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AS TEORIAS DA EDUCACAO E 0 PROBLEMA DA 1. O PROBLEMA: De acordo com estimativas relativas @ 1970, “‘cer- ca de 50% dos alunos das escolas primérias desertavam fabetismo ou de analfabetismo Potencial na maioria dos pafses da América Latina” (Te- desco, 1981, pig. 67). Isto sem se levar em conta o con- ttingente de criancas em idade escolar que sequer t&m ‘acesso a escola e que, portanto, jé se encontram “a prio- ri” marginalizadas dela. (© simples dado acima indicado lanca de imediato fem nossos rostos a realidade da marginalidade relative mente a0 fenémeno da escolarizago. Como interpretar esse dado? Como explicé-lo? Como as teorias da educa- ‘cdo se posicionam diante dessa situagio? Grosso modo, podemos dizer que, no que diz res- peito & questo da marginalidade, as teorias educacionais podem ser classificadas em dois grupos. Num primeiro grupo, temos aquelas teorias que en- tendem ser a educacdo um instrumento de equalizacdo social, portanto, de superaco da marginalidade. Num segundo grupo, esto as teorias que enten- dem ser a educacdo um instrumento de discriminacdo social, logo, um fator de marginalizagéo. ‘Ora, percebe-se facilmente que ambos os grupos explicam a questo da marginalidade a partir de determi nada maneira de entender as relagdes entre educacdo sociedade. Assim, para o primeiro grupo a sociedade & concebida como essencialmente harmoniosa, tendendo & integrago de seus membros. A marginalidade é, pols, um fendmeno acidental que afeta individualmente a um ni- mero maior ou menor de seus membros que, no entan- ‘to, constitui um desvio, uma distorco que ndo s6 pode ‘como deve ser corrigida. A educacdo emerge ai, como um instrumento de correedo dessas distoredes. Constitui, ois, uma forca homogeneizadora que tem por funcdo reforcar os lagos sociais, promover a coeséo e garantir a integrag3o de todos os individuos no corpo social. Sua fungdo coincide, pois, no limite, com a superacdo do fendmeno da marginalidade. Enquanto esta ainda existe, devem se intensificar os esforgos educativos; quando for superada, cumpre manter os servigos educativos num ni- vel pelo menos sufi do problema da marginalidade. Como se vé, no que res- peita as relacdes entre educaco e sociedade, concebe-se *Da Pontiicis Universidade Catblica de Sdo Paulo ~ BRASIL 8 Dermeval Saviani* 2 educago com uma ampla margem de autonomia em face da sociedade. Tanto que Ihe cabe um papel decisivo nna conformacao da sociedade evitando sua desagregacdo @, mais do que isso, garantindo a construgSo de uma so- ciedade igualitéria. 4Jé-0 segundo grupo de teorias concebe a sociedade ‘como sendo essencialmente marcada pela divisio entre grupos ou classes antagénicos que se relacionam a base da forca, a qual se manifesta fundamentalmente nas con- digdes de produglo da vida material. Nesse quadro, @ marginalidade é entendida como um fenémeno inerente 2 propria estrutura da sociedade. Isto porque 0 grupo ou classe que detém maior forca se converte em dominante se apropriando dos resultados da produgdo social tenden- do, em conseqiiéncia, a relegar os demais & condi¢go de marginalizados. Nesse contexto, a educacio & entendida como inteiramente dependente da estrutura social gera- dora de marginalidade, cumprindo ai a fun¢io de refor- gar a dominagéo e legitimar a marginalizagao, Nesse sen- tido, a educacdo, longe de ser um instrumento de supera- ‘elo da marginalidade, se converte num fator de marging- lizagdo jé que sua forma especifica de reproduzir a mar- ginalidade social 6 a producéo da marginalidade cultural ©, especificamente, escolar. Tomando como critério de cr dos condicionantes objetivos, denominarei as teorias do primeiro grupo de “'teorias no-criticas"’ j& que encaram educagdo como:auténoma e buscar compreendé-la a partir dela mesma. Inversamente, aquelas do segundo ‘grupo sfo erfticas uma vez que se empenham em com: render a educacdo remetendo-a sempre a seus condi: ionantes objetivos, isto 6, a0s determinantes socias, vale dizer, & estrutura s6cio-econémica que condiciona a for- ma de manifestac3o do fenémeno educativo. Como, po- rém, entendem que a funco bésica da educacio € a re- produgio da sociedade, sero por mim denominadas de ‘weorias critico-reprodutivistas”. 2. AS TEORIAS NAO-CRITICAS 2.1. A pedagogia tradicional A constituico dos chamados “sistemas nacionais de ensino" data de inicios do século passado. Sua or- ganizacao inspirou-se no princ{pio de que a educagdo direito de todos e dever do Estado. O direito de todos 8 educago decorria do tipo de sociedade correspondente 20s interesses da nova classe que se consolidara no poder: Cad. Pesq. Séo Paulo (42): 8-18, Agosto 1982 MARGINALIDADE NA AMERICA LATINA 4 burguesia. Tratava-se, pois, de construir uma sociedade democrética, de consolidar a democracia burguesa. Para superar a situago de opressfo, propria do "Antigo Re- gime”, e ascender a um tipo de sociedade fundada no ontrato social celebrado “‘livremente” entre os indiv duos, era necessério vencer a barteira da ignorancia. S6 assim seria possivel transformar os siditos em cidadéos, isto 6, em individuos livres porque esclarecidos, ilustr dos Como realizar essa tarefa? Através do ensino. A escola ¢ erigida, pois, no grande instrumento para con- verter os siiditos em cidadios, “redimindo os homens de seu duplo pecado histérico: a ignorancia, miséria moral e a opressdo, miséria politica” (Zanotti, 1972, pp. 22-23). Nesse quadro, a causa da marginalidade é identifi- cada com a ignorancia. € marginalizado da nova socieda- de quem no é esclarecido. A escola surge como um antl- doto a ignordncia, logo, um instrumento para equacionar © problema da marginalidade. Seu papel é difundir a ins- ‘truco, transmitir os conhecimentos acumulados pela humanidade e sistematizados logicamente. O mestre: escola serd 0 artifice dessa grande obra. A escola se orga: niza, pois, como uma agéncia centrada no professor, 0 qual transmite, segundo uma gradacdo légica, 0 acervo cultural aos alunos. A estes cabe assimilar os conheci- ‘mentos que thes so transmitidos. ‘A teoria pedagégica acima indicada correspondia determinada maneira de organizar a escola. Como as ini- ives cabiam a0 professor, o essencial era contar com um professor razoavelmente bem preparado. Assim, as escolas eram organizadas na forma de classes, cada uma contando com um professor que expunha as ligdes que os alunos segulam atentamente e aplicava os exercicios que os alunos deveriam realizar disciplinadamente. ‘Ao entusiasmo dos primeiros tempos suscitado pelo tipo de escola acima descrito de forma simplificada, sucedeu progressivamente uma crescente decepeao. A re- ferida escola, além de nao conseguir realizar seu desidera- to de universalizago (nem todos nela ingressavam e mes ‘mo 0s que ingressavam nem sempre eram bem sucedidos) ainda teve de curvarse ante 0 fato de que nem todos os bem sucedidos se ajustavam ao tipo de sociedade que se queria consolidar. Comecaram, ento, a se avolumar as criticas a essa teoria da educacdo e a essa escola que passa a ser chamada de escola tradicional. 