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: > — q Yo 3 n o oO Uv ® £ 0 E © £ 5 9 0 0 CASA DE ALVENARIA og - "VOLT OO3ARZV 3q O1Nvd WuOLIGS BP SOUR SEUIDEO SEU OBI OP O.QUEAON we o8 S21dw 0 ojs0duio0 19} ,,801U01}UCD © 0}Se.}UO: OxbeI00 ¥P % owNjOn «YIMWNSATY 3Q VSV: de apresentagao audalio dantas capa de cyro del nero ma de —diario ex-favelada-— Ccoprrieht by Casa de Alvenaria — histirla de uma ascensio social apresentagso de Audélio Dantas | VI os pobres sale chorando. As Isgrimes do pobres comove os postas. Nio comove o poe Ne 3358 ‘S*ercate te “Quaste de" Beagle": fe Gare i | Tine Moria de Jesus Um dia — era wma tarde de abrit de 1958 — Ju & favela do Ce- snindde quando chepuel Id encontrel wma revoluedo dentro de wm derraco: eram as narratious de uma negra chemeda Carolina, Aorta de Jesus, 4 revoligda tomow forme de lero e foi chamada “Quarto ‘gore, tenko de falar de noves Natériae daquela menma negra em evjo. barraco encontrel e aubversio manuacrita. Ila salu. do (Quarto de despelo ¢ iustalou-se num aonho wma cava de alvenarta. B nosen visinhe, eau! ne ala de wislas, onde continucn. @ oihar em terme com o mesmo olhar accatumado @ ver favela, @ observar © @ ‘nota tule — as grandesan eae mistrias do lado de ed asa de Alvenaria é na forme, 0 mesmo que 0 @idrio escrito na Javeta do Canindé: na casenota, ¢ coi dem diferente; € um depot ‘mento, tamiein, mae eibve ouiro mundo —— 0 munda de alvenerta ; (gue fo. sonho © conguista de Caroline. Casa de Alvenaria@ depot 8 ‘mento. tdo importante quento “Quarto de Despeio", mesmo sem tom draméticn da miséri. fevelada, Em certor aapecten, & wh Were ‘mais Jascinante, porque néle hd um pouco de alepria, héo deslum. Uramento da descoberta, hd @. felicidede do estdmago saiefeito, he 4 perplesidade dignte de peiasar © coleas diferentes © wme omaron fconatatacto: a miséria eatate tombém na alvenarla, em formas te mate digeraas A portir de um acontecimonto que talves tonha side o mols im- ortante de sun vida — « assinatura do cantrate pare publicasto, Go a “ouorto de Dessefo” — Carolina narra 0 dia-o-dia de sua nove vita. ‘maa nease navratioa os dias earumem wma nove dimenséo; detram de ter sempre tgua:s, pecedidoe pela fome, As eurprésas, 06 choawes fae grandes alegrias ¢ 04 desencontoe, se eucedem neste repisro de Brande valor humane ¢ de grande valor como contribulolo pare et tudo sociotsgieo. 0s personagens que desfilam nestas pdgines alo, quose todos, de fondigsa diferente, daquclee anguotiodoe que ae apitam no mando ‘fe tdbua since do fovela. Aqui dea alo visio, multas 28st com fesormesées, por uma criatura que viveu sempre & mofgem, UNE esintegrada social que lutou descaperadamente para entrar ma Sociedade mats empla « menos infelic 2a sala de visitas. como mo quarto de a la. continsow @ escrover © sew lino, a faser retrato. 86 que 0 retrato da gonte do alvensria tem ‘elowmas distorgier, 6 assim como sm palnel com pontos de perfeita Initides c decas esfumadat, nedulosos Mar Casa do Alvenaria é wm Tretrato, Feito oom ax contradigsce da retratista e, sobratulo, com a9 Contradicées dor retratndos, Nem sempre @ rovelando que Cerolina thos far de cortes criatures é porfeita, mas, no caso, @ responsabil- ade ‘no the cate. Ela. procure enfooar, com aqudle seu notdvel fenso de observesio, mas ndo consegulu a neceaséria. nitides, sim- Plesmente porgue na favela, porto dom nitido © definido da miss fim Orlondo Lopes exploradar da luz e da dgua no passa de Orlando Lopes exploroder dats e da doue, enquanto aqul fora o8 homens costumam usar peultas foe Mas, ontrenoe na Casa do Alvonarla de Caroline, que ¢ bem aijerente Gaguce barraco nimero 0 da Rua A, favele do Conindé, ‘Que tinhe scla-quarto-corinha, num 6 cdmodo nade cimodo, A casa (te Carolina, agora, & ovea-sobrado, com sale, salinka, quarto, querto, ‘cosinha, quintal, Jardim, wma cacada que, ee ndo me engano, tom ezenove degrae! 0 jardim do Carolina tem uma roscira que Doto ‘muitos rosas, vim as orlancas, cothem as roeas, cla ndo se incomode, Porgua pense Dene fon nascer mais. A ronaira & flo-fllcdade tha casa de alvenaria, assim como 0 monino nu chorondo de Dorrie asia era tristean no Derraco do Canindé De siegrias ¢ tristexte 6 a vide, na favela ou na alvenaria. 4 tomo se fol do darraco de Carolina ¢ ela repitrou @ eheyada da ate aria, que tamdim pode hatiiar em barraco: A teistera estava rosidindo comigo hé multo tempo, Velo sem ‘convite. Agora a tristeza partly, porque a alegria chegou. Para onde Pa que fol a tristern? Dove estar alojada num berraco ds favele. ra wm bocrace especial, aquatt a Hua A, niimero 9. Wé0 havia Fome 1d dentro! ‘Comecou assim, com a partida da fore, « nove ita de Caratine araria we edue, que opera 6 mais ivinka eae wa sale do visitas. Um cominhdo parti da favela, chela de velhos trastes, Ne primeira ‘rua de alvenaria alguém perountou = tuto 6 deapesor ¥ = Nao. Nao 6 despeso, eu cstow soindo do quarto de despel Jol @ reeposte fete e ronha da negra Cerotin. ssente de um senhor mutto condoido com a pobre favelada que, entéo, 48 tinha ganko 240 mil crusciros de direitos autoraie. No mesmo dia fom que tngressou no mundo de elvensria, Caroling juntou @ felldade ‘Agora ou estou ne sala de visita. © lugar que eu ambiclonava vive. Vamos ver como é que val ser a minha vida aqul na sala de vette, Como ¢ @ sua vide aqui na sala do visitas ¢ 0 que cla now conte agora, neste Hiro. 0 deslumbramente diente de colsse n0008, 0 vat- fede multo natural despertada goles inimeras solicttagéee — 08 Teoi- fimas, tele, e ax destituidas de qualquer significado, foltes por deb ides ¢ safedos que viem em Caroline qualquer colaa assim como um dicho eatranko. Precieo dizer quo tuo fie ara eviter case envolwi= mento, mas nao conscgut. A prdpria Carolina, algo inebrinda como sscesso, contituiw otetéeulo. Dislamthe que cu extava querendo ser ‘oretitow noe con ‘avando ee quetza por eu ser contririo & sua ida de cantar mo radio? Eu queria Ir para o réio, pra cantar. Fiquel furlosa com a auto ‘ldade do Auddllo, roprovando tudo, anulando ot meus progetos. Dé Impreteo de que’ eou sua oscrava, Contredliérie, essa referéncla anulagdo do projetos, justamente sauéles profetor que seriam prefudicats, J4 imepinaram 0 pessoal do radio wsondo figura de Carolina para enibigdes ridioulas noe ‘sudltérios? Carolina eetavs, evidentenente, senda aconsolhada. ae Togo tna o tom-eonso, na valovre dr alouém ue ndo era wm inte: ‘Agradect @ despedi o ful tomer o onibus, pensando nas palaveas fo sonhor Fernando Soares. fle dice para cu nfo In cantar no rdlo.. A gente do alvenaria contridula, assim, para ae contradicsee de retrato que Carolina facia, com thon de favelada, da sala do vals. A sus copacidede de obscrvazdo, aliads 3 ava capacidede a2 conelule, fervia, porém, para que apanhasse no melo data nossa fotra de val~ adee expoctoe dastante signifcatives, nem. sompre odsercedoe por ‘és, Por exemplo, on compromisscr dos que otcrevem, quaee aomore tolnides em sua berdade pelo J090 infernal dow interévars. 4a, ‘em nosso melo, ela comerou a temer, tambéve INSo estou tranquila com a Idéla de excrevor o-meu lérlo da vida ‘atuai, Gacrever contra os rleos. Bles sho poderosos © podem ‘Os ricos, af, nio ada 08 prdpriamente ditos; do ponto de vista da leutora, egressa da fovela, reo todo aguéle que mora em casa de Givcnaria’ ates, sem saber, ela terminow dizenao uma verdade, tren Go uma concluato mate do que acerieda. 0 dinheiro panko por Cato Tina jot gurantia de wma vida devente, alegria de comida fumegendo nas pancian, mas fob, também, motivo de prandes aborrecimentos. Come sempre fot deate ur os homens 0 snventaraim e por éle Ori. Dom e gor ble ac matem, oi 0 Jost Carlor, numa alegria de fome Seciada, quem fore pervunta — td tantas coisas para comer, mas ¢ preciso ter ‘comprar. Quem iaventou 0 dinheiro? Carolina responden — Fol um povo chamado fenicios. = tnvongse idiota, no, mame? “A tal invencio dew muita dor de oabece @ Carolina. Uma roma ria satermindvet 3 sua aivenarta, de gente querendo dinheiro, Tudo er cause do um povo chamade fenicios! Por tase ndo se deve estranhar en queizas constantes que Coro- tina faz contra 0 etla de visitas. Deve-se considerar @ sua condioio de “peize fora agua” quando elo, logo depois de Dendizer 0 mo- Imento em que deieow @ fevela, dis que preferia voltar para 1d. Con- Tradigdo humana, cepanto. dante de uma realidade que afugenta 0 tonto. Mas 0 sosho —c ai de née #0 ndo fase 0 sonho! — sempre Cotte, com estorice de Felicidade. Como acontece logo depois, em outro {recho dete livre em que Carolina descreve © alegria de naver falado SGdre as causas da favela no Congresso de Vereadores do Rio Gronde Eu vivia dizondo; & folleldade virou-me as costes. Agora pegou- Novamente ele reencontra a realidade. A meia tue de wm res: taurante-ordting de Copacadene, yor exenplo ‘Aiguns fam a minha mesa. Ae muthores que estavam na minha mesa fatavam om reforma social. »- EU poneava: elas sfo filantror ‘cau nas patavras, $40 falastronas. Papagalos noturnos. Quando avis~ tamame & que recordam que hé favelas no Bresi “Tudo lato é:de-grande.inwortincte, demonstra 0 valor ate toro auc é wm retrat) da aia de Misltas feito por wma retratita que velo ‘fo quarto de deapelo, sritende em nome das que ficaram Id ¢ dov ‘tue ute catholic civem. as injustigas gut de fora, como equéle IWretinno de Petntes que cireuleva melo Yessebiodo geia praca onde Ne reatieave st Pina do. L4vre. Carolina cutoorefava ¢ ouviu @ Sabo, Carolina, pego-te pe preceneeito aqut no Sul A reepodta fol esta — ene Inclulr no tou ditto que hs sm. Incl tua quetea no meu B um epélo sionificativo, éste do pretinko de Pelotas. Demons- tro, som neceasttade de novos atgwmentos, 9 que eave negra vinda do monturo representa. no inconsclente. coleiva: vox de proteste Ache que estan consideracser dé repirter podem dar openas uma lida itéia do. sentido déste Horo. Um eatudo com base clentifioe Poderd revelar aspector de prande interéane da revolucdo que come- fou no quarto de deepelo ¢ tem praseeguimento na casa de alvenaria. Partieularmente, recolMt wma soma enorme de ensinamentor desde 0 ‘ia em que encontret a revolugdo Td no barraco mimero 2 4a Rus A. Jawcla do Caninié. Conhect bem connecizo 0 que & ambigda, invede, Infacese, voltade, lio, 1 conhect também ainor, honestidade, des Srentimento, da’ boas © en més qualidadce 96 revelodas inteorel- Imonte diante dan coleas importantes. Aprendi, por ezemplo, awe ‘anhar dlnhelro a oolen mals importante para a maioria dow Inte~ ‘rador socials. 8, por te90, apenas wna minoria deredite que a 704- Se fazer aiguma oolez sem se ganar dlnhelto Caroling Jd exté na sua case de alvenaria, @ malaria dow favela- to Contnds, tembem. Quanto a min, continuo reporter. Apareto ‘con multe freqianeia neste loro, cama poreonagem. Isto ndo yoda rr evitado, poraue do misture comize havia personagens tmportantes. parece como anjo num gyarégrafe, nowtro eparego como deménio, de cctrio com ax mutogies eepiritucis de Corolina, 16 erros de opre= Ciasdo da autora cm ambor on chavs. Hu podia ser deminio a corto ‘ltura, #5 porque a aconarihel @ m0 omprestor dinheiro a determi ‘iada pesson ou por manifeatar @ minha opinido sdbre um rapar due Wendoue nome de Caroline para @ propaganda de wma marca do Cerone om outros cikos © eu viava anjo. Betd tudo a, contado no seu feito originaliesimo do dizer as coisas, © tratamento dado a Casa de Alvenarla fot o mesmo que det « Quarts de Deryejo. Consereel a limguogem e a ertoprafia da ou~ tora, sem alterar nada. No trabeito de compllento hovve cortes de ‘prondes trechor, fades tem malor sgnifiongda, Flcou 0 essoncial, 0 importante, fucionendo como wma pelioula cinematografica. 0 ae fot algo sencinante a uma montagem de filme. Ov originals eatdo ‘wardadoe pare possivel confronto. _ Finalmente, wina palavrinke a Caroline, revoluclondelaque_ sain ‘ao monturo velo pare © meio du genie de alvenaria: voce contri= tute pederosamente para @ gente ter methor a dearrwmaséo do _— ‘auarte de despelo, Agora voce ests na aala do wleltes © continua a contriouir com dete nova Horo, com © qual voce pode dar por encer- eda a aun misado, Coneerve aquela humildade, ou methor, recupere = no destumbramente das luzes da cidade. Guorde aqueles "pocstas™, Gautier “conten” ¢ aguilee “romances” que toed cucreveN. ver” dade que voce gritou ¢ muito forte, male forte do que voet tmaot Corvtina, cx-farclata do Caninds, minka tema 1d e minha trmd east AvpALo paxTas ‘860 Pouto, sctombro de 1861 5 de maio de 1960. Lovantei as 5 horas para pre- ras roupas dos filhos para irmos na Livraria. Nao vou fazer café porque no tenho aguear nem dinheiro para o pio. Bu peguei um saco e catei latas, ferros e vidros ¢ uns metais e fui vendé-los. Nao tenho tido tempo de ir vender no Senhor Manoel. Ganhei 22 erwzeiros. Comprei 12 de pao. O Senhor Luiz Bar- bosa, que reside aqui perto ca favela, deu-me lenbas. Bu disse-the que hoje eu vou assinar contrato com a Livraria Franciseo Alves para editar 0 mou livro. Ble disse-me que j4 me viu nos jornais ¢ nas revistas dou-me mais lenhas. Quando voltei peguei as lenhas ¢ pus dentro do saco e Voltei as pressas para a favela. .. 