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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RTO DE JANEIRO MUSEU NACIONAL PROGRAMA DE P6S-GRADUAGAO EM ANTROPOLOGIA SOCTAL SONIA MARIA GONZAGA DE OLIVEIRA MONTANHAS DE PANO: FABRICA E VILA OPERARIA EM SANTO ALEIXO DISSERTAGAO DE MESTRADO RIO DE JANEIRO 4992 Este trabaino resulta de uma pesquisa cuja realizagao 86 fol possivel gracas aos conhecimentos adquiridos junto aos professores do Programa de Pés~Graduagaso em Antropologia Social, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, especialmente a formacao recebida do meu ortentador Prof. José Sérgio Leite Lopes, que me introduziu na area de estudos da Antropologia Social, que trata das questées do trabalho humano. A esses professores, dentre os quails a Prof, Maria Rosilene Barbosa Alvim, ao Prof. Afranio Garcia Jr., ao Prof. L. de Gastro Faria, meus agradecimentos pelas discussées que acompanharam a realizado da pesquisa e a analise do material obtido. Esse material @, de certa forma, a demonstragao da atencao afetuasa com que ful recebida pelos operarios de Santo Alelxo e suas familias, cuja disponibilidade em me abrir as portas de casa travar longas conversas sobre suas vidas, terminow por me presentear com os “outros conhecimentos” que buscava. Assim sendo, agradeco a todos que contribuiram para a realizagao deste trabalho, ao apoio e incentivo das amigas Rosa Ribeiro da Silva, Wilma Mangabeira, dos amigos do Departamento Intersindical de Estatistica e Estudos Sécio-Econémicos - ODIEESE, dos amigos José Sérgio e Rosilene pela disponipilidade e apolo que sempre me dedicaram, fésse na discussS0 da pesquisa, fésse nos "momentos dificeis” que vivi mo trabalho de campo durante o fechamento da fabrica tate on 3 Kipis # cn Sou grata ao reforgo afetivo de Sérgio de Mauro que me possibititou a realizagao de toda a pesquisa, Inclusive pelas varias formas de ajuda que marcaram a “virada final" desde o inicio deste ano. Dedico este trabalho a mzu pai que, como os perarios de Santo Aleixo, viveu as agruras > desenralzamento. INTROOUGAO CAPITULO | CAPITULO 11 CAPITULO 111 coNncLusao Notas BIBLIOGRAFIA ' FABRICA GOM VILA OPERARIA, CASAS DE FABRICA APRESENTAGAO A GRANDE FAMILIA 0 "SILENGIO DA FABRICA”, De RODAR A VIDA PAROU Po. 29 se 84 a7 99 realizada anualmerte pelo dono da “PESTA DO PANO", tribuicdo de cortes de tecidos para as “Ta ta vendo o Dedo de Deus? Deus andou aqui com 4m ano. Com um ano de idade, passando por aqui, Cortaram-Ihe 0 dedo dele. Botaram o nome d’uma pedra Dedo de Deus. Nunca mais voltou aqui. Porque aqui desde 4935 a Fabrica explora dez por cento das geninas de dezessete, dezesseis anos... Nunca sio punide. apoiado por toda diretoria, e delegacia, e delegado de carreira. Ta entendendo? Maui vale tudo! Tudo_p/ d_fazer_aquelas_mootanhas de_pano. fui compra por cinco vende por cinquenta, té entendendo? Comerciante comega... Com seis meses eles compra carro do ultimo ano! Tomate eles compra a sessenta cruzeiros em Teresépolis, vende A sessenta o quilo. Compra a sessenta a caina, td entendendo? Quer dizer... faui tem tudo de ruim.” Sex-tirador ée fiacSo, ex-varredor de macaroqueira, ex-ajudante de teceldo, demitido da fdbrica por ter liderado greve) a “ali era um matagal, um matagal completo que eu me ma, onde € a vila. &, Tembra.-- Onde Go ¢ depois da ponte. Ent%o quer dizer, que ali Gefronte a fébrica do outro lado do rio, defronte da Fabrica aquilo ali era tudo mato, era brejo, era um brejal ali. Mas ento eles (referéncia aos donos da Fabrica? construiram aquela vila ali. Af foram fazendo, foram vindo fizeram, operirio de fora, aquela coisa e tal, e@ foram turma. ar organizando a 2% turma, passaram p ‘rd 33 passaram a tocar a fdbrica dia e noite. As casas... Eles davam as casas por prego muito baixinho, sabe? Prego p ‘ra operdrio mesmo. Pursue o_velho,o_velho (referéncia ao dono da fdbrica? et a_uw_velho_wuito—legal-——sabe2__ijuite_bhow~_Yinba uwa.