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3 NOTAS SOBRE A TEORIA DA ESQUIZOFRENIA! A. INTRODUGAO_ 34. Neste trabalho examinarei a utilizagao que 0 paciente esqui- zofrénico faz da linguagem € 0 nexo disto com a teoria e a pratica da psicanilise. Num futuro trabalho terei oportunidade de reconhecer minha divida para com os psicanalistas que contribuiram para 0 crescimento dos meus pontos de vista, assim como examinarei as idéias _ desses mesmos autores. Nao sera possivel fazé-lo por ora, mas cumpre deixar claro, para que se entenda melhor esta exposicdo, que a obra de Melanie Klein ocupa uma posi¢do-chave nas minhas opinides sobre a teoria psicanalitica da equizofrenia, mesmo nas ocasi6es em que nao admito, explicitamente, tal fato. Parto do suposto de que a explicagéo de expressdes como “identificac4o projetiva” e “posigdes depressiva € paranoide” ja seja conhecida devido asua obra. — : Ao abordar este tema através do exame do pensamento verbal, corto 0 risco de parecer nao levar devidamente em conta a natureza das relacdes de objeto do equizofrénico. E necessdrio acentuar agora, 1 Trabalho lido no Simposio “A Psicologia da Esquizofre Internacional de Psicandlise em Londres, 28 de julho de 1953. no 18° Congreso ve — ogee epuadap ovdnjos wlno wuxa}qoud umn Joan as ‘epnedenuos ug ued opueD0) vis9 wonfe anb sod zopuoaiduioo v waraubu ap sowauysoutso zeino9x9 ered ouerd win vas-truas efasap ‘wise ‘oman -rsuad 19 ei8tx9 3s anb o anb ureuzaqaored sowuaped somno anb wo sopisto0 wie ‘ogbe v au2jord prepoaau 2isq ‘omrauresuad ap wuti0y Ouro 9 opdeoqunuuio9 ap oporpiu wn oWIOD ‘opde ap FULIO] oWIOD :seITotICUT sen ap o2uayjozmnbsa ojad epezinn 9 [jequaa) woenSuy y -9¢ VOINSYIOZINOSA WADVNDNITV “D ‘iuaped op sagSersosse sazay se ‘sjod ‘fozvsseg “oruowou! Inastp oyuodosd au opu seur ‘oomgyozmbsa op asqPUE eu stucuodun jaded wn aquourenressooou equadurosap voupiaysen -enuod y ‘quaIsed op sagseposse sazal] 9 svode seu 9 PDOUPISUEN -enuod vu sopessng 19s ap win saoSeraidiai se exed somyput sO “SAQDVLAYCIALNI SV WVIASVE 3S AND Wa OYSVAUASAO Vd VZTUNLVN V “€ “vpugiajsuen ep soane8au soradse so o1uenb soanssod sowadse so one avsapisuos axdias eivd opepin opuewior ‘soonoanau wo ae8audura owmisos anb oonyfeue ontawatpaaoad op orseye 2U ON, ‘opssaidap ‘sayap win 9 sopennuaoe saproueaed soben uiesef24o4 stop ‘sou s9ss9q]‘SOUe OUD onenb od we2eanpiod onb ‘sepeoreu wag ‘saoSeuonye wrerwiuasazde asteue vu anb ‘soaiugujozinba sovueysa1 sgn so 2 ‘saprozinbs9 sosen ‘wo9 vaissasqo apepaisue ap ose9 v19 win ‘svBoxp wo sopemys urea ‘stop ‘satuayoed sas ap asijpuv ep opestia1 oj O>muH]> HOVE O “SE -epeurpiogns orduny sea ovs yenb vp “orafqo ap oeSe [as vssop vzaINICU ‘e tno910 969 ap wi) anb jerouaod ou yisa suUeAD| ofasop anb soprsanb sep wouruodun y “euaujozmnbso ep anusoxvut odes) 0 o2yunyjozinbs> op stma{qo sagdejaa sep ayjnoad Jowav> 0 or9pisuoa anb ‘owenod quando, por exemplo, esta num lugar e deveria estar noutro -, recorteté ao pensamento (pensamento onipotente) como forma de transporte. No momento, desejo examinar somente a sua utilizagio da lingua- gem como uma forma de acdo a servico ou da divisao do objeto, ou da identificagao projetiva. Notardo que esse é apenas um dos aspectos das relacdes de objeto do esquizofrénico em que ele ou divide os objetos, ou neles penetra e sai. A primeira dessas utilizacdes esta a servico da identificagao proje- tiva. Nesta, o paciente emprega palavras como coisas ou como partes excisadas dele proprio que ele enfia no analista. E tipica das conseqiiéncias dessa conduta a experiéncia de um paciente que achava que entrava em mim no comeco de cada sessdo € tinha de ser libertado no final dela. A linguagem uma vez mais é empregada como forma de aco para dividir 0 objeto. Essa modalidade se impée a atenco quando 0 analista ¢ identificado aos