0 José Carlos entron dizendo que estava com fome. Vamos prepararmos para irmos para a cidade. Vamos ver se o pai da Vera levou-lhe 0 dinheiro no Juiz. O Joao volton da escola alezre por eu ter man- dado pie para éle. Nés saimos. Passei no empério do Senhor Eduardo ¢ pedi se éle me vendia uns sandui- ches para os filhos. Nao tinha pio. S6 eu notei os olhares tristes dos meus filhos, porque sou mae. Nos fomos para a cidade. Passamos pela Mercado. A Vera olhava no solo para ver se encontrava algo para co- mer. Nao encontrou nada. Comecou a chorar e nio queria andar. En disse-lhe: — Vamos no Juiz ver 9 dinheiro e eu compro algo para voed. Bla empacou-se. Dei-lhe uns tapas. Eu criticava as minhes ages, pensando: eoitados! Além de estar com fome ainda apanham. Eu andei, cla ficou atrés. Os filhos estavam perto da banca de jornais olhando o Chessman. Quando olhei para tris ndo avistei a Vera. n CanoLina Manta ve Jeses Voltei procurando-a ¢ entrei dentro do Mereado gri- tando: — Vera! Vera! Vera! Perguntei a um guarda se néo tinha visto uma menina. ot ‘Mais de com mil pensamento aflufam-me a mente. © coragio acclerou-se. Percorri o Mercado por den- tro e ao redor. Encontrei uma mulher da favela perguntei-lhe se ela havia visto a minha filha — Nao vi — B que eu vou na Livraria assinar um contrato para éles publiear os meus livros. ‘As pessoas que ouvin-me dizer que eu ia assinar contrato na Livraria Francisco Alves pararam para olhar-me. Sa‘ as pressas do Mereado, gritando: — Vera! Vera! Vera! Os meninos procurava-a. Surgiu uma senhora © perguntou-me se eu estava procurando uma menina. — Estou! A senhora vin-a? — Ela estava na minha loja Perguteni-the 0 seu nome ~ Antonieta — Oh, D. Antonieta, muito obrigada e Deus te 8 um noivo bom e bonito! Ela sorriv. E respondeu com prazer na voz ¢ no olhar: — Eu j4 tenho o meu noivo, jé estou casada quero muito bem ao men espdso. ‘Vi um agiomerado de gente ¢ a Vera no centro. Bla estava chorando. Quando me viu reanimou a fi- jonomia. Eu agradeci as senhoras que estavam na loja e pedi-lhe os nomes. Disse-lhes que era para ineluir no men difrio, que eu ia na Livraria assi- nar um contrato para publicar os meus livros. Flas disseram: — Nao precisa. Olhei 0 titulo da loja: ‘Pecidos Cantareira. Ouvi uma vox maseulina: 12 Casa pe Anvewanta, — Bu quero ver 0 nome de minha loja nos jornais © senhor ha de ver, se Deus quiser. radeci as pessoas presentes dizendo que estava com pressa e sai correndo. Na Praca da Sé estavam desfilando carros com criancas defeituosas angarian- do auxilios. Os mens fillios olhavam as eriangas de- feituosas. Eu disse a um casal que segurava um — 0 senhor vé'essas eriangast Os pais delas de- vem ser tristes. Ainda tem pais que bate nos seus filhos porque quebrou a vidraca do vizinho ou sujou- se na lama, ou fala palavrées. Ese éles nao falam? Curvei-me até o ouvido do menino e disse-Ihe: — Pois 6, meu filho! Voce vai quebrar vidracas, jogar bola, correr e vive a sua vida de crianca perfeita Ble sorriu Despedi-me ¢ fui no Juizad’. Pui reeeber o di- uheire da Vera. O dinheiro estava, reanimei. Recebi, assinei e disse ao tesoureiro que eu ia assinar con- trato para editar 0 meu livro e que amanhi eu estou em todos os jornais. E que en sou obrigada a esere- ver porque 6 pai da Vera nao auxilia-me. Eu despedi do tesoureiro e fui comprar quibes & empadinhas para os filhos. Quando os meninos viu- me com o embrulho sorriam. Dei um quibe e uma empadinha para cada um. Bles comiam e sorriam. Othe: o relégio. Bra 16 horas. + Chegamos a Livraria Pranciseo Alves. Per- guntei pelo escritor Paulo“Dantas“. A senhora que estava na caixa telefonou-lhe. Plo viu-me 14 do alto deu ordem para eu ir de elovador. A livraria é alegre no aspecto. Ao entrar no elevador percebi que éle antigo. Jé deve ter uns 60 anos de_uso, Da a impres- siio que a livraria ¢ uma reliquia de Sao Paulo. Eu aprecio o que & antigo. (GD, Dinetor de totes da Liveacia Prana tio Banas 0 Alves. (Xe 13 CanoLiwa Mania ne Jesus Surgio 0 Senhor Del Nero e cumprimentou-me. Surgio 0 Senhor Lelio de Castro Andrade ® e 0 Se- zhor Paulo Dantas apresentou-mo. Conversamos ¢ ou ‘ui perdendo o acanhamento e tinka a impressio de estar no eéu, A minha cér preta nao foi obstaculo Para mim. E nem os meus trajes humildes. Foram chegando reporteres, entrevistaram-me e fotografa- ram-me e fiearam lendo trechos do diério. Havia varios reporteres e fotografos. Eu perguntava: — De que jornal é 0 senhor? Fy ‘ite Hora”, ‘a Ti um trecho do didrio, que eu estava enfra- quecendo porque passava fome. O reporter da “Ultima Hora” deu-me 20 cruzeiros. Quando eu entrava na livraria e estava conversando com a caixa um senhor deu-me 10 eruzeiros — tomou-me por mendiga. A caixa disse-me — Pega! As pessoas que estava na livraria perguntava: — Quem é ela? — Feseritora e mora na favela. — Oh! — exclamavam. Chegou outros reporteres. Entrevistava-me e fa- lava com o escritor Paulo Dantas. E liam alguns tre- chos do meu difrio. As 5 ¢ meia o Audélio chegou com os da televisio. Apresentou-me e eu assinei 0 contrato ¢ filmaram-me. _-.. O senhor Lelio de Castro Andrade den 2 mil eruzeiros ao reporter para dar-me. Os filhos ficaram alegres. Eu disse ao Jodo que amanhi vou comprar carne para fazer bife para éle, porque 4 faz tempo que éle esta suplieando-me para fazer. Ble ficou ale- Bre sorrindo. Percebi que éle estava pensando num Prato de arroz com bife acebolado. ding? Sfianses antigas ponsavam em Ciranda-Ciran dinka. Blas eram alegres. As atuais pensam na (2) Dirotor-corete de Haire. (A. DO 4 Casa pe ALVENANIA . As 6 horas me despedi. © Senhor Lelio deu- me o seu cartio para en procuré-lo. Citei os livros que tenho em preparo. Hoje eu ganhei: 22,00 de ferro velho 10,00 de um fregués da livraria 20,00 do reporter da “Ultima Hora” 500,00 do pai da Vera 2.000,00 do Senhor Lelio 2.552,00 Despedi de todos na livraria ¢ fui fotografada na vitrine. Quando chegamos no ponto do bonde, levei os filhos para jantar no restaurante. Bles gostaram. (...) Bra 8 horas quando entrei no emporio do Se- nhor Eduardo. Paguei-lhe 260 cruzeiros que estava devendo hi muito tempo, ¢ comprei um queijo de 180 cruzeiros, 1 quilo de agnear e café. Mostrei 0 contrato para o Senhor Eduardo ler e disse-Ihe: — Amanhi eu estou em todos os jornais, Despedi do Senhor Eduardo, que estava com os olhos fitos no meu rosto ecmo se estivesse vendo-me pela primeira vez. O Joio disse-me: — A sonhora esté gastando muito. — A vida de miséria vei acabar — falei sorrindo. Quando eu cheguei na favela estava com sono e alegre. Ergui os olhos ¢ contemplei uma eruz. Pensei: dovo rezar. Jofia disso-me: “""Sabe, mamiie, eu vou dizer uma coisa para a senhora. — Que 6? — perguntei apreensiva, pensando — sera uma coisa grave? — Como é bom a gente comer até encher! ‘A ida foi triste, porque estavamos com fome. Mas a volta foi sublime ‘A Vera disse: — Viva 0 Audélio! — Viva! 15 es casos sates ten CAROLINA Manta ve Jess — Vamos dar um pigue-pique para 0 Andilio? Deram o pique-pique ¢ ficaram gritando. Prepa- ramos ¢ deitamos 6 de maio Lovantei as 4 horas. Fui ler as noti- cias do Chessman. (...) Com a execussio do Chess- man os Estados Unidos ¢ eritieado pelo Universo. 0 sol estava oculto pelas nuvens ¢ eu estava com frio. (...) Fui no emporio do japonés fazer eompras, comprei 3 quilos de arroz, 1 de feijio, 3 saboes, fari. nha, alho ¢ anil. Quando eu cheguei na favela fui preparar 0 alméco para os filhos. As eriangas vem dizer-me que me vin nos jornais, Hoje eu sou a sen- sagio do bairrs. Preparei o almégo: arro7, feijio, bife milanés © salada. O Joio gostou da comida e griton — Viva a Dona Carolina! Sorri. fle olhou-me por longo tempo ¢ disse-me: Por estes dias temos comida e a senhora nao precisa chorar. Bles esto alegres porque comeram 7 de maio Nao fui comprar po. Os filhos co- meram queijo. O Joao modificou-se. Esti mais calmo fe sempre sorrindo. Quantas vezes eu dissethe: — Joao, voeé 6 muito bruto! Mas agore que temos 0 que comer em casa, éle transformou-se: deixou de ser Joio Bruto para ser Joao Gentil. E que a fome deixa as pessoas neuroti: cas. (...) Dei alméco aos filhos ¢ fui lavar as rou- pas. (...) Estava lavando quando ouvi a voz da Vers dizend . — Olé miitia met Ela vinha acompanhada de dois senhores. Quan- do éles aproximaram-se perguntei: — De que jornal sio os senhorest — Nés somos da televisdo-e-en-vim convidar a senhora para ir num programa. Tem que est la as 8 horas — Esti bem. Eu vou — Love as criancas. 16 ase oe Anvexanin Conclui as roupas rapidamente ¢ voltei ¢ eomecei a preparar os filhos para irmos. Coloquei os cader- nos na pasta. Fui avisando as pessoas que tem televi- so para ver-me, que en ia no programa das 8 horas, (...) Iniciaram ‘0 programa. Os meus filhos estavam alegres porque estavam no paleo. A Vera sorria. Fui entrevistada pelo reporter Heitor Augusto. Falamos da favela. B porque a favela 6 0 quarto de despejo de So Paulo. F que em 1948, quando comecaram a de- molir as casas (erreas para construir os edificios, nds os pobres que residiamos ras habitagées coletivas fo- mos despejados e fieamos debaixo das pontes. © por isso que eu denomino que a favela é 0 quarto de des- pejo de uma cidade. Nés os pobres somos os trastes velhos. Era horas quando eu fui deitar. Hstava alegre. 8 de maio ... Fui no acongue. Hseolhi um pe- ago de carne. Tinha muito nervo. Gragas a Deus hoje en estou em condigées de eseolher a earne que eu quero, Olliei os ossos que estava no baleio ¢ disse: — 0 senhor dizia que en eserevo e néo ganho nem para comer. Gracas a Deus eu vou receber 150 mil eruzeiros por um livro e hei de ter 0 que comer: Eseolhi outro pedaco de carne. Paguei 70 cruzei- vos. Pensei no reporter, o homem que emparelliou-se comigo na hora mais critica da minha vida. Agora cu falo © sow vuvida. Néo sou mais a negra suja da favela. Cheguei no emporio ¢ comprei os tomates, 0 querosene ¢ ovos e pio. (...) Fui preparar o almégo. Fiz molho de tomate para o ravioli e pus muito queijo. Os meninos comeram e gostaram. E gritaram — Viva! 9 de maio Chegou dois reporteres. Disse- ram-me ser do “Globo”, mandoi dles entrar. Pergun- taram se eu encontrei’ dificuldades para encontrar editor. Eu disse-lhes que cansei de suplicar as editoras 7 Canouina Mants pe Jesus do pais e pedi a Editora da Selegio® nos Bstados Unidos se queria publicar os meus livros em troca de casa e comida e enviei uns manuseritos para éles ler, Devolveram-me. . © Adalberto entregou-me carne ¢ toucinho que © Ramiro deu-me. © Adalberto pediu-me para fazer um bife para ‘le. Que bom saber que temos o que comer. Parece até que a minha vida transformou-se. Da fome para a fartura. (...) Eu estava ageitando © barraco quando o Ramiro chegou na janela. Disso- me que me vin nos jornais ¢ deu-me os parabens. Eu agradeci porque le deu-me toucinho e carne. Ble dis- se-me que esti muito triste com a morte do Chessman. Que o Chessman nio conhecen 0 nucleo social, am- Diente sadio. Os intelectuais fizeram de tudo para im- pedir a sua exeeussiio. Se os Estados Unidos tivesse perdoado 0 Chessman, éles angariavam a simpatia do Globo. Porque o mundo estava voltado para os Esta- dos Unidos. 10 de maio Eu estava earregando agua quando ouvi a vor do visinho, senhor Alexandre: — Dona Carolina, tem visita! Hra_o Professor Walter José Faé, com seu alu- nos. 0 Professor Faé disse-me que hi muitas pessoas que vai ganhar dinheiro por meu intermedio. Figuei alegre. Que bom! Poder fazer o bem a milhares de pessoas. O sol 6 unico e distribui o seu calor para todos. 12 de maio Bu fui lavar as roupas. A Dona Ade- laide quer que ou arranje servigo para a sua filha cantar na televisio oo ... Eu estava pasando roupas quando vi o filho da Dona Adelaide surgir com um senhor e dizer-lhe: — W aqui. senhor pergunton-me: (2) A autora reter-se a “Selegben do Render Digeit™. (A. DD 18 Casa De ALVENARIA — fa senhiora que é a Dona Carolina Maria de Jesus? — Son. 0 senhor entra Ble entrou, tirou o chapéu cumprimentou-me e Gisse-me que leu a reportagem em alemao. Eveio co- nhecer-me. Deu-me um livro novinho. O Grande Evan- gelho de Jodo. Pediu-me para nao relaxar, para nio envaidecer, para nao fiear orgulhosa e se enriquecer, para nio ser vingativa. E agradar os pobres. Que no mundo 86 tem valor as pessoas de espirito humilde. Para eu agradecer a Deus éste dom que éle deu-me. (...) O nome do senhor que deu-me o livro 6 José Galler: . 13 de maio ... Hoje ¢ 0 dia que comemoramos a extingio da eseravidio. Se a eseravidio nao fosse extinta, eu era eserava, porgue sou preta. (...) Fai telefonar para o reporier. Ble disse-me para eu en- contri-to as 11 e meia. E eonvidou-me para ir com ele no Teatro da Escola de Medicina, que hoje comemo- ra-se a data da abolicio. Que o espeticulo 6 represen tado pelo Teatro Popular Brasileiro, dirigido pelo poeta Solano Trindade. (...) Preparei-me e sai para encontrar-me com 0 reporter na porta do “Diario da Noite”. Eu nio sabia que a Escola de Medicina tinha teatro. Quando chegamos, o teatro estava superlota- do. Um espiquer veio fazer a deseri¢ao das cenas. O titlo de peca 6 “Rapsodia Afro-Brasileira”. O espe téeulo 6 uma confraternizagio do Centro Academico da Escola de Sociologia © Politiea e Centro Academico Osvaldo Cruz, pelo 10° aniversdrio do Teatro Popular Brasileiro. O poeta Solano Trindade, apareceu no paleo para falar sobre 0 preconceito racial na Africa do Sul, ¢ da condicdo dos pretos nos Estados Unidos. ‘H-disse que tinha uma visita para ser apresentada, E bradou: — Carolina! Galguei o paleo o fui aplandida. 