2.2. A pedagogia nova As criticas & pedagogia tradicional formuladas a Partir do final do século passado foram, aos poucos, dando origem a uma outta teoria da educagio. Esta ‘teoria mantinha a crenga no poder da escola e em sua Fungo de equalizacio social. Portanto, as esperancas de que se pudesse corrigir distoredo expressa no fendmeno dda marginalidade, através da escola, ficaram de pé. Se a escola no vinha cumprindo essa funcdo, tal fato se de- Via @ que 0 tipo de escola implantado — a escola tradi: cional ~ se revelara inadequado. Toma corpo, entio, um amplo movimento de reforma cuja expresso m vento tem como ponto de partida a escola tradicio: nal j6 implantada segundo as diretrizes consubstanciadas na teoria de educacio que ficou conhecida como peda- gogia tradicional. A pedegogia nova comeca, pois, por efetuar a critica da pedagogia tradicional, esbocando uma nova maneira de interpretar a educacio e ensaiando implanté-la, primero, através de experiéncias restritas; depois, advogando sua generalizacdo no émbito dos sis temas escolares. Segundo essa nova teoria, a marginalidade deixa de ser vista predominantemente sob o &ngulo da ignorancia, isto 6, 0 nfo dominio de conhecimentas. O marginaliza do jé no 6, propriamente, o ignorante, mas o rejeitado. Alguém esti integrado no quando é ilustrado, mas quando se sonte acaito pelo grupo e, através dele, pela sociedade em seu conjunto. E interessante notar que al- ‘guns dos principais representantes da pedagogia nova se converteram pedagogia a partir da preocupagao com os “anormais” (ver, por exemplo, Decroly e Montessori). A partir des experiéncias levadas a efeito com criangas “anormais” & que se pretendeu generalizar procedi As teorias da educagao e 0 problema da marginalidade na América Latina 9 mentos pedagégicos para o conjunto do sistema escolar Nota-se, entéo, uma espécie de bio-psicologizagso da sociedade, da educago e da escola. Ao conceito de “anormalidade biolbgica” construido a partir da consta- tagdo de deficiéncias neuro-fisiolégicas se acrescenta o conceito de “anormalidade psiquica” detectada através dos testes de inteligéncia, de personalidade, etc., que comecam a se multiplicar. Forja-se, entdo, uma pedago- gia que advoga um tratamento diferencial 2 partir da "descoberta” das diferencas individuais. Eis a “grande descoberta”: os homens $40 essencialmente diferentes; do se repetem; cada individuo é nico. Portanto, a mar- ginalidade no pode ser explicada pelas diferencas entre ‘os homens, quaisquer que elas sejam: no apenas diferen- 28 de cor, de raca, de credo ou de classe, o que jé era defendido pela pedagogia tradicional; mas também dif rengas no dom{nio do conhecimento, na participacio do saber, no desempenho cognitive. Marginalizados sé 0s “anormais”, isto 6, os desajustados e desadaptados de todos os matizes. Mas a “anormalidade” no ¢ algo, em si, negativo; ela 6, simplesmente, uma diferenca. Portan- to, podemos concluir, ainda que isto soe paradoxal, que a anormalidade & um fendmeno normal. Nao 6, pois, su- ficiente para caracterizar a marginalidade, Esta est mar- cade pela desadaptagio ou desajustamento, fenémenos associados a0 sentimento de rejeiggo. A educagéo, en- ‘quanto fator de equalizagdo social seré, pois, um instru: mento de corrego da marginalidade na medida em que cumprir a funcdo de ajustar, de adaptar os individuos & sociedade, incutindo neles o sentimento de aceitaglo dos demais e pelos demais. Portanto, a educacdo seré um ins- trumento de correcéo da marginalidade na medida em que contribuir para a constituigo de uma sociedade cu: jos membros, ndo importam as diferencas de quai tipos, se aceitem mutuamente e se respeit vidualidade especifica Compreende-se, entio, que essa maneira de enten- der a educagio, por referéncia & pedagogia tradicional tenha deslocado 0 eixo da questo pedagdgica do intelec to para o sentimento; do aspecto légico para o psicolé- ico; dos contetidos cognitivos para os métodos ou pro: cessos pedagégicos; do professor para o aluno; do esfor- 0 para o interesse: da disciplina para a espontaneidade, do diretivismo para o nfo-diretivismo; da quantidade para a qualidade; de uma pedagogia de inspiracdo filos6- fica centrada na ciéncia da légica para uma pedagogia de inspiragdo experimental baseada principalmente nas con- tribuigées da biologia ¢ da psicologia. Em suma, trata-se. dde uma teoria pedagégica que considera que o importan- te ndo é aprender, mas aprender a aprender. Para funcionar de acordo com a concepgo acima ‘exposta, obviamente a organizaggo escolar teria que pasar por uma sensivel reformulago. Assim, em lugar de classes confiadas a professores que dominavam as ‘grandes éreas do conhecimento revelando-se capazes de colocar os alunos em contato com os grandes textos que eram tomados como modelos a serem imitados e pro- gressivamente assimilados pelos alunos, a escola deveria agrupar 0s alunos segundo areas de interesses decorrentes de sua atividade livre. O professor agiria como um est mulador e orientador da aprendizagem cuja ini principal caberia aos préprios alunos. Tal aprendizagem 10 seria uma decorréncia espontines do ambiente estimu- lante e da relagdo viva que se estabeleceria entre 0s alu- nos e entre estes e o professor. Para tanto, cada professor teria de trabalhar com pequenos grupos de alunos, sem © que a relacdo inter-pessoal, esséncia da atividade edu- cativa, ficaria dificultada; e num ambiente estimulanto, Portanto, dotado de materials didéticos ricos, biblioteca de classe, etc. Em suma, a feico das escolas mudaria seu aspecto sombrio, dlsciplinado, silencioso e de paredes ‘opacas, assumindo um ar alegre, movimentado, baruthen- toe multicolorido. © tipo de escola acima descrito nfo conseguiu, entretanto, alterar significativamente o panorama orga- nizacional dos sistemas escolares. Isto porque, além de outras razGes, implicava em custos bem mais elevados do ue a escola tradicional. Com isto, a “Escola Nova” orga nizou-se basicamente na_forma de escolas experimentais, ‘ou como nicleos raros, muito bem equipados e circuns- critos a pequenos grupos de elite. No entanto, o idedrio escolanovista, tendo sido amplamente difundido, pene- trou nas cabecas dos educadores acabando por gerar con- seqiiéncias também nas amplas redes escolares oficiais organizadas na forma tradicional. Cumpre assinalar que tais conseqiiéncias foram mais negativas que positivas uma vez que, provocando 0 afrouxamentaada a despreocupaco com a transmisso . conhecimen- tos, acabou por rebaixar o nivel do ensino destinado as camadas populares as quais muito freqdentemente tém na escola o tinico meio de acesso 20 conhecimento elabo- rado. Em contrapartida, a “Escola Nova’ aprimorou a qualidade do ensino destinados as elites. ‘Véte, pols, que paradoxalmente, em lugar de re solver 0 problema da marginalidade, a “Escola Nova” o ‘agravou. Com efeito, ao enfatizar @ “qualidade do ens 10", ela deslocou 0 eixo de preocupago do ambito po- Iitico (relative & sociedade em seu conjunto) para 0 Ambito técnico-pedagégico (relativo 20 interior da esco- 1a), cumprindo ao mesmo tempo uma dupla fun¢go:man- ter a expansio da escola om limites suportdveis pelos in- teresses dominantes ¢ desenvolver um tipo de ensino ade- quado a esses interesses. E a esse fendmeno que denomi- 7 nei de “mecanismo de recomposi¢éo da hegemonia da classe dominante” (Saviani, 1980) e que explicitei me- Ihor em outro texto (Saviani, 1981). Cabe assinalar que 0 papel da “Escola Nova’ aci- ‘ma descrito se manifestou mais nitidamente no caso da ‘América Latina, Em verdade, na maioria dos paises dessa regido 0s sistemas de ensino comecaram a assumi mais nitida jd no século atual, quando o escolanovismo ‘stave largamente disseminado na Europa e principal- mente nos Estados Unidos, ngo deixando, em conseqiién- cia, de influenciar 0 pensamento pedag6gico latino-ame- ricano. Portanto, a disseminacio das escolas efetuada se- sgundo 0s moldes tradicionais néo deixou de ser de algu ma forma perturbada pela propagacio do ideério da Pedagogia nova, jé que esse idedrio ao mesmo tempo que procurava evidenciar as “deficiéncias” da escola tradicio- nal, dava forga & idéia segundo a qual é melhor uma boa