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Dados Internacionsis de Catalogasao na Publicagio (CIP) (Camara Brasileira do Liveo, SR Brasil) Le Breton, David Antropologia do corpo e modernidade / Devi Le Breton; radugio de Fibio dos Santos Greder Laps. ~ etrspois, J: Voze, 2081 "tao original: Anthropologie du corps et moderité Bibiograla ISBN 978-85-926-2419.9 1. Corpo humano = Aspectos sels I. Titulo, cop.s042 | senosr0 Indies para eatlogo sstemiico: 1. Antropslogia do corpo e modernidade Sociologia 3042, Davin Le BRETON Antropologia do corpo e modernidade TRADUGAO DE Fabio dos Santos Creder Lopes y EDITORA vozes etéplis Introdugao Este estado consiste em uma abordagem antropolégi- ca e socioldgice do mundo maderno, que toma 0 corpo como fio condutor. Eis aqui, no espelho de uma socie- dade dada, qual seja ¢ nossa, alguns eapitulos possiveis «de uma antropologia do corpo. Trata-se também de uma antropologia do presente, que toma emprestado com fre- quéncia 0 “desvio" da etnologia e da historia para apre- iar, sob tum Angulo insélito,e proporcionalmente mais Feil, certo ndimera depriticas discutsos, representagies ‘imaginérios que empregam o corpo na modernidade, 0 corpo € um tema particularmente propicio a uma andlise antropoligica, porquanto pertence de pleno di- reito A estirpe identificadara do homem. Sem 0 corpo, aque the dé um rosto, 6 homem néo existira. Viver con siste em reduzir continuamente 0 mundo ao seu corpo, a partir do simbélico que ele encarna®. A existéncia do homem é corporal. F 0 tratamento social e cultural e que o corpo objeto, as imagens que Ihe expoem a CF BALANDER G Ledérour-Powvoir et Nocerité Pais Foya 97. Cf LEBAETON,0asecooge ccs Paris A 1952 (Col Que see «espessura escondida, os valores que o distinguem, fala. ‘nos também da pessoa e das variagdes que sua definigéo ‘seus modos de existencia conhecem, de uma estrutura social a outra, Porguanto esti no cerne da agio indivi- dual e coletva, no cerne do simbolismo social, 0 corpo é ‘um objeto de anilise de grande aleaice para uma melhor apreensto do presente ‘Nada, sem diivida, é mais misterioso aos elbos do ho- ‘mem do que a espessura do seu proprio corpo. E cada so- Ciedade se esforgou, com seu estilo proprio, em dar uma resposia particular a este enigma primeiro no qual o ho- ‘mem se enraiza. O corpo parece dbvio, Mas a evidéncia € frequentemente 0 mais curto caminho do mistério. 0 antropélogo sabe que “no cerne da evidéncia, segundo a bela férmula de Fdinond Jabés, bi vazic’, isto &, 0 crisol do sentido, que cada sociedade forja& sua manei- 72, com evidéncias que no sto tals sendo para o olhar familiar que suscitam. A evidencia de um é o espanto do outro, senio sua incompreensto, Cada sociedade, no interior de sua visio de mundo, delineia um saber sin- gular sobre o corpo: seus elementos constitutivos, suas performances, suas correspondéncias etc. Ela lke confere sentide e valor. As concepedes do corpo sio tributicias das concepses da pessoa. Assim, namerosss sociedades ‘nko separam 0 homem do scu corpo, & maneira dualis- 1a, tt familiar 20 ocidental. Nas sociedades tradicionais, ‘0 corpo nao se distingue da pessoa. As matérias-primas ‘que compéem a espessura do homem sao as mesmas que 8 dio consisténcia ao cosmo, & natureza. Entre o homem, ‘© mundo ¢ 6s outros, um mesmo estofo reina com moti- vose cores diferentes, os quais no modificam em nada a ‘rama comum (capitulo 1). © corpo modemno € de outra ordem. Ele implica 0 ‘solamento do sujelto em relagio aos outros (uma est {ura social de tipo individualista), em telaco a0 cosmo (as matéries-primas que compéem 0 corpo nao tém qual- «quer correspondéncia em outra parte), eem relagio @ ele ‘mesmo (ter um corpo, mais do que ser 0 seu corpo). O corpo ocidental é 0 lugar da cesura, 0 recinto