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REVISTA DE INTERPRETACAO BIBLICA LATINO-AMERICANA. n. 45 ~ 2003 /2 SALMOS y EDITORA VOZES Petrépolis| 2003 VALMOR DA SILVA Os Salmos como literatura _RESUIMO: Anais os Salmos do pont de vista iteréro,postico ws estilistico, Parte das st. eS damcratas onde nascom os slmee, va acoloode canto do lsrae! scraps fora d sa ito! orda algune aspectas da poten sbraea, princtpalmente 0 uso da metdfara e do Her lton,pars concentrer sna clasficegto dos génerasIterari. Cam os critérios de fr. Jr contextovitale contd, casefon oe generes am hines,samos individu, salnes Coke (to sales rose salmoo diticos. analyses the psalms from the literary, poste or stylistic polnt of wie. starts with che cx cssreahadions tam where the pean bnerge iecontinues withthe collection of songs of a- land une prayers outside the Book of Pralme; i doals with some aspects of Herat poct ipucltly the ace metaphor and paraicham anid thn focuses onthe cassifcation of te te aaa ees using frm erticiom, We context and content i clases the gences into yma Giutduo! pealms, Collective pasiis, royal pealms and teaching psalms. 1.Do chao da vida 0 pér-do-sol traz emogées profundas, a tempestade causa medo, a crianga desperta ternura, a lembranga da pessoa amiga provoca saudades ecencontro com o trabalhador causa admiragao. Qualquer situagao de vida pode emocionar. Se a pessoa tiver dom, transforma isso em poesia, Se tiver f, transforma tudo em oragao. Nasceram assim os salmos, com uma receita simples: uma dose de observagao da realidade, outra dose de emogao e ou- tra de {6, tudo misturado num poema, Uma pessoa angustiada, chorandona cama, certa noite, fez uma. plica veemente a Deus (SI 6); outra ainda, contemplando uma noite estrela- da, compés um hino de louver (S18); alguém observou a terra seca, sedenta de gua, e manifestou seu desejo ardente da divindade (S163); outrem viu 0 guarda notumo esperando ansiosamente pela aurora, ¢ extravasou sua es- peranca na graga divina (SI 130); outro mais, ao ver uma erianga depois de 119319 mamas, dommindono colo dame, sentiu-se entregue nos bagos de Dov {31};a0 vero dlooda glo sacerdolalcervelnodas moneastas tua pos, soalembrowas béugaos sobre afamila(S1139),¢ eo recordar os aos tera, outa entoou mas loswotes (1195-03 oxomplos se repetem a ca Salmo, Vaes mesmo pode fazer alte, observando quel experionea de vida grou @ salma Isso acontece porque os salmos nasceram do chao da vida. Como os demais livros da Biblia, os salmos, em especial, nao caiam prontos do céu, mas brotaram dos sofrimentos e emogdes das pessoas. Nao eram, original. mente, oragoes ou cantos para o templo, nem para a sinagoga, mas para ex- pressar a fé do povo judeu, em sua vida concreta,! 2, Para além do Saltério livro dos Salmos ou Saltério é uma colegio de 150 poemas, com- postos em diferentes épocas, e reunidos bem posteriormente, por volta do século segundo aC. Ha muitos outros salmos espalhados pela Biblia, antes e depois do Saltério. Quer dizer que a oragao percorre toda a Biblia, uma vez que ela esta presente em toda a vida do povo. Uma lista de “Salmos fora do Livro dos Salmos", sem ser exaustiva, elenca outras 150 preces, comegando pela béngao de Isaque a Jacé (Gn 27,27-29) e terminando com o pedido do Espirito e a Esposa: "Vem!" (Ap 22,17). ‘Mas a palavra saltério, originalmente (em grego psaltérion), signifi- cava um instrumento de cordas, tipo harpa, utilizado para acompanhar os cantos, e 5 mais tarde, a partir da versdo dos Setenta, passou a designar a colegao dos cantos de Israel. Salmo (em grego psalmés) eraa palavrausada para significar 0 som do instrumento chamado saltério, ao ser tocado para acompanhar o canto. No original hebraico, a palavra correspondente a salmo é mizmér, com © significado de tocar instrumento, cantar. 