You are on page 1of 9
1 — : ALBUM DE FAMILIA 7 Seer ee ee ere eer Eu era Hamlet. Estava parado a beira-mar e falavg BLA-BLA com d dessa tr4s de mim, as ruinas da Europa. Os sinos anunciavam os funerais neicionais: assassino e vitiva. yi casal: ém passo solene atrés do ‘aixao do'nobre cadaver os conselheiros, choramingando em luto mal pago. QUEM EO CADAVER DO CARRO FONEBRE / POR QUEM TANTO SE CHORA E TANTO SE GRITA /O CADAVER E DE UM GRANDE / HOMEM QUE DAVA ESMOLAS, nas fileiras da populagio, obra de sua politica. ERA UM HOMEM QUE APENAS TOMAVA TUDO DE TODOS, Parei o coriejo finebre, forcei 0 caixdo com a espada, a lamina partiu, consegui abri-lo com o coto que sobrou, reparti o procriador falecido CARNE VAI BEM COM CARNE as miseraveis figuras que estavam ao redor. O luto transforniu-se em jibilo, 0 idbilo em voracidade, em cima do caixao o assassino trepou com a vitiva PRECISO AJUDALO A LEVAN- TAR TIO ABRE AS PERNAS MAEZINHA. Eu me deitei no caixao e ouvi o mundo girar no compasso da putrefacio, IM GOOD HAMLET A CAUSE FOR GRIEVE + AND THE WHOLE GLOBE FOR A REAL SORROW RICHARD THE THIRD! THE PRINCE KILLING KING OH MAY PEOPLE WHAT HAVE I DONE UNTO THEE COMO UMA CORCUNDA VOU CARREGANDO O MEU PESADO CEREBRO SEGUNDO PALHACO NA PRIMAVERA COMUNISTA SOMETHING IS ROTTEN IN THIS AGE OF MOON Eis que vem o fantasma que me fez, a machadinha ainda no crdnio. Ta podes deixar 6 chapéd na cabeca, sei que tens um buraco a mais, Eu queria que minha mae tivesse to um a menos, quando estavas na carne, eu me tera sido poupado, Dever-se-iam costurar as mulheres, um mundo sem mies. Nés poderiamos nos chacinar em paz, ¢ com alguna confianga, quando a vida se torna longa demais para nds ou a garganta estreita demais para os nossos gritos. Que queres tu de mim? Nao te basta um funeral solene e oficial? Velho 25 de fora, talvez acabes mesino cheganido abadeu, O que 6 que ets eeperandat Os galos foram abatidos. Nao ha mais amanheger: ‘ DEVO, * : POR SER COSTUME, ENFIAR. uM PEDAGO! DE FERRO NA CARNE PROXIMA OUNA SEGUINTE. ‘AGARRARME A ISSO PORQUE O MUNDO GIRA SENHOR QUEBRE-ME O PESCOGO DERRUBANDO-ME DE UM BANCO DE TABERNA. Entra Horacio. Céimplice dos meus pensamentos repletos de sangue, ‘descle que a mantia se cobriu com 0 véu vazio, CHEGAS TARDE DEMAIS, MEU AMIGO, PARA OTEU SOLDO / NAOHA LUGAR PARA TINA MINHA TRAGEDIA. Horacio, sera que me conheces? Se me conheces, como pocles ser meu amigo? Queres representar Polénio, que quer dormir com sua filha, a encantadora Ofélia, ela entra coma sta deixa, veja como ela mexe o traseiro, um papel trégico. Hordcio/Poldnio, Eu sabia qué tu é um ator, Eu também © sou. Interpreto Hamlet, A Dinamarca é uma prisio, entre nds cresce uma parede. Veja 0 que cresce da parede, Exit Poldnio. A minha mae a noiva. Os seus seios um roseiral, 0 ventte 0 ninho de viboras. Esque- ceste o teu texto maezinha, Eu sopro, LAVA-TE DO ROSTO O ASSASSINATO, MEU PRINCIPE / ELAN- A UM LANGUIDO OLHAR A NOVA DINAMARCA. Vou fazer de ti novamente uma virgem, para que o teu rei tenha niipcias de sangue, O VENTRE MATERNO NAO £ UMA VIA DE MAO UNICA. Agora eu te amarro as méas as costas, pois me d4 asco o teui abrago, com o teu véu de noiva. Rasgo agora 0 vestido de nova, Agora tens de gritar, Agora lambuzo os farrapos do teu vestido de noiva