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eeccee © 0®@@GE)| GESTAO DEMOCRATICA DA EDUCAGAO: EXIGENCIAS E DESAFIOS DEMOCRATIC MANAGEMENT OF EDUCATION: NEEDS AND CHALLENGES GESTION DEMOCRATICA DE LA EDUCACION: EXIGENCIAS Y DESAFIOS Carlos Roberto Jamil Cury Mestre em Filosofia da Educastio pela PUCISR Professor do Mestrado ern Educagdo da PUCIMG + Resumo Este artigo pretende evidenciar como as bases legais, hoje existentes, indicam o sentido mais profundo do principio da gestao democratica. Este principio pode receber seu sentido, por aproximacdes sucessivas, que vao da etimologia das palavras ao sentido da politica posto desde a concepcao grega de participacao, passando pela opgdo constitucional de uma Reptiblica Federativa por colaboragao. Estas trés aproxima- des apontam o sentido de uma gestao participada, colegiada e dialégica. Palavras-chave: Gestao e democracia. Gestéio, Democracia ¢ educagao, Gestao cemocrética na Escola. + Abstract ‘This article seeks to show how the legal foundations of this age represent the core principles of democratic management. The meaning of this principle can be obtained through successive approximations, from the etymology of words to the meaning of the policies, from the Greek conception of participation, passing by the constitutional option of a Federative Republic by collaboration. These approaches point to the meaning of a partaking, collegiate and dialogue-based management. Keywords: Management and democracy. Management. Democracy and education, Democratic management in schools. + Resumen Este articulo pretende demostrar como las bases legales existentes actualmente, indican el sentido mas profundo de la gestidn democratica. Este principio puede recibir su sentido por aproximaciones sucesivas que van desde la etimologia de las palabras al sentido de la politica colocado desde la concepeidn griega de participacién, hasta la opcién constitucional de una Repablica Federativa por colaboracién, Estas tres aproximaciones sefialan el sentido de una gestién participativa, colegiada y dialogada, Palabras-clave: Gestion y democracia, Gestion, Democracia y educacién, Gestién democratica en la escuela, Agestao democratica tem se torna- do um dos motivos mais freqiientes, na Area educacional, de debates, reflexdes € iniciativas piblicas a fim de dar se- qiiéncia a um principio posto constitu- cionalmente e reposto na lei de diretri- zes e bases da educacao nacional. A literatura sobre o assunto tem sido bastante prédiga, ainda que para tal seja necessdrio extrair o assunto de varios capitulos de livros e das milti- plas revistas da area de educagao. Veja- se, a propésito, a publicagao do Grupo de Trabalho Estado e Politica Educacio- nal da Associagao Nacional de Pés-Gra- duagao em Educagao (ANPEd), saida sob a forma de Anuario do ano 2000, a publicagao da Associagao Nacional de Politica e Administracao da Educacao (ANPAE), secdo Minas Gerais, sob 0 ti- tulo de Educagao, Politica, Direito e Justica Social: a construcaéo de uma gestao democratica, do ano 1999 ou ento 0 livro organizado por Marileide de Carvalho Costa e Ester Calland de Sousa Rosa: Escola Pablica e Gestao Democratica, Editora da UFPE: Recife, 2000, 0 livro organizado por Naura Syria Carapeto Ferreira e Marcia Angela Aguiar: Gestdo da Educacao: impasses, perspectivas e compromissos, Sao Pau- lo: Cortez, 2000, o livro organizado por Dalila Andrade de Oliveira: Gestao De- Carlos Roberto Jamil Cury mocratica da Educagao, Petrépolis: Vo- zes, 1997 ou entao o livro de Maria da Gléria Gohn: Conselhos Gestores e Par- ticipacdo Sociopolitica., $40 Paulo: Cortez, 2001, importante também é 0 li- vro de Erasto Fortes Mendonca A Re- gra e o Jogo: democracia e patrimo- nialismo na educacao brasileira Campinas: LaPPlanE/FEUNICAMP, 2000. Veja-se também o livro O Estado da Arte em Politica e Gestao da Educagao no Brasil: 1991 a 1997. Campinas: ANPAE/ Associados, 2002. Comumente o principio da gestao democratica tem sido mais referido 4 elei- cao de diretores ou diretoras em escolas piblicas, Tal dinamica, inclusive, faz