57 salmos contém esse titulo. Ou- tos titulos sao canto (shir), poema (maskil) e oracdo (tepillah). De fato o livro dos Salmos é chamado, pelos judeus, oragdes (tepillot) ou louvores (tehillim), 3. Oragao em forma de poesia __ Os salmos sao oragoes e como tais devem ser entendidos. Mas so oragdes em forma de poesia e, como obras posticas, também devem ser in- 2, Sabre ostes spe, contr Carlos ESTERS Flava de Dus na itr des hoon, a 1 ‘tr6polis, Vozes, 1971, p. 97-107. Palowrade De 7 ‘ 2. VoiaGonferéneia dos Rebtonos do Bras, Sabudoria «poasia do poo de Deus, So Pan, ‘cnuyayeta, 95, p 0-145 (Colag'Tu Palavad Vid 4), outa sence de Cece bicon os ‘mentadasporivoSTORNIOLO,Sainase Chnteor- A ora pov de Dus Soe Pe, Pus, 198 41018, Tamim eloneaoeratra porilaaoy sa, dene o foe debi BekesnVIELECAS, Eiki do or Samos, Santiago, Uniwesia Cssce do Chie, 090,» 39 12788 10 1194) terpretados. Sendo os salmos expressao pottica de experiéncias religiose: neles se fundem dois horizontes: por um lado a teologia, religido e oragéo; por outro a poesia, poética e estilistica.’ E do segundo aspecto que se ocupa © presente estudo, Como obra poética, os salmos obedecem as leis da literatura, da es- tilistica, enfim, da poesia, Cabom, nesse sentido, algumas consideragoes. 3.1, Entender os salmos como poesia Eno Ambito da poesia que se deve reza-los. Aia palavra serve como simbolo, e se faz necessario ultrapassar a letra para ir ao sentido expresso pelas palavras, Nao se trata de raciocinio cientifico ou filoséfico, mas de co- locar-se com a fantasia, a imaginagao e a emogao. Assim se entendem afir- mages como: Deus ¢ pedra, escude, fortaleza, guerreiro e tem espada 1a mao, Do mesmo modo é possivel dizer que se esta no meio de leées, feras de Basa, novilhos e biifalos. Pode-se até clamar que os rios batam palmas, ie {8 colinas saltem como cordeirinhos. Sendo poesia hebraica, os salmos 1e- flotem expressdes e costumes tipicamente orientais, nem seinpre compre ensiveis & nossa cultura, Mas em geral a poesia usa imagens universais,fi- guras facilmente compreensiveis por qualquer ser humano. 3.2. Considerar 0 estilo hebraico, bem concreto Isso pode ser constatado a cada salmo. Pode-se ver, a titulo Je exemplo, alguém com agua pelo pescogo, afundado na lama, coma gargen- ta queimada pelo fel e vinagre, como expressao de angiistia (SI 69), ov a imagem do rei com veste solene, sentado no trono, rodeado pelo estronslo das Aguas, para figurar a soberania de Javé ($193). Ora, a linguagem da poo- sia é inesgotavel. Ela esta ligada A experiéncia original de alguém que a ‘compée, mas a supera, Significa que o texto vai além daquilo que seu autor quis expressar. Noutra pessoa que 0 16, 0 salmo pode despertar sentimen- tos diferentes e mais amplos do que as palavras em si traduzem. Por isso, se diz que a palavra é bem mais ampla que 0 texto. 3.9. Compreender os aspectos da cultura oriental ‘As imagens poéticas contidas nos salmos provém da cultura judaica ou de povos vizinhos. Trata-se de cultura tipica, tao diferente da nossa que achamamos de oriental, em contraste com a do Ocidente. Nesse aspectoha expressoes raras, vocdbulos incompreensiveis, situagoes estranhas. Basta verificar idéias como, por exemplo, a constatagao de que a morte leva as pessoas como rebanho para o Xeol (SI 49,15); ou 0 pedido a Deus para que 4. Pode-ve confere Luis ALONSO SCHOKEL, Tinta sulmos -peaslayoracién Mash, Cistiancad, 1983, p.2435. 9511 purifique com hissopo e tome o pecador mais branco que a neve (51,9). Até mesmo imagens corriqueiras nao podem ser captadas em sua plenitude, porque nao fazem parte de nossa bagagem cultural, £ o caso do pastor con- duzindo as ovelhas a fonte (SI 23,1-2), tao comum em Israel ¢ quase inexis- tente no Brasil e em outros paises, Ou o dleo da ungao sacerdotal, derrama- do sobre a cabega, descendo pela barba e empapando as vestes (S! 133,2), maravilhoso para a cultura judaica e repugnante para outras. 