com a terta em que meu pai se transformou, com estes farrapos.o feu rosto, 0 feu ventre, os teus seio’. Agora eu te levo, minha mie, no sew invisivel rastro, no invisivel rastro de meu pai. Sufoco o teu grito com os meus labios, Reconheces o fruto do teu ventre? Agora vai as tuas néipcias, puta, aberta ao sol dinamarqués que britha sobre vivos e mortos. Quero enfiar 0 cadaver para dentro da cloaca, de tal modo que 0 palacio sufo- que em merda real. Em seguida, Ofélia, deixa-me comer o teu coragio que chora as minhas lagrimas. 26 2 ‘A EUROPA DA MULHER 7 (Enormous room. Ofélia. O seu coragito & um relbgic ‘i ae OBELIA {CORO/HAMLET} 7 . : Eu sou Ofélia, Aquela que 0 rio nao conservou. A mulhér na forca! A mtilher éom_as*veias cortadas, A mulher com excesso de dose SOBRE OS LABIOS NEVE a inulher com’a tabeca no fogao a gas, Ontem deixei de me matar. Estou s6 com meus seios, minhas coxas, meu ventré, Rebento os,instrumentos do meu cativeiro ~a cadeira, a mesa, a cama, Destruo 0 campo de batalha que foi o mewlar, Eseancaro.as portas para que o vento possa entrar e © grito do mundo, Despedago a janela, Com as mads sangrando rasgo as fotografias dos homens que amei ¢ que se serviram de mim na cama, mesa, na cadeira, no chao. ‘Toco fogo na minha pristo, Atiro minhas roupas no fogo. Exumo do meu peito o relégio que era o meu coragao, Vou para rua, vestida em meu sangue. 3 SCHERZO (Universidade dos mortos. Sussurros e murmtirios, Das suas tumnbas (citedras), 08 filés0fos mortos atinam 0s seus livros sobre Hamlet. Galeria (balé) das mulheres mortas. A mulher na forca. A mulher com as veias cortadas, Etc, Hamlet contempla-as com a postura de um visitante de museu (teatro). As mulherés mortas msgam-the as roupas do corpo. De um caixtio erecto com a epigrafe HAMLET 1 saem Claudio e, vestida e caracterizada de puta, Ofélia. Strip-tease de Ofélia.) OFELIA Queres comer 0 meu coragio, Hamlet? (ri) HAMLET (as mifios diante do rosto) Quero ser tuna mulher. 2 a7 dle uma mascara de puta, Claudio, agora pai de Hamlet, "Hanlet em posé ide pita! ‘O rosto Zobre a nucn: Horticio. Danga com Hamlet). VOZ(ES) (vindas do : # Aquilo que mataste'téns:t mbém, de, ama. (A danca torna-se mutis'ripiida e niais selvagem. Gargalhadas saem do caixio, Numa eadeira de balanco, a madona com ciincer no seio. Hordcio abre um guarda-chuva, abraca Hamlet, Paralizam:-se no abraco de- baixo do guarda-churéa,"O cancer no seio brilke como um sol.) 4 PESTE EM BUDA / BATALHA PELA GROENLANDIA (Expaco 2, destruldo por Ofétia. Armadura vazia, machadinha no ebno) HAMLET forno fumega nesse outubro sem paz ABAD COLD HE HAD OF IT JUST THE WORST TIME JUST THE WORST TIME OF THE YEAR FOR AREVOLUTION Pelos subtirbios cimento em flor passa O doutor Jivago chora Por seus lobos NO INVERNO VINHAM AS VEZES A ALDEIA DILACERAVAM UM CAMPONES (Tira a méscara e indumentéria) 28 ia FlanaleP ihr belie. Cont @ mis @ Veloriia Cont ClanaaiorT pat ae Hanmer para INTERPRETE DE HAMLET Rao mt-st ent gir rae rsenade-O— meus pensamentos sugam o sangue das imagens, lyleu drama: ‘Atras de mim monta-se a cena. Por pessoas as quais 0 meu drama nao interessa, pafa pessogs 38 quais éle nada importa. A mim ele também ja nao interessa, Nao entro mais (os contid-regras, "ser quie.o intérpreté de Hamlet se