par- te de varias Constituigées Estaduais e Leis Organicas Municipais. Entretanto, sem negar esta possibilidade, desde logo inscrita neste principio maior para uma fungdo ou mesmo um cargo na estrutura do magistério e, sem se desviar do prin- cipio federativo, cumpre refletir sobre as exigéncias e desafios trazidos por esta inserc4o constitucional inédita. Esta reflexo tem como objetivo, se possivel, iluminar esse campo de prati- ca educacional tornando-a conseqiien- te com 0 proprio conceito e nome. Por isso um pouco da etimologia da expres- 40 gestdo pode ser itil 4 propria refle- xo proposta. ORIGEM ETIMOLOGICA Gestao provém do verbo latino gero, gessi, gestum, gerere e significa: levar sobre si, carregar, chamar a si, executar, exercer, gerar. Trata-se de 164 algo que implica o sujeito. Isto pode ser visto em um dos substantivos deriva- do deste verbo. Trata-se de gestatio ou seja gestacao isto é 0 ato pelo qual se RBPAE v.18, 0.2, juLidez. Gestdo democratica da educacao: exigéncias e desafios traz em si e dentro de si algo novo, diferente: um novo ente. Ora, o ter- mo gestao tem sua raiz etimoldgica em ger que significa fazer brotar, ger- minar, fazer nascer. Da mesma raiz provém os termos genitora, genitor, germen. A gestao, neste sentido, 6, por analogia, uma geracao similar aquela pela qual a mulher se faz mae ao dar a luz a uma pessoa humana. Pode-se vislumbrar aqui a postura metodolégica da maiéutica socratica. A gestao implica um ou mais interlo- cutores com 0s quais se dialoga pela arte de interrogar e pela paciéncia em bus- car respostas que possam auxiliar no zoverno da educacao segundo a justi¢a. Nesta perspectiva, a gestao implica o di- 4logo como forma superior de encontro das pessoas e solucao dos conilitos. Também 0 substantivo gestus (em >ortugués: gesto) deriva deste verbo e significa um feito, uma execucao. Quan- do usado no plural latino isto é gesta sig- nifica feitos ilustres, notdveis, nobres e corajosos. Ou mais simplesmente: uma saga que se gesta em torno de um feito notavel e que o faz brotar. Certamente pode-se aplicar aqui a reflexao grams- ciana sobre a importancia de uma des- coberta, Para ele, por vezes, 6 mais no- lavel (e algumas vezes mais corajoso) difundir uma verdade ja conhecida, mas pouco socializada. do que descobrir uma realidade original A gestdo, dentro de tais parametros, 6a geragdo de um novo modo de admi- nistrar uma realidade e é, em si mesma, democratica j4 que se traduz pela co- municacao, pelo envolvimento coletivo € pelo didlogo. Esta raiz etimolégica ja contém em si uma dimensao bem diferente daque- la que nos é dada, de modo caricato, do gerente especialmente 0 de bancos como expresso de um comando frio, de uma ordem autoritéria ou de uma inici- ativa tecnocratica. Se esta nogao ja é rica de significa- dos, ela se torna mais significativa quan- do ela traduz um movimento histérico em que as pessoas exigem este novo modo de ser nas relacdes de poder en- tre governantes e governados MOVIMENTO HISTORICO A gestao democratica, enquanto -ematica hist6rica, nos move em direcao contraria aquela mais difundida em nos- sa trajet6ria politica onde os gestores se pautam ora por um movimento pater- nalista, ora por uma relacdo propriamen- ze autoritéria, Paternalismo e suas vari- ntes, autoritarismo e congéneres sao ormas de pensar e agir sobre o outro nao veconhecido como igual. RAPAE v.18, m2, jul.ldo. 2002 A polis ateniense ja indicava ser ela, em sua praca, 0 lugar da cidadania. Ali se poderia exercer a liberdade de ex- pressao, a igualdade de presenca ¢ a possibilidade de se tornar governante, sempre sob 0 signo cio dialogo ¢ da rotatividade. Nunca é demais citar a obra de Hannah Arendt (1991) em A Condicéo Humana cujo capitulo Il: “As esferas piblica e privada” nos da pistas 165 reflexivas sobre o lugar do publico na polis como sociedade democratica. A histéria da conquista do voto e sua universalizacdo sao a origem remo- ta da gestao democratica e seu conhe- cimento pode ser remetido a autores da ciéncia politica que estudaram tanto a