perseguidores internos, mas também € utilizada em outras ocasides. Eis dois exemplos desse uso da lingua- gem: o paciente entra no consultorio, aperta minha mao calorosa- mente e, me olhando fundo nos olhos, diz: “Eu acho que as sessoes nao sao longas mas me impedem sempre de sair.” Sei de experiéncia anterior que se queixa de que as sessées sao poucas e que atrapa- Tham o seu lazer. Ele tencionava me dividir, ao me fazer dar duas interpretagdes opostas ao mesmo tempo, e isto foi revelado pela associacao seguinte, em que indaga: “Como o elevador sabe o que fazer quando aperto dois botdes de uma vez?” O segundo exemplo encerra amplas implicagées — em razao do nexo que tém com a insdnia — , que nao poderei continuar examinando aqui. A “técnica” depende da combinacgao de dois elementos incompa- tiveis: assim, o paciente fala de um modo sonolento com a intencao de fazer o analista dormir. Ao mesmo tempo, estimula a curiosidade do analista. A intencdo, mais uma vez, é dividir o analista, que ¢ impedido de dormir e de ficar acordado. Sera observado um terceiro exemplo de diviséo, mais adiante, quando descrevo um paciente que cinde a propria fala do analista. Voltarei agora as dificuldades do esquizofrénico com a linguagem 35 Fis uma seqiténcia de associagoes, [verbal] como forma de pensamento- aradas entre si por intervalos de todas de uma tnica sessio mas Scpi quatro ou cinco minutos: ma que estou tentando solucionar. tive fantasias. lidade, de modo que parei com elas. Tenho um proble Quando crianga eu nunca Eu sabia que ndo cram real Hoje em dia nao sonho. Entdo, apos uma pausa, prosseguiu num tom de voz desnorteado: » Comento: “Ha mais ou menos um ano atras “Nao sei o que fazer agora. o senhor me disse que n4o sabia pensar. Agora 0 senhor disse que estava tentando solucionar um problema — obviamente algo em que o senhor estava pensando.” Paciente: “E.” Analista: “Mas ai surgiu a idéia de que o senhor nao tivera fantasias na infancia, e mencionou que nao tinha sonhos; e depois, que nao sabia o que fazer. Isso deve significar que sem. fantasias e sonhos o senhor fica sem meios de pensar o seu problema.” 0 paciente concordou e comegou a falar com acentuada liberdade e coeréncia. A alusdo a inibicdo da fantasia como grave incapacidade que bloqueia o desenvolvimento confirma as observacses que Melanie Klein fez no trabalho “A Contribution to the Theory of Intellectual Inhibition”. 37. A grave cisdo do esquizofrenico faz com que lhe seja dificil chegar ao uso dos simbolos e, subseqitentemente, dos substantivos e verbos. Cumpre que Ihe apontemos essas dificuldades a medida que surjam. Logo mais darei um pequeno exemplo disso. A capacidade de formar simbolos depende de: 1) capacidade de aprender objetos totai 2) abandono da posic4o esquizo-parandide ¢ da cisdo que a acom panha; 3) emenda das cisdes € entrada na posi¢ao depressiva. Como o pensamento verbal depende da capacidade de integr™® nao é surpreendente descobrir que © seu aparecimento se assoc inti aan jentou intimamente a posicdo depressiva, que éuma fase, conforme sali 36 a i Melanie Klein, de sintese ¢ integracio ativas. O pensamento verbal aguca a conscientizagao da realidade psiquica e, portanto, da depressao vinculada a destruigio ¢ perda dos objetos bons. Analogamente, a presenga de perseguidores internos (outro aspecto da realidade psiqui- ca) 6 mais reconhecida inconscientemente. O paciente sente ser de causa ¢ efeito a associacdo entre a posicéo depressiva ¢ 0 pensamento verbal — 0 que ja é uma crenca baseada na capacidade de integrar — ¢ isto vem acrescentar mais um motivo as muitas razGes para o seu 6dio, j4 bem patente, a andlise, que afinal é um tratamento que emprega © pensamento verbal na solucdo de problemas mentais. O paciente, nessa etapa, fica com muito medo do analista, mesmo admitindo que