objetivo da soberania do ego. Ele & a parte insecével do sueito, 0 “fa- lor de individuagaa” (Durkheim) em coletividades nas ‘quais 2 diviso social é admitida. [Nosias concepe8es atusis do corpo cstio ligadas 20 avango do individualismo enquanio estrutura socil, & cemenpéncia de win pensamento racional postive ¢ laico so- bea natureza ao recuo progressivo das trades populares locais, igadas ainda & histria da medicina, que encarna ‘em nossa sociedades um saber, de cera forma, oficial so- be 0 corpo. Bstas so as condigdes socials e culturais particulares que he deram origem (capitules 2 3). Ten- amos construir uma histéria do presente, abalizando ‘© que nas parece mais significativo no estabelecimento dda concepsio ¢ do estatuto atual do corpo. Uma espé- cie de genealogia do corpo moderno, com os tempos fortes de Vesalins ¢ da filosofia mecanicista (capitulos 2€3), Entretanto, mesmo etm nossas sociedades oci- lama ura forma de restncia a atomizasio do socal. Uma manele demanter uma aparkncia de vida comantiaymas de um modo con- troedo voluntarta como ltrs ber @ fener asocativa So bre este tera, ces vies ferentes: BAREL La socleté du ve Pais: ‘Soul 1983 -LPOVETSALG re cu ide Poi lima 1985 19 so resulta uma caréncia de sentido que &s vezes torna 4 vida dificil. Do fato da auséncia de resposta cultural para gular suas escolhes e suas ag6es, o homem é aban donade 3 sua prépria iniciativa, & sua soliddo, despro- vido perante numerosos eventos essenciais da condigao Jumana: a morte, a doenga, a solidao, o desemprego, 0 cnvethecimento, a adversidade... Convém na divida, eas ‘vezes na angtistia, inventar solugdes pessoais. A tendén- cia a0 recolhimento em si, ea busca da autonomia, que ‘mobiliza inimeros atores, nao sao sem consequeincias sensiveis sobre o tecido cultural. A comunidade dos sen: tidos ¢ dos valores sedispersa na trama social sem sold J realmente. A atomizagio dos atores acentua ainda 0 distanciamento dos elementos culturas tadicionais, que ‘caem em desuso ou tornam. se indicagives sem espessura, les tornaram-se pouco dignos de investimento e desa- pparecem, detxando um vazio que no preenche os proce- ddimentos técnicos. Ao contririo, as solugdes pessoais se proliferam, e visam suprir as earéncias do simbélico por ‘empréstimos de outros tecidas culturais ou pela criagio de novas referencias [No ambito do corpo, uma mesma dispersio de re- feréncias se produz, A concepeio, um tanto quanto de. sencantada, da anatomofisiologia,¢ os avangos recentes ‘da medicina e da bioteenologia, além de favorecerem a denegasio da morte, nao tornam essa representagko do corpo nem tum pouco atraente. Inimeros stores entre. gam-se a uma busca incansivel de modelos destinados 20 a atribuir aos seus coxpes uma espécie de suplemento de alma. Assim justifica-se 0 recurso a concepgaes do corpo heterdclitas frequentemente contraditérias, simplifica- das, reduzidas por vezes a reccitas, O corpo da Moderni- dade se torna um melting pot bem présimo das colagens surrealistas, Cada ator “bricola” a representagao que far de seu proprio corpo, de maneira individual, autonoma, mesmo se retira, para tanto, no ar do tempo, 0 saber vul- garlaado das midias, ou a casualidade de suas Teituras ¢ de seus encontros pessoas. Ba um reconhecimento do progresso do individua- lismo na trama social, ¢ de suas consequéncias sobre a8 representagbes do corpo, que um estudio das relagSes en Ite © corpo e a Modernidade nos impée imediatamen- te. Voremos inicialmente 0 quanto a ntogdo de “corpo” & problemética, indecisa. A mogio moderna de corpo é um cfeito da estrutura individualista do campo social, uma ‘consequéncia da ruptura da solidariedade que mescla 2 pessoa um coletiva ea cosmos por meio de um tecido de correspondéncias no qual tudo se entrelaga. 