liberal-democracia quanto a passagem desta para a social-democracia. O voto universal representa um avanco sobre © elitismo dos que se consideravam aci- ma dos outros e os impediam de uma cidadania ativa ou reagiam contra os que nao se conformavam com a limita- cao de direitos da cidadania. Aqui, vale a recomendacao do primeiro e magistral capitulo de Adam Przeworski (1989) em seu Capitalismo e Social-Democracia, além da leitura de classicos como Locke e sobretudo Rousseau. Ainda que se referindo a promessas nao cumpridas, Bobbio (1986), em o Fu- turo da Democracia, reporta-se a educa- ¢Go para a cidadania como sendo 0 dni- co modo de fazer com que um stidito transforme-se em cidaddo. No cidadao, a democracia brotaria do proprio exerci- cio da pratica democratica uma vez que os direitos fossem declarados e reconhe- cidos como préprios do cidadao ou seja como constituintes da cidadania ativa. Se a nogao da gestao democratica sob 0s direitos politicos é uma conquis- ta da modernidade, ela se torna mais plena de significado para o Brasil quan- do se tem a sua origem préxima em nossa hist6ria educacional. O golpe de 1964 trouxe consigo a in- terrupcao da gravidez de muitas promes- sas de democratizac¢ao social e politica 1665 _Carlos Roberto Jamil Cury em gesta¢ao, inclusive da educagao es- colar e popular no Brasil. O regime mi tar, por sua forma politica de se instalar ede ser, acabou por instaurar, dentro do campo educacional, em comandos (ges- 140?) autoritdrios de mandamentos legais os quais, por sua vez, se baseavam mais no direito da forca do que na forga do direito. Tal é 0 caso dos Atos Institu- cionais ou mesmo de intimeros decretos- leis. Esta forma “corrompida” de gestao se traduziu em aspectos internos a esco- la baseados no controle do “vigiar e pu- nir” ou nos comandos verticais separan- do forcadamente a concepgao da execucdo ou nas formas ditas “neutras” de conducao de relagdes de poder. Em certo sentido, a dimensao publica do ser- vico pablico que é a educagao escolar foi executada por razdes muito mais préxi- mas do privado e do secreto do que da transparéncia do piblico. O temor, a obe- diéncia e dever suplantaram o respeito, 0 didlogo € 0 direito. O movimento de contestacao ao regime militar e sua derrubada contou com aampla participagao da populagao na qual o professorado esteve sempre presente. A mobilizagao geral foi capaz de derrubar a ordem autoritaria e de criar um novo ordenamento juridico nacional em bases democriticas. Veja- se a este respeito o livro de Luiz Anto- nio Cunha: Educag¢do, Estado e Democra- cia no Brasil. A ordem juridica de carater demo- cratico se impds como um todo, af com- preendida a area educacional. Por isso, a ordem constitucional que nasceu em 1988 consagrou principios caros a demo- RBPAE v.18, 1.2, jul.idez. 2002 Gestao democratica da educacao: exigéncias e desafios cracia e A educagao democriatica. Ela é tanto um modo de se opor ao que até entdo vigia em termos de medo e de des- potismo, quanto uma maneira de se pro- por a gestacdo de uma nova maneira de se administrar a coisa pablica ou seja sob a forma da virtude como amor pela coisa pablica. Isto nao significa que a constru- ¢ao da ordem democratica tenha se es- tendido do campo juridico para o con- junto das praticas sociais e politicas. O autoritarismo no Brasil possui raizes mais fundas em nossa historia do que 0 periodo militar, expressao recente de uma caracteristica de nossas classes di- rigentes. As andlises de Marilena Chaut tém sido abundantes no trato do auto- ritarismo brasileiro. Veja-se a respeito 0 livro de Chaui: Brasil: mito fundador e sociedade autoritaria Também os escri- tos de Carlos Nelson Coutinho apontam os caminhos e “os efeitos da via prus- siana” na formagdo da sociedade brasi- leira. Entre outros de seus escritos, deve- se citar Cultura e Sociedade no Brasil: ensaios sobre idéias e formas Seja em contraposigdo a esta cultu- ra instalada tradicionalmente, seja em fungao da criacao e manutengao dos institutos proprios da democracia, na cem os principios éticos estabelecidos em nossa