19 Canouasa Masta OF I qo espetaculo fui apresentada para al- -.. Depois do SP na plateia e pediram au- sumas pessoas 1° "Gitar de bonde, 0 reporter mio tografos. Eu a ‘Na rua Araguaia eu desci do permitiu ¢ € N favela. Hra uma e meia da carro e volte, ‘nsando na festa comemorativa manha. Bu t@v2 Wtura. Mas temos outra pior — Fo ee ae . Comverse Ge ser preto. Be tambem. Fi -me que £8" preto Joao Batista Ferreira. aqueieneantad® COM.) com 0 que somos. A favela B bonito estar we encontrel ninguem, A noite os bar- estava ealma. NA° trros. H negra 6 a existencia dos races sio 10805 Torin, despertei os filhos. les co- favelados. A?Ti @ Pri deitar porque estava com frio, reram pasteRigget pensando no reporter Preciso lavar as roupas, porque 14 de mal °-jovisiio. Hoje eu estou alegre: amanha ev YOO MY nas ruas. Ja estou habituando Todo mundo Ade eg bur do José, na rua Deo- com a nova vida. "oom éle. Dissethe que nfo mais cleciano ¢ cot¥°T fanhio tempo. Bu fui vista em to- apareco porate? )"iby fui deilar um poueo porane dos os jorn®’s- "ia, quem ¢ que dorme em favela! estava com 900, S56 sei como & que os favelados rulho. Wfanta miséria ao redor. Vendo res levantei.Abri a janela e fitei ia Goria ebr de chumbo, o sol encoberto ce aa: Olan pelas nuvens 106 0" favela estava triste © sombrio Ge céu que PTA *.. sai com os filhos.. Quando eu (...) As 10 bores ee Ginho via afluencia do povo to do Nera. Vio Alfredo correndo ¢ um Pensei: brit Brg déle com ume face na mio; O Daiano corrend? ee no foi esfaqued-lo. Errou o golpe. CE ee a eo il © Alfredo PaRte".*fyea na mio. Fu podia tirar a ficou na T* C7 ano com uma pedrada, mas eu nio faca da mie 4 20 ce — CASA Om Auvisanta posso infiltrar-me nessas brigas, porque preciso pen- sar nos livros que pretend eserever. Os meus filhos mesclou-se entre o povo. A D. Isaltina chorava. Eu fiquei com d6 do Alfredo. Ble é inofensivo. Eu bradavs — Joo! José Carlos, Ver televisiio! Quando saimos da Televisio ‘Tupi estava cho- vendo. O reporter tomou um carro. Fomos levar um Jornalista em sua casa. O carro nao queria andar. Na Avenida Séo Joao o motorista pediu colaboragao de outro carro para empurri-lo, O reporter pagou o carro. Deu 200 cruzeiros ao motorista ¢ disse-Ihe que podia fiear com 0 troco. fle conduziu-me até a favela e vinha contando vantagem. Que é rico, que tem mais de 2 milhSes. Que tom casas dle aluguel. Quando che- gou eu olhei a conta: 140 cruzeiros. Disse-lhe: — 0 senhr vai devolver-ine o troco dos 200 eru- zeiros. — Ah! Eu no posso, porque o jornalista deu-me © que ia sobrar dos 200 eruzeiros. — 0 senhor dove dar-me Quando chegamos na favela o motorista ficou horrorizado. O sen olhar pereorria de um local ao outro, Exelamou: — Credo, que Iugar! Entio 6 isso que 6 favelat # a primeira’ vez que vejo favela. Eu pensava que favela era um lugar bonito, por causa daquele samba: 1 Nés vamos para a Favela, oi, favela Favela que trago xo mei coragae. Mas haverd algnem que traz um Ingar désse no coragio? Enquanto 0 motorista fitava a favela eu pen- sava: com certeza o compositor do samba tinha_uma... mulher boa na favela. O motorista disse-me: — Ola, en vou dar 0 troco para a senhora, por- que quem reside num Ingar désse precisa muito’ mais do que en. 21 Ganoutsa Mania pe Jesus Ble tirou 120 eruzeiros da carteira. Ao entrogar- me eu disse-lhe: — 0 senhor errou no tréco. Ble abriu a carteira novamente ¢ deu-me 60 cruzeiros. 16 de maio As sete © meia o jipe da Televisio Record chezou. O motorista é preto, senhor Elpidio Ferreira. Quando cheguei na Record Canal 7 estava tranquila. 0 motorista foi procurar o reporter Souza Franciseo para dizer-lhe que eu jé estava presente. Ele apresentou-me ao ilustre senhor J. Silvestre. Explicou-me como era o programa. (...) senhor J. Silvestre len uns trechos do didrio. Bu estou anciosa para ver este livro, porque eu eserevi no auge do de- sespero. ‘Tem pessoas que quando estio nervosas xin. gam ou pensam na morte como solugio. Eu escrevia © meu diario. IT de maio Troquei a Vera eo José Carlos fomos para a cidade. Passei no emporio do senhor Eduardo para pagar-Ihe 0 que devo. Bu disso ao senhor Eduardo que eu ia na cidade. Que ia ganhar uns livros. Tomamos o onibus. (...) Fiquei alegre quando vio reporter José Hamilton. Depois chegou © senhor Gil Passarelli. Voltamos para a Rua Car- neiro Leio, 267. O gerente da Edicées O Livreiro Ltda. estava na porta. Ble disse-me que eu podia es- collier os livros que agradasse-me. Orienlada pelo reporter José Hamilton escolhi os livros. (...) Hoje @o meu grande dia. A tristeza estava residindo co- migo hi muito tempo. Veio sem convite. Agora a tristeza partiu, porgue a alegria chegou. Para onde ser que foi a tristezat Deve estar alojada num bar- raco da favela. -.. Despedi e segui olhando os moveis ¢ as lojas com seus estoques variados. O sol estava quente. Hoje le apareceu as 8 horas. Agradego o sol por ter des- pontado mais cedo para aquecer os operatios: 22 CASA De ALvENARIA Poder comprar roupas para mim. Tudo em mim esti despertando. En eston pensando nuns brin- cos, colares © vestidos bonitos e vou visitar um den- tista. (...) Nas ruas 0 povo dava-me os parabens, Quando passo perto de um onibus, ougo: — Otha a mulher que escreve! 18 de maio ... Fu percorria a rua Sito Caetano olbando as Iojas. A dona da loja mostrou-me varias blusas. Eu nao queria comprar porque.o dinheiro no dava, Fla insistin tanto ¢ eu resolvi comprar dois palités para as criancas. Ela pediu 1.700 cruzeiros Eu estava com 1.500 eruzeiros. Bla disse-ine que eu podia trazer os palit6s e levar os 200 eruzeiros restan- tes amanhi. O Jofio e o José Carlos vestiram os pa- litds e ficaram alegres. Bra a primeira vez que éles vestin palit6. O Joao diss — Como é hom ser filho de poctisa! 19 de maio ... Abri a jancla para olhar o espaco. Ja estou habituada a fitar o espaco para ver se vai chover. O espéso da Esmeralda passava agitado. Nos s 44 conhecemos astas agitacoes. Perguntei Ihe se sua espdsa jé estava com as dores do parto. — Desde ontem a noite — Chamou a parteirat — Ji, mas ela no veio. Percebi que ée mentia.¢ fui ver o que havia. A Esmeralda estava de pé e chorando. O men olhar cir- culou pelo barraco pobremente mobilhado. A unica coisa que eu vi om abundancia eram as eriancas des- ealgas e magricelas. Olhei o fogio, estava apagado. E eu pensei: numa casa que tem muitas criancas, a esta hora o feijéo j4 devo estar eozinhando. As criancas estavam tristes. Onde n&o ha 9 quo comer nio pode ter alegria. E os pobres sfo os alunos da professora — fome. Olhei a Esmeralda que estava de costas para mim. Ela orava: a oracao mais esquisita que en jé ouvi até hoje. Era assh Canonissa Manta om Jesus “Meu Senhor Jesus: eu_sou tio pobre, estow sem. recurso. Eu estou com dor de parto ¢ dor no meu co- raco porque nfo. tenho nada em casa para os meus filhos comer. Eu nao chamei a parteira porque nao tenho dinheiro para pagar. Fo Senhor que tem quo ajudar-ine, Senhor Jesus!” Bu sai do quarto ¢ perguntei ao Chico se éle tinka dinheiro. — Ni tenho. O pagamento 6 dia 24 — Quanto o senhor precisa? — 200 eruzeiros di. aptintrel no barracio 6 pete uma eeduia de 1.000 Gruzeiros e fui troci-la. Voltei as pressas e entreguei 500 eruzeiros a0 Chieo. ” = — Voeé paga-me quando puder. Ble sorriu, Ea Esmeralda, mesmo com a dor do Parto, sorrin. fo Sets esPe0 Chico pediu a uma senhora para ir & farmacia comprar uma ingecio. Ela sain correndo ¢ cu fui olhar sc a parteira j4 estava chegando na fa- Vela, porque o seu espdso disse que havia telefonado. ) Bu estava preoeupada com a Esmeralda, pen- Sando: ¢ se ela morrer, quem 6 que vai olhar aquelas criancas? Ouvi as eriangas falando: — 0 bebé ja chegon! O hebé j4 chegou! Onvi o chdro © pensei neste velho proverbio: “O homem entra no mundo chorando e sai ge- mendo”, bame2 2 Maio... enho de ir na televiso. ‘Tomei banho, troquei-me ¢ fechei o barracdo ¢ sai com as Guianeas. Quando chegamos perguntei pelo senhor Dur~ [al de Souza na portaria. O porteiro indicou-me...Que romem Donito! Ble disse-me que ia tomar parte no Programa, para eu escrever uma mensagem para as gtiancas. ‘Hserevi. (...) © senhor Vieente Leporace i conhecer-me. A Vera estava alegre e disse: 24 Casa pe ALvewanis — Que casa bonita, mamie. Como é bom morar numa casa grande! Esta casa aqui 6 palacio? — F quase um palacio — respondi — A senhora viu, mamie? — Vin o quet — Este povo aqui nao cheira a pinga. Bles nio bebem pinga? — Nao. — Bles nao fedem, no é mamie? — Bles tomam banho todos os dias Quando iniciou 0 programa eu fui para o paleo. (...) Quando o senhor Durval de Souza anunciou-me © 0 senhor Leporace enailteceu-me, ou entrei no paleo. Ble disse que eu sou a maior revelagio literdria. Ble entregou-me uma eaneta de ouro. Nas ruas 0 povo dizia: — Olha a eseritora que estava na telev’ — Bla ganhou uma eancta de ouro. — De ouro! — exclamavam os que ouvia — que sorte! — Por que 6 que ola ganhou a canetat — Bla é a eseritora da favela. Ouvi uma gargalhada ironiea: — Favela nao di escritor. Di ladrao, tarado vadio. Homem que mora na favela é porque néo presta. ‘Eu queria ouvir os restinhos das consideragées aos, favelados, mas a Vera disse-me: — Vamos pra casa que eu estou com frio. puxon a minha saia. 0. 3de junho ... Estou eserevendo e pretendo con- tinuar eserever. Agora que en estou encaixada dentro do men ideal que é escrever. Tenho impresséo que estou regressando ao pasado, que estou voltando aos 20 anos, aos 18. Hu fai amante das quadras da vida. Fai amante da primavera, do outono, do inverno © do vero. Agora eu estou dé mal com o verao. Fiz as pazes com a primavera e ela adornon meu eoragio com 25 Canouana Manta oe Jasus flores perfumadas e construiu um castelo de ouro para cu residir. O eastelo 6 0 coragio do reporter, este ho- mem genoroso que est4 tirando-me do Ido. Eu era revoltada, nfo aereditava em ninguem. Odiava os po- liticos e os patrdes, porque 0 meu sonho era escrever e 0 pobre nao pode ter ideal nobre. Depois que co- mheei 0 reporter tudo transformou-se. Ei eu enaltego 0 reporter por gratidio. 17 de junho ... Na rua Sio Bento parei para ‘conversar com um jornaleiro. Ble disse-me que eu es- tava na “Ultima Hora” e mostrou-me 0 jornal. Com- prei dois jornais e li na primeira pégina: “Carolina vai deixar a favela. Publicaré mais trés livros. Humilde mulher de cdr da favela do Ca- nindé, vivendo na miseria com seus trés filhos pe- quenos, semi-aalfabeta, comecou a garatujar em papeis recolhi¢os no lixo a histéria de seus anos de sofrimento, Um jornalista descobriu-a ¢ ainda este ano sairé 0 diério de Maria de Jesus. Depois virdo outros livros ¢ diz ela que o seu sonho 6 uma vida decente longe da favela.” © reporter José Roberto Penna disse que eu sou semi-analfabeta. Quer dizer que tenho a metade da cultura. (...) No elevador a Vera entrou empurran- do os passageiros. Eu disse-lhe: — Pede livenga. Aqui néo 6 favela! 28 de junho ... Hstou pensando. Como sera que vai ser o meu livro “Quarto de Despejo”? 0 reporter surgiu ¢ disse: — Ob, Carolina Maria de Jesus! Quais sio as no- vidades? — Nao respondi. Ble perguntou se eu no tenho medo dos favela- dos, porque escrevi sobre éles. dag Nit wthe- B precio onorover 6 Azar af a ver le. 26 Casa om ADvENARIA © reporter disse que fox 0 prefacio do livro. — Deixe eu ler. a file den-me. Li. Esté de acordo com narracées do livro. O prefacio agrada. Mostrei-lhe 0 drama con- eluido — “A Senhora Perden 0 Direito”. O reporter sain, chegon o reporter Ronaldo. Ficamos conversan- do. Eu disse-the que ia pedir emprego na radio para ser dramaturga. O Ronaldo acha que nfo. Que eu devo escrever. En queria ir para o radio, pra cantar. Fiquei furiosa com a autoridade do Audilio, repro- vando tudo, anulando os meus progetos. Da impres- siio de que sou sua eserava. Tom dia que eu adoro 0 ‘Audilio, tem dia que en xingo-o de tudo. Carrasco, dominador, etc. (...) Xingava o Andélio. Ble néio me i liberdade para nada. Eu posso cantar! Posso in- cluir-me no radio como dramaturga e éle nao deixa. (...) Passei a tarde me preparando para ir na Radio Gazota. As cinco e qninte entrei na Gazeta, olhando aos lados para ver se via o professor Paé. Uns jovens * conversavam com 0 porteiro e perguntou-me o que eu desejava. Chegon o direter do programa, senhor Fer- nando Soares ¢ nos convidow: — Vamos subir. -. O locutor disse que en sou de Sacramento, es- tudei no Colégio Allan Kardee dois anos. Falou a D. Lilia ¢ reeitou poesias. (...) Agradeci e despedi e fui tomar o onibus, pensando nas palavras do senhor Fer- nando Soares. ‘le disse para ou néo ir cantar no ra dio. Para obedecer o Audélio. Comprei pasteis para os-fillos ¢ tomei o bonde. 2de julho ... Fui a Redagio do “Cruzeiro”. 0 reporter nfo estava, sentei para esperd-lo. Fitava aquela sala, amiga, porque eu 36 prendi a gostar do edificio dos “Diarios”. Fiquei conhecondo o poeta For- miga e o diretor das revistas. As 11 horas o reporter chegou, cumprimenton-me e disse-me que amanb 0 senbor Oyvs Del Neto vei finer fotografias para por or seoupunnaronene “sou ssouupnnpnon se Canouassa Manta pe Juses no livro. Disse que a segunda edigio do livro vai ser de 10.000 livros ¢ a tereeira de 30.000 exemplares: Que cu vou ganbar mais de 500 mil eruzeiros. Para eu ado ficar orgulhosa. Eu nao estou na idade de ter or- gatho. Ja conhego todas as reviravoltas da vida. Ble ouviu-me sem novos comentarios. (...) © Dr. Bias Raide entron para fazer o texto da reportagem do “Mundo Tiustrado”. Os funcionarios sairam. Hoje 6 sibado. Despedi-ine e saf com o reporter Blias Raide para ser entrovistada Conversei com 0 senhor Otavio. Disse-the que vou mndar da favela neste més e que nao gosto do didrio. Eu nao sei 0 que 6 que éles acham no men did- rio. Eiserovo a miseria e a vida infansta dos favelados. 4 de julho ... Fomos na cidade. Chegnei na Li vraria, pedi 1.000 eruzeiros ao sonhor Lelio. Ble dis- se-me que vai dar-me 50.000 cruzeiros no dia 7 deste més. Insisti com él. O senhor Lelio estava lendo os originais do nosso livro. 