3.4, Sentir o ritmo da poesia hebraica Em hebraico, assim como em outras linguas, a poesia tem seu ritmo proprio, com acentos variados, de trés em trés silabas, de trés mais duas si- labas, e outros tantos modos. Os salmos, por sinal, eram cantados, e nao apenas recitados. Infelizmente, as tradug6es ndo podem devolver este va- lor estilistico exatamente como no original. Mas ha tradugdes que facilitam a recitagao, mantendo o seu ritmo cadenciado. 3.8. Perceber as leis da poesia hebraica Na poesia hebraica nao se rimam as palavras, mas sim o pensamen: to, o que torna, por sinal, a rima bem mais forte. A isso se chama paralelis- mo, porque uma idéia se coloca logo apés a outra, de forma paralela, Quer dizer que uma frase expée uma idéia, e a frase seguinte repete a mesma idéia com palavras diferentes. Se quem 1é nao entendeu bem a primeira, a segunda prestaré outros esclarecimentos. Isso ¢ proprio para rezar, pois a pessoa é conduzida com mais lentidao e pode aprofundar as idéias, num proceso ruminante. Veja adiante os exemplos do paralelismo hebraico. 4. Comparar para dizer mais Para efeito de comunicagao, a literatura se serve muito da compara- ‘ga0, especialmente a linguagem poética, A comparagdo usa um elemento conhecido e Ihe atribui sentido diferente, para expressar outra idéia, O re- sultado é a linguagem metaférica que, através de imagens, possui mais for- ga de expressao e clareia melhor o sentido que se quer transmitir." Existe a comparagao para igualar ou equiparar, onde wma frase, me- nos conhecida, se esclarece a partir da mais conhecida. "Como a corga bra: mindo por @guas correntes, assim minha alma esta bramindo por ti, é meu Deus!” ($1 42,2). Outro tipo é a comparagao para diferenciar ou avaliar, em que se estabelece uma escala de valores para julgamento, entre duas frases, “Vale mais opouco do justo que as grandes riquezas dos impios" ($137,16), 4, Seque-ee, equ, Catlos MESTERS, O rio das salmos, das nascentes a0 mar, Sto Leopoldo, CE, 121196) As metéforas que predominam, nos salmos, sao extraidas da nature- za, pois os judeus cram, predominantemente, agricultores e pastores. Pcr isso, para expressar a grandeza de Deus, cizem que os céus cantam eo firme- mento proclama sua gléria (SI 19,1), e que a tormenta transmite sua voz (SI 29,5-9). O amor de Deus é simbolizado pelo firmamento ($1 36,6; 103,11), sua ‘etemidade e sua justiga pelas montanhas ($1 36,7; 90,2), sua bondade pelo ot- valho (Os 14,6), sua protegao pelas asas do passaro ($1 17,8; 57,1; 91,4) etc. 5, Paralolismo para aprofundar o pensamento O paralelismo se constitui, basicamente, na repeticao de um pensa~ mento com palavras diferentes, para reforgar a idéia expressa. 0 recurso literério mais freqiiente nos salmos. Ha diversos tipos de paralelismo, como podemos exemplificar com 0 SI 1 e com muitos outros, 5.1, Paralolismo sinénimo ‘Uma frase repete o sentido da outra, com diferentes palavras: “Por isso os impioe néo ficarao de pé no julgamento, Nem os pecadores no conselho dos justos” (SI 1,5) *Pois 6 Senhor nao rejeta seu povo, jamais abandona sua herana” (S1 94.14), Outros exemplos de paralelismo sindnimo podem ser encontrados om: $16,2; 19,2; 26,2-5; 98,2; 76,3; 85,3-4; 1141-2. 5.2, Paralelismo antitético ‘Uma frase afirma 0 contrério da outra’ “Dé seu fruto no tempo devido suas folhag nunca murcham" ($1 1,3) “Os ricos passam necessidade e fome, mas nenhum bem falta aos que procuram o Senhor" (S1 34,11). Outros exemplos de paralelismo antitético: $1 20,9; 55,2; 119,163, 5.3. Paralelismo sintético Uma frase resume ou completa o sentido da outra: 5. Veja Cate MESTERS Oo dos salmos das nasconts ao mar, Sho Leopedo, CED, 1988, p savmunbdin eedonce BRILARINE, “ostee sca em Feosees BALLARINI (eto Inrodeso Fanta nya” Os hres potieos, Petropolis, Voaes, 186, p. 1528 noms "Seu prazer esta na lei do Senhor, © medita sua lei, dia @ noite” (SI 