenhos de Fora ¢ Sant’Ana. Daquela fazenda, cujo engenho de agiicar era servido por numerosos escravos ¢ gados, trafegava 0s sets produtos para d cidade do Rio de Janciro por meio de lan- chas que navegavam pela lagoa de Araruaina ¢ salam para 0 oceano pela barra de Cabo Frio. De seu primeiro casamento teve uma Xinica filba; esta easou-se, por sua vez, com o proprietario do Enge- ho Ttapacor’, e duas de suas filhas esposaram Joaquim José Rodri- gues Torres, futuro Visconde do Itaborai, e Paulino José Soares de Sousa, futuro Visconde do Uruguai, no inicio do Segundo Reinado." Provincia do Rio de Janeiro © municipio newtro", in Histria geral da civiisagao brava (dit. Sérgio Bu ‘ave de Holanda), tomo Il, vol. 2°. Sio Paulo, 1964, p. 316, oF Talver se interessante sssinalar, aqui a quast eorreapondéncia Metropai 00 Ct."Antonio Joaquim Macedo Soares (Comendalor) — Nobiiarguia flu 43 DO Digna de destaque é também a pessoa de José Carneiro da Silva (1788-1864), tomado Visconde de Araruama, cavaleiro da Casa Imperial e grande do Império. Proprietdrio da fazenda de Quigam, visitada por Ribeyrolles na segunda metade do século passado, foi encarregado pelo intendente-geral de Policia da Corte e do Estado do Brasil, Paulo Fernandes Viana, em 1811, da limpeza © conser- vasio dos rios que esgotam para a Ingoa Feia e esta para o mar. Membro correspondente do Instituto Histérico de Paris, redigiu a Meméria Topogrifica e Histérica sobre os Campos dos Goitacases ¢ a Meméria sobre canais e estradas e a utilidade que resulta @ civili agi, & agricultura e ao comércio da construgio dessas obras."® "A expansio da lavoura agueareira pela Capitania do Rio de Janeiro, como expansio da colonizagio, era a reprodugio das con- “digdes em que esta colonizaglo se organizava, Se 0 niimero de enge- thos crescia, os trabalhadores escravos multiplicavam-se, ao mesmo tempo que nao cessava de se ampliar a massa de homens livres © pobres, e dentre eles os ‘‘vadios” e “facinoras” identificados pelas futoridades coloniais, No Relatério em que transmitia 0 governo f seu sucessor, em 1779, 0 Vice-Rei Marqués do Lavradio infor- mava que “foi muitos anos aquele distrito [Campos dos Goitacases] 0 asilo de todos os malfeitores, ladroes ¢ assassinos, que ali se recolhiam vivendo com um despotismo ¢ liberdade, que ‘quase nio conheciam sujeigao de pessoa alguma, todos viviam fem bastante ociosidade, contentandose 36 de cultivarem pouco mais do que Ihes era preciso para sua sustentacéo”.”! De modo semelhante se manifestara 0 ja referido Conde da Cunhs ao responder a solicitacio régia no sentido de providenciar o esta belecimento de poveados de pelo menos cingitenta fogos, onde pu- desse recolher 0s adios e eriminosos que infestavam a capitania. ‘Apés.informar que nels existiam uma tniea cidade — Cabo Frio, « cinco vilas — Sao Salvador dos Campos dos Goitacases, ‘Séo Joo dda Barra, Parati, Tha Grande e Macacu, © vice-rei concluia serem todas Iminense. Genealogia dav principe © mais antigas familias da Corte » Provincia do Rio de Janeiro. Niteri, 1948. 4W'CE. Charles Ribeyroilee — Brasil pitoresco, Belo HorizonteSio Paulo, 1980, 22 vol. p. 28; © ML. Vienna de Castro — A aristocracia rural flumi> tense, Bio de Janeiro, 1961. p. 13. "Tl “Relatério do Marqués do Lavradio...", cit, p. 927 “4 “tio faltas de gente e tio cheias de miséria que nio so vilas mais que no nome.” b) A diferenciagio na regido a génese da clase Excessivamente presos @ perspectiva dos “ciclos econdmicos” ¢ atraidos pela atividade mineradora, os trabalhos historiogrificos ten- dem a construir um hiato entre “ciclo do agticer” e 0 “cielo do eafé", no que diz respeito a uma “historia da agricultura”® E, a0 assim proceder, deixam & margem o conhecimento de processos fun- damentais que nio s6 explicam a ampliagao dos limites da regio de agricultura mercantil-escravista, em particular na parte que esta- mos considerando, como também permitem a compreensio da ex- pansio ocorrida no momento seguinte e que conduz, ao cabo, quer fo aprofundamento das diferenges entre esta regio © as demais ‘com a colonizagéo de exploragéo, quer + constituigio de uma diferenga no interior da propria regio de agricultura mer- cantil-eccravista, diferenga esta fundamental, mas que, via de regra, somente & considerada pela vertente da historiografia preocupeda com os processos econémicos, a qual passari a opor uma “nova lavoura” as “lavouras tradicionais”." ‘Comecemos pela consideragio da grande mobilidade da populagio neste momento, particularmente no Sudeste, come