1.2 “Vocés nos trouxeram 0 corpo” ‘Um relato espantoso, contado por Maurice Leenharét ‘em um de seus estudos sobre a sociedade canaque, mos petmitira melhor colecarmos este problema de mostrar {gualmente © quanto 0s dados estudados nesta obra sto a rnecessariamente soidérios com uma concepsdo de cor Po tipicamente ocidental e modema. Mas, antes de che- gar a iso, & precio sttuar as concepgGes melanesianas 4 corpo’, assim como aquelas que estrurara e dio um sentido e um valor a nogio de pessoa. Entre os canaques, 0 corpo recebe suas caractersticas do reino vegetal. Parcela ndo destacada do universo, que ‘banka, ele entrelaga sua existencia as vores, aos futos ¢ asplantas Be obedece ds pulsagoes do vegetal, confun- ido a essa gemeinschaf ales lebendigen (comunidade de ‘udoaquilo que vive), da qual Cassirerdizia outrora, Kara eros com certen quest apna dum mac de a AS Concepssesmelanesanas do corpo |amals @autoromizam eomouma ‘eokdadea parte. “LEENHARDT M. Oo Kame Pars Gallimard 1947, 2.5470 a sob esse nome, Quanto 20s intestinos, sf0 assimilados uosemaranhados de cipds que adensam a loresta. O cor po aparece aqui como outra forma vegetal, ou o vegetal como uma extensio natural do corpo. Nao hé qualquer fronteira discernivel entre esses dois dominios. Apenas ‘noss0s conceitos ocidentais permitem essa divisfo, sob © risco de uma confusio e de uma redugio etnocéntricas das diferengas, (© corpo nio é concebido pelos canaques como wma forma ctuma matériaisoladas do rmundos cle participa cm sua totalidade de urna natureza que, a0 mesmo te1ap0, 0 assimila € 0 banha. A ligagéo com o vegetal nao é uma ‘metdfora, mas uma identidade de substancia, Numero- 08 exemplos tomados da vida cotidiana dos canaques ilustram bem o jogo dessa semantica corporal. De uma crianga raguitica, diz-se que ela “brota amarela, seme- thante nisso a uma raiz cua seiva escasscia, que fencer. Um velho se insurge contra o policial que vem procurar cu filho para constrange-lo aos trabalhos dificeis exigi- dos pelos brancos, “Veja esse brayo, dizele, &de dgua” A cxianga € idéntica icalmente aquoso, depois, com o tempo, lenhoso e duro” (p. 63) ‘Numerosos exemplos podem assim suceder-se (p. 65-66); 15 mesmas matétias operam no seio do mundo e da car- ne; elas estabelecem uma intimidade, uma solidariedade entre os homens ¢ seu ambiente. Na cosmogonia cana- que, todo homem sabe de qual érvore da floresta provém cada um de seus ancestrais. A Srvore simboliza a pertenca tum rebento de drvore, a ‘a0 grupo, enraizando 0 homem A terra de seus ances. traisearibuindo-Ihe, no seio da naturera, um lugar sin- gular, fandido entre as intimeras érvores que povoam a floresta. No nascimento da crianga, Monde se encontra centerrado 0 cordao umbilical, planta-se um rebento que, ouco a pouco, afirma-se e cresce segundo a medida do amaciurecimento da crianga. A palavra karo, que designa © corpo do homem, entra na composi¢zo das expresses que batizam: 0 corpo da noite, 0 corpe do machado, © corpo da agua ete. Compreende-se imediatamente que a nogio ociden- tal de pessoa é sem consisténcia na sociedade melanesia- na. $e 0 corpo esté em ligado com o universo vegetal entre os vivos e os mortos, nao cxistem mais fronteiras, ‘A morte no é conecbida sob a forma do aniquilamento, cla marca o acesso a outra forma de exisiéncia, na qual 0 defunto pode tomar o ugar de um animal, de uma arvo- re ou de um espirito, Ele pode até mesmo voltar aldela fom & cidade e misturar-se aos vivos sob o aspecto do bao (p. 67s). Por outro lado, durante sua vid, cada sujito 36 existe em suas relagbes com 0 outros. O homem & apenas um reflexo. Fle ndo tem sua espessura, sua con- sisténcia, a nio ser na soma de suas ligagdes com seus parceiros. Trago relativamente frequente nas sociedades tradicionais, e que, de resto, remete-nos aos trabalhos