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Resumo Abstract Design centrado no ser humano: uma necessidade cultural’ Human-centered design: a cultural necessity Klaus Krippendortt Graduado em Design pela Hochschule fiir Gestaltung, Ukn, Alemanha. Doutor do pela Universidade do Mlinois, Alabama. Professor de Ci- bernética, Linguagem ¢ Cultura na Escola de Com em Comunii jcagaio da Universidade da Pennsylvania, Annenberg Scholl for Communication - University of Pennsylvania. Tradugao: * Gabriela Meirelles Bacharel em Desenho Industrial - Comunicagao Visual - PUC-Rio Revisdo Técnica da Traducao: Lucy Niemeyer Mestre em Educagao - UFF, Doutoranda em Comunicagao e Semidtica - PUC- SP, Professora do Departamento de Artes ¢ Design - PUC-Rio Este artigo aborda uma historia, publicada recentemente, dos problemas paradigmaticos do design, Ele argumenta que estamos em transiggo de uma cultura dominada pela ciéncia (modernismo) e pela crenga no carater benéfico da tecnologia, para uma cultura que, ainda que conduzida por tecnologias da informagao, reconhece a atividade projetual como uma virtude humana ¢ ‘This paper draws on a rect published history of paradigmatic design problems. It argues that te are in transition from a culture thal was dominated by science (modernism) and the belief in the goodness of technology, to a culture that, while ushered by information technologies, recognizes design as a human vrtwe and as its primayy organizing feature (constructivism). To this end, it offers several propositions of an epistemalegically informed and, hence, human centered approach to design. It culminates in a sketch of what design education should and can contribute to this new culture Trade da palesvaproferida pelo Prof. Klaus Kipper duane o PRED Design 2000 (IV Congreso Brasil de Pesquisa e Desolimenta em Desig, rela em outed 2000, na FEBVALE, Nova Hamburg - BS. STL006:4 SEN NODEMNEIO-V.8- >= STENIND 200 DESIGN MIND 8 87 Uma trajetoria de artificialidade Recentemente, Philip Agre (2000) escreveu sobre 0 novo espago do design. Ele observou que o design no é mais limitado a profissionais, que a tecnologia evoluiu até um ponto em que a atividade projetual tornou-se um modo de vida, que 0 antigo pensamento do design como eriacao de coisas dew lugar ao pensamento do design como algo incrustado na sociedade. De fato, apés um século de disputa entre escolas concorrentes de artes e design, o design agora enveredou por uma trajetoria irreversivel de problemas proprios ao design (Krippendorff, 1997), a supressio de paradigmas ou de exemplares-modelo. Consiceremos as etapas pelas quais passamos ou as que estejamos no proces- so de atravessar: J, Produtos - durante a era industrial; 2. Bens, informagao e identidades - desde 0 inicio do consumismo (nos anos 1950); 3. Interfaces - desde 0 computador pessoal - PC (anos 70/ 80); 4. Redes de Multi-usuérios - desde a internet - WWW (anos 90); 5. Planejamentos - em acministracio de empresas, desde a Segunda Guerra Mundial, mas no design apenas recentemente; 6. Diseursos - na filosofia, desde Wittgenstein (1953), Rorty (1989), no design ver Krippendorif (1995). Essa trajetéria manifesta um aumento gradual na consideragio de aspectos humanos ¢ sociais, ¢ corresponde & saida radical de uma cultura cien- tifica em ditecio Aquilo que podemos chamar de cultura projetual. Sugiro que caractetizar nossa sociedade como estando em transigio para uma sociedade da informagio é simples demais. Deixem-me tentar formular alguns principi- (05 que emergiram a medida em que essa trajetéria se desdobra. Alguns principios do design centrado no ser humano O paradigma de se projetar produtos funcionais para produgio em série - um resultado da industrializagao - morreu com Ulm, mas continuou no mbito da engenharia através de sua preocupacdo com a produgio e com a funcionalidade. © foco no ser humano emergiu na primeira mudanga de paradigma ocorrida na trajetoria descrita anteriormente, de produtos para bens, infor mages, identidades, aparéncias, modismos, marcas, etc. Produtos funcio- nais tinham como propésito ser parte da sustentagio de complexos tecnolégicos maiores. Bens, por outro lado, residem em sua passagem pelos mercados informagoes, lcitura de textos ou imagens; identidades, em como as pesso- mesmas € aos outros; etc. Os