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A CULTURA EA PALAVRA O conceito de cult i _V ‘ura paira numa i . teristica. Se eu fosse um poeta filosGficn de minacto carac- talvez nao me fosse dificil escrever um dil Beg lato, perguntasse a cada um de nés 0 que é age em que Sécrates dizer com cultura. E todo henge’ Pealmente queria U Ss continuarfamos, no fim, a de uma resposta, isto €, saberfamos todos que a cultura é algo que nos sustenta, mas nenhum de nés saberia o suficiente para poder dizer o que € a cultura. Isso aponta para um problema profundo. Conhecemo-lo a partir do nexo quase indestrutivel entre cultura e critica da cultura, entre orgulho cultural e pessi- mismo cultural. Na forma de um conceito auténomo, 0 uso absoluto da palavra cultura encontra-se pela primeira vez, de um modo interessante, como um conceito de valor do Ilumi- nismo: ser elevado para além da crueza do estado natural € progredir nesse caminho até a completa previsao e adminis- tragaio racional das coisas, até a perfeigao da humanidade, era a orgulhosa confianga da incipiente modernidade. sta Mas quando Rousseau, em 1750, deuasua Lae remio A questo, oriunda do espirito do Tluminismo, Pais gue a pela Academia de Dijon, sobre os a Srancias e das artes humanidade devia ao desenvolvimen’o @* cent contribué a (“si le rétablissement des sciences afacia a inocéncla & a épurer les moeurs’), & em que ele en 9 OGIO DA TEOR cional do Ilumin; atureza, o orgulho ra luminis no Kant conte c Roussea? deixou 7 incipio da moralidade na autonoy; igi * e fundou 0 pr : corrigiueme” ¢ 10 €é igual para todos. Herder seguiu a tal Don da Paeatle Rousseau acorrup¢ao Oe esa Anns Chtrapa, a ordadei cultura a civilizagio. Foi essa, AStante a verdadeira 1e para 0 espaco da mm a disting¢ao determinan ¥ Saal Seay ido a esta separacdo entre alema e€ 1ém dele. Dev: sta sepal t organizacao técnica da vida — como civilizagdo e, por issy externa — e a cultura interior, enuncia-se ° fom apoliticg’ a ; conexao de “arte e cultura” e py estético, que Se °XEVda cultural”. A sua expressao filoséticg na modemnidade, em particular no século XIX, veio a sera doutrina de Schopenhauer, segundo a qual a seen dos aspectos terriveis da vontade cega que penetra e domina toda anatureza e todo o mundo humano residia no olhar desinteres. sado e, por isso, na arte em particular. ow Era quase um culto religioso da arte que se instituia coma formagao da sociedade burguesa, quer dizer, com a ascensio da burguesia 4 igualdade de direitos politicos com a corte ea nobreza. Tal ascensdo criou as instituigdes culturais da chamada vida cultural urbana que, enquanto teatros e museus, salas de concertos e de conferéncias, documentam a alegria cultural do século burgués. No século XX, institufram-se entio contramovimentos que exerceram a critica desta forma bur- guesa de vida cultural. Eu proprio pertengo ja & geracao que, sob o signo do movimento da juventude, ia para as florestase nao queria saber da vida cultural das cidades, em particular, da cultura da 6pera. Eram gestos de protesto inofensivos - fom atafam oso do colarinho & Schiller. Na sociedade do mentos comers 8 bat a metade do século, estes contra-movr rias da culturae diri # adoptar formas militantes e revolucion# no seu todo, e ainda igualmente contra a ordem estat mente, instalou-se z ie mira a dominagtio da Igreja. Simultane enjamin a designon Poca da reprodutibilidade, como Wallet ulteriormente desenv: raqual, através das técnicas reprodutiv’s uma verdadeira torrente S, Se precipitou sobre a humanidad? dissolveu a aura do origin i estimulos e de informacées, 4! al e do originario. A sensibilidade ® pureza s Re, Ac : F ULTURA nA nusitado € ao exigente que se ¢, PALAVRA i de arte comegou a atenuar-se cadacntta na culty ada vez maj rae na iS. A & Nas obras POCa j . entrou na posse da a