da sociologia alema do comeso do século XX, na oposicio aque cla faz, com Tonnies, por exemplo, entre o vincullo comunitirio¢0 vinenlo social A existéncia do canaqueé ry aquela de um ambiente de troca no seio de uma comuni- dade onde nada pode sec caracterizado como individuo. ‘Ohomem af sé existe pelas suas relagdes com outrem, ele pio tira a legitimidade de sua existéncia de sua propria pessoa erigida em totem’. A nocdo de pessoa, no sent do ocidenta, nao é, portanto, perceptivel na sociedad © na cosmogonia tradicional canaque. A jortior, 0 corpo no existe. Pelo menos ndo no sentido em que o enten: demos hoje em nossas sociedades. O “corpo” (0 kare) & ‘aqui confundido com 0 mundo; ele nio €0 suporte ou & prova de uma individualidade, posquanto esta ndo esté fixada, uma vez que a pessoa repousa sobre fundamentos quea tornam permeivel a todos os efitvios do mefo am- biente. © “corpo nio ¢fronteira,dtomo, mas elemento indiscernive! de um todo simbélico, Nao existe aspereza centre a came do homem ¢a carne do mundo, ‘Bisagorao relat do qual flamos. Mausice Leenhardt, ceurioso por melhor delimitar a relacdo dos valores oci- dentalssobreasmentalidades tradicionas, intertoga tem yelho canaque ¢ este responde, para grande sorpresa de Leenhardt: “0 que vocés nos trouxeram foi 0 corpo" (P- 1263), A imposicao da weltanschauung ocidental em cer- tos grupos, ainda & sua evangelizacao*, conduz aqueles Segundo a tormuia de LV-STRAUSS.C Lo penséeowage Faison, 1962,p.285. «score aimportindad ato deincividvacsoneocrtiansma c.MAUSS, La ntion de personne! Scologieet anhrapaogie Pari: PU, 1950 DUMONT, LEsasur Findus. Pacts: Seu 198. 2 que extrapolam 0 limite, aqueles que aceitaim despojar- se de seus antigos valores, a uma individualizaao que reprodu, sob ume forma atenuada, aquela das socieda. des ocdentais. O melanesiano conquistado, ainda que de ‘maneira rudimentar, por esses valores novos, lberta-so do tecido de sentido tradicional que integra sua presenca n0 ‘mundo no selo de urn contieusums ele se torna em germe indivisum in se, Bas fronteirasdelimitades por seu corpo o distinguem doravante de seus companheitos, mesmo da- 4qucles que perfizeram 0 mesmo percurso. Distanciamen to da dimensio comunitiria (e no desaparecimento, na ‘medida em que a influéncia ocidental sé pode ser parcial, citadina, antes que rural), ¢ desenvolvimento de uma dl- ‘mensio social ma qual os vinculos entre os atores si0 mais Jassos. Certo numero de melanesianos acaba, portanto, por ‘se sentir antes individuo em uma sociedade do que mem- bro dificlmente diseernivel de wma comunidade, mesmo 58, nestas sociedaces um tanto quanto hibridas, a passa- ‘gem ndo se estabelece de maneira radical. O estrettamento fem direc a0 eu, 0 egos que resulta dessa transformagdo social e cultural, induz.a vrifcagdo nos fatos de uma forte intuigdo de Durkheim, segundo a qual, para distinguir um sujelto de outro, “é necessirio um fator de individuacao, e €o corpo que desempenha esse papel”. * OURICIEIM & formes elemontares dea vie eigese Pas: PUF 1968, 1.3865. rosa Erle Durem encontra af princilo de Inv ‘duagbo pela maria que,na wad cits, remete a Santo Toms de Aauina 6 [Mas essa nogio de pesson cristalizada em torno do eu, em que consste 0 individuo, & ela mesma ume aparigio recente no seio da histria do mundo ecidental. Algumas reflexes se impkiem aqua para mostrar a solidariedade que vincula as concepydes modernas da pessoa e aquelas que, consequentemente, atribuem ao corpo um sentido ¢ um ‘statutn, Desde Jogo importa sublinhar o curso diferen- ado do individualismo no seio de diverses grupos socias. Jem Le suicide, f, Durkheim demonstra perfetamente {que aautonomia do ator nas escolhas que se he apresentam nao é @ mesma segundo o meio social ¢ cultural no qual cle oe enralza. Em