1,2) “Levanta-to, 6 Juiz da terra, devolvé 0 merecide aos soberbos!” ($1 94,2), Outros exemplos de paralelismo sintétic 7 e-19, Outtas exOMPlOS de paraelismo sintétco: S188; 198-9; 27.15 7, ‘Além das és formas de paral 4 : mais comuns de paratelismocitadas, ha outras mais, que variam, em termos de nomes e de conceitos. " es 5.4. Paralelismo climatico Uma frase retoma a primeira ec toma a primeira e Ihe amplia o sentido, acrescentan- “Tributai ao Senhor, 6 filhos de Deus, tributai ao Serihor qiéria e poder” (S129, 5. Paralelismo emblematico ou parabélico Eintroduzidopor uma metéfora, formando uma espécie de pardbola: "Como o orient esta tonge do ocidente, le afasta de nés as nossas transgress6es" (SI 103,12) 5.6, Paralelismo quiastico Uma fraso repete o pensamento da outra, de maneira contréria: ‘Sim, o Senhor conhece 0 eaminho di 1ec0 © caminho dos justos, ‘mas 0 caminho dos impios perece" (S1 1,6) O paraotiomo, embora soja uma caacterstica domi hobraica,nto uma norma ftioa Ora nao se enconraparalelismo'na poe Sioa com mer ierdnt, oan combina diferentes Somes do pata ; em que ocoreo paraleisno entre patos do mesmo elmo, como 0 $1:34,16 e 34,17, cada versiculo formando um paralelismo sintético, aanbos, comparados entre i, formam umparalelismoanittice,Outrasvezos os interos paraelos ents, cotmocs $13.04, que estae om parallic. s80 sinénimo, ou como 085122. 2, em paral emttic, ot com oS 5051, que constituem exemplo de paralelisme sinstco. Ewempios dos di ‘wet805tipos de paraelismo paderiam sor oncontrados na Bisa tsa 14 1198) 6. eros literarios Devo-se ao exegeta hiterano alemao Hermann Gunkel (1862-1932) a maior contribuigaonesse ambit, Suas pesquisas tiveram influéncia indelé- vel sobre a interpretagao das narrativas do Génesis e da poesia lirica de Israel, além de marcar profundamente a exegese cientifica do século XX. O proprio Gunkel classificou os salmos biblicos de forma pura, istoé aqueles em que domina um género literario, Os cinco géneros fundamen: fais 840, para ele: hinos, lamentag6es coletivas, salmos reais, lamentagoes individuais e agdes de gracas individuais. Os salmos de forma mista, ou seja, aqueles que possuem dois ou mais géneros misturados, constituem quatro géneros menores que s4o: cantos de peregrinacao, ages de gracas coletivas, poesia sapiencial e sagas. Denomina-se género literério a um conjunto de textos ou pogas lite- rdtias com caracteristicas tipolégicas comuns. A classificagao dos géneros literérios se baseia em trés critérios: 1) forma, isto é, 0 jeito de escrever, de acordo com o tipo de recursos utilizados, seja vocabulario, expressoes, me- tAforas, imagens, estilo, organizagao ete., o que resulta numa estrutura do texto; 2) contexte vital, isto é, a situagao concreta, social e histérica, refleti- dano texto, conhecida como contexto vital ou pela expressao alema Sitz im Leben; 3) contetido, a saber, pensamentos e sentimentos, conforme o tema, ‘ou argumento desenvolvido, formando unidade de sentido; no caso dos sal- mos, seré analisado o contetido teolégico de cada género, ‘Acombinacao desses trés elementos constitui um género literéric, porque traduz 0 jeito de uma pessoa escrever. Naturalmente, quem fala ou Cscreve se exprime de acordo com um estilo pessoal, que pode ser esponté- neo, mas pode também ser intencionalmente construido. A analise dos g&- neros ou formas literdrias procura identificar cada estilo que esta por tras dos textos. ‘Apartir de Gunkel, e com retoques de estudos posteriores, chega-s? a 14 géneros literdrios dos salmos, que podem ser agrupados em cinco clas- ses, como segue. A. HINOS Os hinos constituem um género universalmente conhecido, como cAnticos de louvor ou glorificacdo. Podem ser chamados também loa ou er 6 Hermann GUNKEL, Introduce a es solmos, Valencia, Beep, 1083. 