--—-sei_li-__Ele_tinba_uma_idéia_de_fazer_isso agui_umlugac_muitonitoresca,—_né? Ele conversava com a gente E ent@o ele dizia que os planos dele era as casas. Ele ndo queria as casas p ‘rd negécio dele no. Ele n&o queria casa p’ra ter resultado, p/ra fazer fortuna em alugudis de casa, nada disso. AS casas ele queria era p ‘ros operdrios, como também ele fez o cinema defronte da fdbrica, o refeitério, tudo aquilo... Tudo prd beneficiar o operdriot o aquilo ele refeitério p’rd ter aonde a pessoa n&o andar comendo nas beira de rio, aquelas coisas, 1 EntSo Cinha 1d um saldo muito bem ampliado, direitinno, né? Mesas, bancos, tudo liapinho aliy on . one com dgua, banheiro, tudo certinho, né? Ele dizia que queria ver o operdrio dele, os funciondrio dele com conforte. N&o queia ver o operdrio em EntXo ele fez aquelas casas, sacrif mandou fazer uquelas casas, né? E aquelas casas ele dava ao operdrio. E dai foi indo... foi indo. irador de canelos, ex-fiandeiro, Cex-varredor, ex ex-ajudante de teceldo, ex-teceldo, ex-ajudante de contra-mestre, ex-contra-mestre, mestre aposentado) INTRODUGKO 0s depoimentos em epigrafe, verdadelras "apresentagées” que os operarios faziam go lugar, assumiam por vézes configuragées semelhantes a "mitos de origem™ que tomavam forma de dendncia das relacgées de exploragao (Marx, 1977) e de humilhacao CAlvim, 1985) (1) a que se submetiam pelo tradaino na fabrica e moradia no lugar, como no depoimento do ex-lider grevista, e@ também revelavam a visao Idealizada da implantagao das atuals condicées de vida e trabalho, “script” de um passado que a memoria do mestre aposentado preservava com riqueza de detalnes. A diversidade de “apresentagées" que descrevem as condigées de vida @ de trabalho, presentes na formacao do operariado fabril, além de serem matéria prima para "explicagées” mitificadas, tem motivado o estudo de cientistas sociais que produzem outras "explicagdes” submetidas a cédigos de legitimidade préprios. Em se tratando de situagdes socials concretas, que traduzem os Principios de constituigdo e utilizagdo da forga de trabalho e das unidades fabris que a absorvia, cave observar que as Primelras fabricas Instaladas no pais, foram palco de processes socials propiciados pelas redes de relacées soclais engendradas entre os empresarios industrials e a populacéo fasril ~- que no séc. XIX era integrada também por escravos e estrangeiros, estes Gitimos sendo presenga marcante ainda nas primelras décadas do séc. XX - e pela localizagso geografica das fabricas, que nao sé vinham reforcar os centros urbanos Ja existentes, como se Convertiam em oasis de densa populagso em meio a ocupagao rarefeita, quando se instalavam no Interior.(Stein, 1979) uma dessas situacées socials, aquela que descreve o sistema de faprica com vila operaria, (2) onde reside uma grande parte seno a totalidade dos trabalnadores da fabrica, caracterlzav maloria das unidades fabris téxtels que nas primeiras década século XX funcionavam & pleno vapor no Estado do Rio de Jane Quando essas fabricas se localizavam em zonas rurais com b vézes, em fre densidade demografica, convertiam-se, —populagae avancadas de povoamento a0. atrairem.__ possibilidade de emprego e moradia nas casas das vilas operar Nessas circunstancias o conjunto de habitantes quer 8 operarios-moradores na vila ga faprl regiées vizinnas -, quer féssem pequenos produtores comerclantes que se Instalavam ao redor da faprica, Iriam fo um nécieo populacional que se enralzava eriando situa sécio-culturais que os especificavam. Este 6 0 caso de S Aleixo, lugar citado nos depolmentos onde realize! um trapaln campo, no perfodo compreendido entre os anos se(1973 2 1987 parte integrante de uma pesquisa que objetivava o estudo particularidades que o sistema de fabrica com vila oper apresentava nessa localidade, e€ as felagdes que guardava mecanismos de reproducao social aclonados pelos trapalnad duplamente subordinados a um tipo de dominagao exercida esferas do trabalho e da moradla. ae s do Iro. aixa ntes las ssem ou tmar goes anto o een, gomo co, das aria com ores nas Durante os primeiros seis meses de pesquisa quando convivi intensamente com os operarios da fabrica e suas familias, tendo residido junto a uma delas