se sente melhor; mas, ai é que esta o cerne do problema que nos ocupa: revela todos os sinais de estar ansioso por nao ter nada aver com sua propria capacidade embrionaria de empregar pensamen- to verbal. Acha que é melhor deixé-la por conta do analista; ou, como julgo mais acertado dizer, considera 0 analista mais capaz do que ele proprio de abrigar essa capacidade dentro de si, sem que se dé um desastre. Apesar de todo o trabalho efetuado, o paciente parece ter retornado ao uso da linguagem que descrevi como tipico do esquizo- frénico antes da andlise. Dispoe de maior capacidade verbal, mas prefere utilizé-la como o fazia quando diminuta. D. DESENVOLVIMENTO DA CAPACIDADE DE USAR PENSAMENTO VERBAL 38. A fim de explicar por que o paciente se mostra tao pouco inclinado a usar sua ampliada capacidade, relatarei uma experiéncia que parece ter particular importancia para ele. Certo paciente disse-me: “Sou um prisioneiro da psicanalise”; mais adiante, acrescentou: “Nao consigo fugir.” Alguns meses mais tarde, disse: “Nao consigo sair desse estado mental.” Apreciavel quantidade de material (a qual os trechos citados nao fazem justica) acumulara-se por um periodo de trés anos, dando a impressao de que o paciente se sentia incapaz de fugir de uma prisdo que ora parecia ser eu, as vezes a andlise e, outras vezes, 0 seu estado mental, que cra uma luta permanente com os seus: objetos 37 ensamento verbal a mesma relagdo ao P' mostra em rciag! seu cabedal para o trabalho internos. Assim, 0 nte a sua poténcia ¢ ao atitude que tem fre eoamor. tou enfocand O probl que es lo poder ser mais bem compreen- roblema 7 te integrante dido se visto como pat do momento em que o paciente julga ter efetuado a evasdo. Tal fuga parece contribuir para sua impres- ; a ¢ esta melhor (coisa a que esporadicamente ele serefere); mas oe the ail O mesmo paciente afirmou: “Eu perdi as minhas Seat dizer com isso, conforme a anilise veio a revelar, alavras”, querendo oe 7 ae : ean com que efetuara a fuga havia sido perdido ao fasta As palavras (a capacidade de usar 0 pensamento verbal, impres- cindivel para que ele obtivesse mais progresso) tinham sumido. Num ulga haver chegado a essa exame mais minucioso, ao que parece, j situagdo como uma punicdo por ter criado o instrumento de pensamen- to verbal ¢ o ter utilizado para fugir de seu estado mental anterior; dai essa relutancia que descrevi em ele usar sua maior capacidade verbal, ano ser como uma forma de acao. falar da dificuldade que a cisao Eis agora o exemplo que prometi ao esquizofrénica ocasiona a formacdo de simbolos e ao desenvolvimento do pensamento verbal. O paciente era um esquizofrénico em anilise ha cinco anos; descrevo alguns pontos essenciais de duas sessdes. E necessario adverti-los de que a condensa¢ao que fiz do material me levou a deixar de lado diversas formulacées repetitivas que, em reali- dade, atenuariam a rudeza das interpretagoes aqui relatadas. Acho que a interpretacdo deva ser expressa numa linguagem simples, exata e adulta. Paciente: “Arranquei um pedacinho da pele do meu rosto e me sinto bastante vazio.” Analista: “O pedacinho de pele é seu pénis que o senhor arrancou fora, e todas as suas entranhas vieram junto.” Paciente: “Eu nao entendo... pénis... apenas silabas.” Analista: “O senhor partiu em silabas a palavra “pénis” que eu usei, e agora ela ficou sem nenhum significado.” s Paciente: “Nao sei o que ela significa, mas gostaria de dizer: se eu nao consigo soletrar, nado posso pensar.” An i oe . :. alista: “As silabas foram agora partidas e viraram letras; o senhot 38 nao consegue soletrar, quer dizer, nao consegue juntar as letras outra vez para formar as palavras. De modo que agora nao consegue pensar.” O paciente deu inicio a sessao seguinte com associacées descone- xas, queixando-se de nao conseguir pensar. Eu