0 reporter disse-me para eu nao dizor aos fa- velados que vou reeeber 50.000 eruzeiros. (...) Com- binamos que eu devo ir na Livraria quinta-feira as 2 horas. (...) Fai ver 0 senhor Rodolfo. Entrei na ofi- cina para conversar com os operarios, que estavam to- dos alegres. — J& receben alguma coisa? Vou resober quinta-feira. Vou dar ontrada num terreno, se Dens quis sem Tbe conlego o8 empregudos pelo nome, Uin de- os diss — Ja esti assinando cheques? = Ainda nao. Breve hei de assinar, se Deus auiser — Quantos anos tem a senhorat — 46. — Chi... j@ é minito velha! Seno ea me casava com a senhora, a 28 CASA pe Auvenants Saf achando graca. Conversei com os empregados porque devo-lhes obrigagoes. Bles favoreceu-me com dinheiro para comprar comida para os meus filhos. Bde julho ... Levantei as 2 horas, fiquei lendo. Pensando na minha vida que esta transformando-se — Enfim vou ter uma casinha e um terreno para fin- dar os meus dias. Vou plantar fldres, eriar galinhas, © assim vou ter um musico para cantar de madrugada: 0 seu ¢6-06-70.08! Te julho ... Vou na Livraria receber 0 dinheiro do livro. Fiquei pensando nos pobres, porque eu jé estou deslingando dos pobres. Mas nao estou alegre, porque sei que é duro passar fome. (...) Quando che- guei na Livraria fiquei na porta esperando o reporter. ‘As pessoas que passava parava para falar-me e per- guntar quando é que vai sair 0 men livro Entrei cumprimentando todos, que me olhavam sorrindo. Lé no alto estavam o reporter, 0 senhor Le- lio © outro reporter. Cumprimentei-os — Onde esto os filhos — perguntou o reporter Foram no bar tomar eafé com os mocos do baledo. 0 senhor Lelio olhava-me com o seu olhar atraen- te. Disse para eu chamar os filhos. Obedeci. Eneon- trei-os galgando a eseada. Andamos depressa, voltei rapidamente e fiquei perto do reporter O senhor Lelio deu-ne o contrato para eu ler: Li que ia receber 40.000 eruzeiros concernente- aos. meus direitos autorais pelo meu livro “Quarto de Des. pejo”. Fico pensando o que sera “Quarto de Despejo”, umas coisas que eu escrevia ha tanto tempo para desa- fogar as miserias que enlacava-me igual 0 cip6 quando enlaga nas érvores, unindo todas © senhor Lelio indicou-me uma eadeira. Sen- tei. Os filhos, 0 reporter e 0 senhor Lelio fiearam ao meu redor. O fotografo baten a chapa quando eu assi- 29 Canouaa Manta oe Jesus nava ¢ quando eu recebia o dinheiro que jé estava pre- parado. O serhor Lelio pedin para o tesoureiro e disse para en conter. Contava 0 dinheiro com nervosismo extremo. (...) 0 Jo%o ficou emocionado, olhando as notas de mil cruzeiros. Queria contar 0 dinheiro ¢ nao sabia. . © senhor Lelio disse-me que eu devia retirar uma parte do dinheiro ¢ guardar a outra para dar de entrada numa easinha. Para depositar num baneo. 0 reporter meneionou um baneo. Despedi do senhor Le- lio e zarpamos pelo elevador. Despedi de D. Adelia fomos para o banco. Chegamos no banco na rua 15 de Novembro, 63. Galgamos as escadas. Varias pessoas olhava-me espantadas. O reporter foi falar com um senhor, que queria abrir uma conta. Explicou que a conta pertence-me. Ble olhon-me. E abrin os olhos de- masiadamente, demonstrando descontentamento. Den- me vontade de dar-the uns tapas no resto. Fizemos a ficha ¢ eu assinei. Fomos para a caixa, Quando o caixa len 0 meu nome, pronunciow: — Carolina Maria de Jesus! ‘De tanto ouvir pronuneiar 0 meu nome, ja enjoci dele. Entrognei-lhe o dinheiro. Saimos do banco. 16 de julho ... Estava preparando-me para fa- zer arroz com lentilha quando a Vera disse — Mamée, olha 0 Audilio ¢ o Paulo! Ouvi a voz do reporter e perpassei o olhar pelo barracio. Sai para o quintal e eumprimentei 0 repor- ter e 0 eseritor Paulo Dantas. Ble disse-me que o livro sai dia 16 de agosto. Que susto que en levei! Eu sei que vou angariar inimigos, porque ninguém esté habi- tuado-com-este tipo de literatura. Soja o que Deus quiser. Bu eserevi a realidade porque eu pensava que © reporter nio ia publicar. O reporter fotografou-me @ disse-me que estava esperando o senhor Cyr Del Nero; que vai fazer 0s desenlios do livro. 30 CASA Du ALYENARIA 21 de julho ... A Vera brineava com as meninas eeu fui deitar-mé. Lia um livro de poesias. A Vera disse: — Mamie, olha 0 reporter! Levantei, abri a janela ¢ vi um fotografo © uma senhora muito bonita. O reporter nio eitou o seu nome. Ela 6 reporter de Porto Alegre. Dos “Diarios Asso- ciados”. Bla fotografou-me, entrevistou-me. Disse que vai enviar-me o jornal que sair a minha reportagem no Rio Grande do Sul. (...) Eu mostrei os sambas que estou compondo e queria gravé-los. Mas 0 repor- ter disse-me que escritor nfo pode cantar. Que as pro- fissées sio divididas — cantor ¢ cantor, escritor é es- critor. Eu queria ir para a radio. 10 de agosto... Tomei o bonde, pensando: os bondes podiam ter asas. Quando cheguei na Redagao © reporter néo estava. O Baiano disse-me para eu entrar e sentar. Comecei a falar que o reporter podia deixar eu ganhar dinheiro no radio. — 0 reporter é boas pedras. Vocé deve obede- eé-lo. Disse que éle faz bem em niio deixar ew ir para 0 radio, Eu sei que os jornalistas defendem outros jor- nalistas. Peguei um papei e eserevi um bilhete para o reporter. Ble abriu a porta e cumprimentou-me. Es- tendeu-me a mio. Abri a minha mio e toquei na mio dele sem aperté-la. — F assim us cumprimentos, agora? Entreguei-Ihe o bilhete para éle ler. —B assim agorat Bem, vamos entrar e con- versar. ‘Acompanhei-the. Quando o reporter chegou os outros jornalistas mudaram a fisionomia. Pensei: che- gou o imperador. Sentei vis-a-vis com o reporter. Ble foi o primeiro a falar. (...) O reporter disse-me que eu sou orgulhosa. — Que orgulho que eu posso ter? Eu procuro 56 © quo é humilde para fazer. Fui emprogada domestica, aL Canorawa Manta oe Jesus catava papel, moro na favela. Voed no vai querer mais humildade do que isso. - — Voeé deve orgulhar-se do que voed faz Pereebi que éle queria agradar-me — que eu es- erevo muito bem. No Banco um homem conversou comigo e pergantou-me quando é que sai o meu livro O livro vai sair dia 19, sexta-feira ; © reporter convidou-me para irmos na Livraria Franeiseo Alvas para eu ver as ilustragées do livro (...) O senhor Lelio estava sentado na sua escriva- ninha. Sorrin quando nos viu, O reporter mostrou- me as ilustragies. O que gostei foi da nota de 1 eru- zeiro, eu e os trés filhos. Eo pacote de ratos, quando a mulher foi pedir esmolas. . Comecei a preparar o almégo, as panelas ferviam, quando chegou um senhor da Li- vraria e disse-me que o reporter vinha trazer 0 meu esti pronto? — Si. Fiquei anciosa para vé-lo e pedindo a Deus para que © reporter chegasse. Queria ver 0 aspecto do livro. Mandei 0 Joao ageitar o quintal. Nao tinha cadeira para 0 homem sentar-se. O caixote que eu estava reservando para as visitas sentar-se, os filhos deixarain no quintal ¢ roubaram. Fiquai envergonhada @ ‘pedi ao senor au seniasse na came pereezlad bre esti sempre faltando algo. (...). Hu, {uintal e fui eonversar com a visinha. Citeithe que © meu livro jé estava pronto. Fiquei alegre quando @ Vera bradow: — Olha 0 Audétio! . Bu jf estava dentro do barracdo. Entraram o pro- fessor Valter Joss Faé ¢ o ilustre eseritor Paulo Dan- tas. Depois dos cumprimentos 0 reporter perguntou- me so 0 livro vai sair ou nao, Sorri, 32 Case or Auvenania — Como vai de vida, Dona Carolinat — Vou indo bem. © reporter desembrulhon os livros e den-me um, Figuei alegre olhando 0 livro e disse: — 0 que en sempre invejei nos livros foi o nome ao autor. E lio meu nome na capa do livro. Carolina Maria de Jesus. Diario de wna favelada QUARTO DE DESPEJO Figuei emocionada. O reporter sorria: — Tudo bem, nao é, Carvlinat — Oh! sim. ‘Tudo bem. B preciso gostar de livros para sentir 0 que ou senti. O professor Faé disse — Hoje ¢ dia 13, dia de sorte. - Eu fui na lagda buscar as roupas, porque que- ria ler 0 meu livro. Os filhos abluiu-se e deitaram se, Figuei lendo o meu livro “Quarto de Despejo” até as 3.da manha. Quando terminei a leitura ou disse: — Deus ajude o reporter! Fiquei td emocionada que nao dormi 14 de agosto ... Fui lavar roupa, conversei com D. Nené. Disse-the que j saiu o meu livro. (...) Se- lecionei umas roupas ¢ fui passé-las na D. Nené. O ferro estava queimado. Mostrei o livro pra ela. Hla ficou alegre quando viu 0 seu nome no meu livro e que ela me dava comida. Fui passar as roupas no barra. edo da Dora. Ela emprestou-me o ferro eletrico. Mos. trei-the 0 meu livro. Ela nao gosta de ler. Olhou o livro sem interesse. ++. Fui de bonde para a cidade. Levava o meu livro. Entrava nos bares e mestrava 0 livro — Ja esté a vendat — Jé, na Livraria Francisco Alves. Cheguei na redagao cireulei pelo saguio dos “Dié- ios”. Estava frio, sa para rua e sentei na calcada. 33 cave de Alvenaria : Ganounsa. MARIA DE Jesus Um funcionario do “Diario” veio ver 0 que eu estava eserevendo. Mostrei-lhe 0 meu livro e 0 prefacio do reporter. Eu disse-lhe que reporter tem me favo- reeido muito e eu gosto muito déle. (...) Continue’ eserevendo. Assustei quando ouvi a vos do reporter: SNTAqui nao é lugar para eserever ~.. Dirigimos para o Teatro Cultura Artistica, para entrevisia na televisiio. Quando chegamos no tea- {ro encontramos 0 compositor Heitor dos Prazeres. O reporter apresentou-me. (...) Quando a Dona Bibi Ferreira chegou eu fui falar-Ihe. Que mulher maravi- Thosa. Atenciosa, culta e tem a suavidade das petalas de rosa. Continuamos as apresentagoes. O senhor Cyro Del Nero fazia as decoracdes para o programa. O ce- nério representava a favela. “Trembramos que eu devia levar 0s filbos no pro- grama da televisiio. Voltei para a favela. Tomei 0 ponde. Quando cheguei no ponto final, mostrei o men Livro para os conhecidos. O reporter deu-me o livro ontem ¢ a capa ja esta suja, porque os filhos pega-o todos instantes. 0 livro j4 esti com a cbr da favela. ‘Avisei os visinhos de alvenaria que ia aparecer na te- levisio com Dona Bibi Ferreira. ‘Quando chegamos no teatro eu estava confu- sa. Eu, 0 reporter © os meninos fomos para 0 paleo Quando iniciou o espetaculo eu estava nervosa. Con- fandi o nome da livravia. Pereebi que era 0 sono, de- vido eu ter passado a noite lendo 0 meu livro. Apre- ciel og comentarios de Dona Bibi Ferreira. Ela fieou com o men livro na mio até o fim do programa. 15 de agosto... Aqueci agua para tomar hanho. ‘Vou na Livraria levar um pouco de terra para por na vitrina. Estava chovendo, fomos de onibus ¢ quando chegamos ns livraria vi o meu retrato na porta. Estou desenhada em ponto grande. B a favela. O que esta escrito no quadro: Esta favelada, Carolina Maria de Jesus, escreveu um tivro — 34 (Casa DE ALvRNAntA QUARTO DE DESPEIO — cisco Alves oferece ao povo. ° ane Entrei © perguntei pelo sen! i fio vei vq amtrel¢ perznntsi polo senhor Lelio, Bo nfo veto als nto velo. Autografei trés livros que o senhor Th 7 senhor Thomaz pe- diume. (...) Chegaram os pintores. Eu disselhes gue 0 senlior Cyro Del Nero sabe pintar muito bem. © omem que ageltava 0 quadro, 0 pintor Trenio Main lisse-me que foi le que pinton e se estava bom. qechatt tito! En ent bem . jue espetaculo destumbrante! O povo e os carros ai jue era en que subia pai i a impress que subia para o eéa. Bu dizi sheng” ESPePO Me os senhores vem comprar o meu = OHI Ha senhorat — Sou ou. Quando nic tinha nada 0 que ¢ em ver do xingar eu escrovia. 1 0 reporter Exo livre, tilografou, fez as publicidades e apresentou 0 livro Para o editor, que 6 0 Dr. Lelio de Castro Andrade 08 carros ¢ os onibus paravam. Eos pedest Hoje esté chovendo e os pingos tpicavana Hoje eat he pingos da chuva salpieavam 0 ... Tomamos 0 bonde ¢ desci na Avenida Ti mam: lesci_na Avenida Tira- dentes « fai avisar ao senhor Rodolfo Sherauffor ‘que © mou livew j@ est improsse ¢ val ser posto a. v no dia 19, soxta-feira, ais 5 horas da tarde, In vou autografi-lo. Ble perguntou-me: = Yoo! estf presisando de dinheirot — Nao, senhor. O editor dou: i. ros. Tt dapostado no Banco, £91000 orwas- ri a bélsa © mostrei.as notas de 1.000 cruzei para o senhor Rodolfo. Despedi-e deset a Avenida Tiradentes convidando os conhocidos para it comprar © meu livro. Entrei nos bares amigos ond. copes pe, Bata tres vdeo tava 35 — — Canorixa Manta DE JESUS Joio Gomes, para convidé-lo. Ble nfo estava. Pui Chaves que o meu livro estava a venda na Livraria ‘Ble disse-me que vai comprar. O povo dizia que ew estava bem vestida, Diziam: — Quem te vin e quem te vé! Fui avisar a D. Mildrede para ir comprar 0 meu livro. Disse-me que néo vai porque o seu espéso que- rou a perna, mas o seu filho vai. Despedi da D. Mil- drede ¢ dos seus filhos, que sito muito bonitos ¢ sen- Satos. Fui avisar 0 Aldo que 4 saiu o meu livro. Vai ser posto a venda sexta-feira. A sua mie recebeu-me alegre. A casa estava, superlotada de visitas. Fui na cosinha ver a D. Iridé. Mostrei-lhe 0 livro ¢ eonvi- deia para ir na Livraria Francisco Alves. ‘Despedi e voltei para a favela. Passei a tarde eserevendo. Estou alegre. 