escola para poucos do que uma escola deficiente para muitos. Cad, Pesq. (42) Agosto 1982 2.3. A pedagogia tecnicista ‘Ao findar a primeira metade do século atual, o es- colanovismo apresentava sinais visiveis de exaustio. As esperancas depositadas na reforma da escola resultaram frustradas. Um sentimento de desilusio comecava a se alastrar nos meios educacionais. A pedagogia nova, a0 mesmo tempo que se tornava dominante enquanto con- ‘cepcdo teérica a tal ponto que se tornou senso comum 0 entendimento segundo 0 qual a pedagogia nova é porta- dora de todas as virtudes e de nenhum vicio, a0 passo que a pedagogia tradicional ¢ portadora de todos os vi cios e de nenhuma virtude, na prética se revelou ineficaz fem face da questéo da marginalidade. Assim, de um lado surgiam tentativas de desenvolver uma espécie de "Esco: Ja Nova Popular”, cujos exemplos mais significativos s80 as pedagogias de Freinet e de Paulo Freire; de outro lado, radicalizava-se a preocupago com os métodos pe- dagogicos presente no escolanovismo que acaba por de sembocar na eficiéncia instrumental. Articula-se aqui um uma nova teoria educacional: a pedagogia tecnicista, A partir do pressuposto da neutralidade cientifica € inspirada nos principios de racionalidade, eficiéncia e Produtividade, essa pedagogia advoga a reordenacio do Proceso educativo de maneira a torné-lo objetivo e ope- racional. De modo semelhante a0 que ocorreu no traba- Iho fabri, pretende-se a objetivacdo do trabalho pedag6- {gico. Com efeito, se no artesanato o trabalho era subjeti: Vo, isto é, os instrumentos de trabalho eram dispostos ‘em fungo do trabalhador e este dispunha deles segundo seus designios, na produg3o fabril essa relacdo é inverti da, Aqui é 0 trabalhador que deve se adaptar a0 processo de trabalho, ja que este foi objetivado e organizado na forma parcelada. Nessas condigées, 0 trabalhador ocupa seu posto na linha de montagem e executa determinada Parcela do trabalho necessério para produzir determing- dos objetos. O produto 6, pois, uma decorréncia da forma como € organizado 0 proceso. O concurso das ‘ages de diferentes sujeitos produz assim um resultado com 0 qual nenhum dos sujeitos se identifica e que, 20 contrério, thes é estranho. (© fendmeno acima mencionado nos ajuda a enten: der a tendéncia que se esbocou com 0 advento daquilo {que estou chamando de “pedagogia tecnicista”. Buscou se planejar a educaco de modo a doté-la de uma orga- racional capaz de minimizar as interferéncias subjetivas que pudessem por ein risco sua eficiéncia, Para tanto, era mister operacionalizar os objetivos e, pelo menos em certos aspectos, mecanizar 0 processo. Dat, @ proliferacdo de propostas pedagogicas tais como 0 enfo- que sistémico, o micro-ensino, 0 tele-ensino, a instrucSo programada, as maquinas de ensinar, etc.. Dal, também, © parcelamento do trabalho pedagégico com a especial zagio de funges, postulando-se a introdugdo no sistema de ensino de técnicos dos mais diferentes matizes. Dal, enfim, a padroniza¢o do sitema de ensino a partir de esquemas de planejamento previamente formulados aos quais devem se ajustar as diferentes modalidades de dis ciplinas @ praticas pedagogicas. ‘Se na pedagogia tradicional a iniciativa cabia ao Professor que era, a0 mesmo tempo, o sujeito do proces. 50, 0 elemento decisivo e decisério; te na pedagogia nova a iniciativa desloca-se para o aluno, situando-se 0 nervo da ado educativa na relagSo professor-aluno, portanto, relacdo inter-pessoal, inter-subjetiva — na pedagogia tec- nicista, 0 elemento principal passa a ser a organizacdo racional dos meios, ocupando professor e aluno posi secundéria, relegados que sS0 a condigéo de executores, de um processo cuja concepeao, planejamento, coorde nagdo e controle ficam a cargo de especialistas suposta- mente habilitados, neutros, objetivos,imparcais. A orga- nizagéo do processo convertese na garantia da oficiéncia, compensando e corrigindo at deficiéncias do professor & maximizando os efeitos de sua intervencao. Cumpre notar que, embora a pedegogia nova tem: bém dé grande importancia 20s meios, ha, porém, uma diferenca fundamental: enquanto na pedagogia nova os meios sio dispostos e estdo & disposigdo da relacio pro fessor-aluno, estando, pois, a servico dessa relacdo, na pedagogia tecnicista a situacdo se inverte. Enquanto na pedagogia nova sio os professores e alunos que deci: dem se utilizam ou no determinados meios, bem como ‘quando e como 0 farZo, na pedagogia tecnicistadirseia ‘que ¢ 0 processo que define o que profestores e alunos devem fazer, e assim também quando e como o farao. ‘Compreende-se, entio, que para a pedagogia tecni- cista a marginalidade no seré identificada com @ igno- rancia nem seré detectada a partir do sentimento de re jeigéo. Marginalizado seré 0 incompetente (no sentido ‘técnico da palavra), isto &, o ineficiente e improdutivo. A ) educago estaré contribuindo para superar 0 problema dda marginalidade na medida em que formar individuos eficientes, portanto, capazes de darem sua parcela de contribuigdo para o aumento da produtividade da so- ciedade. Assim, estaré ela cumprindo sua funcdo de equalizagio social. Nesse contexto teérico, a equalize: cdo social é identificada com o equilibrio do sistema (no Sentido do enfogue sistémico). A marginalidade, isto é, 2 ineficiéneia © improdutividade se constitui numa amea- ¢2 8 estabilidade do sistema, Como o sistema comporta miltiplas funcées, 8s quals correspondem determinadas ‘ocupapses; como essas diferentes funcées so interde: pendentes, de tal modo que a ineficiéneia no desempe- ‘tho de uma delas afeta as demais e, em conseqiéncia, todo 0 sistema ~ cabe a educaglo proporcionar um efi- ciente treinamento para a execugo das moltiplas tarefas ddemandadas continuamente pelo sistema social. A edu- cagSo seré concebida, pois, como um subsistems, cujo funcionamento eficiente ¢ essencial a0 equilibrio do si- tema social de que faz parte. Sua base de sustentacéo, tebrica desloce-se para a psicologia behaviorsta, a enge- nnharia comportamental, @ ergonomia,informética,ciber- nética, que tém em comum a inspiragiofilossfica neo- Potitivista e o método funcionalista. Do ponto de vista edagdgico concluise, pois, que se para @ pedagogia tr. dicional a questéo central é aprender e para a pedagogia nova aprender a aprender, para a pedagogia tecnicista 0 «que importa é aprender a fazer. A teoria pedagdgica acima exposta corresponde uma reorganizaglo das escolas que pastam por um cres- cente processo de burocratizacdo. Com efeito, acredita- vase que 0 processo se racionalizava na medida em que se agisse plaificadamente, Para tanto, era mister baixar instrugBes minuciosss de como proceder com vistas @ As teorias da educagéo e 0 problema da marginalidade na América Latina 1" que 0s diferentes agentes cumprissem cada qual as t fas especiicas acometidas a cada um no amplo espectro, fem que se fragmentou 0 ato pedagégico. O controle seria feito basicamente através do preenchimento de formuls: rigs. O magistério passou entéo a ser submetido a um pe- sado e sufocante ritual, com resultados visivelmente ne gativos. Na verdade, a pedagogia tecnicista, 20 en: ‘ranspor para a escola a forma de funcionamento do sis- tema fabril, perdeu de vista a especificidade da educaco, ignorando que a articulago entre escola e processo pro- dutivo se dé de modo indireto e através de complexas mediacdes. Além do mais, na prética educativa, a orien: taco tecnicista se cruzou com as condigées tradicionais predominantes nas escolas bem como com a influéncia da pedagogia nova que exerceu poderoso atrativo sobre (0s educadores. Nessas condicées, a pedagogia tecnicista atabou por contribuir para aumentar 0 caos no campo educativo gerando tal nivel de descontinuidade, de hete- rogeneidade e de fragmentacao, que praticamente invi biliza 0 trabalho pedagégico. Com isto o problema da marginalidade s6 tendeu a se agravar: 0 contetido do en: sino tornou-se ainda mais rarefeito e a relativa ampliagao ‘das vagas se tornou irrelevante em face dos altos indices de evasdo e repeténcia. ‘A situagdo acima descrita afetou particularmente a América Latina jé que desviou das atividades-fim para as. atividades-meio parcela considerdvel dos recursos sabida- mente escassos destinados & educa¢ao. Por outro lado sa bbe-se que boa parte dos programas internacionais de im- plantago de tecnologias de ensino nesses paises tinham or detrés outros interesses como, por exemplo, a venda de artefatos tecnolégicos obsoletos aos paises sub-desen: volvidos (Cf. Mattelart, 1976 e s/d.). 