Constituicao de 1988. GESTAO DEMOCRATICA NA CONSTITUICAO FEDERAL, NA LEI DE DIRETRIZES E BASES E NO PLANO NACIONAL DE EDUCAGAO No seu art. 37, a Constituicio nos poe principios que devem reger a admi- nistracao publica. E eles sao a legalida- de, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiéncia. A legalidade se caracteriza pela ade- quacao a ordem juridica e democratica em suas regras ¢ formalidades. Os pro- cedimentos formais da legislacao com- petente sao também importantes para que uma presenga politica se legitime. A impessoalidade é um critério de universalidade da norma, geral e abstra- ta, pelo qual o poder piblico, na gene- ralidade das leis, se investe contra 0 ar- bitrario e se ausenta de atribuir algo a alguém cuja pessoa, enquanto indivi- duo, se situaria acima da lei. Para aten- der 0 cidadao existente em todas as pes- soas e para atender o principio de RBPAE v.18, 0.2, julidez. 2002 igualdade de todos ante a lei, 0 poder pUblico, em seu ordenamento juridico, tem que se distanciar da pessoalidade individual de cada qual. A impessoalidade é o momento que opoe © governo das leis ao governo dos ho- mens, j4 que é a lei que da autoridade a quem pode agir em nome dela. A moralidade implica nao $6 0 res- peito as regras do jogo e aos outros prin- cipios aqui enunciados, mas também 0 ataque frontal aos opostos destes prin- cipios. Em geral, tais opostos cidos e designados pelo termo cor- rupeao, seja ela processual, seja financeira. O acesso a qualquer funcao ou cargo, ou a qualquer forma de servi- co ptblico, que implique uma parcela de poder pressupde como destinatario 0 cidadao e nao o protegido. O acesso a 167 quaisquer destes servicos ou cargos por meio de esquemas de favor ou de prote- ¢4o, também conhecidos como nepo- tismo, representa uma infragdo a éti- ca propria dos espagos piblicos. Mas nao ha dtivida que, além deste aspecto, a situacdo social que se convencionou chamar de desordem estabelecida é uma afronta 4 moralidade ja que tal desor- dem postula contra a igualdade que con- duz a uma vida mais eqiitativa entre os cidadaos. Isto sem contar os inameros aspectos de corrup¢do continuamente denunciados ¢ mesmo comprovados. A publicidade é a qualidade do que é publico. Faz parte dessa qualidade ex- por a todos, ao publico, algo cuja natu- reza tem no cidadao sua fonte e referén- cia. Deste modo, é publica a exposicao de algo que pode ser diretamente assis- tida por qualquer um como, por exem- plo, a reuniao de um érgao colegiado, a defesa de uma tese académica ou a rea- lizagdo do casamento civil. Mas também é da natureza do pdblico o dar publici- dade ou o dar conhecimentos posterio- res de uma realidade, do contetdo de uma reuniao ou de uma decisao que in- teressa a todos. Ver e ser visto, conhe- cer e dar a conhecer, sao dimensées do. ser pablico que se opoe aos segredos das coisas secretas, enquanto dimensées proprias do privado e concernentes ao individuo na sua pessoalidade e na pro- priedade de si. A publicidade é uma for- ma democratica que permite ao cidadao controlar 0 governo na medida em que tem em maos um instrumento para discernir a liceidade ou nao dos atos go- vernamentais. 168 Carlos Roberto Jamil Cury A eficiéncia implica na efetivagao concreta de deveres ¢ na satisfacao dos cidadaos nos seus direitos, efetivados com padrao de qualidade que atendam as normas técnicas, sem duplicagao de meios para mesmos fins e uso de recur- sos contemporaneos de administragao e gestao. Ela deve buscar 0 grau maxi- mo de realizacgao dos objetivos de um setor. A eficiéncia exige tanto conheci- mentos especializados, complexos que postulam uma formagao propria, mas cujos conteddos nao $40 mistérios ou segredos intransponiveis quanto meios existentes para os efetivar. Estes principios, se e quando efeti- vados, colocam a transparéncia, o did- logo, a justica e a competéncia como transversais 4 cidadania democratica e republicana. Eles, se validos para todo qualquer servidor pablico, com mai- or razao, se aplicam aos que detém uma parcela de autoridade no ambito do ser- vico pablico. 