16 de agosto Amanhecen chovendo. Vendo a chuva eair relembrei quando eu catava papel 0 dia Que chovia. Bra o meu dia de agruras. Eu ja conheco 0 lado amargo da vida. ‘Fiz café, os filhos comeram pio. Agora com ‘a fartura de comida os filhos esto enfastiados. Su- pernutridos. Sio mais barulhentos, mais dispostos. Tenho a impressio de que estou despertando de um sonho, sonho que foi assim: cadeia, fome, enchente, brigas. seus foi miscricordioso néio enviando doencas. Fai na cidade, levei a Vera ¢ 0 José Carlos para ver o quadro da Livraria Francisco Alves. A Vera achou © quadro bonito. Entrei na livraria para entregar uma estampa do Sagrado Coragéo de Jesus, para por na ‘Yitrina que representa a favela. A D. Adelia, que é caixa da livraria, estava Iondo 0 meu livro o disse-me: 2 SO. sau livro esti otimo. Eu ja estou no fim. Os teus filbos so endiabrados. . Sorri e olhei os meus filhos que j4 estavam rei- nando nos livres : Casa oe Ane 18 de agosto Telefonei para o report deu-me brineando: ” nd — D. Carolina Maria de Jes ra ja scariest sus, a senhora j4 tem __ Sori e disse-Ihe que ia comprar uns brincos. le disse-me que eu estava no “Diario da Noite”, segunda edi¢io. Fui na loja comprar um addrno. Faz tempo que eu no visito as lojas. Que surpresa para mim! Eneontrei as belezas de sempze. S6 que os precos. bem, nfo vamos comentar os precos. Comprei_um adérno para a Vera e um brineo para mim. Bu disse baleonista que no podia cemorar, por causa dos autografos. E que eu eserevi o “Quarto de Despejo”. — Ah! B a senhorat Mostrei-Ihe o meu retrato no “Diario da Noite”. Bla desejou-me felicidades. Despedi e fui descendo a Praga Patriarea. O jornaleiro que venden-me o jornal disse-me que 0 livro esta muito caro. Nos lugares que eu paro as pessoas afluem-se para observar-me como se en fosse do um mundo estranho. Quando cheguei na livraria galguei as eseadas de ferri re ne lvraria galgu ferro. Os reporteres 0 Dr. Lelio de Castro Andrade nos receben ama- velmente. Os reporteres entrevistou-mo. Tam chegan- do livros para ew autografi-les. O jornalista é 0 se- nhor Carlos de Freitas. Af vai a entrevista: Pergunta — Carolina, 9 que voo8 avis © edi se sente com a transformagio de sua vida? orct@tPaste — Tu estou alegro ¢ agradego a cola- boragio dos que auxiliou-me na divulgagao do livro. 1 0 meu ideal coneretizado. ° ao men P. — Que voc’ acha da campanha eleitoralt R. — Espero que o govérno cleito colabore com 0 For®, Porque os nosioe, polities 36 intorassa_ plo evo nas campanhas eleitorais. Depois divorciam- se dos humildes. na P.— Que vood acha do gevéino de Fidel Castiot 37 Canouwa Manis pe JESUS BR. — Adoro 0 Fidel Castro. fle faz bem defer gor Cuba, Gs paises tem que ser independentes- Cada hum deve mandar na sua casa. ore ME se a senhora fesse governador, 0 ane faint *t queria dar impulso na lavoura, aproveilay as terran, emstruir casas com todo conférto ¢ colocst ae re soe Bes trabalbavam nas lavouras ¢ teriam mais conforto moral ¢ fisico centettegados interrompiam para on sutografay livres, Que alogria interior! Bu antografando 0 Mine livros: (fava comovida. Fizeram tantas pergunves wer ou nig consesui guarditas no meu cerebre: a age Sussons que comprava o Livro @ favia questo de via pessor avam 0 liveo para eu antografar. Cs re- Rorteres despediram-se. Piguet autografaydo 0 re- Porter ehogou e pediu-me para aulografar (v7 PATS Ponte pce gaimos. Pomos na televisio Canal 5, no Grograma do Walter Avancini, para apresentar 0 "00 livro. |. Bu fui falar com o jornalista Dorian Jorge Freire, Entregueithe o meu livro. Ble disseme ave Pree dado uma nota para o men livro. Mostron-1e havin doce, ornal., Despedi, poraue estava pensande 6 eetihos, O Bduardo de Oliveira acompanhou-me até Rot ela. Mostrei-lhe os meus livros que ostio eseri- a favele. Moesiag déle. Agrada, le queixou-se. des fossta Smargos do sua vida. © poels Eduardo de Oliveira. despediu-se~ ira, dospdinos, preparei o jantar para éles ¢ fui eserever. 19 do agosto ‘Era 4 horas o eu 6 estava prope rande oaleego-e-carregando agua, porque eu preciso rand Pivraria, para autografar 9 mea Livro 1 Quarto it, Despejo”. ‘Tomei banho e rocomendei os filhos aus oe Pprfuasso, para ir cortar o cabelo ¢ voltar pare & eo ime au ia, voltar para levé-los na Livraria favelay duereiearée sat. Ful de onibus. Na Rua Libe- 38 Casa oe AnvENARIA ro Badaré comprei qui nn Hvvaria, ga estavaaberen ontred, sige ao osu dhs of aioaratar. 0 Senor Nolwon asumpaso tae tousme com gontiloz. 0 telefone tonon « eeneetana ol avisar-no quo era para mim. Tul atender cra 0 , era 0 reporter Gil Passarelli. Peri é reporter Gil Passarelli. Pergunton-me até que hora Sota Hi ‘ontinuet autografando. ( o entrovntrama. 0 "Andéig. chogoe e,conorsou mo senhor Gil Passarelli. Eu continuei autogra- a i. Bu continuei autogr Fano’ a as 2 Boras. Cegon umn flr ave quer falar oom o eseritor Paulo Dantas, que el é eooritora. E nostrava onsets eset eds que os ses a exiles gram alraentes. 0 eseritor Paulo Dantas ouvia com odio interior. Dava para pereeber, mas dle 6 elton tm a aor dead @ leat bia ald que o seu livro, com uma cape sugestiva pod gar sucesso, Hla pedia-me um livro: Podi lean- ___— Eu nio posso dar 0 livro, porque o livro nf 6 mou. Bn Feebo inn poreenlagaa dos tivros. seinen [Paulo Dantas deu-he um livro e ns saimos para almogar, O ropocer disse-me pare eu ir de carro. i. ‘Tomei um earro e pedi a0 m ats que avonate- Tomes cowersandoe Sm | Chegamos na favel i vend 9 teas a fava. 0 motorista ficou horro- Q awe é isso saul, D, Cavolinat — 10 quarto de despojo de Sio Paulo. = Credo! Como 6 que vests vivem aqui? — Nés 0s favelados som i viwam 2 108 08 objetos fora de us Vivemos com difienldndes para comer. ‘Temos 3 emo so estivessemos mua guerra. / — E vooés aqui sentem friot jp enim todas agruras da vida espedi do motorista, ei 180 eruzel correndoeentrei no barraco Ouvi as roses dos thos: — Olha a mamie! dos Hlhoss 39 Camarasa Mania ve Jesus SEneontrei agua quente. Ablui os filhos ¢ troquel- me. Almoeei e fechei o barraco ¢ saimos. A Vera que- mee de carro. Bu estava usando sapatos novos Perguntei as horas no emporio do senhor Valentin: — Trés horas, Tomamos © onibus. Descemos na Rua Libero Ba- daré. Hn ia ouvindo os comentarios do “Quarto de Shespeio”. Assim que entrei na livraria fiquei emocio= espe a alluencia ¢ j4 fui reeebendo livros. para Ritografar. © senbor Lelio 34 estava na livraria, 08 anvons om seus trages @ Figor cireulavam pela wera, ageitando as mesas para os coquetcis. Eu era wpa iYos olhares. O Dr. Lelio de Castro Andrade, © AN iiustre editor, conduziu-me mum lugar apropriado Para eu autografar. Nao fiquei nervosa quando vi allie pare “piqued alegre. Para uns as frases eram longas, fara outros era 6 cordialidades. Os meus filhos per parte a livraria. Bra tantos livros para eu autogra- far que eu nio vi as horas passar. Os reporleres es. Taras presentes, fotografando-me. A “Ultima Hora” fer bustar alguns favelados para fazer uma reporta- fan ina livraria. Os favelndos estaram abismados Gomgo-me, et, preta, tratada como se fosse uma impe- ratriz “Aw 16 horas chegou o Ministro Dr. Joio Batista Ramos. Ministro do Trabalho. Que homem bonito! Que vou!-0 senhor Ministro estava ancioso para sairy Sorque tina programa no radio. A Vera wos empur- Fava para olhar 0 rosto do Ministro e di — Que homem bonito! © Ministro sorrin. Repreendi a Vera, para nfo empurrar 0 Senhor Ministro mNQue senbor Ministro nada! Eu sou Joio Ba- tista ‘aserevi um autografo para o Ministro. Ble sain com difiealdade devido a afluencia de povo. Nao foi GOesivel tratar o Dr. Jofio Batista Ramos com mais Ventileza. Continuci autografando livros para a mul- 40 uate ve Casa be Auvesania tidio. (...) 0, Andilio despedi ) 0. Auda ediu-se © pedi Se, Ca), Ogaden @ panama wm adormecidos. PS cstavam Houve uns incidente: importa vial identes sem importincia. As auinze feehamos a Hvraria."0 Aldo ges movel até a favela. Pare! ro ponto do onde para comprar po & peixe para os Hilhos. motorista e japonés. ‘Ficon horrorizado quando viu a favela. = sumo com a fama que tem mora aguit Sorri achando graca do japonés. Deitamos vesti dos porque estavamos eansados. wv Mas on estava alegre non 2, 260880. Fin cote ft var so ou estava wis. Os jornais que havin publicad tagem era as “Polhas” ea “Ultima Hora. En ostava no retralo ao lado do’ Ministro'¢ a ‘Vera entre 6s sorrindo. © povo parava para fitarane como se eu forse de outro planeta, Paraca para reeher os eum imentos do men povo, que admirava ami 7 ont para citar as Yordadeo, utes * minha cova. 21 de agosto... Fui 2 +. Fui encontrar com 0 reporter. Fomos para a Radio 9 do Jullio. Eu ia see catrevis {ada no programa dos Fatudantes. Cumprimontet fa estudantes. Quando fui entzevistadn éles perguntar am para og onvinls quem ¢ que esoreven 0 livro de Des indo © programa pelo radio que quem escrevea. ae Denpeso”™ f m a “Quart jo” {oi carolina Mari do’ Jesus. 11 lalotonstan Rete decomos os estudantes © fomos para o'ponto do ‘ont. ‘ns, Tamos para a casa do Correia Taite, ® na Tetra. ds do, Vergueiro, Quando chegamos na residencia do Cornea Leite reiembrei os tempos ids." disse a0 ° que ja cia. Ble disse ao ri je eonheciasme da Bun Augusta. Mui bem recobida, ail? (EMME Meade so movimento cultural do nesro ein So 4 Canora Mania oe Jesus ‘com alegria de todos. Eu recebia uma homenagem dos com algun eto Ty reel a ey an prstos Ho Rio de Janeiro, Serviram um almdco com diseurso- {Bu sentei na eabeceira da mesa. A comida estava deli- ciosa. Dava impressio de estar sonhando. Chegon os reporteres do “Diario da Noite”. 0 “Delegado” © fe Gisearso. Disse que havia de sair dos lixos ¢ dos mon- turos quem ia libertar os homens de ebr Nao é preciso ser letrado para compreonder que © custo de vida esti nos oprimindo 23 de agosto Fui na livraria autografar Ji eros, Os filles veinavam, brineando no eacador Ad mirei a tolerencia do Dr. Lelio, que suportou os meus filhos sem protestos. Eos meus filhos sio de amar- gar. As 18 horas saimos da livraria. Eu estava an- ciosa para ckegar na favela. Mas estava com receio, devido aos favelados, que estio revoltados porque eu vou enriqueesr. (...) Quando eu voltava pra favela fieava apreensiva com reeoio de um atague, pordue les podiam pensar que eu estava com todo 9 dinheire que a revista “Visio” disse que vou receber, Mas eu nao vi favelado lendo a “Visio”, porisso eu fiquel (renal rua a Vera parava nas banens do jornals e dizia: — Olha 0 livro da senhora. sa com as p Bu autografava os livros e conversava com as pes: soas. Mas preeisava voltar para a cidade. Bu in ter ‘mesa redonda com os intelectuais na televisio. O pa- dre Comaru disse-me que vai tomar parte na mesa redonda. (...) Quando chegamos na televisio encon- tramos 0 edil Italo Fitipaldi. 0 Fernando Goes ebnon por ultimo. Nao cumprimentou-me. 0 senhor Mario Brasini citava o problema dos desajustados. O diretor do Servigo Social estava nervoso. Fiquei alegre quan- eiagiece ae Romine ae cor” CAB) 2 CASA om ALVENAnIA, do vi a figura simpatica do padre Comaru. Com a sua batina preta éle parece Sao Geraldo. Quando inicion o debate o escritor Fernando Goes foi o primeiro a falar. Disse que a verba de um fave- lado nao di para éle viver numa casa condigna. (...) Falou o vereador Italo Fitipaldi e um médico que disse que a favela é 0 nucleo das enfermidades. O Padre Comarn fez umas observacdes sobre 0 meu livro. Que ninguem dé ratos mortos como esmola. F que éle nun- ca foi favelado e nao conhece as vicicitudes. Bu ja pedi esmolas. Nao sei se foi para agradar que o di- retor do Servigo Social disse que a mulher da favela precisa ter um padrao de vida com mais conforto. Foi © unico termo claro que éle disse. Eu levantei e dei- The um beijo. O Audélio disse que o meu livro é retrato fiel do que vejo e eserevo no meu diario. Dei gracas a Deus quando o padre Comaru deba- teu © desereven 0 abandono dos poderes publicos, que nao reajustam os desafortunados, obrigando-os a es- tudar e aprender oficios. -.. O que eu sei dizer 6 que o meu livro esti pro- vocando confusio. O vereador Italo Fitipaldi disse que o meu livro é eomparado z “Cabana do Pai Tho- maz”, Era 23 horas quando terminou a mesa redonda. 28 de agosto... Eu estava preparando 0 eafé quando 0 senhor Giacomo De Camilles chegou. Velo buscar-me para eu ir na igreja do padre Joao Comaru, em Presidente Altino. (.:~) Quando chegamos em Presidente Altino 0 povo esteva nas ruas com seus trages domingueiros. Ia realizar 0 sorteio das casas que 0 padre Comarn constroi para os pobres. O padre Comaru apresentou-me para as pessoas presentes. Disse que en escrevi um livro — a degradagao dé uma favela. Convidou-me para sandar 0 povo. Subi no paleo e disse que admirava o obra meritoria do padre Comarn, construindo casas decentes para os pobres. 43 Canorasa MARIA DE JESUS Hstava livrando-os da favela, o ambiente que arruina a moral das eriangas: ; Tniciaram o sorteio para os socios que pagum ninhentos eruzciros por més para construir as casi- da Silva. (...) A ultima casa foi para o seuhor Ma- hol Freire dos Santos. O motorista que conduziu-me Gisse ao padre Comaru se era possivel arranjar_uma casinha para mim. O padre Comaru disse que ia viajar fe que nao era possivel no momento. O senhor Antonio Sociro Cabral ouviu e disse que tinha um quarto dis: ponivel na sua casa, Que eu podia ficar uns dias até Prranjar coisa melhor. E se eu queria ir ver. O senhor Mauricio Ferraz de Camargo nos levou no seu auto © 9 senhor Antonio mostrou-me 0 quarto, o tanque para lavar roupa ¢ a luz eletrica. — Serve, Carolina? | Se serve! Amanha ou mudo para ed. . Fiquei alegre. Recomendei aos filhos para nio reinar. O senhor Antonio apresentou-me a sua esp0- sa, que estava preparando o alméco. Ble disse-lhe que eu ia fiear uns dias na sua casa até arranjar colocacito- Fiquei reanimada. Enfim eu vou deixar a favela. Até (que enfim chegou 0 meu dia. 29 de agosto... Pui na cidade avisar 0 reporter que on ia deixar a favela. Desei do onibus ¢ fui, na Danca de jomais olliax as noticias. Assim que © jor- naleiro viu-me disse-me: — Olha 0 sen retrato no “Mundo Iustrado”. mprei uma revista e avisei o jornaleiro que ia sain ga povista "0 Cruzeiro” na tenga-feira. Quando cheguei na redagio o reporter néo estava. Esperei ‘quando éle chegou eu disse-the que éle devia ir comigo no Banco descontar um cheque, Avisei-lhe que arran- jei um quarto em Osasco. | Hoje é a ultima noite que eu vou dormir na favela. Avisci os filhos que vamos mudar amanhé “4 Casa om ALvESAnIA Ficaram alegres. Eu disse a D. Alice que vou deixar a favela. Percebi que cla ficou triste. Bu vou dar-lhe ‘© meu barracdo. Fui encaixotar os livros. Hstou con- tente. Até que enfim deixo esto recanto maldito. Nao vou incluir a saudade na minha bagagem. En contratei um caminhao para conduzir os meus cacarecos para Osasco. 