decorréncia em larga medida, embora néo exclusivamente, do esgotamento das jari- das aurifere "A partir dos centros mineradores em decadéncia, os “generalistas"” tomaram diregdes diversas, ganhando relevincia duas delas no po- yoamento da capitenia, logo depois provincia, do Rio de Janeiro. De um lado, eles avangaram para oriente de Minas Gerais, dando forigem a uma importante zona agricola, e ao infletirem para o sul acabaram por se encontrar com a corrente de pevoamento prove- 72 Gitado por A. C. Ferreira Reis — Op. ct 73 Para uma avaligio critica desta postura, ver Alcir Lenharo — “Rota menor —e movimento mereantil da economia de sulsistincia no CentroSul dp Brasil (1808-1831)", Anais do Museu Paulista, vol. XXIII, 1977-78, Para © conhecimento da expansio da economia colonial neste perado, ef. Jou Jobson BoA “Arrude ——O Bros! no comércio colonial. ‘Sio Paulo, 1960. Em Caio Prado Jinior — Histéria econdmica do Brasil, 62 edigio. Sio Paulo, 1961, en- cantrase também um pequeno resume destes process, embors nfo particular. te da regido que estamos considerande (ver cap. 10, ‘nascimento da agricltura”, pp. 81-93). "Mt Cly p, exe Caio Prado Tinior — Histria econdnice do Brasil, op. cit p 161. 45 Pere niente do Rio de Janeiro, ¢ que tinha como ponto de dispersio Cantagalo. De outro lado, os “generalistas”” avangaram dos centros minera- dores para o sul, em diregio da Mantiqueira, onde se estabeleceria importante atividede agricola ¢ pastoril, voltada sobretudo para o abastecimento do mercado da cidade do Rio de Janeiro.” além do eultivo do fumo realizado em Baependi, Airuoca e Pouso Alto. Esta corrente, que ocupou o que fiearia conhecido como o Sul de inas, avangaria ainda mais em diregio ao curso médio do Paraiba, acabando por se encontrar com duas outras: a procedente da Capi tania de Sio Paulo, através do vale do Paraiba, aquela outra que saira do Rio de Janeiro, mas que apenas de modo ralo ocupava rea onde, na passagem do século, existiam trés pequenas vilas: P: do Alferes, Sio Joi Marcos e Resende. Percorrendo esta area no inicio do séeulo XIX, Saint-Hilaire visitou o engenho de Pau Grande, do qual diria ser “o engenho de agiicar mais importante que vi no Brasil, excetuando talvez os do Colégio, perio de S. Salvador de Campos, construidos pelos Jjosuitas”. Ao mencionar o processo de sua fundagéo, em 1770, por ‘Antonio Ribeiro de Avelar, o viajante francés fornece uma informa- cao que retrata os acordos entre colonizadores © colonos. Diz cle ‘que 0 sécio e irmio do fundador, José Rodrigues da Cruz, “ possui riginariamente uma Iégua de terras incultas em Pau Grande; associow-se a dois comerciantes do Rio de Janeiro que Ihe fornece- capitais; levantou em suas terras 0 engenho que ainda existe ve eomegou a administri-lo."® Posteriormente, 0 mesmo Rodrigues da Cunha fundaria, em rea préximo ao rio Paraiba, « fazenda de Ubé, a qual i época da visita pertencia a seu sobrinho, Joao Rodri- gues de’ Almeida, futuro Barao de Ubi, e que seria membro do Conselbo do Imperador.” "Todavia, o que logo distinguiria a area seriam os interesses gera- dos pela produgio cafecira. Muitas deles filiavam-se aos Ribeiro de Avelar e aos Werecks, sendo que estes teriam como origem, 20 que consta, o Major Inicio de Sousa Werneck, proveniente das Minas Gerais. ‘As tropas de moderagio. Sio Paulo, 1979. E, tam- “""Sieunda niagem do Rio de Janciro a Minas Belo Horizonte Sio. Paulo, 1974, pp. 52 © 64 Woltada para 0 abastecimento do io de. Janeiro). int Hilaire ~- Viagem pelas prosincias do Rio de Janeiro © Mings Gerais, Sio Paulo, 1975, pp. 252. "Fi CM. Vianna de Castro’ — A sristecracia rural fluminense, @. cits p 8 Um dos pioneiros na rea foi também o Capitio Joio Pinheiro de Sousa (1787-1860), casado com uma das filhas do Major Wer- neck e tio de Francisco Peixoto de Lacerda Werneck, futuro Baro do Pati de Alferes. Tornado proprietério por meio da concessio ide uma sesmaria que requerera as margens do rio Paraiba do Sul, teria seu nome assinalado pelos cargos que ocupou e servigos que prestou, sobretudo na tropa de segunda linha, pelo que foi remu- hnerado pelo imperador com 0 oficialato da Ordem da Rosa.% Figuras de relevo eram também 0 Marqués de Sio Joio Marcos — que, em 1818, ja alcangara 0 titulo de bario; e José Gongalves, de Morais, Bardo do Pirai, um dos pioneiros de Sio Joio Marcos, fe que, em 1845, era tido como 0 maior fazendeiro do Império, por reunir cerca de 1.500 escravos ¢ obter uma produgio de café de 120,000 arrobas."” Ora, esta area localizada no curso médio do Paraiba, onde se encontravam as trés correntes de povoamento referidas, néo #6 for- ‘maria uma das principais zonas produtoras de café, na. primeira ‘metade do século passado.