0 desafio esta na constru- a0 de uma metodologia de trabalho que saiba ressalvar o exercicio da autorida- de que acompanha a pessoa funcional do gestor e a dimensao compartilhada da mesma, dando a cada qual seu devi- do tempo e sua devida proporcao. A gestao democratica também com- parece na Lei de Diretrizes e Bases da Educacao Nacional, lei n. 9.394/96 ao re- tomar 0 que ja previa a Constituigao e re- ferindo-se ao pacto federativo nos termos da autonomia dos entes federados. Tra- ta-se do art. 3°, Ville do art. 14 que diz: Os sistemas de ensino definirdo as normas da gestdo democratica do ensino piiblico RBPAE v.18, n.2, jul.idez. 2002 Gestdo democritica da educacao: exigéncias e desatios na educacado basica, de acordo com as peculiaridades e conforme os seguintes principios 1 — participagao dos profissionats da edu. cacao na elaboracdo do projeto pedagogi- co da escola; Il— participagao das comunidades escolar € local em consethos escolares ou equiva- lentes. Neste sentido a regra legal abre es- paco para a autonomia dos entes federados encaminharem a gestao de- mocritica para além do que esta defi- nido na Constituic¢ao e na LDB. Mas é preciso considerar como sendo perten- centes a gestao democratica os artigos 12, 13 e 15 que implicam um trabalho em equipe de toda a comunidade esco- lar. A LDB toma a gestao democratica também pelo Angulo de sua formacao. Os profissionais da educagao de- vem, antes de tudo, possuir formagéo docente e/ou formacao pedagégica de acordo com 0 art. 63 da LDB e experi. éncia docente conforme o art. 67 da mesma lei. E esse artigo no seu para- grafo nico nao admite 0 profissional da educagao para o ensino sem que ele tenha experiéncia como profissi- onal da educacao e do ensino, ou seja, como docente. Isto significa que o ser docente (licenciado no caso da Edu- cacao Basica) é condicao de possibi- lidade para a gestao em estabeleci- mentos escolares. O art. 64 que se refere aos profissi- onais da educacao também conhecidos como especialistas, quando presentes no quadro de carreira dos sistemas de en- sino, se pertencerem aos quadros das RBPAE w18, 1.2, jullde2, 2002 secretarias de educacao, so emprega- dos no servico pablico. Quando eles dao suporte pedag6gico direto para os que fazem da docéncia 0 exercicio do magis- tério, eles exercem outras funcées do magistério e por se lhes exigir a experi- éncia docente como pré-requisito para 0 exercicio profissional de quaisquer outras fungdes de magistério, eles fazem parte do magistério ou seja dos profis- sionais da educacao. O que o artigo 64 postula é que as fungdes da gestao, além da base comum nacional, devem ter um cardter profissional. Por isso, cabe as instituig6es formadoras relevante papel abelecimento de componentes curriculares te6rico-praticos capazes de suscitar nos futuros gestores a proble matica da gestao democratica. A gestéo democratica foi também alvo de atengao na lei n® 10.127, de 9 de janeiro de 2001, mais conhecida como Plano Nacional de Educagao (PNE) Num primeiro momento, trata-se da gestdo dos recursos, sua eficiéncia, trans- paréncia e modernidade nos meios. Num. segundo momento, o texto pe em tela algo que sera desenvolvido no préximo topico e versa sobre gestao financeira e pacto federativo. Neste sentido, 0 texto usa de um adjetivo, no minimo provocan- te, quando diz para que a gestao seja efi- ciente hé que se promover o auténtico federalismo em matéria educacional, a partir da divisdo de responsabilidades pre- vistas na Carta Magna... portanto, uma diretriz importante € 0 aprimoramento continuo do regime de colaboracao (grifo adicionado). Num terceiro momento é que se poe diretamente a gestao demo- cratica, recomendando Conselhos de Educagao revestidos de competéncia téc- nica e representatividade, conselhos es- colares e formas de escolha da direcao escolar que associem a garantia da com- peténcia ao compromisso com a proposta pedagégica emanada dos conselhos esco- lares ¢ a representatividade e lideranca dos gestores escolares. Em matéria de Objetivos e Metas, 0 PNE propoe, no