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Boletim de Comissdo Municipal de Turismo de Evorn *A CIDADE DE EVORA» — B— Mestre André de Rezende ’) NTRE a rua do Amauriz e a de Aviz, na fregue- sia de Sao Mamede deste Relicdrio de Arte e Remeniscencias Histéricas que se chama Evora, existe a rua chamada do Mestre Rezende. Em nossos tempos é ambigua tal de- signacao, pois o titulo de Mestre tanto se pode aplicar a douto professor, como a eximio esgri- mista, ou a sapateiro remendao, passando pelos mais diversos modos de vida. Sendo ésse Mestre Rezende um dos mais abalizados que, no primeiro campo, nasceu e viveu na nossa terra, com o intuito de evitar possiveis contusdes e no propésito, absolutamente justo, de render home- nagem 4 memGria dum eborense a quem deve ser aplicado 0 célebre verso do poeta: ...em guem poder nado tem a morte, o Grupo Pro-Evora solicitou em 1936 4 Comissao Administrativa da Camara Municipal que por baixo das lapides dando o nome a tal rua, outras se colocassem eluci- dando o ramo em que Rezende foi Mestre. Gragas 4 pronta aquiescéncia daquela Comissao, nao demorou a ser realisado 0 pedido do Grupo. A homenagem é deminuta para o valor do consagrado, porém, ensina-nos 0 rifao, mais vale pouco do que nada. Essa homenagem, embora bem simples é ja suficiente para que quem transite por aquela rua nao fique preplexo com a sua designacao, passando, se fiver a cultura suficiente, durante o seu trajecto, nado em vagas suposi¢ées sobre que mestria seria a désse Rezende, mas sim re- cordando a vastissima obra realisada por André de Rezende. Antes de a enunciar, em tracos descoloridos e largos, antes de citar passagens demonstrativas do seu valor, e ja como prova de tal, sa- lientarei que desde 1549—ou seja ainda em vida do homenageado — aquela rua, segundo um interessante trabalho de investigacao historica do sr. Claudino de Almeida, tem transmitido até nossos dias 0 seu maior motivo de orgulho:--o ter sido num dos prédios que a constituem que André de Rezende viveu parte da sua vida. Em 1549 era Rua de Rezende; dez anos depois tinha a actual designagao, mas em 1584 chamava-se Travessa de Mestre Rezende; tendo em 1595 0 mais racional de todos os nomes —Rua do Mestre André de Rezende; em 1708 tinha perdido 0 nome glorioso que, em 1852, ja estava recuperado em Rua de André de Rezende. Possivelmente em 1869, ao serem creados ésses interessantes rétulos de forma eliptica, voltou 4 de- signacao de trés séculos atras. eh es «A CIDADE DE EVORA» Foi em 1506, na Rua d’Oliveira desta cidade, que nasceu André de Rezende, filho de André Vaz de Rezende, Cavaleiro da Ordem de Cristo e de Leonor Vaz de Gois. Orfao de pai na mais tenra idade, cedo foi acolhido pela Ordem de S. Domingos, cujo convento era situado onde hoje se encontra o jardim ptiblico da Praca Joaquim Antonio de Aguiar. (4) Recebida, com o melhor exito, a primeira instrucéo e vendo os professores as altas qualidades de inteligencia do moco discipulo foi éste para Alcala d’onde, mais tarde, passou para a Universidade de Salamanca, onde se formou em Filosofia e Teologia. Foi na velha cidade universitéria da nacao vizinha que André de Rezende comecou a cultivar o gosto pelas antigtiidades, sobretudo pelas romanas, iniciando ai os seus estudos sébre epigrafia. Além da Universidade espanhola foi aluno, igualmente notdvel, da de Paris. Sedento de adquirir a mais vasta cultura, residiu em Flandres onde, gracas 4 aura que ja cercava o seu nome, viveu na corte de Carlos V, com quem, segundo os seus bidgrafos, chegou a estreitar amistosos lacgos. . Os eborenses, seus conterraneos, com o mais legitimo dos in- teresses, acompanharam a evolucao grandiosa do antigo tutelado dos do- minicanos, orgulhando-se com as constantes noticias de novos triunfos, fazendo alarde dos méritos de quem, como éles, fora nado desta terra onde, entao, vivia o rei de Portugal D. Joao Ill que, conhecendo o seu valor, nomeou André de Rezende Mestre dos Infantes D. Afonso, D. Duarte e D. Henrique. Com ésse encargo voltou 4 terra natal onde, tendo obtido a in- dispensdvel licenga pontifical, mudou 0 habito de S. Domingos pelo de clerigo, com o fim nao s6 de bem desempenhar as suas fungdes oficiais como estende-las