30 de agosto Levantei as 6 horas, preparando as roupas e fazendo trouxas pera zarpar da favela. Fiz café e fui comprar pio. Pedi ao Chico para atender- ‘me logo, porque eu ia mudar. — Para ondet — Vou residir em Osaszo. Estava preparando os trastes quando chegou o senhor Paulino de Moura, dono da Livraria Boulevard. ‘Veio convidar-me para eu ir na sua livraria autografar 08 meus livros. (...) Ble trouxe uns livros para eu autografé-los. Eu estava autografando quando chegou © reporter Gil Passarelli, das “Folhas”, para fotogra- far-me porque eu von madar. O senhor Paulino auxi- Tiou-me, retirando as gavetas pela janela, para ser ada e fotografada. O Gil despediu-se porque a reportagem ia sair a tarde. Continuei autografando 0s livros, quando chegou o senhor Pompilio Tostes que veio filmar-me. Elo filmou o barracio por fora. De- pois foi filmar o interior, mas nfo tinba claridade. © Joao subim no ielhado’ para tetirar umas telhas, para penetrar claridade. .. Os jornais ja havia noticiado que eu ia mudar para Osaseo as 14 horas. Na favela os euriosos ji estavam presentes ¢ as crianeas rondando o barracio. ‘Nao vieram auxiliar-me. AD. Alice disse-me que o8 meninos haviam mechido nos meus livros. Xinguei-os. Respirei aliviada quando o motorista chegou. O senhor Milton Bitencourt. Ele ficou receioso quando viu os favelados aglomerados ao redor do barracio. Pedi que fosse carregando os cacarecos para o caminhio. 45 CAROLINA MARA DE JESUS: iam ara filmar a minha saida oe reporter ude entava. Ele subin no teliado Geain e feriu a perna. Foi para @ Central de Policia fazer curative. AD. Alice disse-me que os filhos da D. Juana estavam mechendo nos livros. Que ee ‘com a confusio eu estava contente. Bra a coneretizagio do um sonlio. 08 reporteres fotografa- Sam e filmavam. O Audilio chegou com 0 reporter José Hamilton. A D. Alico auxiliowme a earregar os tacarecos. Entreguei-the o barracdo e entramos caatinige, Bue os dois filhos, porque o Jogo nfo es- fava. O motorista estava agitado. A Meyri surgiu ¢ disse: . — Vo se no esquece dos pobress ‘A Leila surgiu andando com dificuldade. Veio para instigar os favelados. © moterista partia com 2 Tnaquina acelerada. Comecaram a atirar pedras. Leila agitou-se, pegou pedra e atirou dentro do cami- nbao, Bu olhava as pedras ¢ a direcio com receio de atingir os olhos da Vera e do José Carlos, que J4 esta. va ferido com as pedradas. Que confusio! Bu nio Sei de onde surgiu tantas pessoas para presenciar a minha partida. A Chica e a Nair xingavam-me ¢ di iam: — Voeé vai embora para nfo apanbar! Bu disse-Ihe: . — Histon aqui ha 12 anos ¢ voos munca espancou- me, Pode espancar. Bu vou residit em Osaseo. O meu enderego é Rua Antonio Aga 893. O Audilio o os ou- tros jornalistas estavam 10 meio dos favelados, Bu temia uma agressio. Despedi 86 da D. Alice © Thunice. O Audalio queria que eu despedisse dos fave lados pegando-Ihes nas mios, geste, que en reprovei "As visinhas de alvenaria olhavamme no. ca- minke acenando as mdos. Mas eu vou sentir saudade 30 da D. Isalina. Que purtuguesa boa! Ela dava co- mnida © roupas para os meus filhos. O caminhao parou 46 son cymes soap pane CASA De ALYENARIA em frente do emporio do senhor Eduardo. 0 Joao en- trou dentro do eaminhao e disse-me que veio no carro do Canal 9. Xinguei-Ihe ¢ repreendi-the: — Voeé niio devia subir no tolado. Vooé nio obedece. Vocé devia ter quebrado uma perna para aprender a obedecer. Dois jornalistas subiram no eaminhfo para filmar a minha chegada na easa de Osaseo. Eu queria esperar ‘0 Andilio. Pensei que éle ia noutra direcéo. © moto- rista sezuia. Eu ia contemplando a Rua Araguaia, a rua que eu pereorria para eatar papel. A rua do fri- gorifico que nos dava carne. Passamos na Rua Pedro Vicente e seguimos para a Ustacio da Imz. O moto- rista, senhor Milton Bitencourt parou no seu ponto ¢ disse para os seus colegas que ia aparecer na televi- sio. Um jornalista desceu para telefonar. Um senhor que nos olhava. pergunton: — Isso 6 despejo? — Nao. Nao 6 despejo, eu eston saindo do quarto de despejo. Sorri achando graca na coincidencia. Eu néio es- tava triste. O jornalista que foi telefonar voltou, en- trou no caminhéo e zarpamos. Eu estava com sono ¢ ia pensando na delicia que ia gozar de poder deitar ¢ dormir sem ruidos, sem a voz ebria do Adalberto Conversava com os jornalistas, contava as ocorrencias da favela. Eu olhava os meus filhos sujos e com 0s rostos feridos pelas pedradas dos favelados. Bra pre- ciso sair da favela -++ Quando chegamos em Osasco eu paguei ao senhor Milton Bitencourt. 2.000 eruzeiros. Foi o di- nheiro mais sagrado para mim, porque pagava 0 seu trabalho de ter retirado-me da favela. A televisdo 4 estava aguardando. Os fotografos fotografou-me per- to dos meus cacarecos que achei no lixo. Eu olhava ‘os eacarecos e pensei nos 15 anos que vivi no lixo. Fi- quei triste porque o Audilio nao estava presente. Fensei: ser que Sle néo queria que eu mudasse da favelat.. a7 scamgaron Canora Mama pe Jesus Varias pessoas havia dito que o Andélio trans- formou-me em rato para os gatos. Mas o rato corre mais do que o gato. E eu corri para Osasco. Os visi- uhos do senhor Cabral afluiu-se perguntando: — 0 que seonteceut Espantados com o povaren da imprensa. — Fa Carolina que est mudando para Osasco. — Agqnela que escreve? Ah, i4 sei. Chegou o reporter José Hamilton e 0 senbor Gil Passarelli. Perguntei pelo Audalio — Ble nao pode vir, Ble nfo quiz vir. Pensei: éle é enigmatico e gosta, de ser bajulado. Mas eu 6 que nio von bajuléto. Os fotografos fotografou-me ao lado do senhor Antonio Soeiro Cabral entregando-me a chave. Fle empres- tou-me uma cama. Cada gosto do senhor Antonio Sociro Cabral ia revelando o seu grau cultural, soli- dariedade de gestos que eu desconhiecia no nucleo que eu acabava de deixar. Fui recolhendo os cacarecos, Os reporteres partiram. En estava cansada. Ageitei as camas e dei banho nos filhos, que ficaram admira- dos da agua sair quente do chuveiro. Sorriam debaixo do chuveiro. Comeram mortadela com pao e deitaram. Estavam exausios. Deitamos ¢ dormimos. Que sono gostoso. A Ins letrica iluminando 0 quarto. O Joao sorria porque agora vai poder ler a vontade. Despertei a noite fiquei pensunde na minha vida, que parece uma tra- gedia. A gente nasce no decorrer da existencia a vida vai ficando atribulada. Agora eu estou na sala de visita. O lugar que eu ambicionava viver. Vamos ver como é que vai ser a minha vida aqui na sala de visita. 81 de agosto Passci o dia em Osasco. Lavei as roupas que estavam sujas. O senhor Antonio Soeiro Cabral pediu comida no restaurante para mim. Quan- ta amabilidade! Quanta comida! 48 CASA De ALvENAns Von preparar as roupas, porque amanha eu vou 2 Santos autografar livros ‘na Livraria Recanto do Livro. O senhor Antonio Sociro Cabral eomprou os Jornais que citava que eu havia mudado da favela com pedradas. Gesto que eu jé esperava: eonfeti de fave- lado 6 pedra Fiquei admirada do Audélio nfo aparecer om Osasco. Serd que éle queria cue ou fieasse na favela? 1 de setembro Levantei as 5 horas, preparando os filhos para irmos a Santos. Hstava chovendo. Fo- mos de trem, porque os filhos diziam que queriam an. dar de trem! — Que tal é andar de trem? Nao responderam. tromy DY B80 disse que um dia voeds iam andar de Quando chegamos na estacéo tomamos um taxi até a Livraria Franciseo Alves. 0 senhor Thomaz Parri- Iho 6 gue vai levar-me em Santos. Fomos até o ponto do onibus. O povo esté perguntando porque é que os favelados atirou-me pedras - ‘Todos os olhares estavam fixos no meu rosto © senhor Thomaz Parrilho eomprou as passagens ¢ partimos. O onibus ia superlotado. Os filhos ia admi- rando as ruas de Séo Paulo e alvenarias de Iuxo. Cada qual mais bonita que a outra. No Ipiranga éles viram © Museu eo Monumento ¢ a casa de D. Pedro I. Acha- ram a casa simples ¢ feia. Fomos caniando no onibus. Quando chegamos em Santos estava_chovendo ‘Tomamos um carro e dirigimos para o Recanto do Livro. O senhor Osvaldo de Oliveira nos recebeu com cordialidades e dirigimos para a Camara Municipal Pui Tecebida ‘pelos vereadores. Fiquei encantada com © Inxo da Camara de Santos. Fui apresentada ao vico- prefeito, que recebeu-me com cordialidads. ‘Tomamos café, 0 f I. Canotawa Mania DE JESUS . Fomos no Reeanto do Livro autografar 0 men livro. As 8 horas da tarde divigimos para a Associ gao Mbano Atletico Clube. Fui bem reeebida pelos di- retores. Todos de cor. : Saimos do Ebano, fomos para o Recanto do Livro. Autografei o resto dos livros e saimos para procurar um onibus, Néo encontramos, Alugamos um automo- vel que nos conduzin até Osaseo. A Vera adormecen dentro do automovel. 2 de setembro Levantei as 7 horas. Trocamos ¢ dirigimos para Séo Paulo de trem. Os filhos que vi- viam insistindo para andar de trem, nao apreciaram. Pensei: tem pessoas que ambicionam algo e quando consae noe era chegamos em Sio Paulo fui a livraria au- tomar Que suplicio, Suportar os filhos. Almoca- mos no restaurante. Autografei varios livros até as 5 horas da tarde. Despedi ¢ voltamos para Osasco. Feseos dias eu tenho andado demais. Que confusdes na mina vide. Os retratos nos jornnis todos os dias, © povo felicitz-me pede-me para eu continuar esere das dos bares. Vou cosinhar para éles. setembro De manbi_o Senhor Antonio Socito Cabral conversou comigo. Blo estd horvorizado porque 0 Audilio no retiron-me da favela - — B que o Andilio é sosinho para eserever ¢ no 10 para arranjar uma casa para mim. Pre- ee a ‘arava © perguntava se eu sou a autora do “Quarto te Despejo”. Blogia_o livro. Fico contente porque ‘ainda nao vi eritiea desabonadora. Eu passava pelas ruas ¢ 0 povo ia dizendo: — Olha a escritora. _. |... Dirigimos para a redagio do “O Cruzeiro”. © Audatio disse-me que eu ia ser entrevistada pelo Casa om AuvENARIA reporter do Laife. O Senhor George Torok dew varios gibis para os mens filhos. Bles fiearam conten tes e dirigia uns olhares meigos ao Senhor George Torok. Despedimos e voltamos para Osaseo, Volta. mos de trem. Com esta vida atribulada que eu levo estou can- sada, mas os mens esforgos sio compensados porque ‘© meu livro 6 0 mais vendido ... Fui ver o reporter, ele disse-me que eu vou rece. ber 0 dinheiro da primeira edigio dia 5. Da para dizer? £... dia 5! 4 de setembro Hu nio ven sair. Conversei com © Senhor Antonio Soeiro Cabral sobre a condicao de vida que eu estou levando. Ble disse-ne que acompa- nha-me amanhé até a Livraria, Bu estou cansada. Passei o dia lavando as roupas. Hstou apreciando Osasco por causa da tranquilidade ¢ o ar puro. Dé a impressio que eu sai do inferno e estou no eeu. Os visinhos olham-me e sorri. As eriangas sio em numero menor porque nao vivem nas ruas. 5 de setembro Levantei as 6 horas, preparei café para os filhos comprei pio, preparei o almogo diri- gimos para a cidade. Estou alegre. Quero organizar a minha vida. Dirigimos para a Livraria, eu fiquel na portaria aguardando a chegada do Senhor Antonio *Soviro Cabral. Ao meio dia elo chegou. Apresentel- the para os funcionarios da livraria e disse-lhes: —B este homem que deu-me um quarto’ @mi Osaseo. Galgamos no elevador até o tereeiro andar. Apre- sentei-the para o Dr. Lelio de Castro Andrade. ‘Tle perguntou ao Dr. Lelio por que é que éle nio retirou- me da favela antes de editar o livro. (2) dh autora fetore-se & reviota norteamerieans “Life™, owso nome svorSiducdod ES BS - 51. Canons Mania pe Jesus © Sonhor Antonio Sociro Cabral continnou dizen- ao que eu devo depositar o dinheiro num Banco ¢ ser fa dona do meu dinheiro. Que ele aavia escolhido o Banco I... 0 Audio ado Qtava, Eu havia telefonado para éle que 0 Pr Tlie id esiava na livraria. O Dr. Lelio resolset Pe. Kar sem a presenga do Audatio. 