lhe recordei a sessio que acabo de descrever, e entao voltow a falar corretamente. Paciente: “Nao consigo encontrar nenhuma comida que interesse.” Analista: “O senhor acha que foi toda devorada.” Paciente: “Eu nao me sinto capaz de comprar roupas novas e minhas meias estao que sao so furos, um monte de buracos.” Analista: “Ao arrancar 0 pedacinho de pele ontem, o senhor se machucou tanto, que nem comprar roupas consegue; esta vazio e ndo tem com que compré-las.” Paciente: “Apesar de cheias de buracos, elas apertam meu pé.” Analista: “O senhor nao s6 arrancou o seu pénis como arrancou o meu também. E assim hoje nao ha comida que interesse; s6 um buraco, uma meia. Mesmo essa meia, porém, é constituida por um monte de buracos, todos feitos pelo senhor, buracos que se juntam para apertar ou engolir e machucar seu pé.” Esta sesso e outras que se seguiram confirmaram que ele achava que comera o pénis e que, portanto, nao havia sobrado nenhuma comida que interessasse, apenas um buraco, Mas esse buraco agora era tao persecutorio, que tivera de fragmenté-lo completamente. Como resultado da fragmentacao, o buraco tornara-se um amontoa- do de buracos que se juntavam de um modo Persecutorio para apertar seu pé. O habito que esse paciente tinha de esgravatar a pele vinha sendo examinado minuciosamente ha uns trés anos. A principio ele so se Ocupava com os cravos. Citarei a descrigdo feita por Freud de trés casos; um observado por ele mesmo, outro pelo Dr. Tausk e outro, por R. Reitler, casos esses que guardam certa semelhanca com o do meu paciente. Foram retirados do trabalho “The Unconscious” (1915). Sobre seu paciente diz Freud: “Foi se deixando afastar de todos os interesses da vida, em virtude do estado doentio da pele do seu rosto. Afirma ter cravos e que em seu rosto ha buracos fundos que todo mundo nota". Freud sugere que o paciente estava tentando resolver, na pele, o complexo de castracdo; e que este passara a pensar que havia idade funda nos locais de onde retirava os cravos. Prossegue nae eh idade que surge em conseqiéncia de seu ato culposo é o penta ae om seja, simboliza 0 eee . ameaca de castracdo (ou a fantasia que 4 representa) a la pelo onanismo, formacoes substitutivas com as do histérico, eae are: inho minimo como um poro cutaneo dificil- afirmando: “Um buraquil imbolo da vagina, a qual, istérico como S' 4 usado por um histérico mb: ‘ eects C po imaginavel de objetos capazes ara todo ti por outro lado, ele compa te de supor que a multiplicidade disso, de encerrar um espa¢o. Além. a q d dessas pequenas cavidades o impediria de empregé-las como substituto do genital feminino”. ' an o caso de Tausk, comenta: “Ao calcar as meias, perturbava-o aidéia de ter de espichar a malha de pontos, ou seja, OS buracos, sendo cada buraco, para ele, um simbolo do orificio feminino”. ‘Ao citar o caso de Reitler, diz que o paciente “descobriu a explicacdo de que seu pé simbolizava o pénis; calcar, a meia representava um ato onanista”. ' Agora retornarei a meu paciente, numa sess4o de dez dias depois. Uma lagrima brotou de seu olho e ele disse com um misto de desespero e reprovacdo: “Agora as lagrimas saem € de meus ouvidos”. Eu ja estava familiarizado com esse tipo de associacgdo, de modo que estava ciente de que tinha sido colocado diante de um problema de interpretacao. A esta altura o paciente, porém, ja estava em anilise ha uns seis anos, era capaz de um razoavel grau de identificacao com o analista e eu contava com sua ajuda. Nao tentarei fornecer uma descricdo das etapas pelas quais se atingiram as conclusdes que lhes apresento. Os avancos foram trabalhosos e lentos, apesar de termos como fonte evidéncias amealhadas numa anilise de seis anos. Pareceu-me estar lamentando uma cincada que cometera, a qual aparentemente confirmava a sua suspeita de que sua capacidade