7 Apresontaso, ae uma sinteae de Ivo STORNIOLO, Slmos « Cintas A aragac do povo de ous ie patie hanlinas, 1904p. 517-06, Pade-seconforir também Marina MANA, Pare rezar com eeu Sao’ Paula, Pautines 1901. Também A. AUVRAY, “Os Salmos", em: A. ROBERT o A Peon inrodigse é Biba It Seo Paulo, Herder, 1967, p. 138-140, Uma classificegao simpiicads, Iino delibertagbo, sslanea da instr, salmes de owvor osamos de cas sdmarc GIRARD, Como lero tivre doe olmos, S80 Pav, Paulus, 1992. Un tagan literals aus salmos, inetundo diecuaedoeclasificagao de oneros, enconta-ze em Belin AILIEGAS,B liso de fos Selsoe, Santiago, Universidad Catlice de Chie, 1880, p. 1788 1199) 15, cOmio. Voltam-se para a divindade, nao para a pessoa ou para o grupo. No caso de Israel, louva-se a Deus por sua atuacao na histéria ou na vida do Povo. Louva-se também a Deus comorei ou a cidade santa como habitagao divina. Entre os hinos distinguem-se trés géneros literdrios, semelhantes na estrutura ¢ no estilo, mas diferentes no nticleo ou motive do louver. I. Hinos de louvor 518; 19,1-7; 29; 33; 100; 103; 104; (105); 111; 113; 114; 117; 135; 136; 145; 146; 147; 148; 149; 150. OSI 19,8-14 6 sapiencial; ¢ 0 105 narra a histéria em forma de hino. Os salmos classificados como hinos de louvor possuem wma estrutu- Ya média com introdugao, nticleo e conclusao. Esses salmos supéem, como contexto vital, uma concentragao de povo em lugar pitblico, geralmente o Templo, sobretudo em momentos festivos Como contetido teolégico, os hinos veiculam a fé e a esperanga de Israel, como reconhecimento da presenga de Deus na vida e na historia. Louva-se a Deus porque ele é Deus e se faz presente na histéria ena vida, das pessoas e da comunidade. Os motivos de louvor podem ser os mais diversos, como, por exemplo, a beleza de uma noite estrelada (S18); ou de um dia ensolarado (81 19); o universo organizado em sa harmonia césmi- a (SI 104); ou violento na forga de uma tempestade (SI 29); a libertagao de Israel do Egito ($1 114) ou a tomada da terra prometida (SI 136). O que se lou- va, em qualquer destes salmos, é ao préprio Deus, cuja presenga é repre- sentada por elementos da natureza ou da histéria do povo. Em tudo se pode perceber a agao da providéncia divina ($1 33), “porque seu amor é para sem- pre” (S1 136). II, Salmos da realeza do Senhor S147; 93; 96; 97; 98; 99, Tendo basicamente a mesma estrutura dos hinos de louver, 0 sal- mos da realeza do Senhor se distinguem daqueles por incluir a aclamagao "0 Senhor é Rei!” Dentre as diversas hipéteses para o contexto vital desses salmos, destaca-se a sua vinculagao A realeza politica dos impérios vizinhos ¢ mesmo dos nacionais, sem descartar uma critica aos poderes absolutistas de dominadores, 8, Louvor © sipica paderiam servis como osquema para claseificarpraticamente todos os ea ‘mos. Com efeto, louver silica constituemo meaelo de toda oagio. A wéla esta snttienda no lo “Louvore siplica nos salmos” do Claus WESTERMANN, Lob und Kiage in en Paslinen, Goligon, ide os sales em “aplions" ¢ “eucaitns” Belt \VILLEGAS, B ibrodofs Salas, Santlago, Universidad Catolca de Chile 199, p38. 16 [200] 6 ‘ oderes politicos im perspoctivateatogiea, tems aia erica aos poderesp cgentes, ea propostaalternativa dem nico Deus soberano, onde os poves tivamm o dieito ea justi, Reforéncias a soberania divina aparecem em outros contextos bib cos, soja no sultério, soja além dele. afimagto basica, om todos oles, 6 Gus Senhioré rei, Besos salmos tom om goral vm eardtor oacatologico, quer ier, podom rofor-se a Deus como re eterno universal, a cujo reinado {odo o univorso so juntaré (S147, 97-08) Entre as qualidades do rei Jaw, dlostaca-seo seu poder de jlgamento (5 96; 98) Il, Cnticos de Sido 5146; 48; 76; 84; 87; 122; (132). O $1 132 6 também um salmo Real. Esses canticos, igualmente, seguem a estrutura basica dos demais hhinos, com a diferonga que nao possuem introdugao e que no motivo central o objeto de louvor 6 Sido-Jerasalém. O contexto vital