designers dessas coisas intangiveis 88 {S510008 1 DESIGN - RODE ANEERO 8K. 3 ~ SETEMBRG 2000 -OESGN SR HUMAN - 87-98 foram percebendo que os seus produtos eram priticas sociais, simbolos e pre- feréncias, € no s6 coisas; ¢ deveriam scr projetadas para compradlores, consu- midores ou pablicos, ¢ nao usuarios “racionais”. A ligao que tiramos dessa mudanga & que: Nao reagimos ds qualidades fisicas das coisas, ‘mas ao que elas significa para nés. Esse axioma epistemologico distingue claramente o design centrado no ser humano, preocupado com a maneira através da qual vemos, interpreta mos ¢ convivemos com artefatos, do design central no objeto, que ignora as caracteristicas humanas em favor de critérios objetivos (como funcionalidade, custo, esforgo, durabilidade, ergonomia ¢ até estética, quando fundada em teorias). O foco no objeto valoriza critérios de projeto passiveis de serem ge- neralizados ¢ medidos sem 0 envolvimento humano. Esse tipo de foco & par- ticularmente insensivel a variedades culturais individuais. O axioma tam- bém distingue o design da engenharia, Para o design, na minha opiniao, 0 significado ¢ fundamental. Na engenharia nao ha lugar para o significado. Finalmente, esse axioma tem sido fundamental para o estudo da semantica do produto (Krippendorff, 1989). © design centrado no objeto {oi resultado da cra industrial, da produgio em série e dos lucros de um mercado em expan- sto, € se fundou em nogdes de ciéncia orjginadas no Renascimento. Os computadores pessoais conduziram ao paradigma seguinte: interfaces. Semelhangas a linguagens, interatividade, experiéncias internalizadas e a possibilidade de autodidatismo fizeram com que as interfaces no fossem explicaveis em termos psicolégicos, ergondmicos ¢ semiéticos, tor- nando obsoletos a linguagem do funcionalismo, as preferéneias dos consumi- dores © 0s apelos estéticos. Interfaces so processos, elas decompuseram os artefatos em seqiténcias interativas. Desde 0s anos 70 ¢ 80, as interfaces pro- porcionaram ao design um foco totalmente novo. A semantica do produto oferece elucidagées dinamicas de como os individuos lidam com os artefatos € nao s6 com artefatos computacionais (Krippendorff, 1990), Ela nos ensinou que a natureza tangivel dos artefatos é insignificante quando comparada ao fato de que: Os arlefatos acontecem dentro de coordenagies sensors e motoras Projet artefatos nada mais & que do gue protar a passibiidade de (que certas interfaces vena @ toma. Dessa forma, os artefatos nao existem fora do envolvimento huma- no. Eles so construfdos, compreendidos e reconhecidos quando usados pelas pessoas, que tém objetivos préprios. Agre (2000) aponta o mesmo, quando defende que “podemos perceber methor © que uma coisa é quando ela esti mudando” (eu ainda diria que isso também acontece quando podemos fazer 57.008 SION - NODE NENW 8-H. 9 SEENGND 80 DESK SER MUNG - 7.08 89 com que uma coisa mude de acordo com nossa maneira de viver), a que ele acrescenta: “e agora tudo esta mudando”, Sem diivida, a linguagem & nossa forma de coordenagiie mais im- portante. Nos criamos ¢ coordenamos o mundo perceptivel enquanto falamos tuns com os outros. Construimos tecnologia através de conversagies. O design no pode ser bem sucedido sem a comunicagao entre designers ¢ com os usu- frios. Por essa razio' Coordenagies adquirem significado social através de narrativas edidlogs. Arlefatos sdo matenalizadas através da linguagem, As interfaces tém muitos aspectos revolucionarios. A. reconfigurabilidade, por exemplo - um de seus tragos mais importantes -, per~ mite que os usuarios (re)projetem os seus préprios mundos. Conferir (re)projetabilidade aos artefatos altera o papel que os designers podem de- sempenhar dentro de uma cultura que acolhe essa tecnologia. A reprojetabilidade propaga as praticas projetuais para além dos limites do design profissional. Fla delega a atividade projetual a nio-designers, poupando os designers do trabalho de se preocupar com detalhes e, ao mesmo tempo, fa zendo com que os usuarios fagam parte do processo através do qual a tecnologia € criada, Isso obscurece as fronteiras nao apenas entre produtores ¢ usuarios, porém, mais importante, entre designers © aqueles para os quais o design é voltado, Confer (re)projetabitidade & tecnologia aamplia 0 design. Ela