®” Ela marcaria também, muito eedo, sua presenga na vida polities do Império, por meio das reivindic (es de autonomia provincial. Numa primeira oportunidade, em 1829, Resende, Valenga, Parati, Sé0 Joio Marcos e Tha Grandi ‘municipios da Provincia do Rio de Janeiro, Campanha e Baependi, da Provincia de Minas Gerais, e Bananal, Arcias, Cunha e Guarati gueti, da Provincia de Sio Paulo, reivindicaram a constituigéo de uma nova provincia: a Provincia de Resende, que teria 0 miicleo a ‘Ao mesmo tempo que tinha inicio a ocupagéo de modo mais regular do interior da Capitania do Rio de Janeiro e, na virinha de Minas Gerais, das areas que ficavam na periferia do niieleo minerador, em especial as localizadas a leste © ao sul, mudangas extremamente significativas também ocorriam na Capitania de Sto Paulo, a qual se earacterizava, até esse momento, por ser uma espé- cie de zona de contato entre as regides da Coldnia: aquela que vimos 78 CE, Dr. Nogucira de Barros ¢ Dr. Luis G. de Sousa Telles — Tributo de gratin meméria do Capitéo Joio Pinheiro de Souse. Rio de Janeiro, 1860. (AN-odice 112, vol. 1): 7% CE. Alberto Ribeiro Lamego — O homem ¢ a serra, Rio de Janeiro, 1963, pp. 249 © 256. ‘3 Para uma deserigéo mais detalhada dot deslocamentos dos “general tas", ef Calo Prado Dinior — Formagio do. Brasil contemporineo, op. pp. 68-2, 0 Sérgio Buarque de Holanda — Vole do Paraiba — Vethar fasendas Sie Paulo, 1973, p. 35. ” ceuidando até agora, a de mineragdo-escravista © pastoril, esta na sua parte do Extremo-Sul. ‘Sem embargo, o territério vicentino distinguirase por fornecer alternativamente escravos natives as duas primeiras regides men- cionadas, por ser ponto intermediirio no comércio de tropas de muar que unia o Continente do Rio Grande ¢ éreas vizinhas a re- gio mineradora-cscravista, ¢ sobretudo por uma atividade agricola pouco expressiva, distribuida entre o litoral, onde se destacavam 0s cultivos da cana-de-agiicar ¢ do arroz, com uma finalidade mereantil € 0 planalto onde predominava uma economia de subsisténcia, a qual as exportagées em quantidade restrita de milho, trigo © tou- cinho. para o litoral néo conseguia abalar. Mercé sobretudo dos esforgos envidados pelos governos do ultimo quartel do século XVIII, no sentido de melhorar os caminhos que ligavam 0 planalto ao litoral, isto é, a0 porto de Santos, ocorreria uma expansio inusitada da agricultura mercantil nas “terras de serra acima”. Em muito pouco tempo, os canaviais expandiramese por Itu, Porto Feliz, Piracicaba, Jundiai e pela freguesia de Cam- nas, rivalizando ¢ superando os niicleos litoraneos, especialmente ‘Sio Sebastiio e Ubatuba: em 1798, a produgao das vilas de “serra acima” aleancou o total de 131.584 arrobas, 0 passo que as do litoral chegavam apenas a 21.584 arrobas; no ano seguinte, esses totais subiam para 158.350 ¢ 40.135 arrobas, respectivamente. Embora nio tenha conseguido jamais competir com a producto agucarcira das reas do “Norte”, a expansio da lavoura. paulista provocou transformagées profundas na Capitania, como se este fosse © prego por sua integragéo na regio mais importante no quadro da colonizagio. 0 trabalho escravo expandiu-se em paralelo ao avango dos cana- nis; a atividade pastoril, abalada pela retragio mineradora, sofrew novo impacto, ¢ foi obrigada a esperar a expansio cafecira pelo Vale para recuperar-se: 0 porto de Santos reafirmou seu monopélio sobre a rea, por meio de medidas legais, reproduzindo assim 0 que aconteeia em outros pontos do litoral. Nenhuma transforma contudo, se comparava com os interestes que a nova expansio esta- belecia, De acordo com Sérgio Buarque de Holanda, 0 que se encontra, de fato, na origem do que dencmins de ‘dinastias eanavieiras ¢ cafeciras do século XIX”, em Sie Paulo, é quase sempre um nego- ciante ou um soldado, ou armbes as coisas ao mesmo tempo: is vezes, algum advogedo ou magistrado, europeus de preferéneia ou bbrasileiros de primeira geragio, que firmarara sua posigio contrain- do mipeias com filhss da terra aplicando a renda em bens fundié« 48 ros Deles constituem exemplos o negociante Francisco Anténio de Sousa, pai de Francisco Inicio de Sousa Queirés, e que jé obtinha de seus engenhos em Sio Carlos de Campinas, no ano de 1817, uma produgio média orcada em 12 mil arrobas; o Brigadeiro Manuel Rodrigues Jordio e seu sobrinho Antonio da Silva