era, provavelmente, as comemoragdes da cidade, tais como a festa das tendas, a conquuista da cidade ou a construgao do Tem: plo. Os $1 46; 48 ¢ 76 talvez evoquem a libertagao de Sido das mos de Se- naquerib, em 701." a 6 ogi do, proje- Com relagao ao contetido, temos af uma teologia da cidade, vando acepital como lugar ideal para a convivencta humana, porque habita- do pela divindade é a ‘i ideal, e com esse Jerusalém ou Sido permanece o simbolo da cidade ideal, imaginario 6 projetada como a propria morada celeste, Sendo a capital espi- ritual de toda a humanidade ($187), ela tem como lugar privilegiado 0 Tem- plo, morada de Javé, para onde peregrinam os povos ($1 84; 122). B. SALMOS INDIVIDUAIS: i ralmente refletem a oragio As categorias de salmos individuais geralmente deuma pessoa, individualmente, embora o “eu” possa ser a persunificagio de um grupo. Nao raro, nas oracées, uma pessoa reza, em nome proprio, 1e- presentando uma comunidade inteira, I. Siplica individual ; 39; 42; 43; 51; 54; 95; S15; 6; 7; (10); 13; 17; 2% 25; 26; 28; 31; 35; 36; 38; 39; 42; 43; 51; 54; 56; 57; 59; 61; 63; 64; 69; 70; 71; 86; 88; 102; 109; 120; 130; 140; 141; 142; 143.0 S110 é também um salmo de agao de gragas. 9 Veja notas a Bia de Jerusakim aos ts salmos: 81466, nota p48, nota ee S176, nota (20117 Acstrutura da siplica individual nem sempre é coerente, por causa da dificil situagao de quem ora. Contudo, a estrutura média compreende in- trodugao, micleo e conclusio, Ocontexto vital 6, geralmente, uma situagao de extrema necessica. de humana, como doenga, miséria, perseguigao, injustiga, calimia ete. A sti- plica individual nao tem origem litargica, mas nalgum problema concreto da vida individual. Muitas vezes menciona perigo de morte iminente ($122 ¢ 86), noutras a situagao é de doenca (S138 ¢ 39) e noutras, enfim, o salmista protesta contra seus inimigos e proclama sua inocéncia (S17 ¢ 17)." Teologicamente, esses salmos revelam um Deus que vé, ouve e es- cuta os apelos de quem o invoca e, do ponte de vista humano, funcionam como protesto de quem denuncia situagoes de injustiga e opressiao. UI. Agao de gragas individual S19; 10; 30; 32; 34; 40; 41; 92; 107; 116; 138. Semelhante ao hino de louvor, a agao de gragas tende mais para a obrigagao de agradecer a Deus, Aestrutura é igual A dohino de louvor, clusio, com introdugao, nticleo e con- O contexto vital é 0 Templo, no contexto cultual e sacrifical, quando ‘acompanha o sacrificio de agao de gracas, oferecido como cumprimento de um voto prometido pelo beneficio recebido. IL Confianga individual S13; 4; 11; 16; 23; 27; 62; 121; 131 Acestrutura desse género nao é linear, pois mistura siiplicae ago de gragas, além de confissao de fé e confianea. Traz um elemento central que & @ afirmagao de confianga alssoluta e inabalével no Senhor. O contexto vital é a experiéncia comunitéria de superagao de situa- bes dificeis, a luz da 6 comum, Teologicamente sao os salmos mais lindos, porque denotam uma experiéncia de f6 depurada, como manifestagao de confianga inabalavel om Deus, C. SALMOS COLETIVOS Assemolham-se a classe anterior, dos salmos individuais, com a di- ferenga que refletem a situagao de um grupo, sendo rezados, portanto, por 30. "Sipticaindividal 6 um gro muta frexfiento no satéro;tasto que convém subd oem xs grupo particulate: por peeseguigo ou peige, pot enfennidode, do inccenteijuratnte asta", con forme bls ALONSO SCHOEL e Coclia CARNIT,Salmoe alm 172), 0 Palo Pau 199, p87 18 202) ‘nés". Hé autores que nao separam em duas classificagoes, os salmos indi viduais e coletivos, mas os consideram dentro da classificagao de sfiplicas individuais e coletivas e agées de gragas individuais e coletivas.’ I, Siplica coletiva $1 12; 44; 58; 60; 74; 77; 79; 80; 82; 89; 85; 90; 94; (106); 108; 123; 125; 197.0 $1 106 narra a histéria em forma de siplica. 