durante um més, pude comegar inclusive a connecer o cotidiano da moradia na vila operaria eas relagses que mantinham como trabalho na fabrica. Por outro lado, fol ainda nesse periodo que travei ° contato com operarlos ex-liderancas politicas locais, ex-militantes sindicals, membros de partidos politicos em Magé, como o Partido Gomunista Brasileiro ¢ 0 Partido dos Trabalhadores. Na ocasiao Iniclel o registro, das "Impressées” que essa convivéncia ia me causando & as informacses de pesquisa, num diario de campo que se compée de dois cadernos com anotacées detaihadas que se estendem até o final de 1982. Ao completar um ano de trabalho dispunha de 35 entrevistas gravadas, algumas delas se constituindo em relatos biograficos que se aproximam de “historias de vida". Paralelamente ao trabaiho em Santo Aleixo, ainda no primelro ano estend| os timites 60 campo de pesquisa ao levantamento de documentos histéricos, livros e Jornais antigos de Magé, ao entrar em contato com antigas familias do municipio que me eram apresentadas por ex-liderangas politicas, quase sempre ex-operarios téxteis, e através de levantamentos realizados Junto a Prefeitura Municipal de Magé e nas subsédes de érgaos publicos estaduais existentes na regiso. O material resuitante deste levantamento versa sobre a formacao do municipio e@ seus Gistritos, a instalacao das 6 fabricas téxtels @ suas respectivas vilas operarias que particularizam o municiplo.¢3) : 4 Apesar da intengaéo iInicial de estudar o sistema de fabrica com vila operaria numa localidade, que no caso de Santo Alelxo Impiicava em trabathar junto aos operarios da "Companhia Flagao e Tecelagem Bezerra.de Mello” - Fabrica Esther e de Tecidos, Rendas e Bordados S.A.” - Fabrica Andorinhas, desde a primeira etapa da pesquisa concentrel o- trabalho Junto aos "Fabricas Unidas operarios da Fabrica Esther. + © €m meados de agosto de 1979 a Fabrica Esther demite alguns poucos operarios sob alegacso da necessidade de "contencaon decustas”, ma no face @ escassez de matéria p ercado.interno que se somava as dificuldades de Importagao, dentre as quails o custo elevado da comerciallzagao desses Insumos. A&A rigor tratava-se do Inicio de Jevas de demissées, cada vez mais numerosas, que terminam com a desativacao da fabrica em 1982. | torn oy \ A partir dessa época o trabalho de pesquisa se voltou para o acompanhamento da situagso social de crise que se Instala, F acirrando e, de certa forma, redefinindo as relagées de ropriagio a que estavam submetidos os operérios e suas familias. Durante esse periodo s%0 realizadas 10 entrevistas gravadas que buscam entender a percep¢ao dos operarios sobre o fechamento da fabrica, as repercussdes da crise no seu dia-a-dia, eas Iniciativas € providéncias que sao tomadas para garantir as condicées de vida e de trabalho que queriam preservar. Além disso | o trabalho de campo nos anos 80/81/82 se centrou o | acompannamento dos desdobramentos da crise que se abateu sobre o grupo, tais como: as negoclacées com a fabrica para a permanancia | na vila operaria: 0 aclonamento do Sindicato de Trabalnadores Taxtels de Santo Alelxo nas homologagdes dos contratos de rr trap Ino: as _negociacées coi rabatho, inicialmente visando a reabertura para obtencdo de seguro-desemprego:; a denéncia da crise sociedade mais ampla_atray s da imprensa, de parlamentares, partidos politicos e autoridades religiosas. £ ainda as iniciativas para conseguir emprego em outras fabricas téxteis da regido e em S30 Paulo, para onde se da Fabrica Esther. No periodo 82/83 tive acesso ao acervo da Biblioteca Municipal de Magé, que se encontrava na casa do filho de um ex-prefeito, onde pude completar o levantamento e a classificagdo de matérias nos antigos Jornais da regiao, que se apresentam como indicios da pré-histéria do sistema de fabrica e vila opera: termina Por se instalar no inicio dos..anos.40, Junto aos operdrios em Santo Aleixo, com a compra da fabrica pelo grupo empresarial Othon Bezerra de Mello. wy Ainda nessa época ia reguiarmente a Santo Aleixo, tendo oportunidade de levantar junto aos operarios, fotos