3. AS TEORIAS CRITICO-REPRODUTIVISTAS Como jé assinalei, o primeiro grupo de teorias con- ‘cebe a marginalidade como um desvio, tendo a educagio por funcao a corrego desse desvio. A marginalidade é vista como um problema social e a educacdo, que dispse de autonomia em relacdo a sociedade, estaria, por esta razio, capacitada @ intervir eficazmente na sociedade, transformando-a, tornando-a melhor, corrigindo as justigas; em suma, promovendo a equalizacdo soci Essas teorias consideram, pois, apenas a ago da educa: cio sobre a sociedade. Porque desconhecem as determi- ages sociais do fendémeno educativo eu as denominei de "teorias ndo-criticas”. Inversamente, as teorias do se undo grupo — que passarei a examinar — so criticas, ‘uma vez que postulam no ser possivel compreender a / educagao sendo a partir dos seus condicionantes sociais. "H4, pois, nessas teorias uma cabal percepeo da depen-~ déncia da educacéo em relacdo & sociedade. Entretanto, como na andlise que desenvolven chegam invariavel- mente & conclusdo de que a funcdo prépria da educacdo consiste na reproducdo da sociedade em que ela se inse- re, bem merecem a denominagio de “teorias critico-re- produtivistas”. Tais teorias contam com um razodvel nds mero de representantes e se manifestam em diferentes verses. Hé, por exemplo, os chamados “radicais ameri- ‘canos” cujos principais representantes so Bowles e Gin- 12 tis, através do livro “Schooling in Capitalist America’ (1976) que podem ser classificados nesse grupo de teo- rias. Tais autores consideram que a escola tinha, nas ori- ‘gens, uma fungdo equalizadora. Entretanto, atualmente ela se torna cada vez mais discriminadora e repressiva. Todas as reformas escolares fracassaram, tornando cada vez mais evidente 0 papel que a escola desempenha: re- a sociedade de classes e reforcar 0 modo de produgdo capitalista. Em que pesem as diferentes manifestacdes, consi dero que, no ambito desse grupo, as teorias que maior repercusséo tiveram e que alcangaram um maior nivel de elaboracao so as seguintes: a) “teori simbélica”; bb} “teoria da escola enquanto Aparelho ideolégico de Estado (AIE)"; ©) “teoria da escola dualista”. ‘A seguir comentarei brevemente cada uma delas. do sistema de ensino enquanto violéncia 3.1. Teoria do sistema de ensino enquanto violéncia simb6liea Esta teoria esté desenvolvida na obra “A Reprodu- ‘do: elementos para uma teoria do sistema de ensino”, de P. Bourdieu e J.C. Passeron (1975). A obra é consti- tufda de dois livros. No Livro 1, fundamentos de uma teoria da violéncia simbélica, a teoria & sistematizada num corpo de proposicdes logicamente articuladas segundo um esquema analitico-dedutivo, O Livro Il ex ie os resultados de uma pesquisa emp/rica levada a ca: bbo pelos autores no sistema escolar francés em um de seus segmentos, qual seja, a Faculdade de Letras. Como {5 anélises do Livro I podem ser consideradas como apli ccaces a um caso historicamente determinado dos princt- ios gerais enunciados no Livro 1, ainda que tenham ser- vido, a0 mesmo tempo, como ponto de partida para a construggo dos principios do Livro |, minha exposi¢ao s¢ limitaré ao conteddo do Livro | O arcabouco do Livro | constitui, mais do que uma sociologia da educagéo, uma sécio-légica da educacio. Isto porque nfo se trata de uma anélise da educacio ‘como fato social, mas da explicitacdo das condigées logi cas de possibilidade de toda e qualquer educacdo para Yoda e qualquer sociedade de toda e qualquer época ou lugar. Trata-se de uma teoria axiomética que se desdobra \efpios universais para os enuncia- dos analiticos de suas conseqiéncias particulares. Por isso, cada grupo de proposicdes comeca sempre por um enunciado universal {todo poder de violéncia simbéli: ca..., toda aco pedagégica..., etc.) e termina por uma aplicago particular, expressa através da formula “uma formacdo social determinada...". Por outro lado, no i tuito de preservar a validade universal da teoria, os auto- res tém 0 cuidado de utilizar sempre a expresso “grupos ou classes”, jamais se referindo apenas as classes simples- ‘mente; 0 que indica que a validade da teoria no preten- de se circunscrever apenas as sociedades de claises mas se estende também as sociedades sem classes que porventu- a tenham existido ou venham a existir. Em sum: axioma fundamental (proposi¢o zero), que enuncia a Cad. Pesq. (42) Agosto 1982 teoria geral da violéncia simbélica, se aplica ao sistema de ensino que é definido, pois, como uma modalidade especifica de violéncia simbélica (proposigées de grau 4) através de proposicSes intermedidrias que tratam, suces sivamente, da ago pedagégica (proposigées de grau 1), da autoridade pedagogica (proposigses de grau 2) e do trabalho pedagégico (proposigses de grau 3). Por que violéncia simbélica? Os autores tomam ‘como ponto de partida que toda e qualquer sociedade estrutura-se como um sistema de relagées de forca mate rial entre grupos ou classes. Sobre a base da forca mate: rial e sob sua determinaglo erige-se um sistema de rela es de forca simbélica cujo papel é reforcar, por dissi- mulagdo, as relacdes de forca material. E essa a idéia cen: tral contida no axioma fundamental da teoria. Sendo vejamos o seu enunciado: “Todo poder de violéncia simbélica, isto é, todo oder que chega a impor significacdes e a impé-les como legitimas, dissimulando as relacdes de forca que esto ra base de sua forca, acrescenta sua propria forca, isto é, propriamente simbolica, a essas relagées de forca’” (Bour- dieu-Passeron, 1975, pag. 19), Vé-se, pois, que o reforcamento da violéncia mate: rial se da pela sua converséo ao plano simbélico onde se produz e reproduz o reconhecimento da dominacio e de sua legitimidade pelo desconhecimento (dissimulago) de seu cardter de violencia explicita. Assim, a violéncia material (dominagao econdmica) exercida pelos grupos ‘ou classes dominantes sobre os grupos ou classes domina dos corresponde a violéncia simbélica (dominago cultu: ral). A violéncia simbélica se manifesta de miltiplas formas: a formagéo da opinio publica através dos meios de comunicacdo de massa, jornais, etc.; a pregacdo reli- giosa; a atividade artistica e literéria; a propaganda e @ moda; a educacéo familiar, etc. No entanto, na obra em questo, 0 objetivo de Bourdieu e Passeron ¢ a ago pedagdgica institucionalizada, isto 6, o sistema escolar. Dai, 0 subtitulo da obra: “elementos para uma teorie do sistema de ensino". Para isso, partindo, como jé disse, da teoria geral da violéncia simbolica, buscam explicitar a ago pedagégica (AP) como imposicéo arbitréria da cultura (também arbitréria) dos grupos ou classes domi antes a0s grupos ou classes dominados. Essa imposigao, para se exercer, implica necessariamento a autoridade edagégica (AuP), isto