capitulo préprio, nada menos que 25 metas da Gestao, englo- bando os 3 momentos supracitados. A meta 22 repoe para os sistemas as normas de gestao democratica do ensino Carlos Roberto Jamil Cury piiblico, com a participac¢do da comuni- dade. A meta 23 destaca a flexibilidade e a desburocratizacdo nas instituigdes es- colares, a de ntimero 34 estabelece a melhoria do desempenho no exercicio da fungdo ou cargo de diretores de escolas. E ade nimero 35 estabelece que em 5 anos, 50% dos diretores, pelo menos, possuam formagdo especifica em nivel superiorsen- do que no final da década todos tenham curso superior preferencialmente com cursos de especializacdo, para 0 que as instituigdes publicas de ensino superior ampliarao a oferta de cursos de formagao em administragdo escolar. A REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL Os prinefpios enunciados sao, ao mes- mo tempo, causa e efeito da nova nature- za da Repiblica Federativa Brasileira. Com efeito, a Constituigao Federal de 1988 reconhece o Brasil como uma Reptblica Federativa formada pela unido indissoliivel dos Estados e Munici- pio e do Distrito Federal... (art. 1" da Constituigdo). E ao se estruturar assim © faz sob 0 principio da cooperagao, de acordo com os artigos 1°, 18, 23 e 60, § 4, 1. Percebe-se, pois, que ao invés de um sistema hierdrquico ou dualista, comumente centralizado, a Constituic¢ao Federal montou um sistema de reparti- cdo de competéncias e atribuigoes legislativas entre os integrantes do sis- tema federativo, dentro de limites ex- pressos, reconhecendo a dignidade e a autonomia préprias dos mesmos. A Constituigdo faz uma escolha por um regime normativo e politico, 170 plural e descentralizado onde se cru- zam novos mecanismos de participa- ¢4o social com um modelo insti- tucional cooperativo que amplia o numero de sujeitos politicos capazes de tomar decisées. Por isso mesmo a cooperagao exige entendimento ma- tuo entre os entes federativos e a par- ticipacdo supde a abertura de no- vas arenas pitiblicas de deliberacao ¢ mesmo de decisao.' A insisténcia na cooperagao, a divisdo de atribuicoes, aassinalacdo de objetivos comuns com normas nacionais gerais indicam que, nesta Constitui¢ao, a acepcao de siste- ma se da como sistema federativo por colaboragao, tanto quanto de Estado Democratico de Direito. Esta abertura, contudo, no campo da interpretacao do texto legal, dada a complexidade da teia de relagdes que se estabelecem, é tam- bém fonte de incertezas. RBPAE v.18, n.2, julldez. 2002 Gestdo democratica da educacao: exigéncias e desatios E 6 campo educacional, junto com a derrubada do autoritarismo e com 0 processo em andamento de uma nova ordem constitucional propugnou a in- clusao do principio da gestao democra- tica na Constituicao. O art. 206, VI da Constituicao Fede- ral o formaliza como tal para as escolas oficiais. O mesmo é recolocado no art. 3», VIII da lei de diretrizes e bases da educagao nacional. E no art. 14 da mes- ma lei o principio é reposto e remetido a uma aplicagao mais concreta nas leis de todos os sistemas de ensino. Junta- mente com isto nao se pode esquecer que o conjunto da LDB pée como pré- prio da educacao a vinculagao entre te- oria e pratica. Logo, a gestao democr: tica s6 0 € mediante uma pratica que articule a participacao de todos, 0 de- sempenho administrativo-pedagogico e 0 compromisso sécio-politico. ste principio, ainda que abrangen- do tao 86 os sistemas de ensino propria- mente pUblicos, se justifica como tal, com maior razo, porque a educacao escolar é um direito préprio de um servico pt- blico por exceléncia. Mesmo que legal- mente nao atinja o setor privado, o caré- ter ético e axiol6gico da democracia paira sobre todas as instituicdes escolares Vale lembrar que as instituicd privadas sao autorizadas pelos pode- res ptblicos. Mesmo que oferecido por mAos institucionais privadas au- torizadas, a educacao enquanto mo- mento de transmissao de conhec mento e de formacao para a cidadania continua sendo um servico ptblico A educagao escolar deve ser, em qual- quer rede de ensino, um