raz a tona wma cultura que cada vee mais se compreende como co-consttutvel ¢ mavida pela prética projetual Voltando as origens do design, a era industrial foi governada pela renga no cardter necessariamente benéfico do progresso tecnoligico. Os usu- rios sentiam a necessidade de se adaptar aos produtos disponibilizados pela industria ¢ seus designers, sem perceber que essa crenca servia as necessidades da industria, como a eficacia econdmica, a expansio dos mercados € 0 contro- le cultural, O progresso tecnolégico nunca deu lugar ecologia, Os designers cram recompensados por servirem a essas necessidades ¢ abragavam com fer~ vor essa ideologia, as custas da capacidade de participagio dos usuarios, exceto ocasionalmente como consumidores reativos que resistiam a esse “progresso”” Agre (2000), as pessoas resistem apenas a mudangas im- postas. Elas gostam de mudar suas vidas, mas geralmente em seus proprios Mas, como obsei termos. A oportunidade de projetar, de jogar com as possibilidades ¢ de inver~ ter as regras invés de seguir regras alheias permite que os usudrios déem conta de si mesmos. A reprojetabilidade acaba sendo a motivagao intrinseca mais importante para que as pessoas se engajem em interfaces particulares. Defen- do que: 90 ‘esTu005 DESIGN — UO OE NERO —. HN 3 RTEMBRO2009-OHSIEAESER IMAM = 6798 A atividade projetual é intrinsecamente moticadora, é wma atividade Juana por natureza. Ela nao & proiligio de uma profssda, © ato de se conferir reprojetabilidade A tecnologia acaba com a posigio estratégica que os designers adquiriram durante a era industrial. Os designers no so mais responsiveis pelo que acontece com suas i iéias. Os designers contemporineos nao podem fazer nada além de estar um passo frente de todos. Isso muda o foco do design de produtos, bens ¢ servigos, em diregdo a maneiras de se criar interfaces com eles; do aperfeigoamento tecnologico, em diregio A defesa de priticas sociais mais palataveis, Alm disso, acarreta numa mudanga de como encaramos as pessoas em favor das quais trabalhamos, de consumidores com necessidades que podiam ser cri das, para siakeholdes' com interesses, informagdes € recursos politicos prépri- 65, a serem usados a favor ou contra um projeto. A seméntica do produto formulou essa nova forma de entendimento. O entendimento necessario ao design para © com stakeholders! € um entendimento nao somente da tecnologia envolvida, mas, antes, do que a tecnologia significa para as pessoas, como outros compreendem aquilo que os designers tém boas razdes para entender de forma diferente. Entender 0 en- tendimento dos outros - com respeito pela diferenga em relagao ao seu pi prio entendimento - é um entendimento do entendimento ou um entendi- mento de segunda ordem ¢, como tal, qualitativamente diferente de um en- tendimento primario das coisas que nao podemos compreender, Nesse novo ambiente: design gera um entendimento de segunda ordem da capacidade (que os euros tam de projetar as seus prdprios mundos A tecnologia possibilitou a reprojetabilidade por um lado ¢ 0 en- tendimento de segunda ordem por outro, que so os pilares das redes de multi-usudrios, meu quarto paradigma. Redes como essas acarretam neces- sariamente uma livre cooperagao na qual os participantes constréem seus pro- prios mundos enquanto esti em contato uns com os outros. ‘Todas as redes de multi-usudrios vidveis requerem um niimero minimo de participantes. O que acontece entre eles, no entanto, nao pode ser controlado extemamente, Salas de bate-papo, Chats, grupos de discussio € uma série de “collaboratoria” tém, que se auto-organizar ou deixam de existir. SAo projetados por muitas pessoas, incliindo Aackers, internautas, programadores com idéias loucas, pessoas que lidam com tecnologia de ponta e, também, empresas comerciais, cada um entrando na rede como sua propria concepgio de comunidade, Mas nenhum, deles precisa compartilhar metas ou pontos de vista em comum, "Fa mantic &palavr slaleold, do original por nio haver sido encontrada na lingua portugue- «uma palavra que tenha as conotacies equivalentes a ela, No texto, stakbildr nao significa facionisia", mas sim pessoa que tenha interesse¢ investimento na questo em apreco. (NT) |eS10006 04 OUSIGN ID OF JANEIRO W.