é, um “poder arbitrério de impo: sigo que, 86 pelo fato de ser desconhecido como tal, se encontra ‘objetivamente reconhecido como autoridade legitima” (Ibidem, Proposi¢go 2.1., pig. 27). A referida cdo pedagégica (AP) que se exerce através da autorida de pedagdgica (AuP) se reatiza através do Trabalho Peda- g6gico (TP) entendido “como trabalho de inculcacéo que deve durar 0. bastante para produzir uma formacdo durdvel; isto é, um habitus como produto da interior za¢i0 dos principios de um arbitrério cultural capaz de erpetuar-se apos a cessacdo da acdo pedagégica (AP) e por isso de perpetuar nas préticas os principios do arbi trério interiorizado" (Ibidem, Proposicéo 3, pig. 44), Para @ compreensdo do sistema de ensino é de fun- damental importéncia @ distineao entre trabalho pedagé- sgico (TP) primério (educacdo familiar) e trabalho peda- ogico secundério, cuja forma institucionalizada ¢ 0 trabalho escolar (TE). Como os autores indicam no “es: colic” da proposicgo 1 (pg. 20), “reservou-se mento légico (proposiodes de grau 4) a especit formas e dos efeitos de uma Ago Pedagégica (AP) que se exerce no quadro de uma instituicgo escolar; é mente na Ultima proposi¢éo (4.3.) que se encontra carac- terizada expressamente @ AP escolar que reproduz a cul- tura dominante, contribuindo desse modo para reprodu- Zir a estrutura das relagdes de forca, numa formacdo social onde o sistema de ensino dominante tende a asse- gurar-se do monopélio da violencia simbdlica legitima”” (Ibidem, pp. 20-21). A proposicao 4.3. sintetiza, pois, de ‘modo exaustivo, 0 conjunto da teoria do sistema de ensi- no enquanto violéncia simbdlica. Vale a pena, entéo, apesar de sua extensio, transcre itegralmente: “Numa formaco social determinada, 0 SE domi rnante pode constituir 0 TP dominante como TE sem que (© que o exercem como os que a ele se submetem cessem de desconhecer sua dependéncia relativa as relagées de forca constitutivas da formagdo social em que ele se exerce, porque (1) ele produz e reproduz, pelos meios préprios da instituido, as condices necessérias a0 exer- cicio de sua fungo interna de inculcacdo, que sfo 20 mesmo tempo as condigdes suficientes da realizacdo de sua fungdo externa de reprodugao da cultura legitima e de sua contribuico correlativa a reproducdo das relagdes de forca; e porque (2), s6 pelo fato de que existe e sub siste como instituigo, ele implica as condi¢ées institu cionais do desconhecimento da violéncia simbélica que exerce, isto é, porque os meios institucionais dos quais dispée enquanto instituicéo relativamente auténoma, detentors do monopélio do exercicio legitimo da vio- léncia simb6lica, esto predispostos a servir também, sob @ aparéncia da neutralidade, os grupos ou classes dos quais ele reproduz o arbitrério cultural (dependéncia pela independéncia)" (Ibidem, pg. 75). Portanto, a teoria ndo deixa margem a dividas. A fungdo da educagio ¢ a de reprodugdo das desigualdades sociais. Pela reproducdo cultural, ela contribui especifica- mente para a reproducao social. Como interpretar, nese quadro, 0 fenémeno da marginalidade? De acordo com essa teoria, marginalizados s60 os grupos ou classes dominados. Marginalizados socialmente Porque ndo possuem forca material (capital econdmico} e marginalizados culturalmente porque néo possuem for- ‘6a simbélica (capital cultural). € a educacdo, longe de ser um fator de supera¢o da marginalidade, constitui um elemento reforcador da mesma. Eis a funcdo logicamente necesséria da educs Nao hi, pois, outra alternativa. Toda tentativa de uti la como instrumento de superacdo da marginalidade no 6 apenas uma ilusdo. E a forma através da qual ela dissi- mula, @ por isso cumpre eficazmente, @ sua funcio de marginalizago. Todos os esforcos, ainda que oriundos dos grupos ou classes dominados, reverte sempre no re: forgamento dos interesses dominantes. “E pela mediagdo, desse efeito de dominacgo da AP dominante que as dife- rentes AP que se exercem nos diferentes grupos ou classes colaboram obje''vamente @ indiretamente na dominagdo das classes dominantes (inculcacdo pelas ‘AP dominadas de conhecimentos ou de maneiras, dos As teorias da educagéo e o problema da marginalidade na América Latina 13 quais a AP dominante define o valor sobre o mercado econdmico ou simbélico)” (Ibidem, pag. 22). Eis porque, Snyders resumiu sua critica essa teoria na seguinte frase: “Bourdieu-Passeron ou a luta de classes imposs vel” (Snyders, 1977, pig. 287). 3.2, Teoria da escola enquanto aparetho ideolégico de Estado (AIE) ¢0 que implica a reproducdo das forcas produtivas e das relagdes de producdo existentes, Althusser é levado a distinguir no Estado, os Aparelhos Repressivos de Es tado (0 Governo, a Administracdo, 0 Exército, a Polt- cia, 08 Tribunais, as Prisdes, etc.) e os Aparelhos Ideo! gicos de Estado (AIE) que ele enumera, provisoriamente, da seguinte forma: “— 0 AIE religioso (o sistema das diferentes igre- jas), — © AIE escolar (o sistema das diferentes escolas publicas e particulares), = OAIE familiar, —OAIE juridico, — 0 AIE politica (o sistema politico de que fazem. parte os diferentes partidos), = OAIE sindical, — 0 AIE da informagdo (imprensa, radio-televiszo, ete), ~ 0 AIE cultural (Letras, Belas Artes, desportos, etc.) (Althusser, s/d., pp. 43-44). A distingdo entre ambos assenta no fato de que o Aparelho Repressivo de Estado funciona massivamente pela violéncia e secundariamente pela ideologia enquanto ue, inversamente, os Aparelhos Ideolégicos de Estado funcionam massivamente pela ideologia e secundaria. mente pela repressdo (Cf. pp. 46-47). O conceito “Apa- relho Ideolégico de Estado” deriva da tese segundo a qual “a ideologia tem uma existéncia material” (Ibidem, dg. 83). Isto significa dizer que a ideologia existe sempre radicada em praticas materiais reguladas por ri: tuais materiais definidos por instituigles materiais (Cf. pp. 88-89). Em suma, a ideologia se materializa em apa- relhos: os aparelhos ideolégicos de Estado. - ‘A partir desses instrumentos conceituais, Althusser | avanga a tese segundo a qual “o Aparelho Ideolégico de Estado que foi colocado en posicéio dominante nas for- 4. maces capitalistas maduras, apés uma violenta luta de | classes politica e ideolégica contra o antigo Aparelho Ideolagico de Estado dominante, é o Aparelho Ideolégi- co Escolar" (\bidem, pég. 60). - Como AIE dominante, vale dizer que 2 escola constitui o instrumento mais acebado de reprodugdo das relagdes de producio de tipo capitalista. Para isso ela to- ma a si todas as criancas de todas as classes sociais e Ihes ineulea durante anos a fio de audiéncia obrigatéria “'s beres préticos” envolvidos na ideologia dominante (Cf. 4g. 64). Uma grande parte (operérios e camponeses) cumpre a escolaridade basica e é introduzida no processo Produtivo. Outros avancam no processo de escolariza- 30 mas acabam por interrompé-lo passando a integrar 14 0s quadros médios, os “pequeno-burgueses de toda a espécie” (Cf. pg. 65). Uma pequena parte, enfim, atinge © vértice da pirdmide escolar. Estes vio ocupar os postos proprios dos “agentes da explorardo" (no sistema produ tivo), dos “agentes da repress” (nos Aparelhos Repres- sivos de Estado) e dos “profissionais da ideologia”” (nos ‘Aparethos Ideolégicos de Estado) (Cr. pig. 65). Em to dos 0 casos, trata-se de reproduzir as relagdes de explo- ragio capitalista. Nas palavras de Althusser: “é através da aprendizagem de alguns saberes préticos (savoir-faire) en volvidos na inculcago massiva da ideologia da classe do minante, que so em grande parte reproduzidas as rela- 68es de’ produeéo de uma formardo social capitalista, isto 6, as ralagdes de explorados com