Prado, futuro Bardo de Iguape, que apés acumular recursos no comércio algodoeiro instala um engenho de agiicar em Jundiai, naquele mesmo ano: fe 0 Brigadeiro Luis Antonio de Sousa, tio © sogro de Francisco Indcio. Da associagio do Brigadeiro Luis Anténio com o advogado Nico- lau Pereira de Campos Vergueiro, em 1816, resultou uma vaste ‘empresa para a criagio de gado ¢ 0 fabrico de agicar e aguardente. Quando a seciedade foi desfeita em 1825, por um ajuste levado 2 efeito por José da Costa Carvalho — 0 qual, pouco antes, despo- sara a vidva do brigadeiro, falecido em 1819 —, entre as proprie- dades que se dividiram entre seus herdeiros, “origem de muitas fazendas e fortunas do século XIX, incluia-se 0 engenho eujo nome vai se incorporar aos titulos com que, desde 1841, sera agraciado Costa Carvalho, sucessivamente barao, visconde, marqués de Monte Alegre”, informa o mesmo autor.*® Nao demoraria muito para que aqueles que sio vistos como “homens de uma espécie nova”, assumissem um lugar de destaque 1na vide social © politica da Provincia. Eles procurariam fazer valer os interesses da grande lavoura por meio das reivindicagdes do libe- ralismo: pugnariam pela emancipagio politica e combateriam toda © qualquer medida considerada arbitriria partida dos “corcundas”. ‘Ao lado de Vergueiro, aparceiam Francisco de Paula Sousa — coneunhado do Brigadeiro Luis Antdnio, ¢ depois de Costa Carve Iho; © padre Diogo Anténio Feijs — “homem perigoso ¢ cheio das idéias criminosas de liberdade”, no dizer de um contemporineo; e Alvares Machado como os seus representantes mais conspicuos.™! Por sua agéo contribuiam, sem diivida, para o estabelecimento de uma nova relagio de forgas, como tivemos ocasiio de observar nas palavras de Saint-Hilaire que deixamos algumas piginas acima. 82 Sérgio Buarque de Holanda — “Sio Paulo", in Historia. geral da. civil sacéo brailira, tomo Il, vol. 2- $50 Paulo, 1964, p. 454. "8 Idem, p. 455. 4 Sobre a Capitania, logo depois Provincia de Séo Paulo eonsultar também Maria Theresn Schaerer Petrone — A levoura canaviira em So Paulo. Expan- so. ¢ declinie (1765-1851). Sto Paulo, 1968: da mesma autora, O Bario de Tewape. Uim enpresrio da pace da Independéncia. Sio Prulo, 1976. Para um . Kidder — Reminisoéncias ‘287-250, A viagens © permancncias no Brasil (provincias do Sul), op 4 eee © processo que se abre com a instalagéo da Corte Portuguesa no Rio de Janeiro viria reforgar os elementos dindmicas dos processos que vimos considerando ¢ também alterar os seus rumos pelo esta- belecimento de uma subordinagio. Ora, esta subordinagéo era apenas ral de ingurap de ume relate dint entre ‘duas faces da moeda que aquela instalagio propiciava. Assim, nfo apenas foram aprofundidas tigumas das tendancias que. se delinesvam nesta parte da regio, desde 0 iiltimo quartel do século XVIII, no que diz respeito a distribuigéo dos grupos humanos, das atividades econdmicas e das categorias sociais; clas também ganharam um cariter distinto como decorréneia da asociagéo as transformagies de natureza politica entio desencadeadas, e que conduziram 20 enraizamento dos interesses metropolitanos, isto é, dos colonizadores, no Sudeste:* Podemos, aqui, nio s6 repetir 0 que dissemos acima, ‘mas também ir além: este conjunto de transformagées tanto gera- vam a gradual individuagio do “Sul” dentro da regio, pondo em destaque 0 papel da cidade do Rio de Janeiro, quanto propiciavam lum trago particular a independéncia politica do pais no conjunto da emancipagio das colénias americanas.®° Vejamos, em primeiro lugar, as transformagies sofridas pela ci- dade-capital. A sua populagio que era de 43.376 habitantes em 1799, elevou-se para cerca de sessenta mil em 1808; em 1819 ja era de aproximadamente oitenta mil pessoas, aleangando 0 total de 112.695 habitantes no ano do regresso da Familia Real para Por- ‘tugal. Parece-nos que tal crescimento nio pode ser creditado ape- nnas a0 mimero de individuos desembarcados com D. Joao, € 20 aprofundamento das fungdes que a cidade exerci, ¢ que teria vas repercussies na constituigéo do espago que. buscamos recortar. Como nova sede da monarquia portuguesa, a cidade am- pliow suas fungdes de centro administrative, além daquelas emi- nentemente mereantis. A eringio do primeiro Banco do Brasil lan- ava as bases de um embrionério sistema monetirio. Mais do que CF, sobretudo Maria Odila da Silve Dias — “A interioriagio da me- im Carlos Guilherme Mota (org.) — 1822: Dimensdes. ‘88 Talver soja demesensric Iembrar como os diversos autores, filiados. is