é que foi Oo arerenea Cultural do sé 1 q ju sto F strada, modificada © s€culo bur; pdustrial a estado mostra- a, ui da que n ostra-se no facto de » Tefigurada? a es. Como nossa cultura ao longo de tod até a Igreja cri ; Seriedade ista, que foi > Ola aaeeee lou ‘ expressament mM mi exp € como cultura, foi quest sem se conhec Stionada na é er €poca dos Iluminismos; e assim a esses pensame cultura se tornou ses p n ntos e reflexes 0 qui uma tarefa. Sq Se alguém, como historiador que hoje aqui nos u, eee para a reflexdo tera de que filosofa, quiser ocr . recuar até As ori Quiser contribui dizer, até aos dados elementares, ¢ S Origens da cultura, uir gem. A palavra e a linguagem ae apalavraea lingua, historia humana e da histéria da homasivelmente No inicio da documento do género humano, para eee O mais antigo a criagiio divina e 0 seu come¢o com ‘ar como Herder, narra tal aconteceu? “E Deus disse: faga-se a tn Pare Como € que aluz? Era, é, a palavra a luz? Nao se fez fe iment apalavra a palavra surgiu, quando as pedras ri ‘ealmente luz, quando mudas foram decifradas pela primeira Rezecond val eee A eemms egaram. 2 Ou quando, através das diligéncias de séculos ae narrativas e hist6rias cada vez mais recentemente transmitidas nos clarificaram as trevas do passado? “Desde que somos um didlogo / E podemos ouvir uns dos outros’*: 0 didlogo da humanidade consigo e 0 didlogo do homem com o divino soam nestes versos de Hélderlin como uma Unica conversa. Desde que somos um didlogo, somos a historia una da humanidade, da qual tanto mais sabemos quanto mais pesquisamos as culturas primitivas e arcaicas, os vestigios mais antigos da vida ém da ultima estrofe da terceira versio do poema que reproduzimos na versio de Paulo ntre OS amantes,/As leis da bela até ao alto do céu./ Eo Pai ainda ao seu lado./Muito VDesde que somos wn no alemao Gespriich do no que se SeBue * A citagdo prov 6 Conciliante, Tu que ja ndo.. Quintela: “Mas as leis que valem © reconciliagio, sao entao validas/Desde a terra jA no reina 14 em cima sozinho/E ha outros a aprendeu o homem. Dos Celestes muitos ero) abe coléquio/E podemos ouvir uns dos outros a tradi que Paulo Quintela traslada por “col6quio por didlogo. (N.T:) ELOGIO DA TEORIA ana ouas ilhas étnicas que, até ao presente .: human On ‘pela torrente da tradigio da hie Moa nap ine aanto mais cabalmente conhecemog ascul Mivege’ digdes dos povos, no Passado e no presente, que Seay, contram, como nos, na tra 1¢ao Crista, tanto is ao a conversa, embora noutra linguagem, cada vez mais ie Ung mas ainda assim humana e passivel de ser aj Tendida ferent “tem” a palavra, como referiu Ferdinand Ebner, ¢ iss, home gue-o de todos os outros seres naturais. Que 9 homem © “isi, alinguagem €é um enunciado que aparece na filosofig Posy caracteristica criagao dos Gregos, que se inicia com a“oe Mai — pela primeira vez na Politica de Aristételes, Ai signi®? homem € 0 ser vivo que tem 0 logos. De um 56 olpe fica: em pleno tema. Estamos bem perto da palavra origina cultura, a palavra. . ade Logos nao significa palavra, mas discurso, lingua, prestar contas e, por fim, tudo o que Se articula no discus pensamento, a razdo. Assim, a definigaio do homem ae animal rationale, como ser que tem razio atravessoy séculos, confirmando o mais serédio orgulho da TAZA. Logo, porém, nio é “razaio”, mas “discurso” - Precisamente a pala que se diz a outrem. Nao é uma acumulagio de Palavras que sao classificdveis na sua fragmentago, como fragmentos & palavras, e formam os chamados dicionérios, Logos & antes uma disposicio de palavras para a unidade de um sentido, o sentido do discurso. Chamamos a isso a unidade da Proposigio Mas é também uma fragmentagiio da palavra. Nao sendo embora uma unidade inteiramente artificial, €, contudo, em Ultima anilise, arbitraria. Pois onde esta completamente ditaa palavra que deve ser dita? Onde acaba o sentido? Na unida da proposigaio? Termina antes jd na unidade do discurso, wt desemboca no emudecimento. Mas, mesmo no emudecimen, nao reside o préprio sentido do que € dito s6 na chegada.