antigas que documentavam 0 periodo aureo da gestéo dos Bezerra de Mello na fibrica: a anual "Festa go Pano” ~ quando eigumas familias de operarios eram agraciadas pelos donos da fabrica com cortes de tecidos -, as festas no clube social da fabrica, 0s biocos carnavalescos, as atividades esportivas patrocinadas pelo patronato. Paraielamente realizei um registro fotografico que Inclui fotos da fachada da Fabrica Esther, da praga e do clube social que se localizavam em frente fabrica, e das ruas e casas da vila operaria. Terminado 0 trabaino de campo iniciei a classificagio © analise do material Jlevantado transcrevendo entrevistas gravadas e categorizando 0s dados empiricos (das entrevistas, das anotagses 40 diario de campo, dos documentos, livros e jornais da regio) em assuntos @ temas de analise. 0 dalango do material levantado apontou a necessidace de uma pesquisa complementar junto a cocumentos, publicagées e jornais a época com cireulacso estadual e nacional, além de “documentos sindicais” (4) que constassem do acérvo do Gentro Industrial de Fiagso e¢ Tecelagem jas gestées por do Rio de JaneirocGIFTA/RJ presidido em vi industrials do grupo Othon Bezerra de Mello, Neste sentido, nos Gitimos meses de 86 e€ durante todo o ano de 87, pude consuitar 08 arquivos da Bibtioteca Nacional e do GIFTA/RJ trabalhando na pesquisa sobre “Aspectos da Cultura da Glasse Trabathadora”, Integrante do Projeto de Pesquisa em Antropologia Social, patrocinada pelo Convénio FINEP/Museu Nacional. Essa consulta possidilitou 9 tevantamento @ andlise de matérias sobre o sistema ge fabrica com vila operaria, as condigées de trabaino, confiltos e greves realizadas pelos operdrios téxteis de Santo Alelxo, no periodo entre 1945 a 1979, tendo como fonte os Jorn is da grange imprensa e Jornais comunistas que compdem o acérvo dal Bibiioteta> Nacional no Rio de Janeiro (Anexo 1). a = A A consulta aos arquivos do GIFTA/RJ resultou na sistematizacéo de documentos referentes 4 Fabrica Esther que se materializam pela correspondéncia entre a diregao dessa fabrica e o GIFTA/RJ: por Acordos Goletivos € Atos Ge Oissidios estabelecidos entre o sindicato dos trabalhadores em Santo Alelxo e o sindicato patronal, e@ pelo tevantamento e classificacéo de registros documentais referentes a Gompanhia de Fiagio e Tecelagem Bezerra pre Ge Mello, proprietéria da Fabrica Esther em Santo Aleixo-Magé, gue consistem na correspondéncia mantida entre essa Companhia e o Sindicato das Indéstrias Téxteis no Rio de Janeiro. Foram também consultados artigos que Othon Bezerra de Mello, presidente do grupo empresarial que leva o seu nome, publicou nos Jornais de Circulacéo nacional sobre a crise da indéstria téxtil brasileira nos anos 70, assim como Atas de Assembiéias e Reuniées realizadas no sindicato patronal no perfodo da gestao do grupo Otnon na Fabrica Esther. A pesquisa sobre o sistema de fabrica com vila operaria realizou-se assim durante os anos de 1979 a 1987, a partir do trabalho de campo em Santo Aleixo. A longa duragso dessa Pesquisa, seu fio condutor e os necessarios descobramentos, foram de certa forma, impostos pelas contingénclas de desativagso da fabrica durante o trabalho de campo, e por suas repercussées no Praprio objeto da pesquisa - 0 moda como os operarios da fabrica © suas familias experimentavam suas condigées de vida e trabaino “, cuja construgdo passa pelo tratamento das questées que ‘luminam as relagées entre o sistema de fabrica com vila operaria © @ reproducao social desses trabaihadores. O trabalho de classificagso e categorizagéo das “informacces de campo” - fruto de observacao direta, entrevistas estruturadas e longas “conversas” - e daquelas presentes na literatura sobre fabrica e vila operaria, que pude ter acesso, assim como dos dados que resultaram da anaiise de documentos histéricos e outros tipos de registros, terminou por construir um conjunto de questées que, a meu ver, podem ser exploradas sob os seguintes temas 1. Reconstitulgao do processo de Implantacao do sistema de faprica com vila operaria, Junto aos trabalnadores da Fabrica Esther durante a gestao do grupo empresarial Othon Bezerra de Melto (1941/1982), tendo como referéncla a experiéncia concreta desses operarios e de suas familias. 