-W. 3 SETEMBRO 2000 - DESIGN SER HUMAN» 87-8 91 As tecnologias podem tanto incentivar ¢ ampliar comunidades, como fracassar completamente Colocar comunidades, invés de usuarios individuais, no centro das preocupagies do design abre caminho para algo totalmente diferente. A lon- 0 prazo, as tecnologias que desencorajam a cooperagio entre usuarios sio superadas por aquelas que fazem o contririo. As tecnologias que fornecem solugdes meramente tecnoligicas para problemas sociais podem ser identificadas ‘como as causas de instabilidades. Mas as tecnologias que expandem a comu- nidade atraem novos modos de vida ¢ evoluem no processo. Diferentemente das redes, os planejamentos, meu sexto paradigma, sio guiados por visdes compartilhadas - como levar o homem a Lua, reconfigurar o sistema de satide americano, desenvolver um programa de doutorado em design, € mesmo perseguir a idéia de um carro niio-poluente. Os designers de planejamentos plantam sementes, mas nao controlam 0 que ‘emerge delas. Voltando um pouco atras, poderiamos dizer que design sempre foi planejamento, Na era industrial, um planejamento confinado a indistria, ¢ hoje, a politica. De fato, o design nunca foi efetivado sem a cooperagio de outras pessoas, Como planejamento, & premente destacar que: O design 56 pode ser bem sucedido quando estimula ¢ sustenta redes de stakeholders sufcientemente grandes. ‘A engenhatia cria instruges (desenhos). O design centrado no ser humano deve estimular as pessoas. Até aqui, nossa trajetéria nos levou para uma cultura projetual, uma cultura que reconhece sua reatidade como construida ¢ ndo descoberta. Ela reconhece sua propria variabilidade, pensa a respeito de seus possiveis modos de vida e se entende como reprojetivel. A nogio modernista de uma cultura bascada na ciéncia cedew lugar para uma cultura em que a atividade projetual no é mais uum privilégio, mas ja penetrou em quase todas as Areas da vida social. Cada mudanga de paradigma em diregio a essa cultura projetual agora parece tio Sbyia que, hoje, nos perguntamos por que ndo consegufamos ver a atividade projetual dessa maneira antes. Deixem-me agora abordar a questio do discurso do design, a tlti- ‘ma fronteira ao longo da trajetéria que tracei. O discurso do design e os desafios educacion: O discurso comega com uma fala, mas a fala niio deve ser descarta- da como algo viio. O discurso do design é 0 tipo de fala que desenvolve nnossos futuros modos de vida dentro do mundo material. Através da lingua- gem decidimos 0 que o designer é. Através da linguagem negociamos ¢ acei- tamos deveres € narramos o futuro em que nossas intengdes se tornario reais, 92 ‘S7U005 € OESION AIO AME -V'8 =. 3 = SETEMBRO 2000 DESIGN SER HUMANO- #798 Através da linguagem organizamos equipes, defendemos nossas idéias ¢ esti- mulamos stakeholders a formar redes que podem leviclos & realizagao. A educa ‘sao em design esti em grande parte discutindo, argumentando, testando € jjulgando. E mesmo esta palestra, se algo resultar dela, & trazida & tona através da apresentagao de outros artigos, da discussio de idéias ¢ das conversas que a sucedem. No entanto, ouso dizer que geralmente nio temos consciéncia da maneira pela da qual materializamos os artefatos através da linguagem e cria- mos diversos mundos que encaramos no futuro. Gosto de distinguir entre falar uma linguagem e ser falado através de uma linguagem. Essa é uma dis- tingao crucial, Estamos sendo falados através de uma linguagem quando fala- mos sobre coisas sem nos darmos conta de que é a fala que importa, A educa- ‘clo em design é o lugar em que estudantes de design aprendem um modo de falar e de pensar préprio aos designers. Revistas de design, aulas, prémios conferidos ao bom design, ¢ até antincios que apresentam algo como sendo design, tudo isso no diz. respeito apenas a objetos projetados, mas também ‘muda, adiciona ou subtrai algo daquilo que o design é na nossa cultura. Meu objetivo aqui é nada menos do que propor uma mudanga de ser falado por uma linguagem, para falar uma linguagem de forma consciente; de falar de uma maneira propria ao designer, para forjar um discurso do design capaz de criar 0 que desejamos que o design seja; de praticar o design, para reprojeti-lo de maneira que ele seja engajado na melhoria de praticas projetuais. As instituigdes de ensino de design, especialmente as universida- des, tém