exploradores © de exploradores com explorados” (Ibidem, pig. 66). Nesse contexto, como se coloca o problema da marginalidade? © fenémeno da marginalizacSo se inscre ve no proprio seio das relagGes de producdo capitalsta ue se funda na expropriagdo dos trabalhadores pelos ca- pitalistas. Marginalizado €, pois, a classe trabalhadora. O AAIE escolar, em lugar de instrumento de equalizacéo social constitui um mecanismo constru/do pela burgue: para garantir e perpetuar seus interesses. Se as teorias do primeiro grupo (por isso elas bem merecem ser chama- das de ndo-criticas) desconhecem estas determinagdes cobjetivas e imaginam que a escola possa cumprir 0 papel de correeéo da marginalidade, isto se deve simplesmente 20 fato de que aquelas teorias sé0 ideoldgicas, isto 6, dis imulam, para reproduzi-las, as condi¢Ses de margina- idade om que vivern as camadas trabalhadoras. No entanto, diferentemente de Bourdieu-Passeron, Althusser no nega 2 luta de classes. Ao contrério, chega mesmo a afirmar que ‘os AIE podem ser nfo s6 0 alvo mas também 0 focal da luta de classes e por vezes de formas renhidas da luta de classes” (Ibidem, pig. 49). Entretanto, quando descreve o funcionamento do AE escolar, a luta de classes fice praticamente dilulda, tal © peso que adquire af a dominacgo burguesa. Eu dirla, entZo, que a luta de classes resulta nesse caso herdica, ‘mas ingléria, jé que sem nenhuma chance de éxito. O pa régrafo um tanto longo que me permito transcrever, fun- damenta essa conclusdo "Pago desculpa aos professores que, em condides terriveis, tentam voltar contra a ideologia, contra o siste- ima e contra as préticas em que este os encerra, as armas que podem encontrar na historia e no saber que ‘ensi nam’. Em certa medida s80 herbis. Mas so raros, e quan- tos {a maioria) no tém sequer um vislumbre de divida quanto 20 ‘trabalho’ que o sistema (que os ultrapassa e ‘esmaga) os obriga a fazer, pior, dedicarnse inteiramente @ em toda 2 consciéncia & realizacdo desse trabalho (os femosos métodos novos!). Tém to poucas divides, que contribuem até pelo seu devotamento a manter ¢ @ ai mentar a representacgo ideolgica da Escola que a torna hoje to ‘natural’, indispenséveltil e até benfazeja aos rnossos contempordneos, quanto a lgreja era ‘natural’, indispensdvel e generosa para os nossos antepassados de hé séculos” (Ibidem, pp. 67-68). 3.3. Teoria da escola du Essa teoria foi elaborada por C. Baudelot e A. Es- Cad. Pesq. (42) Agosto 1982 tablet e exposta no livro L’école capitaliste en France (1971). Chamo de “teoria da escola dualista” porque os autores se empenham em mostrar que a escola, em que ese a aparéncia unitéria e unificadora, é uma escola dividida em duas (e no mais do que duas) grandes redes, a quais correspondem & diviso da sociedade capitalista fem duas classes fundamentais: a burguesia e o proletaria- do. Os autores procedem de modo didético, enuncian- do preliminarmente as teses basicas que sucessivamente ppassam a demonstrar. Assim, na primeira parte, apos dis- sipar as “‘ilusGes da unidade da escola” formulam seis proposigdes fundamentais que passaro a demonstrar a0 longo da obra: “"1. Existe uma rede de escolarizaco que chama remos rede secundérie-superior (rede S.S._). 2. Existe uma rede de escolarizago que chamare- mos rede priméria-profissional (rede P.P.). 3. Nao existe terceira rede. 4, Estas duas redes constituem, pelas relacdes que a definem, o aparelho escolar capitalista. Este aparelho 6 um aparelho ideolégico do Estado capitalista. 5. Enquanto tal, este aparelho contribui, pela parte que Ihe cabe, a reproduzir as relagées de producéo capi- talistas, quer dizer em definitivo a diviséo da sociedade ‘em classes, em proveito da classe dominante. 6. € a divisio da sociedade em classes antagonistas que explica em ditima instancia no somente a existéncia das duas redes, mas ainda (0 que as define como tais) os ‘mecanismos de seu funcionamento, suas causas © seus efeitos”. (Baudelot-Establet, 1971, pég. 42). Através de minuciosa andlise estat{stica os autores ‘se empenham em demonstrar, na segunda parte, as trés primeiras proposigées, isto é, a existéncia de apenas duas redes de escolarizagao: as redes PP e SS. A quarta propo: sigdo € objeto das terceira e quarta partes; na terceira arte se procura por em evidéncia que “é a mesma ideo- logia dominante que é imposta a todos os alunos sob formas necessariamente incompativeis” (Ibidem, pag. 47);, na quarta parte se demonstra que a divisio em duas, redes atravessa o aparelho escolar em seu conjunto, por- tanto, desde a escola priméria, contrariamente as aparé cias de unidade da escola priméria. Mais do que isso, afir. ‘mam os autores que é na escola priméria que o essencial de tudo 0 que concerne ao aparelho escolar capitalista se realiza” (Ibidem, pg. 47). Finalmente, a quinta parte € dedicada a demonstragdo das duas dltimas proposi ‘98es evidenciando, entéo, que “o aparelho escolar, com suas duas redes opostas, contribui para reproduzir as relagdes sociais de producdo capitalista” (Ibidem, pig. 47), Importa reter que, nesta teoria, é retomado 0 cot ceito de Althusser (“Aparetho Ideolégico de Estado’ definindo-se 0 aparelho escolar como “‘unidade contract toria de duas redes de escolarizacdo” (Cf. ibidem, pag 281). Enquanto aparelho ideolégico, a escola cumpre ‘duas funcdes bésicas: contribui para a formacio da forca de trabalho e para a inculcagdo da ideologia burguesa. Cumpre assinalar, porém, que no se trata de duas fun- ‘98es separadas. Pelo mecanismo das préticas escolares, a formacdo da forca de trabalho se dé no préprio processo de inculcacdo ideolégica. Mais do que isso: todas as pré- ticas escolares, ainda que contenham elementos que im- plicam um saber objetivo (e no poderia deixar de con ter, j& que sem isso a escola néo contribuiria para a re- producdo das relacdes de producSo) so préticas de in- culcagio ideolbgica. A escola é, pois, um aparelho ideo: Hégico, isto é, 0 aspecto ideolagico ¢ dominante e coman- da 0 funcionamento do aparelho escolar em seu conjun- to. Conseqientemente, a funcdo precipua da escola é a inculcagdo da ideologia burguesa. Isto € feito de duas formas concomitantes: em primeiro lugar, a inculcagso explicita da ideologia burguesa; em segundo lugar, 0 recalcamento, a sujeicdo € o disfarce da ideologia prole- téria. Vé-se, pois, a especificidade dessa teoria. Ela admi- te a existéncia da ideologia do proletariado. Considera, orém, que tal ideologia tem or fora da escola, isto é, nas massas operdrias ¢ em suas organize: Ges. As escola 6 um aparelho ideolégico da burguesia ea servigo de seus interesses. O parégrafo abaixo transcrito 6 extremamente esclarecedor a respeito: “A contradieao principal existe brutalmente fora da escola sob a forma de uma luta que opée a burguesia a0 proletariado: ela se trava nas relacées de producéo, ue séo relacBes de exploracdo. Como aparelho ideolégi co de Estado, a escola é um instrumento da luta de clas ses ideolégicas do Estado burgués, onde o Estado bur- gués persegue objetivos exteriores a escola (ela no € sendo um instrumento destinado a esses fins). A luta ideolégica conduzida pelo Estado burgués na escola 8 ideologia proletéria que existe fora da escola nas m sas operdrias e suas organizacdes. A ideologia proletér no esté presente em pessoa na escola, mas apenas sob a forma de alguns de seus efeitos que se apresentam como resisténcias: entretanto, inclusive por meio dessas resis téncias, € ela propria que € visada no horizonte pelas préticas de inculeacZo ideolbgica burguesa e pequeno- burguesa” (Ibidem, pig. 280-grifos no original). No quadro da “teoria da escola dualista” o papel da