¢ come¢a a espalhar-se apenas na quietude do ser dito? Ne est4, por fim, a palavra somente na resposta? Nio é, ome! palavra o que foi dito a alguém, e A qual se tem de respon a Ou sera também ainda uma abstracgao esta palavra? ee de contas, nao € toda a Palavra resposta? Nao estamos sat a responder, quando arriscamos uma palavra, isto é, pro 12 sy A CULTURA E A PALAVRA mos corresponder a r d mes comesPonlet gute, oportunidad, correspondéncias, e nio aoe caso, para o ambito se encontra nos livros da Politi em vio que a dita definigaio série de ligSes que tém por obje ica de Aristételes, na grande fundamental do homem, em Han a constituigio e a distingao do seu génio observador a Raa rist6teles tomou por objecto ee configuragiio sociais umana nas suas ordens e for- 4a primeira fras '; anil . ol astovem ae eee intel a citag&o, mostra o 9 horizonte da natureza: “A nat le humana tem o seu lugar, homem, entre todos os ‘seres Sn nada fae ee ee ES ° enquanto a voz indica praze: ofrimer aye, igualmente atributo eee pscrcoue Q chega a sensagoes de dor e de prazer e € ea aZ, deas indic a, a linguagem (0 discurso) torna claro_o utile o + ayudicial aden aon justo ye ° injusto. E que, perante os outros 2 1 n as suas peculiaridades: s6 ele sente obemeo mal, o justo € 0 injusto; a comunidade (solidariedade) destes sentimentos é que produz a familia e a cidade.” Uma tese digna de nota. Aqui, contra a vida gregaria de certas es~ pécies de animais, a forma de vida humana destaca-se por ter linguagem. Ela nao é apenas a expressdo do humor préprio que se comunica, qualquer coisa como © grito de aviso ou de atracgio dos passaros, mas leva a cabo a manifestagao do util e do prejudicial. Significa isto: apontar para algo que se re- comenda ou para o que se quer avisar, embora nao se reco- mende imediatamente, pois talvez nao seja nada agradavel. Pense-se eventualmente no remédio amargo ou na intervengao dolorosa de um médico. Nisso reside distancia relativamente ao presente, um olhar para 14 do que nos acontece. Ja nao se é arrojado e entregue a pressaio do momentaneo. Eis 0 que reconhecemos, entio, na esséncia da linguagem, nesta distancia em que incorporamos & podemos tornar audivel e comunicavel 2 outrem, no mais volatil, no sopro da nossa vOZ, tudo 0 que nos ocorre. Manifestamente, é a distancia anos proprios que nos abre a outrem, e no meros movimentos expressivos, ae gritos de aviso e de atracgao, como os que os anima enino cem mutuamente, pelo contrario, essa distancia faz um 8} A questaio? A ex- 13 omun agao o “Ve jt ase deve 0 facto de que aquilo que partilhe Palay, Mos yaa! ns Co om os outros nio diminui, mas talvez cres¢ Pode, pois, compreender-se a cultura numa cagdo, como o Ambito de tudo o que cresce en inira Indi, artilhar- . . a * <7 I - partilhar-mos. Os bens exteriores da vida sao de Tude de, tal que a isolam; onde apenas esses bens se tam 8 OSD cig afundam-se na mais rida solidao do eu, da ual Fe. Ista Ebner, seja o seu nome uma vez mais aqui lembr, dena coisas profundas tinha a dizer. 200, tanta A palavra é comunicagiio na sua forma mais pura. Nz, ; voz da dor e do prazer, por assim dizer, sacada pela nature Assenta num livre acordo. “Kata syntheken”, diz Aristoter - Nao quer ele indicar um acordo real, conclufdo seja dee modo for. Também nao pretende dizer, como se expressoy sd fil6sofo mais moderno, que a palavra se torna palavra através de um acto que lhe confere significado. Aqui nada se fundae nada se confere, mas estamos sempre jd de acordo. Sé6 deste modo a palavra € palavra, e € confirmada no uso da linguagem em cada nova realizagao. Todos