03 salmos de suplica coletiva seguem estratura paraleta a dos sel- mos de saplica individual, com poquenas diferengas de acréscimos ntoxio vital desse género literdrioé a reunio piblica de penitén- ee ee en en jum publica, diante de calamidades nacionais. Nopés-exilio, ocontexto pare- {20 ser de confissao publica do pocados nacionais, em busca do perdao, Do ponto de vista tecl6qico, esses salmos evocam situagées drams- ticas do pove, tais como cormpgao, opressao, exploracao, destmaicao, perca {a terra, dispersao, exilio, miséria ete. A suplica coletiva manifesta, nesse caso, oreconhecimento do fracasso, a meméria das advertOncias proféticas @.a retomada da historia & luz da palavra de Deus. II, Agao de gragas coletiva 1 65; 66; 67; 68; 118; 124, Em forma e contetido assemelham-se aos salmos de agao de gragas individual e aos hinos de louvor, destacando-se destes pela descrigao da li- bertagao de um perigo ou da concessao de um beneficio por parte de Deus. (© contexto vital é geralmente uma festa de ago de gragas por oca- sido de uma libertagéo especial, ou uma festa normal, como a das Tendas (118) ou das Colheitas (65; 66; 67). Ateologia também se assemelha a dos salmos de agdo de gragas in- dividual, além de manifestar a concretude da graga divina, estampada pe- los dons da natureza. IIL, Contianga coletiva 1115; 125; 129, Os trés salmos de confianga coletiva se assemelham, estruturalmen- te, aos de confianga individual. Seu contexte pode ser buscado no periodo pés-exilico, no ambito das peregrinagées para Jerusalém. 11 locasodoA. ROBERTe A. FEUILLE, trodupéo Bia I, So Paulo, Hevder, 1967,p, 138-42, 103) 19 Como os salmos de confianca individual, trazem a teologia da resis- téncia diante das dificuldades comunitarias. D. SALMOS REAIS S12; 18; 20; 21; 45; 72; 89; 101; 110; 132; 144. Sao salmos de género indefinido, a nao ser pela referéncia comum a0 rei. Refletem, provavelmente, o contexto da monarquia, compostos por es~ cribas de corte, para colobrar as glorias dos reis, Como esses salmos retratam situagdes diferentes na vida do rei, também sua estrutura e estilo variam, de acordo com a circunstancia, seja sagragao, entronizagio e coroagao, aniversario de acessao ao trono, matri- ménio real, partida para a guerra, celebragao de vit6rias militares, interces- sao nas derrotas."” Do ponto de vista teolégico, esses salmos sdo repassados pela idéia da fangaio do rei como porta-voz de Deus para estabelecer o direito e a justi- a, principalmente na defesa das categorias mais fracas, estrangeiros, 6r- faos ¢ vitivas. E. SALMOS DIDATICOS ‘Mais do que propriamente oragées, os salmos didiiticos sao instru- .g6es, com o intuito de orientar as pessoas. Com métodos e géneros diversifi- cados, 0 que unifica essa categoria é a intengao pedagégica. 1. Liturgias S115; 24; 194. Sao salmos que acompanham ceriménias litirgicas diversas, de difi- cil identificagao, por isso mesmo constituem um género literério variado. Os trés salmos aparecom como fragmentos de “liturgias da porta”, isto é, ceriménias a entrada do Templo. Isso caracteriza sua estrutura e con- texto vital. Encontra-se ai uma espécie de confissao preparatoria para hos- pedar-se nas tendas, diante do Templo, para as festividades (SI 15); a che- gada de uma procissao, com a abertura das portas da cidade ou do Templo (S124); e uma ceriménia de despedida de peregrinos, ou a troca de turno dos servidores do Templo (SI 134). Na dtica da teologia, esses salmos traduzem a coeréncia que deve oxistir entre a vivénciae acelebracio, destacando qualidades como integri- dade, justiga, inocéncia, retidao, monoteismo, honestidade. 