2. analise da condigéo de expropriagao } vivenciada pelos trabalhadores quando do téermino do trabalho na fabrica e@ suas impricagées com as "estratégias de sobrevivéncia” praticadas pelos operarios e suas familias. Estudo Jos processes de reprodugdo social acionados pelos operarios, por entre a situagao social de crise que acontece quando da desativagio da fabrica, e@ as relacdes que esses mesmos processos mantinham, como modo como se instaurol 0 sistema ge fabrica com vila operaria Junto ao grupo social analisado. 4. Estudo das manifestacses séclo-culturals presentes na situagao social de fabrica com vila opersria que sinalizam pars os codigos culturais que descrevem a tradigao que 0S operarios © suas familias buscavam preservar. Algumas dessas questdes serao referidas neste trapalno, uma vez que seu tratamento extravasa em muito os Iimites agul definidos. be fato, esta dissertacdo pretende discutir algumas das praticas sociais que pareciam descrever 0 modo como os operarios ~ submetidos ao sistema de fabrica'com vila operdria em Santo Aleixo - lidavam como término desse padrao de dominagio que se exerce na esfera do trabalho e da moradia, tendo como referéncla as idéias, representagdes e modelos de conduta cue, um grupo geterminado de operarios e suas familias acionavam, nessa situagso de crise social. Essa discussao tem como ponto de partida a “teorla” que o grupo produz sobre suas préprias praticas socials, que @ entendida como uma *realldade” Inerente aos fatos de que se ocupa e nao como uma de suas versées. Iniclaimente pretende-se ressaltar a potencialidade analftica que esse tipo de “escolha” metodolégica possibilita, (c.j, Garcia, A, 1983, cap. I)discutindo a literatura mals recente sobre “vilas operarias", 0 que antecede a apresentacio do grupo social pesquisado - cujos contornos deverao surgir paralelamente & descrigao da convivéncia, que a pesquisa propiciou que se cuitivasse com alguns operarios e suas familias. 0 relato dessa convivéncia deverd possibilitar a indicagao das relacgses entre “as condigées reals de existéncla”™ e as representagées sociais que essas mesmas condicées propiciam, além de facilitar a apreensio do significado de algumas praticas sociais do grupo, e@ das mediagées que nela operam. Na parte que encerra esta dissertagao procura-se refietir sobre algumas das estratagias de sobrevivéncia que esses operarios acionavam, ao se perceberem diante do desmonte de um determinado modo de viver e trabalhar, que aJudaram a construir. A hipatese que permeia esta dissertagdo @ que esse modo de viver se traduzia no conjunto de regras e cédigos culturais, que aludiam a uma "tela de significados" (Geertz, 1978), cula atualizagSo garantia a reprodugso social do grupo Quanto ao material empirico desta dissertacéo, cabe ressaltar que a foto da “Festa do Pano” e os depoimentos que introduzem este trabalho, se somaram outros depoimentos, fotos e documentos Parte do material levantado durante a pesquisa - que foram utilizados no desenrolar da dissertacso ou como anexos. CAPITULO | - FABRIGA COM VILA OPERARIA, GASAS DE FABRICA 0 tema em discusséo nesta dissertacao, a° situacso social de Fabrica com Vila Operaria, por vézes, tem sido analisado de tal forma que permite pensar as vilas operdrias como uma resposta concreta 85 questées de moradia e trabalho adotada junto aos trabainadores, que teria favorecido & solugso dos Impasses que marcavam o inicio da industrializagao no pais. be fato, as primeiras vilas operarias remontam a neados do século XIX. Gontudo, sua utilizacdo mais ampta no final do Império @ sua permanéncia como uma das modalidades de habitacso popular ainda em vigor no Alo de Janeiro (5) revelam a continuldade de processos e relagdes sociais que Ihes séo especificos, @ chame 2 aten¢do para as dificuldades de se examinar determinadas situacées sociais a partir de Indicadores pré-definidos por mals necessarios que, por vézes, sejam esses