eign ako iam de wl mor de aasinalar, todavia, que dorante muitos ‘anos, © sobretlo ra didatia, exe foto fot regstrado per ume dene- Inacio tacoma quai» proven que se devencadera: « Tranamigrori, Satan, sein rw Merny Bt: ene 50 89uNsHSsosa nunea, a cidade tornava-se o ponto de encontro de burocratas ¢ mi- Titares, de negociantes e capitalistas, de nobres © delegagies diplo- ‘miticas; a todos eles logo se agregariam os plantadores escravistas. ‘A atividade comercial tornou-se febril na cidade, tanto em decor- réncia da extinggo do monopélio comercial quanto da necessidade de abastecer o niicleo urbano que creseia de modo acelerado. Fixe- ‘mes nossa atensio nesse segundo aspecto, tornado crucial. De ime- isto, o problema do abastecimento provocara a inversio do fluxo comercial tradicional a partir do porto, como também orientaria a politica joanina de integracio do “Sul”. Se ordens foram expedidas para os portos e capitanias mais préximas para “socorrer a Cidade fe mantimentos”, cuidou-se também de providenciar « abertura de tstradas que faclitassem 0 escoamento da produgio interiorana para capital Para o Rio de Janeiro convergiam correntes diversas. De Lisboa ¢ do Porto vinham géneros alimenticios, assim como do Prata. Esta fonte externa de abastecimento era complementada pela. interna, tanto por meio da navegacio de cabotagem quanto por via terres: tre, Pelo comércio de cabotagem chegavam ao porto do Rio de Janeiro mercadorias procedentes do Rio Grande do Sul, de Senta Catarina e de pontos varios do litoral paulista e fluminense atuais, como Cananéia, Iguape, Santos, Parati, Ttaguai, Tha Grande, Gua ratiba, Cabo Frio, Macaé e Campos. As embareagies que transita- vam pela baia de Guanabara recolhiam em suas margens hortl as, animais de pequeno porte e pescado,* Pela via terrestre chega- Yam ao mercado do Rio de Janeiro quantidades erescentes de gado fem pé, poreos, galinhas © carneiros, além de toucinhos, queijos © Cereais, produzidos sobretudo no Sul de Minas, mas também na ‘parte paulista do Vale © na rogiio de Paracatu, nas Minas Gerais ‘Esta via terrestre de abastecimento fora substancialmente anim da pela abertura de estradas, como a do Comércio ¢ # da Polic aque cortayam a area entre os rios Paraiba e Preto, ainda ralamente Povoada na passagem do século, em diregio ao Sul de Minas. 3S Para tasiores detalhes, consultar John Luccock — Notas sobre ¢ Rio de Jensiro e pertes meridinais do Breil, Belo Horizonte, 1975, (especialmente fo cap. XII, p. 363). 30° Cf. Auguste de Saint Hilaire — Viagem pelo distito dos diamantes © titerat do Bras. Belo Horizonte io Paulo, 1974. E também Aleir Lesharo — ‘As tropas de moderapio, op. city p, 25. 0 Grandes estrades ligam © capital do Brasil «Minas e « Sio Paulo; mas, fnéo exists nenhoms caminho entre Rio de Jo: ie", A. de Seint Hilaire — Op. city p. 128. 51 Destaque-se, ainda que a abertura de estradas se fazia acompa- har de uma polities de doagio de sesmarias cuja finalidade era incentivar © poyoamento e @ colonizagio da érea acima menciona- da, Nessa ocasiio, vastas glebas foram concedidas o0s burocratas, ‘grandes comerciantes e nobres que gravitavam ao redor da Corte — “infame, corrupta, depravada”, no dizer de win contemporaneo. E, desta forma, definia-se o sentido da politica de integragéo do ‘Sudeste que a Corte buscava implementar, © que pode ser per- ceebido nas observagSes do sempre arguto SaintHilaie: “Nada se equipara a injustiga e & inépcia gragas is quais foi até agora feita a distribuiggo das torras, E evidente que, sobretudo onde nio existe nobreaa, é do interesse do Estado que haja nas fortunas 2 menor desigualdade possivel. No Brasil, nada haveria mais féeil do que enriquecer certe quantidade de familias. “Era preciso que se distribuisse, gratuitamente, e por pe- quenos Iotes, esta imensa extenséo de terras vizinhas & capi tal, e que ainda estava por se conceder quando chegou 0 Rei. Que se fez, pelo contrario? Retalhou-se o solo pelo sistema das sesmarias, concessies que s6 se podiam obter depois de muitas formalidades ¢ a propésito das quais era necessirio pogar o titulo expelido. “0 rico conhecedor do andamento dos negécios, tinha pro- tetores © podia fazer bons favores; pedia-as para cada mem- bro de sua familia e assim alcangava imensa extensio de terras. Alguns individuos faziam dos pedidos de sesma- ria verdadeira especulagio, Comecavam um arroteamento do terreno concedido, plantavam um pouco, constraiam uma ‘easinhola, vendiam em seguida a sesmaria, e obtinham outra. © ej dava terrs sem conta nem medida aor homens « juem imaginaya deyer servigos. Paulo Fernandes viwse Gheio de dons desta natureza, Maal Jocinto, empregade do tesouro, possui, perto daqui, doze léguas de terras conce: didas pelo Rei “Os pobres que nie podem ter titulos, estabelecem-se nos ter- renos que sabem nio ter dono. Plantam, constroem peque- nas casas, criam galinhas, ¢ quando menos esperam, apare- “Tors ov grandes fidalger da corte de D. Joo VI powtiam grandes fextensées de terras aa antiga capltaria do Rio de Janeiro. “Fundaram entio fprndes faecedas”, Affonso de E. Trsnay — Histéria do café no Brasil. Rio de Janeiro, 1939, vol. V, p. 180. 