12.Sobte 0 contesto dos ssimos “régis", com letura do SI 110, pode-te consutar Marina MANNA, Para rerar com oe Salmes, 0 Paul, Pavlina 1981, 39 20 204, II, Exortagées proféticas 1 14; 50; 52; 53; 75; 81; 95. Esses salmos nao possuem estrutura comum, por néo formarem ur. grupo homogéneo, mas se identificam por estilo e temas, semelhantes aos Gos profetas. Suas caracteristicas mais freqiientes sao: orculos e promes sas ameagadoras; insisténcia sobre a verdadeira religiaoe as exigéncias de alianga; dentincia da opressao; busca do julgamento. Originam-se de cfrculos proféticos, por isso o seu contexto vital ¢ ‘uma concentragao piiblica de povo, provavelmente alguma liturgia, ‘Teologicamente pode-se aplicar a esses salmos 0 que foi dito sobre os salmos de stiplica individual e coletiva. 0 especifico, neles, ¢ que o profe ta néo ora por si mesmo, mas por todo o povo. IM Salmos histéricos 81 78; 105; 106. ‘Acstrutura desses salmos segue, om sintese, as etapas da historia de Israel, escolhidas para 0 louvor. Sao hinos que celebram as maravilhas de Deus. Ocontexto vital 6 provavelmente ritual, em festas de renovagao da alianga. Essas festas poderiam ser celebradas de sete em sete anos (Dt 31, 9-13) ou mesmo anualmente, como testemunham os textos de Qumran, A teologia apresenta concepgoes diferentes, de acordo com cada salmo. 0 $1105 transmite uma visdo otimista, anunciando a agao de Deus em favor do seu povo. 0 $1 106 é pessimista, na perspectiva da infidelidade humana, confessa os pecados do povo. Jao $178 mistura otimismo e pessi- mismo, na dialética misericérdia de Deus e fraqueza humana. Na base des- ‘ses salmos estdo 08 credos hist6ricos de Israel (Dt 6,20-25; 26,1-11), ou seje, a profissao de fé no Deus que age dentro dos acontecimentos da histéria IV. Sapienciais S11; (19,8-14); 97; 49; 73; 91; 11; 119; 127; 128; 133; 139. Sem uma estrutura comum, o que reine esses salmos num géner> unitario é sua semelhanga com os livros sapienciais. Com temas intelectu: ais e finalidade didética, alguns deles conservam inteiramente 0 estilo pro- verbial, como o $1 127 e 133, outros em parte, como o SI 112 € 128, Ocontexto vital também nao ¢ facilmente identificavel, mas se trata, provavelmente, de contexto pubblico, onde se orienta o povo sobre os grat des problemas da vida, S40 salmos pés-exilicos, compostos por mestres de sabedoria ou por pessoas influenciadas por escolas sapienciais. (205) 21 Cada um desses salmos possui caracteristicas teologicas pré- prias, que poderiam ser desenvolvidas com amplitude. Trés salmos me- ditam sobre a Lei, ou instrugao de Deus para o correto viver (1; 19,8-14; 119). Outros trés tematizam a injustiga social (37; 49; 73). Outro salmo mescla siiplica ¢ confianga (139). 7. Para concluir A tentativa de classificar a colegao dos salmos tem como objetivo ajudar a compreendé-los melhor, em seu conjunto e na particularidade de cada um. Contudo, ¢ impossivel estabelecer, com precisao, as diversas ca. tegorias literdrias dos salmos. Isso porque os salmos nascem da vida e, por conseguinte, estao organizados de acordo com a espontaneidade da pré- pria vida. Afinal, quem consegue classificar os acontecimentos vividos no seu dia-a-dia? Salmos sao a forma que Israel encontrou para expressar sua fé. Per- manecem como fonte inesgotavel para judeus, cristaos, e quaisquer outras religiées. Os poemas biblicos sao, na verdade, comuns a outros povos e cul. turas. Pessoas e nagées diferentes também compuseram seus salmos, para alimentar sua caminhada histérica. Salmos, enfim, alimentam vidas, ilumi- nam nascimentos, amparam mortes, porque exprimem a maneira de trans- formar a vida em oragao. Salmos continuam sendo preces, ¢ continuam sendo poesias, Isso Ihes confere passaporte universal, porque podem ser compreendides por todas as pessoas. Quanto mais se mergulha em seu sentido poético, mais se compreende a sua riqueza orante. Biblfografia utilizada ALONSO SCHOKEL, Luis, Treinta salmos—poesta y oraciéin, Machi, Cristiandad, 1981 ALONSO SCHOKEL, Luis e CARNITI, Cecilia. Salmas I (Salmos 1-72), Sio Paulo, Pau- us, 1996, AUVRAY, A., “Os Salmos”, em: A. 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