aperceba, instalam ima geladeira e trés aparelhos de televistio, Rute de frigorificé. Tres proigrimassem som). A mon- tagem cnica é um monumento, Representa em grandilogiiéncia céntupla, uti homer que féz historia, A petrificagéo de uma esperanga, O seu nome ¢ insubstituivel, A esperanga ndo Se oincretizou, O monumento jaz no cho, demolido tr@s anos apés o funeral oficial, daquele que foi odiado é réverenciado por seus suces- sores no poder. A pedra é habitada. Nos espagosos orificios do nariz.e das’ orelhas, nas dobras da pele e do uniforme da demolida estatuta, anicha-se a populagao miseravel da metrépole. A derrubada do monu- mento segue-se, depois de um teipo apropriado, a rebelido. O meu drama, se ainda tivesse lugar, realizar- se-ia na época da revolta. A rebelidio comeca como um passeio. Contra as normas do transito no hordrio de trabalho, A rua pertence aos pedestres, Aqui e ali um carro é virado, Pesadelo de um atirador de facas: lenta travessia através de uma rua de mao Gnica na diregao de um parque de estacionamento irrevogavel que esta cercado por pedestres armados. Policiais, se estivessem atravessados no caminho, so arrojados no acostamento da rua, Quando o cortejo se aproxima da sede do governo, ¢barrado por um cordao de policiais. Formamse grupos, de onde emergem oradores. Na sacada de um edificio governamental, aparece uum homem com um fraque mal talhadlo e comega igualmente a discursar. Mal a primeira pedra o acerta, também ele se esconde atris da porta de dois batentes de vido blindado, O apelo por mais liberdade trans- forma-se em grito pela derrubada do govern, Comega-se a desarmar 0s policiais, toma-se de assalto dois ou trés edificios, uma pristio, uma delegacia de polfcia, uma agéncia da policia secteta, penduram-se pelos pés uma dézia ce homens fortes do poder, o governo pie tropas na rua, tanques. O meu lugar, caso 0 meu drama se tivesse realizado, seria dos dois lados da frente, entre as frentes, acima delas, Encontro-me no chei- ro de suor da multidao e jogo pedras em policiais, soldados, tanques, vidros & prova de bal. Espio pela porta de vidro blindado aglomerada que se aproxima e cheiro o meu sur frio. Sufocado pela Ansia do vémito, agito meu punho contra mim mesmo, eu que estou detris do vidro blindado. Agitado pelo medo e pelo desprezo, vejo-me na multidao que se aproxima, minha boca espumando, agitando o meu punho 29 izada, Sou o soldado na torre blindada, suforad sob as correntes, Sou a maquina de escrever. Apront> co laco quando’ os dergs fGtenmentorcidos: puxo © banquinho de apoio, quebro o meu pescoco, Sow o mest prisioneiro, Alimento,com os,niet$ Gados o computador. ‘Os*meus papéis sdo saliva e escarrador, faca'e ferida, denteg garganta, pescos0 e cotta. So ‘ybanéo de dados. Sangrando na multiddo. Respirando alivia- do atrés dat porta de dois batenie’, Segreganilo eséarro verbal no meu balao impermeavel aos ecos sobre a batalha, O meudrama nido teve lugar. O texto perdeu-se. Os atores penduraram seus rostos no gancho. ddo vestiénic. O ponto apodrece ina sua caixa, Na platéia, os cacveres de coentes de peste empalhados ndo mexem mao alguma. Vou' para casa e mato 0 tempo, de acordo / com o meu indiviso ego. elevisio A nojeira ndssa de cada dia nojeira Na verborréia preparada . Pela alegria