a todos os mancebos que o quizeram para Mestre e, ainda, melhor poder dedicar-se 4 sua absorvente paixdo:— 0 estudo das antigiidades. Beneficio directo receberam os eborenses désses estudos pois a André de Rezende se ficou devendo a construgao do aqueduto aprovei- tando, segundo Gabriel Pereira, parte do romano, que por éle foi descoberto. Apesar das dtvidas entao levantadas, em 12 de Junho de 1535, foi lavrado um documento distribuindo, sem divida pelos eborenses mais abastados, a obrigagdo de concorrerem para ésse formidavel empreendi- mento que chegou até ao século XX, sendo ainda aproveitado. Passando a cérte a Lisboa, uma vez mais, teve Rezende de abandonar a sua terra. () A propésito, e como curiosidade, trago aqui a descri¢do de tal edificio, feita na Evora Gloriosa: 4A igreja é de 5 naves mais vasta que formosa, pela grandesa dos pedestais e pouca simetria das capelas. O painel do altar-mér da Transfiguracdo de Cristo, como tambem 0 do «Ecce Homo» do Capitolio so assombros, ndo s6 pela mestria e primor de arte, mas pela qualidade do auctor que foi Frei Henrique de Sao Jeronimo, O convento é nobre, com airoso claustro regado por uma prenhe fonte da agua da Prata que foi a pri- meira’que D. Joao Til, em 1546, concedeu as comunidades religiosas,.. As escadas so magestosas, eas oficinas maguificas», «A CIDADE DE EVORA» "ANTIGY DADE ¢° PACU Le te Heda per Mecilie © 238 AndreedeRee ua fend teistetelons erm ‘Deeen.. 2 feeb Sa eee Frontispicio de 1* EdicBo de «Histéria de Antiguidede 2 Cidade de Evorax, do nolével humenisto André de Rezende Livro impresso em Evora por André de Burgos — 1558 L-ANDR. RESENDII Lofitanisad, (emad. -AMBRO- SUM Résto de cEpistola Latina de L. André de Rezende @ D. Ambrésio Morales» Livro impresso em Evora por André de Burgos — 1570 MONUMENTOS DE EVORA Igreja de S.'° Antéo: Corpo das naves visto da Capele-mor Templo paroquinl reconstruido pelo Cardeal-Rei D. Henrique, em 1587, foi con. sadgrado sete anos depois com luzimento @ cerimonial expiendoroso. Debuxo do argu fecto Miguel de Arruda, teve por mestres Manuel Pires e Bréz Godinho que des. truiram, primeiro, a ermida gotica de St. Antoninho ea Albergaria do Corpo de Deus, € mais tarde 1970 ~ im imponente areo triunfal romano transformado em fon fengrlo da Agua da Prata, para desafrontamento da fachada, meridional. De ‘estilo bardco, ‘pesado e de grandeza uum tanto desiquilibrada, a idreja, “de duas tOrres e tres portas € Subdividida por tres naves de colunas cilindrieas, draniticas, na ordem jonica, Com artesoado na abdbada, muito pobre e posterior 1965, ano em que o terramoto de'28'de Abril causava asia queda. ‘Santo. Antao foi séde de um vicariato de usufruto dos. bispos de Evora, com 0 titulo de Abades, dignidade beniticiada no advento de D, Joao de Melo que creow a Colegiada de que se intituion primetro Prior. Belos € variados padroes de azulejos de egmalte verde e branco, policrémicos ¢ amis decoram as capelas laterais — dos séculos XVII-XVIIl e modernoz, sendo as do baptistério armoriados com os leoes rompantes do arcebispo D. Frei Luis da Silva Teles. ‘Sao doze os santudrios inciuindo os do cruzeiro.e a’ Capela-mory as mados, a partir da nave lateral direita: Baptismal; — S.* da Alegria, como. painel'. Os estudos de Mestre André de Rezende nao eram feitos apenas no remanso da sua casa. Nao; éle corria campos e povoacdes 4 procura de elementos, ele dirigia pesquizas arqueoldgicas, e, ja li algures, até por mais duma vez, 0 douto professor pegou numa enxada entusiasmado a procura de nova lapide, dum timulo, ou de indicio insofismavel de via romana, para juntar aqueles em que se baseava para conhecer a «Historia das Antiguidades». Tenho conhecimento de exploragdes arqueoldgicas por éle rea- lizadas nao sé em Evora e seus arredores como em Torrao, aldeia de Pomares, freguesia de Monsaraz, Beja, etc. Muito viu Rezende, muito conseguiu descobrir nesta cidade, até entao envolta pelas nuvens da fantasia. Foi éle quem, mercé dos seus porfiados estudos, fez luz com- pleta sObre a passagem de Quintus Seriério por Evora, conseguindo, além da relevante descoberta ja citada do aqueduto, determinar a residén- cia do famoso caudilho, achando interessantes testemunhos do valor