conhecemos a enternecedora ilusaio dos pais que festejam a primeira palavra do seu filho, uma palavra que nao existe. Nao pode haver uma primeira palavra, s6 existe o poder falar, sé existe “a” palavra. As primei- ras tentativas imitativas do balbuciar da crianga ainda nio sio um passo real para o acolhimento daquela troca entre eu e tu, que transcende a muda troca dos olhares. S6 a palavra eleva, por assim dizer, a comunidade a palavra. E, de facto, o meio correcto para um fim nao é o meramente apropriado, mas algo apropriadamente escolhido, como 0 ins- trumento que est4 determinado para um uso compreensivel. E, nesta medida, a palavra é, tal como o meio correcto, algo pertencente a um mundo comum; e, por maioria de razdo, 0 préprio mundo dos fins est determinado como aquilo que a todos € comummente utile apropriado, 0 koiné sympheron, como diziam os Gregos. E, decerto, um facto uni sentar o bem no sentido do util e o bem no sentido do j injusto. Um despretensioso “e também o justo e 0 inj Segue-se, no texto de Aristételes, ao bem no sentido do util como 6bvio. A natureza, sem diivida, equipou e organizou 0 14 homem de tal modo que este, divers Rie peentio equipamento e rem i a se que oe im cria nao € natu Ariston cmenienistem na base de um acordo, uma segunda agen ja ¢ outrina estamos a entrar, encontrou en 4 que anda em todas as bocas € expressa ho éséali de validade commnaye é Tinguagem que pertence a este ambito todo da vida social é domi rad ene (syntheke) ~ 0 valores, que nao siio neces do de uma ponta a outra por tais mentos que se encontram nos Conte leis, mas antes ordena- para isso uma palavra, da qual derivaa afist6teles aaa ee “Ethos” , em primeito luda Tivou a Palavra €tica: ethos. ema Seguhda miata, Taba anor a fi Vitais dos animais. ‘Aric ieee geet ees das possibilidades anne ee ae ID “habitos fixos”. Visamos um comporia sateen “ stitude que se pode questionar sobre si mesma, oe autude que bilfear, mesma, que consegue responsa- ilizar-se. Que 0 homem seja quem escolhe, que, por assim dizer, “assuma” para si toda a sua vida, € uma enorme distingao €, ao mesmo tempo, um imenso risco. A expressao grega para tal € prohairesis. “Conduzimos” a nossa vida de tal modo que, por fim, tentamos realizar a vida boa, a vida mais correcta e adequada, ao abrigo da escolha pes- soal. Persiste, todavia, o horizonte da natureza, onde os ordena- mentos e as configuragdes humanas estio desde sempre incrus- tados. Para a passagem 4 cultura por parte da humanidade nio existe um primeiro passo, como tao pouco existe uma primeira palavra para a crianga balbuciante, quando encontra as pri- meiras manifestagées carinhosas para os seus pais. Nio existe um projecto abstracto da totalidade da nossa vida individual e social. . Na utopia politica de Platio, encontra-se a descrigéo de uma comunidade idilica que assegura a sua propria subsis- téncia, onde nunca existe discérdia e onde nao ha necess idades por satisfazer. Tudo se junge numa inocéncia admiravel, tudo se equilibra mutuamente numa regulamentagao sdbria. Platio, ou o seu Sécrates, chamam-Ihe um Estado de suinos. A expres- stio “Estado de sufnos” no tem todas as nossas ass amente dos anim: agiio, na Casa e na cidade, Teza, também nao 0 sio o ais, cria IS ELOGIO DA TEORIA 1 Oo mesquinha, significa ‘a, a auséncia de paideia. O que Platio ATEN o: amar a es 7 idili Jota quer Ta chamar a este tado idflico um Estado de suin iz, T, ag semelhante Estado nao ingressa na verdadeira re que homem, a qual consiste em exercer 0 dominio e honrarn’ dg A tarefa do homem e da politica consiste em ter podes, Servi nao se abusa para obter mais-valias do poder Pessoal, de que pulsdo agressiva arreigada no homem sé pode ser ultrapare® a mediante a paideia, pela educagio, € a grande doutrin: filosofia platénica. Conhecemos isso como 0 Problema dee da a