de comunicacao verbal estava prejudicada. Parecia que sua frase nao fora sendo mais um exemplo de incapacidade de juntar palavras de um modo apropriado. Examinado isto, vimos que as lagrimas eram coisas muito mas; que ele tinha em relacao as lagrimas que saiam de seus ouvidos sentimentos muito semelhantes aos que experimentava em relacao ao suor que sala 40 pelos buracos que surgiam em sua pele, quando ele supostamente arrancava cravos, dela. Constatou-se que seus tavam dos seus ouvidos asse- arrancado; a urina ma ainda assim continuava a sair. Quando me contou que nao conseguia ouvir direito, aproveitei seu comentario para lhe lembrar que, de qualquer modo, precisavamos saber por que sua mente estava tio cheia de pensamentos desse tipo naquele momento critico, e su; geri que provavelmente ele achava que sua audicdo estava defeituosa Porque as minhas palavras estavam sendo afogadas pelas lagrimas que jorravam de seus ouvidos, Quando revelou-se que ele tampouco conseguia falar direito, que isto ocorria porque ele achava que sua lingua tinha sido arrai ficando ele apenas com 0 ouvido, sugeri ncada, A isto seguiu-se o que pareceu ser uma série inteiramente cadtica de palavras e ruidos. Interpretei que agora ele achava que tinha lingua, mas que esta em realidade estava num estado tao ruim quanto o seu ouvido — dela sé saia um jorro de linguagem destruida. Em suma, parecia que apesar de seu desejo e do meu, nao conseguiamos (ou ele achava que ndo conseguiamos) nos comunicar, Sugeri que ele tinha, dentro de si, um objeto muito mau e hostil que estava tratando nossa telacao verbal de modo muito semelhante aos ataques destrutivos que, no passado, achara que desferira contra a relacao dos pais, fosse esta sexual ou verbal. A principio, ao que parece, ele percebia de modo muito agudo os defeitos em sua capacidade de se comunicar ou de pensar, tendo havido muito trocadilho com a pronincia de tears, sendo a énfase posta, principalmente, na incapacidade de juntar objetos, palavras ou a Prontincia de palavras, salvo de maneira cruel. Contudo, num dado momento, aparentou ter-se dado conta de que sua associacao havia sido © ponto de partida que possibilitou muita discussao. E ai, entdo, murmurou: “um montdo de gente”. Ao trabalharmos isso, revelou-se 1 A palavra tears, quando pronunciada de modo a rimar com hears, signi ae © quando pronunciada de modo a rimar com cares é a 3¢ pessoa do singul Cortar, rasgar. (N. do T.) 41 te havia abandonado a idéia de que sua capacidade que aparenteme do destruida de modo irreparavel pelos ataques verbal estava sem a e voltara-se para a ideia de que sua comu Suet era extremamente voraz. Esta voracidade, ele a satisfazia nicaga fragmentando-se e se transformando em tanta aes Bee the ox possivel estar em varios lugares, ao mesmo aoe ae as indmeras interpretagdes que eu, agora ae s ch mado num “montdo de gente”, era capaz de lhe dar mal mente, em vez de uma a uma. Sua voracidade € os ataques 4 comunicacag verbal efetuados pelos perseguidores internos estavam, portanto, rela- cionados entre si. 39. Era obvio que esse paciente julgava que a fragmentacao des- truira sua capacidade de pensar. Isto lhe parecia tanto mais grave Pois ele nao mais acreditava que a acdo propiciasse —_ solucdo Para o tipo de problema com que se debatia. O paciente equiparava esse estado 4 “loucura”. O paciente cré haver perdido a capacidade de pensamento verbal porque a deixara no estado mental anterior (ou, dentro do analista ou da analise). Cré também que sua capacidade de pensar verbalmente havia sido retirada de si pelo analista, que se converteu agora em alguém apavorante. Ambas as crencas dao origem a ansiedades carac- teristicas. A sua crenca de que a largou para tras contribuiu, conforme vimos, para fazé-lo sentir-se louco. Julga que jamais sera capaz de