52 celhes um homem rico, com o titulo que recebeu na vés- pera, expulso-os © aproveita o fruto do seu trabalho.” O proprio vinjante francés nos diz quais eram alguns desses be- neficiérios. Paulo Fernandes (Viana) era o intendente de Policia da Corte, que eolaborara na construgéo de ume das estradas que unia 0 Sul de Minas a Corte, cortando suas propriedades — estrada significativamente denominada de Estrada da Policia. Manuel cinto pertencia & familia Nogueira da Gama, e seria depois Mar- qués de Baependi. Sendo “empregado do tesouro” — eserivio do Real Erdrio e um dos responsiveis prineipais pela politica econé- ‘mica seguida por D. Joao — teve acesso « grande quantidade de terras em Sio Joio Marcos ¢ Valenga, enquanto seu irmio José Indcio reunitt dezessete sesmarias, com aproximadamente vinte mil hecteres de terras, em solo fluminense © minciro, a partir de doa Ges, herangas ¢ compras.3 Palerosa também se apresentava a familia dos Carneiro Led fa qual se uniram pelo casamento os dois personagens menciona- dos pelo naturalista, Grandes negociantes no Rio de Janeiro desde ‘© séaulo XVIII, progrediram significativamente desde a abertura dos yortos, ampliando suas troeas, negociando com o Real Erério, conesdendo créditos. Cunhado do intendente-geral da. Policia, Fer- nando Carneiro Leio colocaria & sua disposigéo os recursos neces sirios & organizagio dequela reparticio ¢ i realizagéo das obras que entio The competiam, como a abertura de ruas ¢ estradas, a iluminagéo e calgamento de logradouros.%* Assim, muitas das realizagées materiais que viabilizavam a po- litica da Corte de integragio do Sudeste —e de construgio de um “Império americano”, veremos depois — somente se tornaram pos- siveis pelos recursos fornecidos pelos elementos que a cereavam. Ex troea, aqueles a quem Dom Jogo imaginava dever servigos”, rece: iam beneficios materisis ¢ também titulos nobilidrquticos.® 82 A. de SeintHilaire — Segunda viagem do Rio de Janeiro « Minas Gerais a Sb Paulo (1822), op. cit, p- 23. 80 CE."A. Lenharo — Op. cit, p. 23; Emilla Viet da Coste — “Introd: i a entudo da emancipagio. politics do Brasil”, in C. G. Mota (org) — Brasil em perspectioa. Sio Paulo, 1968, p. 133; Luiz Darasceno Ferreim — Histéra de’ Votonge. 2* edigio. Valenga, 1978. ‘88 Cr. sabretudo J. F. de Almeida Prado — D. Jado VI e-0 inicio de classe Airigete do Brasil — 1615-1889. Sio Paulo, 1966, p. 152. 5 “Ainda eatd para ser extudado mais « fundo o proceso de enrsisamento da merépole na colénis, principalmente através da organiaegio do comércio de abastetimento do Rio © consegiente integragso do ControSul; as interselagiat 53. MO 0 procedimento e os objetivos da doagéo de sesmarias no deix ‘vam de contrastar vivamente com a experiéneia colonizadora leva- da a efeito, na mesma ocasiGo, na zona serrana préxima & sede do Reino-Unido, ‘Com efeito, na pequena colénia de suigos de lingua francesa, loca- liaada em Morro Queimado, com 0 nome de Nova Friburge, em 1820, os pequenos proprietarios que cultivavam a terra com o seu proprio tebatho de suas familias no alcangeram prosperidade. E tenderam a abandoni : Quando foi nomeado ministro plenipotencidrio no Brasil pelo yo- vverno da Confederagio Helvética, em 1860, com a missio especial de estudar os problemas da imigragio suiga no Império do Brasil, J.J. Tschudi lastimou a qualidade das terras que haviam sido reser ‘Vadas aqueles primeiros imigrantes, cujo destino chegava a ignorar: “Nao sei a que atribuir a escolha tio infeliz do local da colénia, se & ignorancia ou ao desleixo. Estou, entretanto, inclinado a crer que se procedeu de acordo com um frio eiloulo e idéias preconcebidas, que se podem resumir da seguinte maneira: essas terras ngo tém para nés menhum valor, mas os pobres colonos suigos as tornario cultivaveis ¢ as aproveitario, pois a miséria os obrigari a tal."