0 Senhor ‘Antonio Se se edhe que no tinha pretengoes de_interfi- oo tow meus negocios. Reconhiecia que en nfo posse rirse ro mvestou. Que éle nao aprovava o deseaso do “Audalio nfio comparecendo em Osaseo Eu pedi para cle Jevar o dinheiro, que eu tone meds ae andar com somas elevadas. Ile telefonon Mena o set amigo vir até a livraria para nos aeomTye pie @ Ser testemunha que éle havia depositads o 1 myer o. Citou os lugares que 34 trabalhou. O Audio vaca. Apresentel 0 Senor Antonio Soeiro Cabral: srs aMeolne que dinheiro devia ser depositado no Tianco T... 0 Audalio niio se opos. Quande eu seguia pelas runs o povo reconhesia- mo. No'Baneo fai apresentada, para o irméo. do Se- mie. MMatonio, Socio Cabral. Ble contou o dinheire- nhor. “AnOO anil eruzeiros para gastar. Recebi um talso He Groque emocionada, porque ew nio pretendia, ga. oe scnralto dinheiro assim. © Joao olhava o dinheiro ¢ miei. A Vera demonstrava alegria ¢ dizia: = Agora eu tenho dinhelro para comprar st patos. ‘© geronte den o talo comprovante ¢ um de _ S.A. — Serie B. Ne 864.081 @ ~~ 864.090. Nota: estes cheqties s6 poderam ser usados pelos proprios correntisias”. Depositel 176.000 cruzeiros «ite, pmorance paramere en 52 CASA pr Auvinanes © Dr. Lelio dewme a endo do’ mew livro “Quarto de Despefo™ yattecica eddigio — 10.000 exemplares a 24 eruzeirog:® 10.000 24,00 40000 200 000 240.000,00 Bis 0 total que recebi i recebi do meu livro. A fav me aes Cum fim maraviioss ‘aimos do banco fomos até i Simos d até a redagio dos Diari © Adio ig conversando com o Snhor “Antone Bork < ~ Eu queria ouvir o que éles diziam, ma: sisavaolhar ov flbee que fictvam atraze a PP ‘a redagio encontrei ek i 0 reporter David St. Clai nei nia i, Oa Ble interrogou.me. Perguniome onde nase oe: hor Antonio Soeiro Cabral ficou na sala par ir ve a impressio que estva na presnga de win ju ‘ombinam« i “smamh 10s que eu devo ir na favela amanhi para tle fotografarsme. Deoped’. Sai como Seuhor Antonio Soei Antonio Soeiro Cabral. Ble pagon-o automovel até one Tomamos 0 bonde. Quando che- ee, encontrei o reporter David St. Clair. Perguntet-the por que é que fle ¢ St. Clair, que aste nome é frances. fle disse-me que ¢ inglez. ‘Tomamos Gelogacia pasa pedir ag delogado dota soldadon pana nos acompanhar até a ‘aval Cd adh ee off. AyQ4 vetoes A tmportaeta , ccutvatente «10 % do preco 58 Canouixa Manta 0B JESUS © delogado foi gentil e nos deu dois policiais: Vers extava alegre porque estava usando vestide not Hie'tel procurar Dona Alice a primeira mulher tt Bia foi primertei. Pui ver o meu barracio. Dona Gu comPraanehou 0 quartinho onde meus filles ¢or- Alice desman fotografo George ‘Torok fotografor mianGuando e noticia cirenlou que eu estava na favela, me Oeiados afluiram-se. O Audilio disse-me para &° 08 Favtectnada para a Leila. Voi cla que instigen 0s favelados a apedrejar-me. ‘0 Audalio e 0 St. Clair foram ver a Leila. Os favetndos acompanhavam. A. Leila reeebeu-os mal © joaquin alhava-me espantado. O Adalbert varins O Sond andar ocilante por deficiencia alimentar. om o sen ier nos condtzin para a eburrascaia ua Avenida Duque de Caxias. Os pratos foram vari na Arnie Carlos molkava 0 pao no guaran, Co- dos: 0 “eela comida granfina, eu pensava nos faye mendo fanchygaci_ a conelasdo que quem est na Sie lados ta nao sofre, @ £0 sofre, o sofrimento ¢ suave Fe Tateenii os filhos para, comporiar-se ue mest vee repreatava alegre, porque 6 vaidosa. Olbave 2 A vere tr guas toalhias nivias e sorria. O Tose estava Tlegre porque o panorama tragico da moss vida desa- Baroeed, Ele agora sabe que pode almocar © jantar todos 0s dias. va estava confusa com os modos poralta dos fi- thos. O St. Clair disse-me: ox rianeas so iguais em qualquer parte do mundo. °” aq ia voltar em Osasco para deixar os filhos, porque in voltar na cidade para ir na Faculdade de Para 0 reporter David St. Clair acompanbow-ms, (fle achou que eu estou distante da cidade, Fie (ca horrorisado quando viu o quartinho que ou estou cet dindo, Voltamos no mesino automovel. O reper. Tee David St. Clair disse-me que vai levar-me nos ter oe ides depois que eu publicar outro livre 54 (Casa DE ALVENARIA Quando chezamos na cidade & i ndo ches: le éle despedin-se dizendo ecard acest steta que fle quer um eapote pare o iaverno. fle vai nos Fetados Unidos no natal: 1 iy no natal, tem neve. oval ver a aua mae. Diaso quo 46 faz quatro an ai ve mie. Disse que 3 faz quatro anos aye io a sua mo, la € mutta Boa. Blo soxein na minha frente o fot distancando-se'&/mesclow-se com Fui para 0 “Cruzeiro” fi wzeiro” falar com or e exiasa enero. An? hay aiinon are Pe euldnde do Dieito. Bneoateamos 9 eseritor Paulo eae Quando shegames na Faculdade, os estudan- es estavam nos esperando. Fizeram alas a en- tran al intros no sto de hone. Que belerat tengo Sener, Valdir presidente da Academia do, Le- s da Faculdade apresentou-me ao publico e disse que eu in roeebor 0 diploma de mombro honoririo da Acadomia da Faculdade do Direito., Que aque dipto- ma eslava reservado ao esertor Joan Paul Sartre, Mos, devo o eetitr frances ter mulins compro som, no Tho fo possivl comparocor © fos rosolveram — A Franca tem Sarre, nés temos a Carolina! pon lltand,aquela juventude fiquel com a6. dees sei om t6das as ealamidades que ha na terra. © cnsto,da vida 60 flagcl da atualidade. DB outro fla zalo & a guerra porque disina a Juventude, A guerre ° 1a face da. terns que resolver os seus problemas spolado al pass, spans ans autordades esiavam presents © andi. {6rio uperlotado, O Audits for apresontaio. ( ) Os estudantes perguntaram os fatos da favela. Bu ia nerpendande. Bian Tio gum on fevaled Tbe pare r-se,Perguntaran: porque € que eu, preta, estava recebendo um diploma an scndemin’ Foi vaiado. Citaram-lie que éles ali néo admiti proconceito de cdr. Perguniaram em quem You votar. — Eu ainda nao decidi oe Canora MARIA Dm JESUS nim foi senhor Valdir encerrou a festa. Para mim fo 0 sennrigucl pensando na confusion da minha wane undo tenho diploma de Grupo Bascolar tenho Ge Nendemin da Faculdade de Diseto, Avs aenccrt: scademyturos defensores da Tei, 0 meu 7 wad dg que o nosso de atualidade. Vivemos intran- mejoe com os perigos da epoca. Vou deseri gos: : 3 devido 0 custo de vida o pobre nio. pode residiy nama habitagao condigna. ‘Tem que residir favelas.. ee icin. ninguem. a guerra, A guerra niio beneficia, ninguem- Disia os paises, empobrece 0 mundo e eeifa milhoes Dining recioeas. “As cidades so bombardeadas © de sfae destroem. tudo. Depois da guerra tudo fom sae her reconstruido porque as nagoe are emociona- Quando despedi dos ostudantes estava emocions- da, Done Brasilia. Pagani deu-me wm pacote. Ela esiava contente naquele nucleo cult. [Bu pensava: estan cctre este povo calto reina a paz ¢ a harmo; or Ie rue. as pescoas do lado de cé siio nia Sent ateytyeuldacd estava superiotada. Os est: pervors@S\aharam pelas Tuas uns boletins quo dizia: “Bata Faculdade, que ja libertow os eseravos, pre- cisa libertar os faveiados.” 9 de setembro A Vera diz: — Agora nés somos ricos porque temos o que comer até encher # barriga i af risada. Vendo-a sorrir eu fieo contente © penso em Deus. fle esereveu outra pesa pare, 60 Fopresenti-la no paleo da vida. Aquela pea de morse Te favela e ouvir aquela cangao que 0 custo comps: “Hu estou com fome spans Casa pe Anvewanta Liguei 0 radio para ouvir a hora certa, porque hoje eu vou na livraria do Mestre Jou antozrafar 0 men livro. Fui de onibus. Fico horrorizada vendo 0 saerifieio dos operarios para tomar conducio de ma- nha, para ir trabalhar. Uns vio de pé, outros vo sen tados. Quando éles chegam ao trabalho jé esto exaus- tos. (...) A vida de um operirio 6 “dura. Com D maiusculo, Quando cheguei o Mestre Jon j4 esperava-me. E disse-me que eu ia para a livraria da Rua Augusta. Quando cheguei na livraria vi uma vitrine com o meu livro e uma faixa que anundava a minha presenca. Antografoi até as 22 horas. 10 de setembro ... Hoje en vou antografar na livraria da Rua Augusta, a convite da irma do senhor Giacomo de Camillis. Quande cheguei na livraria era 8 ¢ meia. Comecei autografar o meu livro. Ao meio- dia eu despedia, chegow um jovem e pediu-me para eu antografar-Ihe 0 livro. Deu-me o seu nome: Edu- ardo Suplicy Matarazzo. E convidou-me para eu ir almogar na sua casa. Accitei o convite. Fle foi tele- fonar a sua irma Marina Supliey Matarazzo, para vir busear-me de automovel, porque éle estava de lambre- ta. A dona da livraria’ofereceu-me dinheiro, en nao aceitei. O que eu notei de espatacular foi uma senhora que trabalha na livraria. Ela fala sete idiomas e canta e toca piano. 1 do Egito. Disse-me que decende dos farads. Que vivia na opulencia. Desereveu-me seus castelos ¢ os seus criados. Ea sua queda financeira, que a politica derrotou-a. Que éles eram refugiados € permaneceram em varios paises ¢ ela aprenden os idiomas. Chega um inglez, ea fala inglez, chega um russo, atende em russo. 1 vinva e foi emprogar-se para Viver. Ela é inconformada com a existencia. Pediu-me para arranjar-lhe um emprego na televisio. E deu-me o seu cartao, 0 automovel chegou. Despedi e dirigi para a mansio da Avenida Paulista. Eu ia conversando com 37. Canorawa MARIA DE JESUS i is ia relatando jovem Marina Suplicy Matarazzo, que ia relatand 2 Melissimas qualidades de sua mic que tem 11 fi- Thos. Que € muilo sensata e que é boa para 0 seu pai, Namira o seu pai, que tem coragem de eriar 11 filhos om todo 0 conforto. Que o seu pal é umn evoke ‘ando cheguei na belissima residéncia do senhor Paulo Sepliey fiquei abismada vendo aqueles quadros. Mas que quadres! Pui apresentada a senhora Filene- i A jora eos outros ha Supliey Matarazzo, vi a sun nora © o8 outros filhos Tue foram chezando. (...) Hstava presente 9 sonho Coriolano de Araujo Goes. Quando pronunciaram 0 Sou nome na mesa, figuel surpreendida ¢ pergun- tei-th ; ; Eintiio 6 0 senhor que foi comissario no Rio de Fanciro? : ti firmou. Falamos de sua lnta ¢ éle es horredizado com 0 custo de vida para os pobres. ‘ilomena foi ‘A refeigéo estava otima. A D. Filomena ‘mostrar-me a easa ¢ os eriados. Pretos @ branes. winheira é preta eo senhor Paulo Suplicy disse-me Gee gosta inuito dela porque ela esté sempre alegre © € de confianca. sean tar jedi de D. Filomena, porque precisava fat com's meporter. © senhor Eduardo ‘Supliey prontifi- i ’Evarime.na Livraria Franciseo Alves. Quan: cone a ever Tifvraria estavn fechada, porque hoje 6 Gabado. Mostrei minha vitrina para a senhorite 1s tina, que ficou horrorizada, porque ela ignora os mas’ dos pobres. 17 de setembro Nao tenho tempo para eserevor oma, dtinio dovido os couvites que venho reeebend Ge varias cidades do interior para autografar livros Convite que atendo com todo 0 prazer, porque vou ¢o- Suhecer algumas cidades do Brasil. Eu estou cansada- Nao tenho tempo para ler. O reporter disse-me qu este entusiasmo do povo passa. 58. SeenON — scope CASA De ALYENARIA Fai autozrafar livros em Mogi das Cruzes (...) senhor Antonio Soeiro Cabral nio reclama a nossa permanencia na sua casa. Dia 17 de setembro fui com © reporter em Bauru. Dia 21 de agosto eu mudei para a Rua Antonio Agu, 908 € comprei moveis de quarto, cosinha e sala. (...) O quinial estava superlotado do lixo. O dono da casa, senhor Victor, ficou admirado de ver en trabalhar com tanto afan. Recebi a visita do jornalista Renato da “Gazeta”. Ble disse-me que eu no devo aceitar as imposigées do editor para au- tografar livros, Que en nao son obrigada a compare- cer. Ble deixou um bilhete para eu ir procuré-lo na rua Bardo de Ttapetininga. A casa estava em desordem. Procurei uma em- pregada para auxiliar-me. O José Carlos arranjou uma senhora branea, D. Helena. (...) Quando eu fui em Sorocaba ela nao tomou conta dos meus filhos. A Vera ficou com uma senhora, paguei-lhe 200 eruzei- ros. Fui a Sorocaba com o academico Paulo Breda Filho. Que homem agradavel! Fomos de carro. Fle guiava. ‘En ia olhando as paisagens deslumbrantes © as plantagdes de uva, nas imediacoes de Sio Roque. ‘Tom varios restaurantes na estrada. Contei 45 igre jas © capelas na beira da estrada. B que os habitan- tes de sitio no tem distracio a nao ser a religiio. Por isso 6 quo os habitantes dos sitios so humildes. Na rodovia os restaurantes ammmeiam frango assado. O Dr. Breda Filho Jevou-me num restaurante para ou almocar. A dona do restaurante olhava-me. Para dis- sipar a sua duvida eu disse-lhe que ela ja havia visto- me na televisio. Fla recordou e disse: — Carolina Maria de Jesus, a senhora quo esere- ven um livro! © senhor Paulo Breda Filho ia citando que a maior regio vinicola de Sio Paulo era Sao Roque Ble comia o frango desinteressado © eu comia com gula e com avidez, Ble oferecen-me vinho, recusei porque en niio anero amizads com bebidas aleooticas. 5 Canouisa Manta 96 Jesus Quando ckegamos era 3 horas. Pui para a livra- ria Gutierrez. Fui reeebida com aplausos ¢ fui anto- grafar os livros. Dei entrevista na Radio. Fomos no Centro Académico Rubino de Oliveira, que estava su- perlotado. Fui aplaudida. Q Dr. Paulo Breda Filho Apresentou-me a assistencia. Eu estava alegre porque nao estava com fome. (...) Depois do debate fui es- crever no livre de visitas. Encontrei a assinatura de D. Pedro IL. Os debates foi animado. Falamos do problema dos favelados. Um senhor ofereceu 10 lotes de terra para ser distribuido aos favelados. Fui dormir na Escola Monteiro Lobato. 86 para meninos. Uns sio orfaos, ontros silo abandonados pelos pais. Fico pensando na agao infame da mulher que abandona o filho. A Dona Avelina Gareia é a ze- ladora do Orfanato. De manhi en fui ver as eriancas. Admirei_a refei¢ao matinal para as criancas: leite puro e pio com manteiga. (...) A Dona Avelina mostrou-me interior do Orfanato. Tem 15 alqueires de terra que cla cultiva. Planta arroz ¢ feijéo. Pediu-me para ar- yanjar-lhe um trator. Prometi arranjar. Fiquei pen- sando no valor do homem do passado, que contava com os seus proprios bragos. O homem do passado & que se alimentava com o suor do seu rosto. Os atuais fem as maquinas. As colheitas sfio mais face Jé que as colheitas sio mais faceis, entio nio ha razio para clevar-se os precos dos génerosalimen- ticios Fui na lavanderia. Duas mulheres lavavam as roupas das criangas. Hi ferviam num tacho. Olhei as duas mulheres. Davam a impressiio de ser dois es queletos trabalbando. Cumprimentei-as, elas niio deu- me atencio. A Dona Adelina disse-lhes que eu sou eseritora. Blas ouviam, dizendo: — Hum! Hum! Hum! 60 CASA bE ALvENARA Abria bolsa ¢ dei-thes uma codula de 1.000 erue zeiros. E disse-lhes: — ¥ para voots. Bla pararam bruscamente, olharam a nota de mil eruzeiros. Depois olharam.me. E sorriam. Pensei: Ah, dinheiro... invencao diaboliea que eseravi homem e liberta 0 homem. ° ‘Tenho que voltar a So Paulo para ir no Baile da Primavera no Saldo de Festas Fazano. (...) Fo- mos de onibus porque nao tinha antomoveis. Os mo- toristas estavam em greve. Quando cheguei no salio fiquei abismada como Iuxo do elevador do Clube Fazano. & maior do quo 0 meu ex-barraefo. A eseada & forrada com veludo, as mesas silo adornadas com flores. A espdsa do senhor George Torok estava ale- gre. Contei trés senhoras braneas, Todos olhavam a minha mesa. O reporter chegon tarde. O senhor Silva Netto, reporter da “Manchote”, estava alegre e aten- cioso. Fiquei contente quando 0 reporter chezon. Ini- ciaram a coroacio da Raina. Em coroci a Rainha, a senhorita Ester Brasil. Eo senhor Silva Netto coroou a princesa. A senhora Aparccida de Campos saudon a Rainha. Bu era o alvo dos olhares por causa do men livro. 