mesmos indicadores como reterenciais de analise. Oe certa forma @ sobre esses dois pontos que iremos tratar neste capitulo - a reproduréo de processos sociais ea dificuldade de entendé-tos a partir de parémetros abelecidos - ao considerarmos algumas vertentes da previamente abordagem tedrica que tem dado suporte as analises sobre vilas operdrias nos éitimos anos, e ilustrar a dissussao Ind|cando experiéncias concretas dessa modalidade de habitagao popular no Estado a partir do material de algumas pesquisas de campo. W hs referéncias aos aspectos mais evidentes das Vilas operarias como sua localizagao proximo a faprica ~ eventuaimente sendo um setor que integra a propria planta fapril ~ “© as caracter (st icas da populacso que ela absorve, tém estado presentes em obras de economistas, nistoriadores @ outros clentistas socials divulgadas no pais a partir dos anos cinquenta, Nestas obras a centralidade 42 discussso reside nas questées afetas ao processo de desenvolvimento Industrial. Assim sendo, as mengdes a0 fato dos operarios morarem em casas de fapricas onde trabalham, ajudam a compor um quadro que objetiva analisar nosso processe de Ingustrializagao. Alguns dos exemplos desse conjunto de obras, Ja consideradas classicas, $80 0s trapainos de Stein «1g79), tani (19639, Gardoso (1964), Brandéo Lopes (1964, 1987), Oliveira (1975), culo conhecimento @ requerido a todos que se Interessam pelas vilas operarias como tema de trapalno, constituindo-se em requisito de um processo de Iniciagao que em 9! nada deve aos rituals de passagem tao ao gosto dos antropélogos. f incorporagao gessa “pratica” sem a necesséria critica ao tempo que reforce as regras de legitimidade da producao académica (6), ds fundamento @ uma das vertentes de analise que procura explicar 3 vigéncia de Vilas operérias a partir da ética do capital, ou sela, mediante a Indicagso de motives que presidiram a légica da agao de alguns atores socials determinados: 0 Estado, 0 empresarlo industrial que acumulava as fungdes de dono de faprica e proprietario das casas que alugava aos operarios, e 0 empreendedor Imobliiarto que atuava nas vizinhancas das fabricas construindo casas de aluguel, edificadas em vilas, onde moravam os operarios, Nessa vertente encontram-se os trapaihos de Blay (1976, 1980), autora que | entende as vilas operérias como um recurso necessério ao “contexto da emergente Industriallzagéo nacional", reaigando Portanto o carater instrumental desse tipo de moradia. “Coma solucio proposta pela classe empresarial ela sempre visou, em_todos_os_momentos, garantie um suprimento de forga de trabalho, controlar s salariais € Em consequéne A relacdo__pateie que permitiu ama atuacdo em dois niveis? serviu para pressionar o comportamento social do emergente operariado urbano © atuou no processo de acumulacdo de capital a ser investido na inddstria ena reprodugdo ampliada do capital, permitindo que certos empresér ios constru/ssem verdadeiros impérios.” (Blay, 1980, v9. 444, ar ito menu) Esse carater instrumental das vilas operérias nso possibilitava apenas a consecugso dos interesses do empresario capitalista. De fato, essa forma de moradia constitufa-se em mecanismo através do qual a ordem social burguesa redefinia a apropriacso do espaco Projetando nele os fundamentos de uma estrutura social em vigor. Blay chama a atengdo para o fato de a edificacio de vilas operarias constituir-se na pratica concreta da circunscrigao espacial dos trabaihadores, porém deixa de explicitar que se trata de uma das estratégias de esquadrinhamento e defini¢éo do espaco urbano onde os principios de hlerarquia social estao presentes. “ss. vamos chamar de vilas operdrias aqueles conjuntos de casas contiguas, construidas ou compradas jd prontas pelas fdbricas e que se destinavam ao uso de seus empreyados mediante aluguel ou comodato. Deixemos de lado outros tipos Ge vilas... para nos determos naquelas que nos Parecem ser o embrido das demais e que delimitaram @ porc%o do espaco da cidade destinada & camada trabalhadora urbana.”

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