a oportunidade - diria até a obrigagao - de ir além do ensino de priticas projetuais e das conceituacdes da cultura na qual ha a expectativa dos seus resultados fumcionarem, A educagio em design deveria refletir mais a respeito do estado do design e inquitir sobre as praticaslingiisticas dos designers, em vista do papel que eles precisam desempenhar dentro do proprio mundo que pretendem mudar. Subestimo as observagdes acima a respeito do design centrado no ser humano quando sugiro que, para que o design sobreviva como uma profissio, ele deve aplicar seus prineipios projetuais no apenas ao ‘mundo material, mas também as suas proprias priticas, ao seu proprio discur- so. Portanto: design deve continuamente reprojetar 0 seu préprio dscurso e ele prépria, Esse € 0 atual desafio da educagio em design. Mas 0 que isso signi- fica? Deixem-me citar seis areas carentes de desenvolvimento, Em primeiro lugar, 0 design nao pode se preocupar com 0 que funcionou no passado. A pesquisa cientifica é, no fim das contas, a busca con- tinua de dados do passado, disponiveis no presente, a fim de extrair generali- zagdes para o futuro, Os designers, ao contrario, buscam possibilidades de alterar determinismos histéricos, de inventar futuros e fazer com que sejam 93 possiveis. Isso requer uma epistemologia que é incomensurivel em relacao a epistemologia ci {como descritiva do que existiu © continua como tal) (Simon, 1969), A meta mais importante da educagio em design € possbilitar que 0s estudantes investiguem sistematicamente: - Formas de narrar modos de vida imaginaveis. Métodos que realizam essa tarefa sio altamente narrativos. Sabemos que futuros esto sen- do articulados por poetas, escritores de ficcdo-cientifica ¢ sonhadores. Os designers podem ser inspirados por eles, mas, para conseguir realizar esses, fuaturos, precisam aprender a articular futuros possiveis através de sua propria linguagem. Em segundo lugar, a diferenga entre escritores de fiegiio ¢ designers € que as ficgdes dos designers devem ser realizéveis, devera ‘a8 em nossos mundos. Embora a possbilidade de realizago possa ser prova- da apenas se voltarmos ao passado, ela pode ser defendida e argumentada, Para os designers, iso significa ter narrativas convincentes a respeito de como © presente pode ser transformado num futuro desejével. Normalmente, essas roduzir mudan- narrativas tém que superar preconceitos que fazem com que certas idéias se- jam impensaveis, ou crengas na generalidade na continuidade de represses hist6ricas, que desencorajam exploragdes. Uma importante competéncia dos designers é, entao, a de buscar sistematicamente os atuais pivos do que é ‘modificavel; como deixar para tris os preconceitos, reenquadrar leis naturais ou explorar lacunas no conhecimento que demandem ago. A educacio em design deve ensinar aos estudantes: -A capacidade de reenquadrar concepgdes do presente de modo a fazer com que 0 imagindvel paresa realizavel. © enquadramento, € um dispositivo lingiistico para se ver uma situago famitiar com outros olhos. © uso de metiforas é comum. Por muito tempo, educadores na area do design falaram de habilidades comunicacionais. O propésito & apresentar 0 caminho de um design realizével e digno de ser levado aqueles que importam, especi- almente quando estio propicios a resistir a mudangas. Designers que nao sa bem defender a possibilidade de realizagio de suas idéias, que nao sio capa zes de articular seus objetivos nos termos de seus stakeholders ou que niio conse~ guem delegar a realizagao de seus projetos a outros, inevitavelmente fracas- sam, Em terceiro lugar, nfo s6 0 uso da linguagem mencionado acima interfere nas concepgdes dos outros, mas também o design centrado no ser humano reconhece que as tecnologias vivem em comunidades de siakeoldes Usuarios e consumidores individuais, conforme previsto no primeiro no se- ntal foram incorporados a varias disciplinas, dentre as quais se incuem a ergonomia gundo estigios da minha trajetoria, sio um mito da psicologia ocid © a estatistica de consumo. Design ¢ a defesa de uma causa. Onde as pessoas falam sobre o design, ele torna-se politico. O design é mais efetivo quando incrustado na mesma comunidade que exige participacio no futuro que cle . Assim, a educagio em design centrado no ser humano precisa ensinar