prescrita Como se escreve ACONCHEGO Dai-nos hoje a morte nossa de cada dia Pois teu é 0 Nada Nausea Pelas mentiras em que se acredita_Nojeira Dos mentirosos e de mais ninguém —Asco + Pelas mentiras em que se acreditam — Nojeira Pelos rostos marcados dos hipécritas Pela luta por postos, votos, contas bancérias Nojeira Um carro de assalto que faisca com as suas gracas Passo por ruas galerias fisionomias Com as cicratizes da batalha de consumo — Miséria Sem dignidade Miséria sem a dignidade Da faca do boxe do punho Os ventres humilhados das mulheres Esperanga das geragoes Sufocadas em sangue cobardia estupidez Gargalhadas vindas de ventres mortos 30 Heil.para.a COCA-COLA ° Um reito ‘ Para im assassino 7 . EUERA MACBETH O REI TINHA ME: OFERECIDO A suat ERCEIRA MULHER EU'CONHECIA TO- DAS AS MARCAS EM SUAS NADEGAS. RASKOLNIKOV NO CORACAO. EMBAIXO DO UNICO CASADO A MACHADINHA PARA O / UNICO / CRANIO DA USURARIA Na solidio dos aeroportos Bu respiro aliviado Eu sou Um privilegiado O meu nojo 6 um privilégio Protegidos por muralhas Avame farpado prisaio (fotografia do autor) Nao quero mais comer beber respirar amar uma mulher um homem uma crianga um animal. Nao quero mais morrer, Nao quero mais matar. H (rasga-se a fotografia do autor) ‘Arrombo a minha carne lacrada, Quero habitar nas minhas veias, na medula dos meus ossos, no labirinto do meu crinio, Retiro-me para as minhas visceras. Sento-me na minha merda, no meu sangue. Nalgum lugar sio rompidos ventres para que eu possa morar na minha merca, Nalgum lugar ventres so abertos ppara que eu possa estar sozinho com o meu sangue, Meus pensamentos sao chagas em meu cérebro. O meu ‘cérebro 6 uma cicatriz. Quero ser uma maquina. Bragos para agarrar pernas andar nenhuma dor nenhum pensamento, ¢ (Ecran negro, Sangue saindo da geladeira, Tiés mulheres nuas: Marx, Lenin, Mao. Falana simuiltaneamente cadd um em sua lingua o texto E PRECISO TRANSFORMAR TODAS AS RELAGOES EM QUE O HO- MEM... O intérprete de Hamilet veste 0 costume e poe a mascara) 31 Bee —HAMERTOPR! DINAN SALIMENTO DOS-VERMES-FROPEGANDO—————— DE BURACO EM BURACO ATE O ULTIMO BYIRACO DESANIMADO AS COSTAS O FANTASMA QUE OFEZ_ BE VERDE COMG A CARNE:DE OFFIJA NA CAMA DO PARTO EPOUCO ANTES DO TERCEIRO CANFO DO GALO UM DOIDO RASGA A ROUPA DE GUIZO$ DO FIKOSOFO UM MASTIM GORPULENTO RASTEJA PARA DENTRO DA COURAGA (Entra na armadura, racha com a machadinha as cabecas de Marx, Lenin, Mao. Neve. Epoca glacial.) 5 ESPERA FEROZ / NA TERRIVEL ARMADURA / MILENIOS (Mar profundo, Ofelia na cadeira de rodus, Passam peixes, ruinas, cadéveres e pedlacos de cadéweres), OFELIA, (Enquanto dois homens cont batas de médico a enrolant de baixo para cima na cadeira de rodas em faixas de gaze). ‘Aqui fala Electra. No coragao das trevas, Sob o sol da tortura. Para as metrépoles do mundo. Em nome das vitimas. Rejeito todo o sémen que recebi. Transformo o leite dos meus peitos em veneno mortal. Rene- 90 0 mundo que pari. Sufoco o mundo que pari entre as minhas coxas, Eu 0 enterro na minha buceta. ‘Abaixo a felicidade da submissao. Viva o édio, o desprezo, a insurreicao, a morte, Quando elatravessar 08 vossos dormitérios com facas de carniceiro, conhecereis a verdade. (Homens saem. Ofélia permaanece em cena, imével nas alvas ataduras) 32

You might also like