certs rides francesas, por exemplo, a ddimensio comunitérianio desapareceu inteiramente; clase verifica mesmo na sobrevivéncia e na vivacidade de certas concepgées do corpo postas em jogo pelastradigdes popu Jares de curandeirismo, onde a tutela simbélica do cosmo, dda natureza,€ ainda perceptivel Bla se confirma também, nessa regibes, pela desconfianca testemunheda er relagdo ‘uma medicina tribotiria de uma concepeio individualista do corpo. Voltaremos a isso na sequéncia deste texto. A nogio de individualismo, que serve de base a esta argumentacio, é, aos nossos olhos, mais uma tendéncia dominate do que uma realidade intrinseca as nossas Yarios por exempigna fetaria, que asfonteas do syjelto trans ‘bordarm 0s Imes de seu propio corpo, para englobar sua fami, ‘aut beng & mani de um emaranhamentotica da exrsuragho harmonia diferencial do grupo. A identidade pessoal do africano no se encerra em seu corpo, este nao 0 separa do grupo, mas, a0 contriria o inclu. ‘ao ueosctnslogos neguem adverse dosind- ‘ios afogand-os todos em uma conidade que seria primeira quesera a ica ela verdadeira, nota Roger Baste Ble reconhece que gens tims dae gent audacios, gente crude pesocs amiss, ros exes craters se onganizam en in ses ‘mo anivese,constuind + uniade dir da eo 36 sas, qual sea unidade de wma order, Uma orden na qual a pesos spuga por dees do personage, porquano éaquse ques stables ene stats ferencados endo aqudedacomplementaridadecon- hnngeze de teperarsetos mupes”™ ‘Obomem afticano tradicional esti imers no seo do os- mos, de sua comunidade, ele participa dalinhagem de seus ancestais de seu universo ecolégico, soo nos fundamenins smesmos do seu ser”, Ele permanece uma especie de intensi- dade, concetada a diferentes nivtis de elagées. Fsdestetecido de trocas que de tira o principio de sua existncia, [Nas sociedades ocidentais de tipo individualista, 0 corpo funciona como interruptor da energia social nas sociedades tradicionais ele 6, a0 contririo, a conexio da cenergia comunitéria, Pelo se corpo, o ser humano esté em comunicasdo com os diferentes campos simbélicos {que dio sentido & existéncia coletiva. Mas 0 “corpo” nao a pessoa, porque outros principios concorrem para a Fundagio desta iltima, Assim, € entre os dogons", onde EASTIDE, ALe principe dindvuation® La notion de personne em Aa Nee Pi CMRS.1973,9.36 Cl perc THOMAS LA “Leplralsme coherent dela notion de per sonne em Affique Noe radicinelle In: BASTIDE.R La nation de personne en Algue Note Op. p. 387 nos nos apolamosaqu no vo casio de CALAME-GRIMULE,G fh oii et angue~ La parole che et Dogon, Pati alia 1965, 2. 325 DETERLEN,GLImage du corset les composantes dela persone ‘chezles Dogort.re BASTIDE. Rta notion de personne en Aue Nate. Optyn.2055 a7 esse simbolo exprime a “consubstancialidade” do homem ¢ do grio, sem a qual ele no pode- ria viver” (Germaine Calamé-Griaule, p. 34). As criangas recebem em seu nascimento os mesmos 4 pessoa ¢ constituida da articulaglo de diferentes pla- zos,incluindo, de maneira muito singular, aqullo que 6 ocidental tem o costume de denominar o corpo. Entre 0s dogons, « pessoa é composta 4) De um compo: a parte material do homem e “a polo de atragio de seus principos espirituals um "pro de universo’, sua substancia mescla os qua tro elementos, como todas as coisas que exstem: a gua (o sangue ¢ os liquidos do corpo), a terra (0 esqueeto), 0 ar (0 sopra vital) e0 fogo (0 calor animal). © corpo eo cosmos esti indistintamen- te mesclados, consttuides dos niesmios materials, segundo as diversas escalas de grandeza. O corpo nfo encontra, portanto, seu prineipte nele mes- ‘mo, como na anatomic ¢ na fisiologia ociden 5 elementos que the do um sentido devem ser bbuscados alhures, na patticipacéo do homem no jogo do mundo e de sua comunidad, O homem existe por