% © contraste entre as observagies de Saint-Hilaire e Tschudi nos permite perceber de modo mais nitido a transformagio de buro- {ratas € negociantes em grandes proprietirios rurais, « aproximagio dos grupos nativos economicamente dominantes da Corte por meio de negécios, a unio de familias proprietirias através da conclusio de aliangas matrimoniais, além da nobilitagao de todos aqueles que cireulavam ao redor da Familia Real. Possibilita perceber como na dea polarizada pela cidade do Rio de Janeiro foi-se constituindo 0 feixe de forgas politicas que concretizaria 0 rompimento com as Cortes portuguesas em 1822. ‘Por certo, muitos continusrio julgando que esta constituicio era fo resultado apenas de uma interferéncia externa, seguindo opi- nifo de Joio Mauricio Rugendas, a época da Independéncia, de que de interes comerciais © agrivio, os easumentos com familias loeais, os inver timentor em obras puiblioar © A segunda observacio dix res. peito ao seguinte: se expansio cafecira ampliava os limites da regio de agricultura mercantileseravista nas provincias do Rio de Janeiro € Sio Paulo, tal néo acontecia de modo marcante em Mi- 113 Apud S. B. de Holands — Vale do Paraiba — Velhas fazendas. Sio Paulo, 1973, p. 38 04 Roberto Martins — A economia escravita de Minas Gerais no século XIX: Belo, Horizonte, 1990. 115 Tem, Tbidem, p. 4; ef. tmbém Roberto Conred — Os siltimos ance da serovatura no Brasil. Rio de Janeiro, 1975, p. 348 62 nas Gerais. Aqui, os limites da regifo que tragado pela linha que une as cidades participantes do movimento liberal de 1842, as quais néo se vinewlavam necessariamente 20s interesses cafeeiros, embora se erigissem pelo trabalho dos escravos africanos. "No momento oportuno, retomaremos estas duas observagies. Vol- temos, agora, & expansio cafecira. Lembra Celso Furtado que esta vigorosa expansio assinalava a reintegragio do pais “‘nas correntes em expansio do comércio mun- dial.” 1 Com efeito, se participagéo brasileira no mercado mun- dial do café fora ‘apenas sensfvel”, em 1810, como assinalava o presidente da Provineia do Rio de Janeiro, e girava em toro de 20% em 1626, colocando-se atris das produgies das regides ‘ticas e africanas, além da antilhana, ela se elevaria a 40% no de- correr dos anos trina, superando_entio « produsto de Java, ehegs- ria a 53% em 1852-3 € a 60% dois anos depois. Ora, o que estes dados nos mostram ¢ que a producio beina possuia 0 ‘monopélio virtual do mercado mundial de eafé, 0 que Ihe garantia, prego. de monopélio, ainda que na faixa de café de qualidade infe- rior. Desta forma, ¢ num intervalo de tempo relativamente longo, 0 interesses ligados produgio cafecira pareciam ter restaurado fem proveito proprio o lado do pacto colonial que, nos tempos da assegurava ao colono 0 monopélio da produgio na regio colonial como decorréncia da monopolizagio do mercado consumi- dor pelo colonizador. Néo obstante, uma mudanca fundamental ocor- a reintegragio da regio de agricultura mercantil-escravista ‘que possibilitava um monopélio virtual, no se processava nas “cor- rentes em expansio de um comércio’ mundial” qualquer, ¢ sim num mereado mundial que era reordenado de acordo com os inte- resses do capitalismo concorrencial, © cuja légica — teremos oca- vagar adiante — néo era mais dada pelo a de capital, mas pela acumulagio capitalista ‘Mas a expansio cafecira significava, grandes propriedades, e com elas o predominio das grandes fa © 0 dominio da escravidio. Em Vassouras, dominavam duas grandes familias: a de Francis- 0 Joaé Teixeira Leite, Bario de Vassouras, e a de Laureano Correia smbém, a expansio das lias 116 Golo Furtado — Op. its p. 139. 117 Cf. entre outros Christian Palloix — A economia mundial de iniciativa privada, Vinbos, 1972 (volume T, “A fase de eoncorréncia”: especialmente pp. 293.312). 63 ¢ Castro, Baréo do Campo Belo. 0 primeiro procedia da comarca do Rio das Mortes, como 0 Visconde de Ipiabas © 0 Marqués de Valenga; era fazendeiro, capitalista e grande banqueiro, no dizer de Taunay. Foi ainda um dos idealizadores © patrocinadores dos estudos iniciais para a construgio da Estrada de Ferro Dom Pedro IL, que pretendia passasse pela sede do seu municipio, Embora nio tendo obtido éxito em seus propésitos, até mesmo por contar com 1 deserenca do chefe do gabinete imperial, 0 Visconde de Itaborai, Francisco Teixeira Leite pide reunir em torno do chamado “*Movi- ‘mento de Vassouras” figuras de grande projegio no comércio co- Imissirio e bancério, além de imimeros plantadores escravistas. O liltimo, irmao do Bario de Tingué, era fundamentalmente um plan- tador escravista, e chefiava 0 Partido Liberal do municipio.!"