Progredir, a menos que retorne, Por assim dizer, ao antigo estado mental a fim de reavé-la. Isto ele nao se atreve a fazer porque tem horror ao estado mental em que se achava e teme ficar uma vez mais aprisio- nado no mesmo. A crenca de que o analista lhe subtraiu a capacidade de pensamento verbal o deixa com medo de empregar a recém-adqui- tida capacidade de Pensamento verbal, por temor de que esta lhe desperte édio contra o analista e o leve a renovar os ataques a esse ultimo. Do ponto de vista do Paciente, a aquisicéo do pensamento verbal foi um acontecimento muito infeliz. O pensamento verbal esta de tal modo entrelacado a Catastrofe e dolorosa emogao da depressao, que 9 paciente, recorrendo a identificacdo projetiva, o fragmenta e enfia no 42 - analista. As conseqiiéncias, uma vez mais, sao infelizes parao paciente; a falta dessa capacidade agora é sentida por ele como equivalente a estar louco. Por outro lado, a retomada dessa capacidade parece-lhe inseparavel da depressdéo e da consciéncia, desta vez em nivel de realidade, de que esta “louco”. Esse fato tende a dar realidade as fantasias do paciente acerca das conseqiténcias catastroficas que advi- riam se se arriscasse a reintrojetar sua capacidade de pensamento verbal. Nao se deve supor que durante essa fase o paciente deixe seus problemas intocados. Vez por outra fornecera ao analista informacées concretas e precisas sobre eles. O problema com que se defronta o analista é o horror do paciente, agora bem manifesto, a tentar obter uma compreensao analitica do significado que esses problemas tém para si, em parte porque agora entende que a psicandlise exige dele precisamente o pensamento verbal que tanto o horroriza. Até aqui abordei o problema da comunicacao entre 0 analista e o paciente esquizofrénico. Examinarei agoraa experiéncia que o paciente tem quando vive o processo de obtengdo de suficiente dominio da linguagem de maneira a sair da “prisdo da andlise”, ou do estado mental em que previamente se sentiu perdidamente enclausurado. O paciente aparenta nao se dar conta de qualquer existéncia fora do consultorio:; nao ha mencao alguma a qualquer atividade externa. Ha, t4o-somente, uma existéncia longe do analista, da qual nada se sabe a nao ser que o paciente esta “bem” ou esta “melhor”, e uma relagdo com o analista que 0 paciente diz ser ma. Os intervalos entre as sessées sao reconhecidos e temidos. Queixa-se de que esta louco, manifesta medo de alucinacado e delirio, e € extremamente cuidadoso na sua conduta, para nao ficar louco. O viver as emoges pertencentes a essa fase conduz a uma mudan- 6a, no sentido de uma maior valorizacdo do objeto externo em detri- mento do objeto interno alucinado. Essa mudanca depende nao sé da anilise das alucinacées, mas também da anilise da insisténcia do Paciente em destinar um papel secundario aos objetos reais. Se o fizer, Oanalista vera diante de si, em processo de desenvolvimento, nao sé o £80 mas também relacdes de objeto mais normais. Estou partindo do su . . Posto de que houve uma suficiente elaboracao dos processos de cisdo, da ansiedade persecutoria subjacente assim = da ae cao. Herbert Rosenfeld descreveu alguns dos perigos essa fase. Minha experiéncia confirma seus achados. Tive ocasiao de observar 0 progres- so a partir de cisées miltiplas para a divisao em oe Panes, ede quatro para duas partes; € @ grande ansiedade que surge 4 medi iene a integracao progride, juntamente com a tendéncia seas lesin- tegracdo violenta. Isto se deve a intolerancia 4 posicao lepressiva, aos perseguidores internos ¢ 20 pensamento verbal. Se a cisdo tiver sido elaborada suficientemente, a tendéncia a cindir, ao mesmo. tempo, c objeto e 0 ego sera mantida dentro dos limites. Cada sesso sera, entao, um passo no desenvolvimento do ego. E. CONSCIENCIA DE ENFERMIDADE 40. Um dos