escola ngo 6, entéo, 0 de simplesmente reforcar ¢ le- gitimar @ marginalidade que é produzida socialmente. Considerando-se que o proletariado dispde de uma forca auténoma e forje na pratica da luta de classes suas pro prias organizacdes e sua propria ideologia, a escola tem por missdo impedir o desenvolvimento da ideologia do proletariado e @ luta revolucionéria. Para isso ela é orga niizada pela burguesia como um aparelho separado da produgdo. Conseqlientemente, néo cabe dizer que a esco- Ja qualifica diferentemente o trabalho intelectual e 0 tra. balho manual. Cabe, isto sim, dizer que ela qualifica 0 trabalho intelectual e desqualifica 0 trabalho manual, sujeitando 0 proletariado a ideologia burguesa sob um disfarce pequeno-burgués. Assim, pode-se concluir que a escola € 20 mesmo tempo um fator de marginalizago relativamente & cultura burguesa assim como em relacdo a cultura proletéria. Em face da cultura burguesa, pelo {ato de inculcar 8 massa de operdrios que tem acesso a rede PP apenas os sub-produtos da prépria cultura bur- guesa. Em relagdo & cultura proletiria, pelo fato de recal Céla, forgando 05 operdrios a representarem sua condi- 0 nas categorias da ideologia burguesa. Conseqiente mente, a escola, fonge de ser um instrumento de equali zagdo social € duplamente um fator de marginalizacdo: As teorias da educacao e o problema da marginalidade na América Latina 15 converte os trabalhadores em marginais, ndo apenas por referéncia 4 cultura burguesa, mas também ern relagdo 20 préprio movimento proletério, buscando arrancar do seio desse movimento (colocar & margem dele) todos aqueles que ingressam no sistema de ensino. Pode-se, pois, concluir que, se Baudelot e Establet se empenham em compreender a escola no quadro da luta de classes, eles no a encaram, porém, como palco e alvo da luta de classes. Com efeito, entendem que a esco- la, enquanto aparetho ideolégico, ¢ um instrumento da urguesia na luta ideolégica contra o proletariado. A possibilidade de que a escola se constitua num instru- mento de luta do protetariado fica descartada. Uma vez que a ideologia protetéria adquire sua forma acabada no veio das massas e organizacSes operérias, nBo se cogita de utilizar a escola como meio de elaborar e difundir a refe- rida ideologia. Se o proletariado se revela capaz de elabo- rar, independentemente da escola, sua propria ideologia de um modo téo consistente quanto o faz a burguesia ‘com 0 auxilio da escola, entdo, por referéncia ao apare- Iho escolar, a luta de classes revela-se indtil. Eis porque Snyders (1977, III Parte, Cap. V, pp. 338-344) resume sua critica 8 teoria da escola dualista com a expresso: "Baudelot Establet ou a luta de classes inctil” ‘Ao terminar esse répido esboco relativo as teorias critico-reprodutivistas cumpre assinalar que, obviamente, tais teorias ndo deixaram de exercer influéncia na Amé- rica Latina tendo alimentado ao longo da década de 70 ‘uma razoavel quantidade de estudos criticos sobre o sis tema de ensino. Se tais estudos tiveram 0 mérito de por ‘em evidéncia © comprometimento da educacdo com os interesses dominantes também 6 certo que contributram para disseminar entre os educadores um clima de pessi mismo e de desinimo que, evidentemente, s6 poderia tornar ainda mais remota a possibilidade de articular os sistemas de ensino com os esforcos de superacio do pro- 'blema da marginalidade nos paises da regido. 4, PARA UMA TEORIA CRITICA DA EDUCACAO O leitor teré notado que, quando me referi as teo- fias néo-criticas, apés expor brevemente o contetido de cada uma, procure’ mostrar a forma de organizacio & funcionamento da escola decorrente da proposta pedago- ica veiculada pela teoria, Jé em relaggo as teorias er'ti coreprodutivistas isto ndo foi feito. Na verdade estas ‘teorias _ndo_contém uma proposta pedagégica. Elas se empenham’ to-somente em explicar 0 mecanismo de funcionamento da escola tal como esté constituida. Em outros termos, pelo seu cardter reprodutivista, estas teo- ras consideram que a escola ndo poderia ser diferente do {que &. Empenham-se, pois, em mostrar a necessidade I6- gica, social e historica da escola existente na sociedade capitalista, pondo em evidéncia aquilo que ela desconhe- ce © mascara: sous determinantes materiais. Em relacdo 8 questo da marginalidade ficamos, pols, com o seguinte resultado: enquanto as teorias néo- criticas pretendem ingenuamente resolver 0 problema da marginalidade através da escola sem jamais conseguir &xito, as teorias critico-reprodutivistas explicam a razio 16 do suposto fracasso. Segundo a concepeio critico-repro dutivista 0 aparente fracesso 6, na verdade, 0 éxito da €2cola; aquilo que se julga ser uma distungso é, antes, a {ngSo prépria da escola. Com efeito, sendo um instru- mento de reprodugdo das relacdes de producdo a escola na sociedade capitalista necessariamente reproduz a do- minagBo e exploragio, Da, seu caréter segregador e mar- ginalizador. Dai, sua natureza seletiva. A impressio que nos fica é que se passou de um poder ilusdrio para a im- poténcia, Em ambos os casos, a Historia 6 sacrificada. No primeiro caso, sacrifica-se @ Historia na idéia em cuja har- monia se pretende anular as contradi¢Ses do real. No se- gundo caso, a Histéria € sacrificada na reificago da es- ‘ruture social em que as contradig6es ficam aprisionades. 0 problema permanece, pois, em aberto. E pode! ser recolocado nos seguintes termos: é possivel encarar a ‘escola como uma realidade historica, ito 6, suscetivel de ser transformada intencionalmente pela ago humana? Evitemos de escorregar para uma posigfo idealista e vo- luntarista. Retenhamos da concepeao critico-reproduti- ta a importante ligo que nos trouxe: a escola 6 deter- rminada socialmente; a sociedade em que vivemos, funda- da no modo de producio capitalsta, é dividida em clas- se5 com interesses opostos; portanto, a escola sofre a doterminacio do conflito de interesses que caracteriza a sociedade. Considerando-se que @ classe dominante no tem interesse na transformacdo historica da escola (ela estd empenhada na preservacio de seu dominio, portan- to apenas acionaré mecanismos de adaptacdo que evitem a transformacdo) segue-se que uma teoria critice (que do seja reprodutivista) s6 poderd ser formulada do pon- ‘to de vista dos interesses dominados. O nosso problema ode, entdo, ser enunciado da seguinte maneira: € poss(- vel articular a escola com os interesses dominados? Da perspectiva do tema deste artigo a questdo recebe a se- uinte formulagéo: & possivel uma teoria da educarso que capte criticamente @ escola como um instrumento capaz de contribuir para a superacio do problema da ‘marginalidade? (Limito-me aqui a afirmar a possibilidade dessa teoria, j& que escapa aos objetivos desse artigo, 0 desenvolvimento da mesma). Uma teoria do tipo ac 12 anunciado se impe a tarefa de superar tanto © poder ilusério (que caracteriza as teorias ndo-criticas) como a impoténcia (decorrente das teorias critico-reprodutivistas) colocando nas méos dos educadores uma arma de luta capaz de permitir-Ihes (© exercicio de um poder real, ainda que limitado. No entanto, 0 caminho é repleto de armadihas, j4 que 0s mecanismos de adaptagdo acionados periodica- ‘mente a partir dos interesses dominantes podem ser con- fundidos com os anseios da classe dominada. Para evitar, este risco € necessério avancar no sentido de captar a na tureza especifica da educaglo 0 que nos levaré 8 com: preensio das complexas mediagdes pelas quais se dé sua insercdo contraditoria na sociedade capitalista. E nes sa direco que comeca a se desenvolver um promissor esforgo de elaborago teérica. Penso ter dado recente- mente uma pequena contribui¢go nesse sentido (Cr. Sa viani, 1982). Do ponto de vista prético, trata-se de retomar vigo- rosamente a luta contra a seletividade, a discriminacdo e © rebaixamento do ensino das camadas populares. Lutar Cad, Pesq. (42) Agosto 1982 contra a marginalidade através da escola significa engaja se no esforco para garantir aos trabalhadores um ensino da melhor qualidade possivel nas condi¢des historicas atuais. O papel de uma teoria critica da educagao 6 dar substincia concreta a essa bandeira de luta de modo evitar que ela seja apropriada e articulada com os int ses dominantes. 