politica, de Platao a Freud, e como uma esperanga de tod os pensadores, de Plato a Freud, de que alguma vez se consi ser bem sucedido em dominar em nés esta pulsio agressiva eo possa tornar real o mandamento crist4o do amor. a Na expressdo grega paideia ressoa algo da leveza e inocéncia do jogo infantil. O seu “objecto” Proprio, se é se pode aplicar de todo esta palavra, € o belo. Este Significa tudo aquilo que, sem ser Util para alguma coisa, se Tecomenda por si mesmo, de modo que nenhum homem Pergunta para que serve. O belo, no sentido mais amplo, abrange a natureza € aarte, os costumes, os habitos, as acgGes e as obras, e tudoo que se comunica a si mesmo e, na medida em que € Partilhado, a todos pertence. Nao € em vao que nos vem sempre a boca a palavra “cul- tura”. Estamos marcados, na nossa autoconsciéncia e na sua articulagao lingufstica, pela cultura romana. Falamos latim sempre que dizemos “cultura” ou “natureza”, A palavra “cul- tura”, num povo rural como 0 romano, significa agricultura, agricultura, cultivo dos campos. Ora a palavra tornou-se também terra ardvel para a novidade que a Reptiblica romana aprendia dos Gregos, dos estdicos, da humanidade grega. Cicero falou, primeiro, da cultura animi, da cultura espiritual. A atitude rural deste mundo linguistico impés-se também na transferéncia para 0 novo conceito de cultura. E como uma estampagem sobre o trabalho cuidadoso e denodado da lavoura entre a sementeira e a colheita, O que se nos apresenta na oes ‘ na esséncia da cultura ndo é apenas o prazer do jog? espirito: a formacnn™ adiga da sementeira e da colheita ° '¢d0 para o humano, Sa Caran, 16 A CULTURA E A PALAVRA Com tais observagd ‘ Rovnrnentclarunntey ee lingufsticas remontamos mamente claro a distingao Ae se revela de um modo extre- nos seus rscos. O que se calc na sua possibilidade e cla nao significa a configura 7 fom a cultura € tao série que horivel, pois 14 indica que an LemPo livre — que expressdo tempo livre. Cultura nao 60 nao se € suficiente livre para o ao inves. € 0 que consegue ue configura o tempo livre. mas. tarem uns sobre os outros e de cere os homens de se precipi- animal. Piores. Os animais nao conhe eer Soleus ualines a guerra. 1sto é, a luta contra individuos da t ees a aniquilagao. a mesma espécie até Que espécie di i é On deve ver a “palaven’, segundo oe aatiges pen pe posi¢ao tao decisiva? Ha outras oe aaa larelad See ee ee 0s outros animais. Reco- e emblemas que criae confi os instrumentos, monumentos éatinica actividade simboliza . Poriss Re ae no. z simb inte. Por isso, Ernst Cassirer pro- pos, um dia, como definigao da, cultura: 0 universo da simboli- zagao, 0 universo simbélico. E verdade que de tudo isso faz parte 0 poder tomar “distancia”, como acontece com a palavra. Esta faculta af reconhecer-se no outro € com os outros reconhe- cer, no util, na finalidade, no justo, 0 que por todos é afirmado, ainda que a todo individuo seja duro e€ exigente abandonar algo ou a algo renunciar. Nao é problema algum que os homens, por toda a parte onde imprimiram a sua forma nas cosas, Se reconhegam também no utensilio, na imagem Na palavra aparece, por assim dizer, alcangado 0 omnienglobante unpe- rium do espirito, aqui consegue ele aceder totalmente a St proprio, tanto quanto pode ser verbalizado. A palavra &, pols, uragdo que & possivel a a mais alta intensificagao da contig guragdo do seu mundo ¢ do seu des- humanidade para 4 conlt des tino, cuja grande sflaba final se chama morte € cuja esperanga ‘ ee sepredo da twadigao da cultura humana assenta Na Ja a propria expressao “wadigae esta mnuimnamente associada & palavra, © por boas raZzoes- Por “uadiyao od demos, em primeiro lugar, as noticias escritas que NES © 8: 17 ELOGIO DA TEORIA ram transcrig6es e repr ~ certo, também uma tradigao oral, e hoje 4 pasies, ang convencidos da