sr parcela do cosmo, nlopor si mesmo, ‘como ma tradicio tomista ou ocidental, na qual a {manéncia do corpo, porquanto ele ématéria, fun dla aexisténcia do suit. A anatomia ea fisilogia dogons articulam igualmente o homem ao cosmo or todo um tecido de correspondéncias b) “Oito geios simbulicos estéo localizados nas cla- viculas. Esses grios simbélico, principais cere- ais da regido, constituem a base da alimentacio dos dogons, que sto essencialmente agricultores, 38 grios que seus pais. A bissexualidade inerente ao ser humano é aqui marcada pelo fato de que sgeralmente 0 dogon recebe em sua clavicula di reita quatro gros “masculinos” de seu pai e de seus ascendentes ignaticos, ¢ em sua clavicula esquerda, quatro gros “femininos” de sua mie de seus descendentes uterinos, Por esses grios, a pessoa é marcada na filiagio do grupo, ¢ tam- bbém se enraiza no principio ecol6gico que funda a vida dos dogons. Os gros compoem uma espé ie de péndulo vital, a existtncia do homem esta ligada & sue germinagae. ©. A forga vital (dma), cujo principio reside no san- gue. Marcel Griaule a definiu como “uma energia potencial, impessoal, inconsciente, epartida entre todos os animais, vegetais, nos eres sobrenaturais, nas coisas da natureza, ¢ que tende a fazer perse- ‘rar em seu ser, suporte a0 qual ela est afetada temporariamente (ser mortal), eternamente (ser imortal)"®. © nama resulta da soma dos namas ddados por seu pal, sua mie e o ancestral que re- aasee nele GRILLE M Masaues dogo Pas Institut SEthrologe, 1958p 160. 39 4) Oscitokikinu, principlos espirisuas da pessoa, di- vididosem dois grupos de quatro (eles sio machos cu fEmeas, intligentes ou bestas), gémeos dois a dois. Elescontribuem, segundo sua determinacio, para delinear a psicologia da pessoa, seu humor. Estio organizados em diversos drgios do corpo, pode-se ainda te-los reservados em diversos lu- gares (um pogo, um altar, um animal.) segundo ‘0s momentos psicoldgicos vivides por aqueles que os trazem, (utras representagées da pessoa em terra africana podem ser evocadas. Mas jé se pressente 0 niimero de percepgdes do “corpo” que podemos encontrar. A de- finigdo de corpo é sempre dada no vazio da definigio de pessoa, Nao é absolitamente uma realidade eviden: te, uma matéria incontestivel: 0 “corpo” existe apenas constraido culturalmente pelo homem. um olhar lan- «ado sobre a pessoa pelas sociedades humanas, que Ihe balizam os contornos sem o distinguis, na maior parte do tempo, do homem que ele eneara, Donde o para- doxo de sociedades para as quais o “corpo” nao existe. ‘Ou sociedades para as quais 0 “corpo” é uma realidade téo complexa, que desafia o entendimento do ocidental. Da mesma forma, a floresta ¢ evidente & primeira vista, ‘mas hd a floresta do indio € aquela de quem procura, ouro, aquela do militar e aqucla do turista, aquela do herbolério e aquela do ornitélogo, aquela da crianga e aquela do adult, aquela do fugitivo eaquela do viajante.. 49 ‘Da mesma maneira, 0 corpo s6 adquire sentido com 0 clhar eultural do homer, ‘A.compreensio das relagSes entre o corpo ea Moder: ridade impde uma genealogia, uma especie de “histria do presente” (M. Foncauit), um regresso & construgio da nogdo de corpo na eirstellung ocidental. Uma tefle xo também sobre a nogio de pessoa, sem a qual néo seria possivel apreender os riscos dessa las. Veremos pouco @ pouco, a0 longo do tempo, instaurat-se uma ‘concepgao do corpo paradoxal, Por um lado, 0 corpo como suporte do individuo, fronteira de sua relagdo com ‘© mundo; e, em outro nivel, © corpo dissociado do ho- ‘mem ao qual confere a sua presenga, ¢iss0 por meio do sodelo privilegiado da méquina, Veremos os vinculos cestreitos que se estabeleceram entre 0 individualismo € © corpo moderno, a

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