5, POST-SCRIPTUM Os leitores certamente terdo estr longo de um texto versando sobre as teorias da educacdo @ 0 problema da marginalidade, no apareceu uma pala vra sequer sobre a “teoria da educaggo compensatoria”. Tal estranheza parece procedente jé que, se hé alguma Proposta educativa intimamente ligada a questi da marginalidade, esta 6 a chamada educagio compensaté- ria. Com efeito, ndo é exatamente a situacio de margina- lidade vivida pelas assim chamadas “criangas carentes”” que constitui a razéo de ser da educagio compensatéria? Nao € a educagdo compensatoria a estratégia acionada para superar o problema da marginalidade na medida em que se propée a nivelar as pré-condigdes de aprendiza gem pela via da compensacdo das desvantagens das crian (cas carentes? Entretanto, devo dizer que nio considero a educa- ‘co compensatéria uma teoria educacional seja no sent do de uma interpretacéo do fenémeno educativo que acarreta determinada proposta pedagégica (como ocorre ‘com as teorias ndo-criticas), seja no sentido de explicitar (05 mecanismos que regem a organizacio e funcionamen: to da educaco explicando, em conseqiéncia, as suas fungdes (como no caso das teorias critico-reprodutivi tas) seja, ainda, no sentido de um esforco para equacio- nar, pela via da compreensio tedrica, a questo pratica da contribuigo especifica da educacio no processo de transformagio estrutural da sociedade (como seré 0 caso de uma teoria critica da educacdo). ‘A meu ver, a educaco compensatéria configura uma resposta ndo-eritica as dificuldades educacionais ostas em evidéncia pelas teorias critico-reprodutivistas. ‘Assim, uma vez que se acuruulavam as evidéncias de que © fracasso escolar, incidindo predominantemente sobre 098 alunos sécio-economicamente desfavorecidos, se devia a fatores externos a0 funcionamento da escola, tratav se,entio, de agir sobre esses fatores. Educago compensa tora significa, pois, 0 seguinte: a funcio bésica da edu aco continua sendo interpretada em termos da equal zacio social. Entretanto, para que a escola cumpra sua fungdo equalizadora & necessério compensar as deficién cas cuja persisténcia acaba sistematicamente por neutra lizar a eficdcia da ago pedagégica. Vé-se, pois, que ndo se formula uma nova interpretagao da a¢ao pedagogic Esta continua sendo entendida em termos da pedagogia tradicional, da pedagogia nova ou da pedagogia tecnicista encaradas de forma isolada ou de forma combinada. O caréter de compensacio de deficiéncias prévias 20 processo de escolarizacdo nos permite compreender a estreita ligagao entre educacdo compensatéria e pré-es- cola. Dai porque a educaréo compensatéria compreende um conjunto de programas destinados a compensar defi- ciéncias de diferentes ordens: de sade e nutricdo, fami- liares, emotivas, cognitivas, motoras, lingiisiteas, etc. ais programas acabam colocando sob a responsabilidade da educaco uma série de problemas que ndo so especi- ficamente educacionsis, 0 que significa, na verdade, a persisténcia da crenga ingénua no poder redentor da edu- ‘cago em relagdo & sociedade. Assim, se a educagio se revelou incapaz de redimir a humanidade através da a¢30, pedagégica ndo se trata de reconhecer seus limites, mas de alargé-los: atribuise ento & educaco um conjunto de apéis que no limite abarcam as diferentes modalidades de politica social. A conseqiiéncia é a pulverizagio de es- forgos e de recursos com resultados praticamente nulos do ponto de vista propriamente educacional. Essas constatares me levaram & conclusdo de que 4 propria expressdo “educacdo compensatéria” coloca 0 problema em termos invertidos, isto 6, 0 termo que apa- rece como substantivo deveria ser 0 adjetivo e vice-versa Portanto, se se quer compensar as caréncias que caracte- de marginalidade das criancas das cama- das populares, é preciso considerar que ha diferentes modalidades de compensagéo: compensagdo alimentar, ‘compensacdo sanitéria, compensacdo afetiva, compensa: G0 familiar, etc. Neste quadro, constatada a existéncia de deficiéncias especificamente educacionais, caberia se falar ndo em educacdo compensatéria (atribuindo-se & educago a responsabilidade de compensar todo tipo de deficiéncia) mas em compensago educacional. € aqui fica, finalmente, evidenciada a ngo-autonomia tebrica da "educacdo compensatéria”, uma vez que a exigéncia de tratamento diferenciado, de respeito as diferencas indi- viduais e aos diferentes ritmos de aprendizagem bem. como a énfase na diversiticagdo metodolégica e técnic no sentido de suprir as caréncias dos educandos, so reocupacies préprias do tipo de teoria denominada neste texto de “‘pedagogia nova’ No contexto da América Latina, a tendéncia atual- ‘mente em curso (freqientemente reforcada pelo patro- cfnio de organismos internacionais) de difusSo da educa- 80 compensatéria com a conseaiiente valorizagio da ré-escola entendida como mecanismo de solucdo do Problema do fracasso escolar das criancas das camadas As teorias da educagao e o problema da marginalidade na América Latina 17 trabathadoras no ensino de primeiro grau deve, pois, ser submetida a critica. Com efeito, tal tendéncia acaba por se configurar numa nova forma de contornar o proble- ma em lugar de atacélo de frente. Exemplo eloqiiente desse desvio 6 0 caso da cidade de So Paulo onde, apos ddez anos de merenda escolar, os indices de fracasso esco- lar na passagem da primeira para a segunda série do pri ‘meiro grau, em lugar de diminuir, aumentaram em 6%. Cumpre, pois, no tergiversar. Néo se trata de rnegar a importancia dos diferentes programas de aro compensatoria. Consideré-los, porém, como programas educativos implica um afastamento ainda maior, em lu: gar da aproximacdo que se faz necesséria em direcio & ‘compreensio da natureza especitica do fenémeno educa- tivo, Referéncias: ALTHUSSER, L., Ideologia e Aparelhos Ideolégicos do Estado. Lisboa, Editorial Presenea,s/d. BAUDELOT, C. & ESTABLET, R., L’école capitaliste en France. Paris, Francois Maspero, 1971, BOURDIEU, P. & PASSERON, J-C.,.A Reprodupéo: Ele- ‘mentos para uma teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro, Livraria Francisco Alves Editora, 1975. BOWLES & GINTIS, Schooling in Capitalist America. N. York, Routledge & Kegan Paul, 1976. MATTELART, A,, As Multinacionais da Cultura. Rio de Janeiro, Civilizagdo Brasileira, 1976. MATTELART, A., Multinacionais e sistemas de comuni- cacao. Sao Paulo, Ciéncias Humanas, s/d. SAVIANI, D., “A filosofia da educacdo e problema da inovacio em educacio". In, GARCIA, W.E. (org.), Inovagio educacional no Brasil. Séo Paulo, Cortez Ed./Ed, Autores Associados, 1980. SAVIANI, D., "Escola e democracia ou a ‘teoria da cur- vatura da vara’ ". Revista da ANDE, Ano 1, n0 1, 1981 SAVIANI, D., “Escola ¢ democracia: para além da ‘teo: ria da curvatura da vara’ ". Revista da ANDE, Ano 1,n9 3, 1982. SNYDERS, G., Escola, classe e luta de clases. Lisboa, Moraes Ed., 1977. TEDESCO, J.C., “Elementos para un diagnostico del ss tema educativo tradicional en America Latina’. 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