técnicas colaborativas de projeto, maneiras de envolver stakeholders ~ no ape- nas como sujeitos ou informantes, mas acima de tudo como participantes ati- vos. Para atingir isso, a edueagao em design tem que ensinar: - Uma retérica que estimule redes de stakeholders grandes © bastante para fazer com que o design progrida. A semintica do pro- duto jf desenvolveu uma série de téenieas que dimento ¢ de métodos de projeto que objetivam convencer stakeholders da va lidade de alegagées semanticas. F. claro que o design nunca é melhor do que ises de custo-bene- ficio € do que 0 endosso por parte de autoridades respeitadas. Nos, certamen- waliam a capacidade de enten- as forgas retéricas de seus testes empiricos, do que suas an: te, temos que desenvolver argumentos dignos de crédito para sustentar nossas alegagdes, argumentos que sejam tio convincentes quanto aqueles baseados em provas cientificas. No entanto, o objetivo mais significativo dessa ret6rica & recrutar stakeholdas necessérios, encorajar formas organizacionais adequadas ¢ estimular 0 envolvimento continuo. Em quarto lugar, estou assumindo que o design é para e com pessoas diferentes dos designers. O design centrado no ser humano é complicado pelo fato de que as pessoas agem de acordo com os seus proprios entendimentes. Isso contrasta radicalmente com o objetivo da engenharia ¢ de outras formas de investigagao, que se preocupam com objetos incapazes de entendimento, O design centrado no ser humano nao pressupde que o entendimento dos designers seja melhor do que aquele de stakeholder: - engenheiros, vendedores, ativistas ecolégicos, usuarios e vitimas, Ha diferengas naturais. Assim como comunicadores ¢ politicos, os designers centrados no ser humano precisam ‘entender ndo s6 © que fazem, mas também como os outros percebem 0 que cles fazem. A necessidade de conceituar as concepgdes dos stakeholders (de design, tecnologia ou outros) desemboca num entendimento do entendimento, um ‘entendimento de segunda ordem. O entendimento de segunda ordem é fan- damentalmente diferente do entendimento de primeira ordem com 0 qual ‘crescemos, que € muito versado das ciéncias naturais e adequado ao design de hardware, méquinas irracionais ¢ dispositivos funcionais. Numa cultura que se conduz através da atividade projetual, a educagio em design deve: -Gerar um conhecimento de segunda ordem, isto é, um co- nhecimento capaz de abarcar 0 conhecimento dos outros, uma perspectiva que aceite miltiplas perspectivas como algo natural (e que considera absolu- tos ou objetividades como distorgdes). A capacidade de se ter entendimentos de segunda ordem assegura ao design sua relevincia social © abre a possib dade de que haja consideragdes morais invés de consideragdes meramente cficientes. Em quinto lugar, o design nao é racional, consensual, democratico, nem integro. Ele tem éxito ou fracassa dentro da mesma politica que ele gera. Projetos em particular podem ser inspirados na visio de alguém, mas eles tém que provar a sua viabilidade em muitos usos por outras pessoas, com visdes potencialmente diferentes. Todo projeto - desde shopping centers, campos de golfe, 5710056 DESIGN RI DE ANEIND = B= A 3~SETENERO 208 = DESRGN SER HUMAN = 7-88 95) empresas de internet, restaurantes, até pequenos utensilios domésticos - re- quer um niimero minimo de siakeholders para ser bem sucedido, nio requer a populagio inteira, Além disso, a maioria das tecnologias se desenvolve de maneira nao planejada, precisamente porque os designers sao sempre meros stakeholders em seus proprios projetos. Ninguém é responsavel pelas redes de stakeholders que estdio constantemente emergindo. © que quer que motive um, projeto, inicid-lo € a maneira mais natural de trazer a tona suas virtudes e sua moral, ou seus opostos. Portanto, a educagio do design centrado no ser huma- no deve encorajar os designers a suspender julgamentos finais e questionar seus proprios valores - na verdade, qualquer sistema de valores - em favor de: -Virtude ¢ moral coletivas que redes complexas de stakeholders podem negociat, pois esto além da compreensio individual. Isso exige que ‘5 designers reconhecam a natureza politica do design, participem de ponde- ragoes publicas a respeito de seus projetos, sintam 0 que est4 acontecendo além da superficialidade do comportamento € estejam dispostos a delegar as decisdes que cabem aos slakeholders ~ novamente a reprojetabilidade. Numa cultura movida pela atividade projetual, teorias éticas que aspiram a generali- zagio tomam-se questionaveis. A sabedoria incorporada em redes de stakeholders constitui uma resposta moralmente sensivel. Em sexto lugar, os designers freqtientemente véem a si mesmos como interdisciplinares, sugerindo nao ter uma morada fixa; ou como integradores, 0 que significa que esto familiarizados com um pouco de tudo sem profindidade em nada, A atitude “em cima do muro” e a superficiaida- de dos designers combinam com o fato de que freqiientemente tomam em- prestado dos discursos de outras disciplinas mais prestigiadas ¢ Inerativas os conceitos que estio em voga. Certamente, pode nao haver nada de errado com 0 habito de olhar para a casa do vizinho por cima do muro, mas adotar conceitos de outras disciplinas sem examindlos significa importar acriticamente paradigmas que destroem aos poucos 0 discurso do design, ou entregé-lo aos, discursos das disciplinas mais estabelecidas. De fato, 0 marketing, a engenha- ria, a psicologia € a arte freqiientemente sustentam que o design é uma sub- rea de suas proprias disciplinas. falta de cursos de doutorados sélidos em design aponta a falta também de uma identidade do design. Contrastando com isso, estou sugerindo que tomar 0 axioma da primazia do significado seriamente, ¢ trabalhar em diregao a um design centrado, no ser humano em opesic¢ao ao centrado no objeto, oferece ao design uma forca retorica sem precedentes ¢ uma identidade distinta daquela de todas as disciplinas voltadas para objetos particulares (a biologia com sistemas vivos, a fisica com a natureza material, a psicologia com individuos humanes, ete.). O design centrado no ser humano abre um vasto espago para que os designers tomem mais claras as suas proprias priticas, iluminem os seus préprios méto- dos ¢ afiem a sua propria linguagem. Ele desencoraja que se mova sem obje- tivo de uma idéia que esta na moda para outra, que © design seja arrastado para dentro e para fora de disciplinas centradas em objetos, € que se perca no 96 570005 84 DESION = RID DE ANEIRD 8-H. >= STEMERO 2080 =DESIGNE SER RAN F798 meio de idéias. Seria um erro da educagao em design tomar 0 caminho das disciplinas centradas em objetos. Estou sugerindo, portanto, que a educagio em design reconhega que as Tinguagens si - Um discurso critico ¢ indiseiplinado. 0 design nio tem ob- jetivo além da realizagio de fituros desejiveis. Nao esta interessado em pro- cedéncias passadas - objeto da pesquisa cientifica - mas no que pode ser alte- rado, Com o foco em algo que ainda nao existe ¢, portanto, que nao ainda observavel, © design deve desenvolver uma linguagem, metodologias © prat cas capazes de narrar possibilidades imaginadas, justificando propostas de mudanga das priticas sociais, inspirando outros a levarem adiante suas idéias permitindo que as virtudes do design sejam decididas pela sabedoria coleti- va de seus stakeholdas. O design precisa de um discurso que consiga questionar ‘© que outros discursos dizem ser impossivel. E ele deve resistir a ser “diseipli- nado”, nio confiar em paradigmas alheios ¢ continuar sendo critico em rela- io a suposigdes duvidosas. Desenvolver tal discurso ¢ construir estruturas educacionais ao seu redor é um projeto estimulante para todos nés, Em conclusdo Sugeri neste artigo que nossa cultura esta em transigio, porém no para uma sociedade da informacio, - como quase todos afirmam, na maioria das vezes sem saber 0 que isso significa -, mas para uma cultura na qual as praticas projetuais nio sio mais controladas por uma poderosa indiis- tria, ¢ sim amplamente distribuidas. Nessa sociedade, a atividade projetual € um modo de vida. Portanto, o design deve tomar ciéncia de sua virtualidade € do foco no ser humano. Essa tomada de consciéncia abre possibilidades inimaginaveis para o design daqui para frente. A educagaio em design tem agora a oportunidade de assegurar um novo espaco para o design no qual ‘outras disciplinas ainda nao se aventuraram, de ajudar praticantes do design a perceber as possibilidades que isso abre e de desenvolver um discurso do design retoricamente convincente. 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