primazia da escrita para toda a cn Fs # poctica, como ainda estdvamos ha cinquenta anos meer? agora quanto tempo sobreviveu, nas montanhas alba, Abetos tradig4o oral das sagas. Desde entao, encaramos a senha algo como a passagem do discurso a arte possa suceder.s° ue da mneme, através da memoria, € nao apenas por inten™4 da escrita. Todavia, a escrita e a ressurrei¢ao da palavra aittiy da escrita permanecem um dos grandes segredos de tod tradigdo humana. Justamente a nossa propria cultura, a tradi aa humanistico-crista, da-nos que pensar; antes de mais, nu eo hora em que as outras grandes religiGes e culturas univers comegam, com alguma hesitagao inicial, a dialogar Connoscy e sobretudo a partir do momento em que 0 didlogo de gigantes’ que se tornou agora necess4rio entre a humanidade ateia e a religides, atingiu a hora da sua actualidade. Deverfamos, portanto, tornar-nos de novo cientes da pari. cularidade da tradig&o humanistico-crista. A sua particular. dade em nada se torna tio nitida como na palavra. Se eu fosse obrigado a classificar a tradigao de outras culturas e a dizer algo acerca de Lao-Tsé, o grande sabio chinés — Seré literatura religiosa? Literatura filoséfica? Ser4 poesia? — nao teria nenhuma resposta; nao é por eu nada saber, mas porque sé na historia da cultura e da civilizagdo ocidentais é que estas trés formas do discurso e da palavra se desenvolveram umas a partit das outras e evoluiram umas com as outras num modo cons- tante de troca. Se eu tivesse de distinguir as trés formas da palavra que cunharam a nossa tradi¢ao, diria: so elas a palavra da pergunta, a palavra da saga, a palavra da reconciliagio e da promessa. Vale a pena tornar presente por um instante estes trés modos de discurso na sua independéncia e na sua consonancia. _ Eis a palavra da pergunta, esta palavra desassossegada qué pa od prazer de perguntar dos Gregos até a sede de a er Raa ae ace eamemie Progride. Este prazet B re ane Ralateonee mais pode ser tao nitidamente caracteriza@ stante sobrevivéncia da palavra a si propria. ! © perguntar que admite a nossa condicionalidade finita, a limi- TQ A CULTURA FA PALAVRA tagdo do nosso conhecer, da noss em suma, a situaga ome a interpreta 0 do homem Ee : no da modernidade declararam-se abalmmente forma da pergunta que e da questionabilidade 10 € previsao, aaa aber ea ciéncia a si mesma se Rinna Reese a ~ que esta sempre a gerar-s pene em que estas palavras adoptaram o pa 1 £erar-se, na medida manentemente se supera a si propri 0 da inquirigdo que per- Sado as antigas e ingentes questoes epee ere mas uNtenlOres -“Dorane evi com que os Gregos comega- ram: “Porque existe algo e niio 0 nada?” “ Pee ee eee “Que € esta ordem maravilhosa boca ae, ee oat ‘ a irregularidade c bt astros e também quanto Haridade com que deparamos no céu nocturno, por- em redor do centro terrestre, faaearceen a rotagao ordenada chamam planetas?” » Mas parecem errar e, por isso, se E pensemos, entao, na nossa civilizagdo e na sua ciéne moderna, surgida no século XVII, que ja nao quer intesrar em si o antigo saber da humanidade einventa posvibilidades sem. bre nowas de disquisicao. plescOnsIas Ho estat de realizagdo planetas da no: eae ssas ciénci dio os verdadei s —— * a humana e, Como para OS astrono- mos gregos 0 enigma dos planetas, é tarefa da nossa cultura integrar num sistema também estes planctas do nosso universo do saber a que chamamos “ciéncias”, conhecer igualmente neles a ordem do ser que os domina e reconhecer 6 lugar do homem ordenado no todo do ser. Tudo isto € a palavra da per- gunta que surge nas diversas linguas, nas diferentes tradigdes, € que iteradamente procura novas respost H4, ademais, a outra palavra, a an religiosa e filos6fica dos Gregos, a palavra poética, a poesia, a saga. Aqui, naturalmente, “saga ” significa, num sentido algo enfatico, mais