atin- gido nessa época pela nossa terra. De absoluta justica sao as palavras com que 0 ilustre amigo de Evora Dr. Augusto Filipe Simoes abre o seu relatério de 1869 «A cerca da renovagao do Museu Cenaculo»: — «A CIDADE DE EVORA»> «E tao natural sentimento dos povos cultos a veneracao dos monumentos da antiguidade, que ninguem acreditaria, se 0 nao visse bem patente, 0 desprezo com que em Portugal teem sido tratados. Desde a capital do reino até as vilas e aldeias nao faltou por toda a parte copiosos vestigios do comum furor de destruir, adulterar ou emplastar as reliquias da arquitetura e da escultura dos séculos que foram. Apenas numa ou noutra época aparece algum ilustrado amador das antiguidades a con- trastar por seus esforcos individuais com a geral cegueira, como a luz do farol que brilha por entre as trevas do dilatado espaco que 0 cerca. Taes foram André de Rezende e D. Frei Manuel do Cenaculo. Ao pri- meiro deve a cidade d’Evora importantes subsidios para a historia da dominacdo romana...». Ao passo que ia realisando as suas importantes pesquizas e estudos, Mestre André de Rezende transformava a sua casa num verda- deiro Museu—o primeiro desta Cidade-Museu—como o registam di- versos auctores, dos quais salientarei cou Pereira igualmente ilustre filho desta terra: «Em Evora, no seculo XVI, André de Rezende, o grande anti- quario e humanista, reuniu algumas lapides e fragmentos de escultura, e com essas venerandas reliquias ornou e nobilitou o quintal da sua casa...». Em 9 de Dezembro de 1575 faleceu o insigne historiador, que no seu testamento, deixou dito 0 seguinte: «... meu corpo seja enterrado no mosteiro de Sao Domingos na sepultura que p2ra isso partilhei com os Padres, no habito da Ordem... que sobre a minha sepultura se ponha uma campa de marmore, que tenho em minha casa e que seja renovada; e que se lhe ponha um letreiro que diga: Licenciatus Andreas Resendius hie situs est=pondo um L e um A grandes, e um H. S. E. com dois pontos em cada letra e o mais bem feitas e bem talhadas e eguais, e esta se pora 4 entrada do capitulo no meio». Foi cumprida a vontade do arquedlogo, até que em 1839, de- vido 4 demolicao do Convento de S. Domingos, foram traslados os seus restos mortais para a Sé dando-se assim cumprimento 4 seguinte carta dirigida pelo Governador Civil Anténio José de Avila 4 Camara Municipal : «Tendo 0 Governo de Sua Magestade Fidelissima, a Rainha, autorisado, em virtude da representagao, que tive a honra de fazer subir a presenca da mesma Augusta Senhora, para, fazer demolir 0 edificio do extincto convento de Sao Domingos d’esta cidade, convertendo o seu local numa praca publica; é existindo sepultados na edreja do mesmo convento os despojos mortais do insigne Eborense André de Rezende, varao que se fez nao menos celebrado por seus conhecimentos e profunda erudicao que por seu acrisolado amor para com o paiz, em que nasceu, e a que prestou os mais relevantes servicos, tornando-se por estas circunstancias credor da veneragao e respeito de todo o verdadeiro patriota, e com es- pecialidade dos habitantes desta ilustre cidade; sendo por outro lado as honras e homenagens, que se prestam aos mortos que bem mereceram da patria, alem do devido tributo de gratidao, um dos mais poderosos esti- mulos que impelem os vivos a praticarem iguais gentilezas e a trilhar com denodo a espinhosa carreira da honra e da gloria; tenho a honra de con- «A CIDADE DE EVORA»> vidar a V. S.™ para fazerem trasladar as cinzas deste seu tao benemerio ie compatriota para a igreja que V. S.* julgarem conveniente. . .». { Esta carta tem a data de 21 de Maio de 1856. Um século depois a singela homenagem sugerida pelo Grupo Pro-Evora e efectuada pela Camara Municipal obedeceu aos mesmos fins da trasladacao feita a convite do que foi, mais tarde, primeiro duque de Avila e Bolama. Em 1936, como cem anos antes, tributou-se preito de home- nagem e profundo reconhecimento a quem se tornou credor da veneracao e respeito de todo o verdadeiro PS ra e com especialidade dos habi- tantes desta ilustre cidade. GYoaguim Augusto Cimara Manuel If Evora é a histéria portuguese escrita em obras de arte. Fialho de Almeida

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