0 sono dissipou-re. Fiquei conhecendo 0 diretor do Fidalgo Clube. . Bu cotive om Bauru com 0 reporter. Pui hom recebida pelos vereadores ¢ 0 ilustre poeta Nidoval Reis. Que homem amavel. Almogamos no Clube de Campo. Que clube magnifico! Um fotografo acompa- nhava-nos. Fomos na Camara Municipal e na Tele- isa ) Bu estava conturbada por causa da via- gem de avido. 'Tinba impressio que estava no espaco. Quando fui jantar estava sem fome, mas guardei uns pedagos de frango para comer se tivesse fome -. Passei a manha de domingo na residencia do pocta Nidoval Reis. Sua ilustre espdsa preparou um a Canotisa Mansa ve Jesus alméco para nés. Mas que alméco! (...) Ao meio-dia fomos para o campo de aviacio. O poeta Nidoval nos acompanhou ¢ nos fotografon ao lado de uma prima- Vera em flor. Eu olhava as fldres vermelhas, a minha cér predileta, A minha vista percorria aquelas terras, Que imensidade de terras hé no mou Brasil. Nao é necestario existir favela neste pais, nem o custo de vida tAo elevado Fomos sentar no alpendre enquanto aguardav: mos 0 aviio. Conversei com as pessoas presentes ¢ recitei uns versos. Fiquei assustada quando ouvi 0 ruido do aviao. O men coragio foi murchando igual uma bexiga quando vai expelindo o ar. Despedimos do poeta Nidoval Reis ¢ penetramos no avido. Ble oscilava. E eu xingava no pensamento, Gizia comigo: eu mio vou eserever mais! eu vou voltar para a lavoura! Pensava nas pessoas que morreram os avides. O Dom José Gaspar de Afonseca e Silva, © Dr. Casper Libero, o jornalista Benjamin Soares Cabello ¢ outros. Carole Lombard. O reporter ia en- corajando-me. A volta foi pior porque havia nevoa ‘seca. Que alivio, quando eu li—“Aperte o cinto”. En- fim chegamos em So Paulo. Fui tomar o onibus para ir a Osasco. Os fi- Thos queixou-se que 0 visinho dos fundos espancou-os porque éles pularam 0 muro. 1 que o visinho é impli- éante. Bles nio atinge o muro do visinho. O hemem singou os mexs filhos. Disse-Thes que nds somos va gabundos que estamos habituados a comer coisa do lixo. ‘Nao preocupei com as confusdes. _ Eu estive em Bauru dia 24 de setembro. Fim Siio ‘José dos Campos, dia 17. Autografei livros, vi- site colegios, fui saudada pela fanfarra. Os mous filhos apreciaram. Visite um colegio de meninas ¢ recite. Quem aeompanhou-me foi o Dr. Alvaro Gon- calves. Que preto distinto! Co) ovgnene Casa DE ALVENARIA Eu encontrei o jornalista Mauricio Loureiro Ga- ma, Ble convidou-me para eu ir no seu programa Edigéo Extra, na Televisio, ‘© “Time” de 26 de setembro publicon uma repor- tagem para mim na pagina 20. Quem fez a reporta- gem foi o reporter David St. Clair. (...) Eu recebi convite para ir na Associagio Cultural do Negro, no predio Martinelli, no dia da Mae Preta. Ganhei um jogo de chi. Os Componentes do Teatro Experimental @o Negro cantaram um samba para mim Eu estou residindo na Rus Antonio Agu, 908. A casa 6 nos fundos. Dois comodos ¢ cosinha Vou reiniciar 0 meu diario, dia a dia, porque aquela agitacio est diminuindo. 16 de outubro Levante as 5 horas. Acondi o fogio a gis e fiz o café. Os filhos estio eomendo pouco. Biles trocaram roupas. Hoje les vio no cine- ma. A Dona Rosa, uma professora que é dona do Saldo Grenat, veio visitar-me. Ela esereveu um do- cumentario de sua aluna e deu-me para eu ler. E muito bonito. Esti escrito hi 10 anos -.. Eu fui na feira ver se comprava camisas para os filhos. Nao encontrei camisas do meu gésto Comprei adorno para a Vera porque vamos no Rio amanhé. Comprei jornal para ver a classificagao do meu livro. Esti no primeiro lugar. 17 de outubro... Chegou um senhor que veio pedir-me para eu eserever uns versos para éle gravar uns discos, que esta desempregado. Que assim como eu venci na ‘vida éIe’ também hi de vencer. © compo- sitor. Dei uns versos para éle cantar. Cantou. Ble néio conhece ritmo. Pereebi que ée 6 um tipo que quer servicos leves. les esqueee que homem, para vencer, tem que enfrentar..qualquer especie de tra- balho. 19 de outubro... Alguns critieos dizem que sou pernostica quando eserevo — os filhos abluiram-se — 63 eemrcemmen Ganonawa Mania om Jesus Sora que preconceito existe até na literatura? O negro nio tem direito de pronunciar o classico? 21 de outubro Levantei de manha e escrevi até o astro-rei despontar. Fiz eafé e comprei leite para os fillos. fles abluiram-se. (...) Estava ageitando a ‘casa quando ehegou o preto Roberto. Ble esta desem- pregado. Dei 1.000 eruzeiros para o preto Roberto, porque le queria snicidar-se. Que baixeza! Um ho- mem forte no fisico ¢ fraco nas resoluedes, 24 de outubro... As 11 horas chegou o Rubens. Disse-me que conseguin 170.000 eruzeiros emprestado com 0 seu tio © quer quo en Ihe empreste 180.000 eruzeiros, que @le quer comprar um caminhao. O ca- minhio custa 350.000 eruzeiros. Eu nunea pedi di- nheiro emprestado para ninguem. Pedia pio para os meus filhos e sobra de comida. - Bu disse que estou juntando dinheiro para comprar uma casa ou um sitio, porque as coisas vai piorar e eu quero ter terras para plantar. Ble disse- me que arranjou um emprego num escritorio e precisa de 3.500 eruzciros para dar de fianca. 0 Joie disse- me para eu nfo dar-Ihe dinheiro 26 de outubro... 0 reporter convidow-me para irmos no Banco. O numero do meu deposito em conta corrente é 36.427, Depositei 150.000 eruzeiros. Con- versamos com os bancarios. Bles congratularam-se comigo. Despedimos dos bancarios e fomos para a re- dagio. Eu estava conversando com o reporter. Fala- mos do pai da Vera. Ble vai dar-me uma caneta. Quero duas. Uma para o reporter. — Agora éle quer dar caneta? A porta abriu e o David St. Clair e outro senhor entraram-se — Oh! — oxclamei contente. H dei um abrago no David St. Clair. 6 «csomianaumenene oe Cash DE ALvENanta Propuz ao David St. Clair para irmos na Livraria. Bu ia eserever um artigo. Despedi do re- porter e saf com o David St. Clair. As pessoas que abordava-me eu parava e spresentava o David St. Clair @ dizia: — Ele é 0 reporter do “Time”. Ble sorria. Apresentei-o na livraria da Praca Ra- mos. Paramos para comprar a “‘Tribana da Impren- estava esgotada. Chegamos na livraria eu apresentei-o: — Este 6 0 reporter do “Time”. Saimos da livraria. Despedimos e éle dis- se-me: — No Rio vocé vai jantar comigo. 27 de outubro... Fomos na Televisio Canal 2 ver a Dona Suzana Rodrigues que convidou-me para tomar parte no seu programa. Sentamos na sala de espera. Conversoi com as ilustres sonhoras que esta vam presentes. Falamos da transformacao da minha vida. As mulheres dizia: pomi7 Yee deve adorar o reporter. Que homem — Ble faz tudo de grace para a senhoraT — Faz. O que ganho nom més éle ganha em 6 méses. Tem dia que o reporter diz que o seu orde- nado & pouco e eu digo: sinto nao poder dizer-te o As mulheres sorriam. A Dona Suzana Rodrigues disse-Ihes que eu tenho mais dinheiro do que ela. Mos- trei-the os recibos dos bancos. Hla disse-me para ou ter cuidado. — Nao tem perigo. - Disse-lhe que quando recebo 100.000 eruzeiros, recebo 200 mil de aborrecimentos. Eston angariando amigos ¢ inimigos, porque nao posso satisfazer certos Pedidos impossiveis — Hf os que querem casas, hi Carona Mania pe Jesus ‘os que querem caminhées. Pereebo que todos desejam algo, mas eu nfo posto solucionar. Eu tenho que tutar pelos mens filkos. 28 de outubro Levantei as 7 horas porque deitei tarde. Preparei a refeigio matinal. Pao, eafé com leite eaveia. Como 5 bom ter o que comer. Hu compro ver Guras, ovos ¢ frutas A minha pele esta renovando, estou engordardo. ‘Pedi ao Jodo para varrer a casa © o quintal. Nao quiz. Ble esti nervoso porque eu disse-lhe que vou casar com o David St. Clair. —"A senhora casando com 9 David St. Clair o dinhoiro dos livros é dele. A lei di direito ao homem fe eu queria © quero ser o herdeiro dos direitos dos livros. Fiquei horrorizada O meu fitho esti ao par do Codigo Civil melhor do que eu. 29 de outubro... O Josio quando fica zangado comigo procede assim. Se peo para fazer um servico, diz que nao gosta de mim. En pergunto porque é que dle me trata assim. 1 que eu bringuei com éle que vou easar com o David St. Clair ¢ ée nao quer. E deu-me ordem para nio falar em easamento, que sou velha muito feia Reeebi a visita de uma senhora por nome Arlete Disse-me que 6 amiga da Dona Rosa — mas que amiga... Falon que a Dona Rosa é rica, mas é muito Sogura. (...) A mulher prossoguiu dizendo que foi asada e separou-se do seu esposo. Safa para traba- Thar e deixava suas filhas com a empregada. Ela é de Recife. E oi li de avido e gosta de viajar de avidio. Bu disse-lhe que vou no Rio de Janeiro. Vou de oni- bus. Eu gosto por causa das paisagens. (...) Dei gracas a Deus-quando-a mulher despediu-se. Bu ainda nio habituei com este povo da sala de visita —uma sala que estou procurando um lugar para sentar. 66 CASA DE Auveania 30 de outubro Levantei as 5 horas, 7 ‘5 5 horas, preparando- nox somcuunine, Levant 5 bore broprmnd. no Alto do Ipiranga. Pui preparando 0 almégo e tro” cando as criancas. " A Dona Rosa eo Juvensl vai ver a festa. Bu vou com todo 0 prazer porque é festa do jornal. O Juvenal foi o primeiro a chegar. Depois chegou a Dona Rosa Um senhor e um menino veio visitar-me. Eu conver- sei com éles no onibus. fle disse-me que admira o meu livro. (...) Quando deseemos do onibus levei o Ju- venal na livraria para éle ver a minha vitrina com os meus cademnos sujos © vélhos. Ble goston do meu quadro. - Quando chegamos no Museu nio vimos sinal de fesia.” Perguntei a um gnarda onde era a festa. © guarda respondeu: a FeaNe, Memamento. -scemos para 0 Monumento. Os filhos queriam ver a casa do D. Pedro I. A Vera pergunto pastels era pergunton a0 — Seu guarda, 0 D. Pedro esta? © guarda sorriu e disse: — Ble esta viajando. Bla conren na minha dirseio dizendo: _ .— Mamie, 0 guarda disse que o D. Pedro esta viajando see De Paseo ests Entramos na casa de D. Pedro, os filhos fiearam admirados do primitivismo. A eandeia a oleo, as ma- las de couro, as camas, os arreios, as selas. ‘Objetos gue Zepresenta uma epoca distante. Naquele tempo o rasil era pobre, porque o rosso ouro ia para Por- tugal. Hoje 0 Brasil ¢ pobre porque as verbas do Pais nfo vai para 0 Tesouro, Vai para os bolsos dos maus politicos que duplicam dia a dia igual = las do cén. ” ~~ Saimos da casa de D. Pedro, dirigi : iro, dirigimos para o Monumento. Vimos a tendinha da “Uitima Hora”. Os jornalistas comecaram aproximar-se para nos cumpri- er Canouina MARIA DE JESUS mentar. Os artistas foram chegando ¢ ficaram entre a pove, porque a D. D. P. — Divisio de Diversses SAiticas queria impedir os festejos. O animador da fonta foi falar com o diretor da Divisao de Divers6es Pablicas, deixando 0 povo a espera. Nés que estava- thos ali eramos amigos da “Ultima Hora”, Se éles fos- fom presos, 0 povo acompanhava-os. Pereebi que “Ultima Hora” 6 querida do povo e patrocinando estes ‘espetaculos ao pove vai angariando mais amigos. Belo igesto da “Ultima Hora”, porque o custo de vida im- pede 0 povo de frequentar teatros. ‘Fiquei horrorizada vendo a Dona Lei intervir-se numa festa inofensiva. ‘Quando o espiquer apresentou-me no paleo eu disse quo 6 meu somho é ver 0 custo de vida ao aleance, de fodos. ‘Temos que Iutar unidos para subjugar este flagelo. (Os artistas foram para o palco depois que 0 dire- tor da Diversdes Publicas deu permisstio. fle resolveu seder por causa da multidio. (...) A Ruth de Souza Sfosone que quer filmar o meu livro. Eu dissethe quem quem soluciona tudo que refere-se comigo ¢ © reporter. — Vou procuré-lo Sat e voltei com o reporter. Ble citou que esté preparando os “seripts” ¢ dé preferoncia a ela. Ela sero rgen endereco para o reporter. Hla ficou alegre e agradeceu. 0 conjunto do Teatro Experimental, do Ne- gro cantow 0 samba “Quarto de Despejo”. 1. de novembro 0 Toso tratou dos dentes Quando acaba de comer vai olhar no espelho para ver seo oro saiu. Ble pensa que é importante, 1 a inge- nuidade, Eu tenho dé das eriancas. corel. EB) 68 Casa DE Anveania Vou -cosinhar feijio, Os filhos na sem feijao. O feijao para éles é vr fo de Gala A Vera quando vé comida, canta. Prato de Gala A 2 de novembro Levante as 3 horas para exer ver. Tex um poueo, poraue ao tenho tempo durante o, dia. Porque os meus filhos ream mito. 0 ose wag wade, 208 precisa comportar-se melhor para nfo deizar a! mame nervosa. Hla fom uin coragto e 9. goragio 60 reogio do corpo human ase relogo e parar um dia. fmm relogio que nfo tem corda ssi o dia euidando das ronpas dos filhos,por- gue, n6s vamos a0 fo de Jautiro no dia 7. Tau nto sabia que hoje 6 feriado, mas omen visinho deuwme & honra de vender-me leite, pio 6 acuear - ria porta da frente e vi o bom povo de percorrendo’ as russ eondusiato flores" som sons enon amados que deizou este mundo para sempre: Do sito ae @ ai... dia chegaré em que havemos de —Viva os mortos! fe novembre... De manhi rece a visita do senhor Joio José Fech — economista, Velo propor. po s0 quoro aer socin uma fabrica quo dle vat abrir. uma fabrica de armagio para guarda-chuva. Eu nao tenho dinzo para invesineaon. A nies elt que eu quero & comprar uma easinha. Hu sei nego- ae que Senhor Jefe disseame ane é‘casado com judi. wa raga jadaion ¢unida © qe flee aastinme. Sto tidos porjue seguem os preceitos de ; Aconselboncas para ser unidoe. * S* MOVE ae 6de novembro ... A Dona Rosa veio visi de ro... ‘osa veio visitar-me. Convidei-a para ir comigo a tolevisfio. (...) a ia ‘andar os filhos ao cinema, mas éles estéo reinando muito. Esquentei agua para ablui-los e preparei janta 69

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