percalgos de se tentar esclarecer os complexos fend- menos das relacdes do esquizofrénico com seus objetos é que, se a tentativa for bem-sucedida, sera ilusoria e desorientadora. Abordando o problema a partir de um Angulo um tanto diferente, talvez restabeleca o equilibrio. Gostaria de retomar a historia no ponto em que as cisées sao rejuntadas, o paciente sai do estado mental em que se encontrava ese inicia a posigdo depressiva. Desejo, em especial, chaimar a atencdo para essa concatenacio de fatos quando é permeada pelo esclarecimen- to obtido gracas ao desenvolvimento da capacidade de pensamento verbal. Deixei claro que este € um ponto crucial na anilise inteira. E possivel, portanto, que tenham tido a impressao de que a esta altura a andlise entra em aguas calmas. E necessario, portanto, que nao os deixe com ilusdo alguma a esse respeito. O que ocorre, se 0 analista obtiver razoavel éxito, é a conscientiza- cao da realidade psiquica, pelo paciente; este percebe que tem alucina- g6es e delirios, podendo sentir-se impossibilitado de ingerir alimento e ter dificuldade de dormir. Dirigira ao analista intensos sentimentos de édio. Afirmard, categoricamente, que esta louco ¢ dira com grande conviccao e 6dio que foi o analista quem o levou a esse transe. E preciso que o analista esteja de sobreaviso, pois a preocupacao com 0 be do paciente leva a familia a interferir, devendo estar preparado ee 44 ES esclarecer-lhe devidamente uma situacdo alarmante. Tera que lutar para manter a distancia neurocirurgides e, também, terapeutas partida- trios de eletrochoque, ao mesmo tempo em que se concentra na tarefa de nao permitir que o paciente se afaste, um instante sequer, da consciéncia que teve de que esta enfermo, ou do ddio ao analista que conseguiu, passados tantos anos, conduzi-lo a percep¢ao emocional de fatos que levara a vida inteira tentando evitar. O que poderd ser tanto mais dificil, pois, quando o panico inicial comeca a diminuir, o proprio paciente comeca a sugerir que se sente melhor. Deve-se dar o devido peso a isso, mas é preciso tomar cuidado para evitar que se utilize tal fato para retardar a investigacdo minuciosa das ramificagées, na situa- cdo analitica, das mudangas que se operam nas relacdes de objeto do paciente em razao da percepgao de sua propria insanidade. F. RESULTADOS 41. Nao estou ainda em condicgées de emitir qualquer opiniao a respeito das possibilidade do tratamento, podendo apenas dizer que dois dos trés esquizofrénicos que mencionei agora estao ganhando o proprio sustento. Creio que, se o procedimento acima indicado for seguido, havera motivo para antevermos que o esquizofrénico possa atingir sua propria forma de ajustamento 4 realidade, o qual, apesar de nao idéntico ao ajustamento obtido por pacientes menos graves, nem por isso deixaria, talvez, de merecer chamar-se “cura”. Repito, nao acho que qualquer cura, ainda que limitada, sera obtida se, no estagio que tentei descrever, o analista procurar reassegurar o paciente, desfazendo assim todo o bom trabalho efetuado para que este dltimo pudesse se dar conta da gravidade de seu estado mental. Nessa etapa, cria-se uma oportunidade, que nao deve ser desperdicada, de examinar junto com © paciente o significado de se fazer trabalho analitico, ou qualquer outro género de trabalho, estando insano. r As experiéncias que descrevi compeliram-me a concluir que os elementos do pensamento verbal aumentam de intensidade e profun- didade ao inicio da Posicdo depressiva infantil. Em decorréncia disso, €xacerbam-se as dores da tealidade psiquica; e o paciente, ao regredir Ag a posi¢ao esquizo-paranoide, se volta destrutivamente contra sua pro- pria capacidade embriondria de pensamento verbal, como um dos elementos que conduziram a dor de que padece. :

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