principio antiautoritario que postula a circula- ¢ao do pensamento divergente, reje! ta posturas dogmaticas e, por isso, torna legitima e legal participacao do corpo docente nos projetos pedagé gicos da instituigao escolar. Cabe a quem representa o intere: se de todos, sem representar 0 intere: se especifico de ninguém, dar a oportu- nidade de acesso, a todos, deste valor que desenvolve e potencializa a razo individual e o abre para as dimensdes cognitivas, sociais e politicas. O manda- to legal de quem administra um estabe- lecimento escolar piblico o torna um representante de posturas, atitudes ¢ valores centrados na democracia. Daf a educacao escolar se tornar publica como fungao do Estado e mais explicitamente como dever do Estado a fim de que cada individuo possa se autogovernar como ente dotado de li- berdade e ser capaz de participar como idadao consciente e critico de uma so- ciedade de pessoas livres ¢ iguais. O ESTADO DEMOCRATICO DE DIREITO Ha, ainda, uma outra ancora cons- titucional que, neste processo, da mai um fundamento para a gestao democra- tica. Trata-se da nogao de Estado De- ROPAE v.18, 1.2, julidez. 2002 mocratico de Direito tal como expres- so em nossa Constituigao no seu Pre- Ambulo e no seu art. 1° inclusive seu paragrafo tnico. Nossas Constituigées proclamadas anteriores se pautaram pela definic¢ao de nosso sistema de Estado como Estado de Direito. E o Estado de Direito é um Estado em que se tem a soberania da lei, a legitimidade do sistema represen- tativo baseado no voto popular e nas regras do jogo e a defesa dos direitos subjetivos contra o poder arbitrario. Importante salientar que 0 modelo Estado de Direito é politico-historico, um Estado controlado pelas regras do Direito, implan- tacao na politica moderna da maxima aristotélica de governo das leis e ndo go- verno dos homens, como conseqiiéncia natural, da igualdade na lei. (SOUZA, 2001, p21). O Estado Democratico de Direito é aquele que reconhece explicita ¢ con- cretamente a soberania da lei e do regi- me representativo ¢ por isso é um Esta- do de Direito. Ao mesmo tempo, reconhece e inclui o poder popular como fonte do poder e da legitimidade € 0 considera como componente dos processos decisérios mais amplos de deliberacao publica e de democratiza- cao do proprio Estado. Veja-se, por exemplo, 0 artigo 14 da Constituicao que, decorrente do art. 1°, reconhece o referendo, o plebiscito e a iniciativa po- pular como formas alternativas e com- plementares do processo democratico representativo como que a reforgar 0 principio democratico-rousseauniano da “vontade geral”. O Estado democratico de Direito é um Es- tado com constituicao limitadora do poder através do império do direito, mas, tam- 172 Carlos Roberto Jamil Cury bém, legitimacdo democrdtica do poder, poder baseado na soberania e vontade popular e, neste sentido, o Estado Demo- cratico de Direito ou de Direito Democra- tico assumiria dimensées vdrias: Juridicidade, democracia, sociabilidade, sustentabilidade ambien-tal, como membro da Comunidade Internacional observador dos limites das regras e dos principios in- ternacionais (principios como a autodeter- minacdo, direitos humanos, entre outros). (SOUZA, 2001, p. 42) A gestao democratica é um princi. pio do Estado nas politicas educacionais que espelha o proprio Estado Democra- tico de Direito e nele se espelha postu- lando a presenca dos cidadaos no pro- cesso € no produto de politicas dos governos. Os cidadaos querem mais do que serem executores de politicas, que- rem ser ouvidos e ter presenca em are- nas piblicas de elaboracao e nos momen- tos de tomada de decisao. Trata-se de democratizar a propria democracia. Tal 6 caso dos miiltiplos Conselhos hoje exis. tentes no Ambito de controle e fiscaliza- cdo de recursos obrigat6rios para a edu- cacao escolar, da merenda e de outros assuntos. Tal é 0 caso também dos or¢a- mentos participativos em diversos mu- nicipios do pais. £ neste sentido que a gestao democritica é um principio cons- tituinte dos Conselhos intra-escolares como os Colegiados, 0 Conselho da Es- cola, os Conselhos dos Professores e outras formas colegiadas de atuagao. Neste sentido, o Estado Democrati- co de Direito inclui, completa, amplia e ressignifica o Estado de Direito e se tor- na antidoto do Estado Autoritario. E ele também um Estado nao-conformistae RBPAE v.18, n.2, juLidez. 