* ‘Ao Indo da ferrovia, destacamse as propriedades da Marquesa de Baependi, vitiva do marqués do mesmo nome e filha de Bris ymneiro Leto; de Oliveira Roxo, Bardo de Vargem Alegre; e a de José Pereira de Faro, Bardo do Rio Bonito, que disputara com Teixeira Leite o tracado da estrada de ferro, conseguindo afinal que ela chegasse a Barra do Pirai, ¢ nio a Vassouras, para o que ‘contou com o apoio do Baréo de Vargem Alegre.119 Na comarea de Valenca ocupava lugar destacado a familia de Estévio Ribeiro de Resende, Bardo, Conde e Marqués de Valenga. Natural de Minas Gerais, formou-se em Direito pela Universidade de Coimbra ¢ seguiu a magistratura, tendo sido desembargador da Relagio da Bahia, da Casa de Suplicagéo e do Pago. Foi ainda deputado por Minas Gerais, ministro de Dom Pedro I ¢ senador. Sua fortuna provinha do casamento com D. Ilidia Mafalda de Sousa Queirés, filha do Brigadeiro Luis Anténio. Fundou a Fazenda das Goroas, onde além de quinhentos eseravos reuniu. numerosos colo- nos portugueses, por ter sido um dos seguidores da experiéncia da parceria proposta pelo Senador Vergueiro. Por ocasiio do movi- mento liberal de 1842, prestou valioso auxilio as forgas do gover- no para a repressio do movimento Em Valenca também ocupava posicio de relevo Peregrino José de Américo Pinheiro, Bardo ¢ Viseonde de Ipiabas, que se distin- ia por sua participacéo na Guarda Nacional. Por sua atuagéo 118 Cf, A. E, Taunay — Histiria do café no Brasil, op. cit, vol. V. pp: 164 175; A. R. Lamego — 0 homem e @ serra, eit, p- 265. Li8 Cf, ALE. Teunay — Op. eit, lo. cits A. Lamego — Op. eit, p- 257: E, Viott da Costa — Op. ity p. 133. 120 Cf, A. E, Taunty — Op. city le. elt. B. Viotti da Costa — Op. cit 1p. 133; Francisco Ferreirn de Resende — Minhas recordacies. Tio de Janeiro, 1944, p. 153 64 no combate aos rebeldes de Minas Gerai © Sio Paulo em 1842, reeebeu clo governo imperial o grau de cavaleiro da Imperial Ordem da Rosa; quando da ascensio do ministério conservador de 29 de setembro de 1848, 0 Major Peregrino José Pinheiro foi nomeado cavaleiro da Ordem de Cristo; quatro anos depois, era nomeado ‘comandante superior da Guarda Nacional dos municipios de Valenga Paraiba do Sul. Ligado a0 Partido Conservador na provincia flu- minense, 0 Visconde de Ipiabas era chefe politico local, tendo pre- sidido a Camara Municipal de Valenca por virios anos. Proprietatio da fazenda dos Campos Elisios, fora easado com uma filha do Comandante Franeiseo das Chagas Werneck 12! Empenharse na luta contra os rebeldes de 1842 era empenhar-se nna “santa causa que defendemos”, dissera Francisco Peixoto de Lacerda Werneck, Bardo do Pati do Alferes. Aquele que foi um dos poucos agraciados com titulos nobilidrquicos pelas Regéncias, possitia grandes propriedades em Vassouras ¢ Iguagu, tendo se dis. tinguido também por ter redigido « Meméria sobre a fundacto e de uma fazenda na Provincia do Rio de Janeiro, em 1847. 0 da Ordem de Cristo, cavaleiro da Imperial Ordem da Rosa fe fidalgo da Casa Imperial, 0 Bardo do Pati do Alferes foi também comandante superior da Guarda Nacional da Comarca de Vassou- ras, ¢ no hesitou em unir seu destino ao da forga politica que levava a cabo a politica do Regresso na Corte: em 1838 atendera ‘a0 pedido de Paulino José Soares de Sousa pera que apoiasse a candidatura de Pedro de Aratijo Lima & Regéncia; em 1842, tio logo 0 triunfo militar se anunciava, diria que aquela era noticia “de prazer a mim ¢ a todos os amigos da boa Ordem" 322 Em campo oposto, nesta mesma oeasio, colocara-se o Comendador Toaquim José de Sousa Breves, proprietirio das fazendas de Séo Joaquim da Grama, Conesigéo, Olaria, Confianga, Bela Alianga, Sio Sebastiso, Fortaleza ¢ de mais uma dezena, além de cerea de 6.000 escravos. Por ter apoiado © movimento liberal na Provincia ddo Rio de Janeiro, forgou o Governo Geral a adotar medidas espe- ciais, em coordenacéo com o presidente da Provincia, tal era o riimero de agregados que tinha sob seu mando e controle. Do pode- io daquele que ficaria conhecide como 0 “Rei do Café", falam também of trapiches, cocheiras e enormes armazéns que possuia em 121 Cf, Manoel Peixoto de Lacerda Werneck — Perfil biogréfico do Vir conde de Ipiaber. Rio de Jeneire, 1882. AN-Cédice 112, vol. 122 Cr, Augusto V. A. Sacramento Blake — Diciondria bibliogrdfico bras leiro, 2% edigio. Rio de Janeiro, 1970, vol. Ill, p. 85: A. E. Taunay — Op. cit, le. tit, p. 49. AN-Céice 112, doe. no 76. 65

You might also like