do que a forma mitica de conhecimento que costumamos Chamar saga na memoria épica da humanidade. Saga assinala aqui 0 todo da pret iso peculiar as palavras de se realizarem a si mesmas, de nada deixarem sobressair que §6 0 dito confirma ou corrobora, mas de serem certs NO proprio dizer-se do seu dito. Tal € 0 pristino sentido de mythos, uma palavra que, na maior pi e das vezes, € usada de um modo bastante impreciso. Mythos € 0 que destralda o seu intrinseco poder de verdade apenas mec a rival da tradigdo diante um ulterior ser-dito, € ndo 19 ELOGIO DA TEORIA gracas ainda a busca de uma certeza extrinseca 4 tradigaig saga. Assim, a poesia € saga, a saber, no sentido de que a Pala dy jd nao se refere a algo que lhe seria exterior. Nés, os especi listas, falamos entao de referéncia. Tudo seria antes como id constrangido a entrar no dito. Semelhante saga é a mais genuly palavra — tanto mais palavra quanto nela é impossivel * separaciio de som e significado. Por isso, 0 ideal da saga Pottics cumpre-se na intraduzibilidade. Enquanto constrangimentg a entrar na unidade do verbo e do som, a palavra da poesia ¢ simbolo de um mundo fechado em si, néo um Pedaco do mundo, de algo no mundo. Mesmo quando trata de um cande. eiro, como no famoso verso de Marike, ela nao € um poema objectivo ou concreto 4 maneira de Biedermeier, que comunica algo do mundo; ela prépria é mundo, o nosso mundo, o mundo do homem, que, no dito, se ajusta 4 auto-apresentag4o no som eno sentido. “Mas 0 que € belo cintila venturoso em si préprio” — assim se expressa 0 tiltimo verso desse poema. Diga-se, por fim, nos limites em que tal cabe ao fildsofo, alguma coisa acerca da palavra no sentido de promessa. Ha, penso, duas experiéncias humanas desta palavra que todos par- tilham, mesmo aqueles a quem nao foi oferecida a graca da fé: a palavra do perdao e a palavra da reconciliagao. Todos sabemos algo do cardcter factico, da realidade de tal palavra. Fazemos reiteradamente a experiéncia da ingente tarefa que o perdio apresenta também aquele que perdoa. Aquele que conseguiu pedir perdio é permitido acolhé-lo de tal modo que ja Ihe foi perdoado. Eis 0 tinico perdio que existe, uma palavra que jd nao tem de ser dita, porquanto jd abriu o caminho que conduz de um ao outro, porque jé superou, através do gesto da palavra, a desavenga, a injustica, isto é, tudo 0 que nos dissociava. Viremo-nos para o segundo exemplo de experiéncia humana que mencionei, a saber, a reconciliagao. E uma das mais profundas experiéncias que os homens fazem, pois, 1 pe peueacia da recon-ciliacdo, apresenta-se algo da verdadeira 5 ee ene do homem; portanto, da possibilidade 40 ciliagl onde interior. E esse, de facto, o segredo da reco omdiesana ae que existaa desuniao, a desavenga e a cisi0, estivermos divididos, onde a nossa convivénci4 an Joe IN A CULTURA EA PALAVRA se desfez, quer se trate de um Eu ou Tu, ou de uma pessoa e a sociedade, ou eventualmente do pecador e da Igreja—em toda a parte experimentamos que, com a reconciliagao, um mais entra no mundo. S6 através da reconciliagao se pode superar a alteridade, a ineliminavel alteridade, que separa 0 homem do homem e se eleva, sim, 4 admirdvel realidade de uma vida € de um pensamento comuns e soliddrios. Por isso, amensagem crista anuncia que somente através da aceitagao da mais extrema reconciliagéo, a do crucificado — e esta aceitagao chama-se fé — se vence a mais extrema alteridade da morta- lidade, do estar votado 4 morte. Missio da nossa propria tradigao cultural e penhor da sua subsisténcia parece-me ser 0 cultivo entre nés das formas de palavra assinaladas: a palavra da pergunta, que a si mesma se supera, a palavra da saga, que de si mesma da testemunho, e a palavra da reconciliagdo, que € como que uma primeira e Gltima palavra.

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