2002 Gestdo democrética da educaco: exigéncias e desatios agendo em vista do bem coletivo e de cada um, cle inclui a justiga social como um parametro de acao e neste sentido intervém na desigualdade e na exclusao, A GESTAO DEMOCRATICA A gestao democratica da educagao é, a0 mesmo tempo, transparéncia e impessoalidade, autonomia e participa- ¢Ao, lideranga e trabalho coletivo, representatividade e competéncia. Voltada para um processo de deci- sao baseado na participagao e na delibe- racao piblica, a gestao democratica ex- pressa um anseio de crescimentos dos individuos como cidadaos e do cresci- mento da sociedade enquanto socieda- de democratica. Por isso a gestao demo- cratica é a gestao de uma administracao concreta. Por que concreta? Porque o concreto (cum crescere, do latim € cres- cer com) é 0 nasce com e quecresce com o outro. Este carater genitor é 0 horizon- te de uma nova cidadania em nosso pais, em nossos sistemas de ensino e em nos- sas instituicdes escolares. Afirma-se, pois, a escola como espaco de constru- cao democratica, respeitado o carater especifico da instituicdo escolar como lugar de ensino/aprendizagem. O crescer-com significa, em primei- ro lugar, aquilo que Aristételes, na Politi- ca, fala do cidadao como sendo aquele que é capaz de exercer 0 poder. Mas este 6 aprende a exercer 0 poder se apren- deu a obedecer enquanto cidadao nao ocupante de um cargo de poder, O exer- cicio de uma lideranga implica alguém que deve se responsabilizar por atos de deliberagao e de decisao. Mas, no espiri da Constituigao e do movimento que RBPAE v.18, n.2, jul.dez. 2002 agerou, esta lideranca é colegiada e é de- mocratica, Trata-se pois da ponte entre 0 individuo e um colegiado, entre a to- mada de decisao e a participacao em cujas bases encontra-se o didlogo como método e como fundamento. Esta é a provocacao trazida pelos artigos 12 e 13 da LDB e a incitacao a um trabalho coletivo, articulado e dialogal. Neste sentido, a gestao democratica 6 uma gestao de autoridade compartilhada. Mas por implicar tanto unidades escolares como sistemas de ensino, a gestao vai além do estabelecimento e se coloca como um desafio de novas rela- codes (democraticas) de poder entre o Estado, o sistema educacional e os agen- tes deste sistema nos estabelecimentos de ensino. Nascem dai os desafios, nascem dai as perspectivas de uma democratizacao da escola brasileira, seja como desconstrucao de desigualdades, de discriminagoes, de posturas autoritarias, seja como constru- cdo de um espago de criacao de igualdade de oportunidades e de tratamento iguali- tario de cidadaos entre si. deste conjunto que a gestao de- mocratica impoe a questdo dos fins da educagdo e que foi tao bem expressa no art, 205 da Constituigao Federal de 1988: A Educagéo, direito de todos e dever do Es- tado e da familia, seré promovida e incenti- vada com a colaboracdo da sociedade, vi- 173 Carlos Roberto Jamil Cury sando ao pleno desenvolvimento da pessoa, Além da produgao especifica da seu preparo para oexerciciodacidadaniae rea, j citada no inicio do texto, cabe sua qualificacdo para o trabalho. olhar as referéncias bibliograficas: NOTA ‘Ha que se distinguir a deliberacao da decisao. $40 dois momentos distintos. 0 deliberar é um ato proprio de um 6rgao colegiado, plural ¢ representativo, e precede o ato decisério. O decidir reduz as muitas vontades a uma nica vontade, fruto consensual pés — dissenso, que acaba por vincular todos a um ato normativo final no qual todos se viram participantes. Consulte-se Bovero, 2002, especialmente capitulo 3 REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ARENDT, H. A condigao humana, Rio de Janeiro: Forense Universitdria, 1991 BOBBIO, N. O futuro da democracia, Rio

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